maio 16, 2021

MAÇONARIA – OS MITOS E OS RITOS

 

 




Ao final da cerimônia de iniciação cada neófito recebe um livro que traz na capa o título “Ritual do Simbolismo Maçônico” e em letras menores “R:.E:.A:.A:.” ou Rito Escocês Antigo e Aceito. Na verdade existem dezenas de rituais para outros tantos ritos na maçonaria, mas a despeito da expressão que soa familiar o que significam exatamente as palavras “rito” e “ritual”.

         O rito é uma encenação. A dramatização de um mito, de uma narrativa histórica, real ou imaginária ou de um modelo de vida idealizado, como uma história que deve ser ensinada, relembrada e lapidada. A experiência ritualística nos vincula a um passado que traz um sentido de continuidade, pertinência e nos imbui de um senso de propósito.

          O mito é uma narrativa de caráter simbólico que procura explicar a criação divina através das ações e do modo de agir dos personagens humanos, a origem das emoções e das coisas, tais como o amor, o ódio, a criação do mundo, do homem e da mulher, das múltiplas relações entre o homem e a natureza e de oferecer soluções aos problemas inerentes a natureza humana. Apesar de ser uma criação humana o mito transcende ao homem e adquire uma força que lhe permite oferecer a resolução dos conflitos com os quais o ser humano vive. Os mitos romantizados perpetuam a obra de grandes escritores como Camões e Shakespeare porque, qualquer que seja o seu local ou época, dizem respeito diretamente às emoções humanas.

O rito está associado ao mito. Por meio dele se põe em ação o mito na vida do homem - em cerimônias ritualísticas, orações e sacrifícios. Deve ser uma prática contínua, repetitiva e periódica, de caráter social ou individual, submetida a regras precisas que mantenham a eficácia na criação de uma egrégora ou na invocação da divindade. Tem regras minuciosas para manter a exatidão dos gestos e atos para que na sua exata repetição a egrégora possa ser formada ou a divindade possa ser evocada, mesmo que esses gestos e atos não estejam detalhados nos mitos. Enquanto o mito narra e descreve a ação divina, o rito simboliza e encena. Mito e rito espelham um ao outro em harmonia

  Por exemplo, na iniciação reproduzimos o mito da caverna de Platão. Nas viagens, estando vendado o neófito é reduzido a condição do homem preso no interior de uma caverna, situação que só lhe permite ver vagamente as sombras projetadas no exterior.. A caverna representa o mundo dos sentidos, no qual só se percebem as sombras das coisas. Ao ser desvendado e quando lhe é dada a Luz passa a ver o exterior, o mundo das idéias. O Sol, a Luz, simboliza o Bem. A Filosofia, diz Platão, é que dá ao homem a condição de sair da caverna, exercer a liberdade e perceber a realidade e o mundo das idéias; É a alegoria da caverna representada na iniciação.

Todos os ritos propõem uma passagem, uma iniciação, a partir de um mito. O rito é um conjunto de comportamentos e atitudes padronizadas no qual as pessoas se expressam por meio de gestos, símbolos, linguagem e comportamento, transmitindo um sentido coerente e inteligível ao ritual. O batismo, o casamento, a condecoração, a iniciação maçônica nos diversos graus, todos são ritos que carregam um sentido imagético-simbólico, mantendo ensinamentos ancestrais e sagrados. O caráter comunicativo do rito é de extrema importância, pois não é qualquer atividade padronizada que constitui um rito.

Vamos então tentar observar os mitos maçônicos com detalhes através das lentes que adquirimos participando das sessões e dos estudos.

 

MITO DA IMUTABILIDADE: Desde a edição dos primitivos landmarks e da Constituição de Anderson ouve-se dizer que as leis maçônicas são imutáveis. Isso é muito falado em Loja. Na realidade houve muitas versões das leis fundamentais da maçonaria, inúmeras mudanças em todos os rituais. Novos comportamentos em função da evolução da sociedade e dos meios de comunicação. Há mais de trinta e cinco anos, quando fui iniciado os aprendizes em hipótese alguma podiam fazer uso da palavra; jamais subiriam os degraus que levam ao trono; nem em sonhos ocupariam algum cargo em Loja. Hoje se tornou banal que aprendizes ocupem o cargo de secretário, chanceler ou tesoureiro, ou até mesmo de guarda do templo que é privativo de mestre. Recentemente houve mudanças na circulação em Loja. Falar de maçonaria feminina ou mista no passado era considerado heresia. Hoje ambas são cada vez maiores e mais poderosos. E assim por diante, a provar que nada na maçonaria é imutável.

 

MITO DA EXCLUSIVIDADE: Determina que somente a maçonaria tem as ferramentas para transformar o homem e o mundo, como se nossos rituais tivessem um componente genético transmitido através da iniciação que torna os maçons pessoas  melhores do que média, especiais. Os maçons, pensamos, tem a exclusividade das grandes transformações. Isso já foi verdade no passado, mas a medida que a população aumenta a maçonaria vem reduzindo os seus quadros. A causa tem sido a criação de inúmeras outras organizações que praticam as mesmas finalidades. Hoje existem milhões de pessoas filiadas a Clubes de Serviço como o Rotary e o Lions, ou ONGs como os Médicos sem Fronteiras, ou mesmo a movimentos sociais mantidos por igrejas e com enorme eficácia em sua ação.

 

MITO DA UNIFORMIDADE: Supõe que a maçonaria, por suas características é única, singular, tem um só padrão que é comum a toda a maçonaria universal. Imaginam controle único e centralizado, engessador. Qualquer opinião diferente é descartada de imediato. Assim conflitos de reconhecimento recíproco, listas de Lodges, mudanças em rituais, a existência de maçonarias mistas e femininas ou novas potências, são consideradas heresias, imediatamente descartadas sem que dêem ao luxo de passar pelo crivo do raciocínio. Coexitem mais de setenta rituais diferentes na maçonaria. Além das potencias tradicionais são criadas frequentemente novas potências que se arrogam ao uso da expressão “maçonaria” e que se hoje são criticadas com o passar dos anos acabarão por ser aceitas assim como foram as dissidências das Grandes Lojas e dos Grandes Orientes Independentes. É importante frisar que o tempo maçônico, multi secular, é bem diferente do tempo humano, curto e perecível. A maçonaria é eterna, move-se muito lentamente e acaba por assimilar nesta longa trajetória

 

MITO DA SACRALIDADE: Imagina-se que o templo maçônico está envolto em uma redoma que o isola dos problemas da desenfreada sociedade, como se fosse um mundo a parte. Na verdade a palavra “sagrado” em hebraico, que se lê kedushá, significa mesmo “estar a parte”.

Quem conhece a história de nossa Ordem sabe o quanto essa visão é falsa. O Templo não é uma blindagem que nos afasta da realidade do cotidiano. Muito ao contrário, ao longo do tempo, em Lojas, se cultivaram revoluções sociais que mudaram a história do mundo, desde a implantação da filosofia iluminista no início da Idade Moderna, até declarações de Independência nacional ou proclamações republicanas em países de todo o mundo.

O Templo nos proporciona serenidade para observáramos com distanciamento crítico quais são as necessidades da sociedade e permite que os maçons, seus freqüentadores, se unam e se organizam para obter, no tempo necessário, a consecução desses objetivos.

 

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