fevereiro 04, 2021

SEXO E MISTICISMO - UMA ABORDAGEM HISTÓRICA E CULTURAL - PARTE 3




 SEXO E MISTICISMO: uma abordagem histórica e cultural


Parte 3


O sexo como fator de estabilidade social

Verificamos que, se a sexualidade foi sempre uma das maiores motivações do ser humano, foi também uma das grandes preocupações dos legisladores.
Por sua necessidade com fator de estabilidade social, é que as grandes correntes filosóficas de todas as épocas deram tanta atenção à sexualidade; por esta razão Iaweh, que inspirou todo o Livro Santo, consagra um Cântico ao amor.
E entre as mais importantes regras que procuraram normatizar a sexualidade encontramos o Decálogo, os Dez Mandamentos.
Com efeito, o sétimo mandamento ? não cometerás adultério ? reconhece o matrimônio como base da família, santificando-o dando-lhe o respaldo da religião.
Curiosamente a maior parte dos grandes heróis citados na Bíblia, a começar de Abraão, passando por Salomão, Davi e tantos outros praticavam o adultério. Assim como "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço".
É, no entanto, no Levítico que o Senhor elenca um rigoroso código de comportamento sexual, moral e religioso, com severíssimas restrições, que se estendem por três capítulos inteiros do Livro, e que, entre outras coisas, determina:
"Não descobrirás a nudez de sua parente próxima, não descobrirás a nudez de teu pai e nem a nudez de tua mãe...e vai aí por diante estabelecendo a expressa proibição de casamentos consangüíneos, do incesto, do adultério ? "não darás teu leito conjugal à mulher de teu próximo, para que não te tornes impuro com ela" ? e condena à morte ambos os adúlteros ou "o homem que se deitar com um animal".
Mas o Senhor não proibiu expressamente a relações com prostitutas estrangeiras e por esta razão, moabitas, sírias e outras tantas viviam ao longo das estradas da Terra Santa, combinando mascateação com prostituição.
Salomão revogou as leis que as mantinham fora dos muros de Jerusalém, e com isso elas se multiplicaram tanto, e tão velozmente, que nos dias do Templo, era acusado pelos macabeus de tê-lo transformado em um "antro de fornicação".
Mas a história registra que a família judaica, ao invés de degenerar, prosperou.
O substrato ético do povo hebreu, aliado à força coercitiva das prescrições divinas, consolidou a família como elemento fundamental do ordenamento social e casos de amor e ternura foram eternizados como os de Isaac por Rebecca ou o de Jacó por Raquel, matéria prima de um dos mais belos sonetos da língua portuguesa, de Luiz Vaz de Camões:

Sete anos de pastor Jacó servia,
a Labão, pai de Raquel, serrana bela,
mas não servia a ele e sim a ela,
que a ela só por premio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando-se com vê-la
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel, lhe deu a Lia.

Vendo o triste pastor, que com enganos,
lhe era assim negada a sua pastora,
como se não a tivera merecido,

Começa de servir outros sete anos,
dizendo: - mais servira, se não fora
para tão longo amor, tão curta a vida.

A atividade sexual era escrupulosamente regulamentada pela lei religiosa, que determinada dias, ritos e procedimentos, sem no entanto coibir o prazer. O sexo devia dar satisfação. O legislador hebreu, experiente e realista, admitia ser forçoso administrar aquilo que não se podia combater, porque o ato sexual, com a ampla variedade de sensações agradáveis que proporciona, oblitera o juízo, embota a razão e traz a tona os incontroláveis e primitivos instintos do animal.
A propósito, em 1668, o Dr. Mauriceau, médico e pensador gaulês, escrevia: - "As partes do homem e da mulher que servem à geração, foram dotadas de uma sensibilidade, de uma cócega agradável, um doce formigamento que os incita à ação. Assim não sendo, seria impossível ao homem, esse animal divino, nascido para a contemplação das coisas celestiais, juntar-se à mulher. Se assim não fosse ele fugiria da sujeira e do mau cheiro dessa parte, receptáculo de todas as imundícies do corpo da mulher, e não se resolveria a colocar este membro que lhe é tão querido, a uma dedo da distância do ânus...".
Prossegue o pensador: - "Se a mulher pensasse nos mil incômodos que lhe causa a gravidez, nas dores que sentirá, no perigo de vida a que se pode acrescentar a perda da beleza, o dom mais precioso que ela tem, fugiria do ato. Mas essas reflexões, dele e dela, vêm depois da ação e não contam quando o prazer domina".
Assim podemos entender melhor o Gênese, a tentação de Adão, ao tomar ciência do fato de que a palavra NAHASH, vulgarmente traduzida como serpente, quer na verdade dizer: concupiscência. Essa era a principal paixão no meio de toda a animalidade da natureza elementar que o Senhor criara.
- "Yaweh disse à mulher: - Que fizeste? E a mulher respondeu: a serpente (concupiscência) me seduziu e eu comi (do fruto da árvore).
E foi por esta razão, por força do apelo sexual, que Adão e Eva teriam precipitado a queda da raça humana.

O sagrado sêmen e a masturbação


O legislador de Israel também sacralizou o sêmen, a semente, baseado num texto da Lei, que reza: "Toda a raça humana descende de um único homem. Logo, não apenas um homem tem potencial para reproduzir um mundo inteiro, como, verdadeiramente, cada homem é um mundo inteiro".
Isso significava, no aspecto místico, que a semente, fluido misterioso contido no homem, contém em si uma força emanada diretamente por Deus, e que é a potência de construção da humanidade. É como se o esperma contivesse em si, a geração.
Como tudo o que se referisse à fecundidade e a reprodução tinha caráter misterioso e sagrado, alguns preceitos versavam sobre a menstruação, o parto, a ejaculação, que é considerada uma perda de vitalidade pelo homem, e que, através de certos ritos e práticas deve restabelecer a sua integridade e a sua união com Deus, fonte da vida.
A masturbação, por se tratar de desperdício, ou uma destinação menos nobre do fluido seminal, era interdita. Essa proibição através os séculos tendo sido reforçada pelos pregadores, quer católicos, quer da Reforma, até adquirir verdadeiro caráter de anátema.
O livro "O inimigo rastejante" editado em Estocolmo, em 1887, ensinava que a masturbação transformaria o rapaz em "uma ruína esquálida e devastada, um condenado à morte ou ao asilo, mergulhado na noite escura e sem fim da demência". Provocaria ainda "a interrupção do crescimento, do desenvolvimento do sistema muscular, da puberdade e da barba". Finalmente "destruiria o cérebro, o sistema nervoso, a medula espinhal, a inteligência, a lucidez, a vida sob todos os aspectos".
Infelizmente tais sandices perduram ainda em nosso tempo. É comum se ouvir no interior do Brasil que a masturbação faz crescer pelos nas mãos.

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