Em 1957, quando chegamos a Sorocaba, esta era uma das maiores cidades do Estado de S. Paulo, com cerca de 130.000 habitantes e uma florescente vocação industrial, especialmente na indústria têxtil. Era a capital dos tecidos de linho produzidos principalmente pelas indústrias têxteis Barbero e Metidieri, mas havia muitas outras, a fábrica N.S. da Ponte, que foi a primeira da cidade, também conhecida como Fonseca, a enorme CIANÊ, Cia Nacional de Estamparia, a Fábrica de Tecidos Santa Rosália, a Fábrica Santo Antônio, etc., e indústrias pesadas como a Fábrica de Cimento Santa Helena do grupo Votorantim, a Fábrica de papel Votocel e de maneira pioneira no Brasil havia centenas de faccionistas produzindo peças acabadas em linho e algodão que eram vendidas em lojas de fábrica e por outros revendedores em todo o país. Havia ainda as gigantescas oficinas da Estrada de Ferro Sorocabana, talvez o maior empregador da cidade. Era uma cidade próspera, com pleno emprego e uma renda bastante razoável na medida que os salários da época compravam proporcionalmente mais do que os atuais.
Com um pequeno capital emprestado pelo Sr. Teperman, pago integralmente pouco tempo depois, papai comprou a “clientela” e uma pequena quantidade de mercadorias, que na época eram chamadas de “roupas feitas”, uma novidade porque até então grandes redes de lojas de tecidos como as Pernambucanas, Buri e outras menores vendiam os panos que eram costurados em casa para fazer as roupas. A roupa feita libertava a dona de casa para outras atividades e foi muito bem aceita pelas famílias. Meu pai, baixinho, mas atarracado e muito forte, saía a pé carregando duas pequenas malas e visitando sua clientela. As vendas e pagamentos eram anotados em cartões e até onde eu sei, naquele tempo em que a palavra valia mais do que o temor do SPC, ele nunca levou um calote.
Em pouco tempo o dinheiro ganho deu para comprar uma charrete e um cavalo, e o cavalo voltou às nossas vidas. Morávamos então numa pequena ladeira chamada Rua Afonso Pena, em uma casinha de vila geminada com outras tantas, onde fiz amigos que tenho até hoje. O cavalo era guardado nos altos da Av. Barão de Tatuí, hoje uma das principais artérias da cidade, no local onde se situa mais ou menos o atual shopping no Campolim, que naquele tempo não era mais do que uma vasta pastagem. Papai saia a pé por volta das quatro da manhã para atrelar o cavalo à charrete, chegava em casa por volta das seis para carregar as mercadorias na carroça, levava uma marmita ou um pedaço de pão com salame e queijo embrulhado em um pano de prato e se dirigia aos bairros mais distantes onde aumentou exponencialmente a sua clientela. As pessoas adoravam aquele “russo” simpático e bonachão, risonho e bem-humorado, com forte sotaque e sempre disposto a um café, um trago e uma piada. Muitas vezes, nas minhas férias, saí com ele. Ao escurecer levava o cavalo e a charrete de volta ao pasto, lavava o animal e voltava a pé para casa.
As pessoas passaram a fazer encomendas de coisas mais dispendiosas, roupa de cama e mesa, ternos e vestidos, enxovais para casamentos e meu pai ia buscá-las em S. Paulo, onde angariou vasto crédito. Ele comprava as mercadorias, o vendedor anotava em um pedaço de papel de embrulho, geralmente rosado e enfiava em um espeto. Um mês depois, ao retornar meu pai pedia a conta, o lojista tirava o papelzinho do espeto e era pago em dinheiro, uma boa soma que meu pai carregava consigo sem preocupações. Vi isso acontecer muitas vezes. Não havia nota fiscal, duplicata, promissória, recibo, nada, a não ser a valiosa palavra empenhada por dois comerciantes honestos.
Os negócios cresceram e o cavalo e a charrete foram finalmente substituídos por um jipe Land Rover, barulhento e duro, que recordava ao meu pai os veículos utilizados na guerra. Pouco depois, pela recém lançada perua Rural Willys, azul e branca, que ele tirou “O KM” da concessionária e que ficou com ele por muito tempo.
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