O principal eixo do comércio de Sorocaba na época era a cruz formada pela Rua Barão do Rio Branco e Rua Dr. Braguinha. Numa esquina do cruzamento de ambas ficava a grande loja das Casas Pernambucas, cuja importância no comércio brasileiro era de tal monta que havia uma anedota dizendo que qualquer lugar só era realmente cidade se tivesse prefeitura, igreja, delegacia e uma filial das Pernambucas. Milhares de porteiras de fazendas em todo o país eram pintadas com o nome da loja e o digito verificador do CGC foi ampliado de três para quatro algarismos quando a empresa passou a ter mais de mil lojas.
Os judeus de Sorocaba concentravam o seu comércio nestas ruas. No início da Barão o belo prédio dos Kaplan, da viúva Rosa Kaplan e seus filhos Marcos, o meu amigo mais antigo e Rubens, artista multitalentoso, falecido precocemente e se tornou um dos miniaturistas mais importantes do país. Eu ganhei uma miniatura dele mas nunca fui buscar e com o seu passamento ficou apenas na intenção. Passei muitas horas na minha infância no amplo apartamento que ficava sobre a loja. Ao lado a Loja Modas Rio Branco de Abrão e Bertha Ofenhejm e suas lindas filhas, Dora, que se tornou advogada e escritora de sucesso, Miriam, que estudou odontologia mas que fez carreira como muito bem-sucedida empresária e Sara, historiadora, de quem tenho poucas notícias.
Um pouco abaixo do lado oposto, um prédio de três ou quatro andares de Salomão Zitron, um dos líderes da comunidade, cujo filho se tornou um renomado médico. Na Braguinha havia a loja de papai, a dos Mitelmão e seus filhos Sami e os gêmeos. Ao lado a loja do teatrólogo Werner Rothschild, que elevou o nível do teatro em Sorocaba. Pouco abaixo a Casa Couraça dos Kann e dos meninos Eliezer e Zevi. Próximo da ponte havia a loja dos Pinski, de Isaac e Jaime, que se tornou importante historiador e editor. Havia ainda o elegantíssimo médico Dr. Tabacow, que não frequentava a sinagoga, mas atendia a comunidade em domicílio. Havia ainda outras famílias como a do Dr. Saul Gun, cujo filho Luís Gustavo salvou a minha vida diagnosticando e operando um câncer no rim e algumas que vinham da cidade de Itu. As festas na sinagoga eram frequentes, alegres e cheias de comida deliciosa.
Aos 70 anos minha memória já anda funcionando aos trancos, como um carro com motor cansado. Perdi muitos detalhes daqueles tempos e se algum leitor, meu contemporâneo, puder me auxiliar corrigindo minhas lembranças ou fornecendo maiores detalhes ficarei muito agradecido.
Toda a vida da comunidade girava em torno da pequena e estreita sinagoga, que ficava em uma travessinha, Rua D. Pedro II, que sai defronte à antiga Prefeitura, atual Teatro Municipal, e termina na própria Dr. Braguinha. Hoje creio que ela não existe mais, mas apenas como curiosidade conto uma história que ouvi do próprio participante, Marcos Kaplan, que era há alguns anos o presidente da Sinagoga. O telhado desgastado pelo tempo do velho prédio havia caído, e o orçamento para a reparação ficava em trinta mil reais. Marcos tirou diversas fotos do estrago e foi procurar o bilionário mecenas Samuel Klein em S. Caetano do Sul, o dono das Casas Bahia. Apresentou-se, exibiu as fotos e pediu a ajuda possível. Klein disse à secretaria: - traga trinta mil em um envelope. Enquanto isso acontecia Marcos perguntou: - O senhor quer um recibo? A resposta foi: - Se eu precisar um recibo da sinagoga eu não dou dinheiro algum. Ao abrir o envelope ele continha trinta mil dólares. Marcos chamou a atenção para o engano, e a resposta foi: - Tudo certo. O senhor vai embora e arruma o prédio. Meu falecido cunhado Horácio Grobman me contou outras histórias sobre a generosidade de Samuel Klein.
O comércio na cidade crescia de forma extraordinária e meu pai foi muito bem, o que lhe permitiu adquiriu um sobrado na Rua Humaitá, em região nobre da cidade, onde tivemos vizinhos ilustres como o Dr. Luís Garcia Duarte, medico renomado e governador do Rotary e seu filhos João Luís, que se tornaria médico também e Sandra, a menina mais bela da redondeza, que todos sonhávamos namorar. Éramos vizinhos também do Manoel Beldi Castanho, que se tornaria o dono do melhor SPA do Brasil, e os Cacace, Fábio, restaurador, artista plástico e músico, José Cláudio, Danilo e Regina que se tornaram meio que extensão de minha família. Bem próximo morava a família de Leila e Benedito Puglia Camargo, e seus filhos Lélia e Celso, uma das famílias que mais amei na vida. Como eu já disse acima, a memória de tantas outras pessoas tornou-se fugaz.
Papai comprou um Opala azul bebê novo em 1968, ano do seu lançamento. Era lindo e foi o carro no qual aprendi a dirigir à custa de derrubar o muro do vizinho da frente. Era o carro mais luxuoso da rua o que mostra a evolução do imigrante que 20 anos antes havia chegado com as mãos abanando e recomeçado a sua vida como camelô. (Na foto a casa da Rua Humaitá)
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