dezembro 21, 2020

MEMÓRIAS ESPARSAS DE SOROCABA - 2

 Embora na então Palestina (de Philistia, dos Filisteus) ainda sob o Mandato Britânico, já existissem inúmeras colônias judaicas, desde o século 19, em terrenos adquiridos e pagos por mecenas europeus como os Rothschild e o Barão Hirsch, após a Declaração da Independência de Israel, em 1948, o país se tornou uma colcha de retalhos de imigrantes judeus de todas as partes do mundo.

Era uma multidão procurando um lar definitivo para se estabelecer, a Terra Ancestral dada pelo Senhor a Moisés. Pessoas de todas as idades, de todas as formações, com ou sem qualificações, com idiomas e dietas diversos, algo impossível de dar certo. O país não oferecia nada, nem terra fértil, nem indústrias, nem agricultura extensiva, nem sequer um governo que se entendia entre si. Mas todos unidos no ideal expresso por uma tradicional oração dos judeus, ‘’O ano que vem em Jerusalém”.

Papai foi um destes imigrantes. Apesar de sua formação militar e em matemática, estabeleceu-se em um pequeno aldeamento, ‘kiriat” em hebraico, nos arredores de Hadera, onde nasci, palavra que significa pântano em hebraico, o que descreve bem o local. Lá sustentava a família com uma charrete entregando barras de gelo de casa em casa no país que em seu início tinha pouca energia elétrica e quase nenhuma refrigeração, mas a escassa comida precisava ser conservada. Cuidava ainda de uma pequena roça e muitas noites, com seus vizinhos, fazia a ronda para proteger a aldeia dos constantes ataques dos terroristas árabes, os ‘fedayin”. Aliás, meu pai andou armado a vida inteira e a não ser na guerra, nunca feriu nem matou ninguém, o que mais uma vez prova que o perigo não está no instrumento, mas em quem puxa o gatilho.

Curiosidade. Nasci no Hospital Militar Inglês. Na minha última viagem a Israel fui rever a minha cidade natal, atualmente uma grande cidade que tem inclusive uma usina nuclear, e o local onde vim ao mundo era agora um Hospital de Doenças Mentais. Foi o meu alfa. Que não seja o meu ômega.

Seu maior tesouro era o cavalo, o mais cobiçado troféu de furto dos ‘fedayin’ e na casinha de madeira ele dormia com a janela aberta, com a corda que amarrava o cavalo presa no braço e o revolver na mão, mas nunca houve problemas. Sua reputação de bom atirador não justificava o risco para os larápios. E o país ia sendo construído passo a passo pela força e pela fé de quem retornava à sua Pátria ancestral, apesar da absurda escassez de recursos.

Em 1956, o ditador Nasser fechou o Estreito de Tiran, única saída de Israel para o Mar Vermelho e foram criadas condições para mais uma guerra, que de fato ocorreu pouco depois. Em junho do mesmo ano, farto de guerras, papai decidiu buscar viver em país lindo e pacífico. O Canadá, a Argentina, os EUA e o Brasil estavam proporcionando vistos para que tivesse alguma profissão, e meu pai, devido a sua experiência de artilheiro conhecia engrenagens, ferramentas e parafusos, e tendo declarado a profissão de mecânico conseguimos embarcar para o Brasil do navio Andrea C, da empresa italiana Linea C. As passagens foram pagas com a venda da casinha, dos poucos bens e do cavalo, ah, o bendito cavalo. Na foto abaixo eu com 4 meses no colo dos meus pais. 

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