Heitor Rodrigues Freire é advogado, corretor de imóveis, ensaísta, Past GM da GLEMS e atual presidente da Santa Casa de Campo Grande.
Em artigo anterior, mencionei o estoicismo a voo de pássaro, en passant, por tratar naquela oportunidade de outro tema. Mas, na realidade, seu fundamento é tão abrangente e interessante que me vejo no dever de tratar do assunto com a profundidade que merece, pois temos muito a aprender com sua prática.
O estoicismo prega a ética da imperturbabilidade, a extirpação das paixões e a aceitação resignada do destino como marcas do homem sábio. É o triunfo da resignação, da aceitação da adversidade e da dor.
Como se vê, é um conceito que tem muito a ver com os momentos que estamos vivendo hoje.
O estoicismo foi fundado no século 3 A.C. por Zeno, um rico mercador da cidade de Cítio, no Chipre, uma ilha no Mediterrâneo. Após sobreviver a um naufrágio em que perdeu tudo o que tinha, Zeno foi parar em Atenas. Essa adversidade acabou causando uma profunda transformação em seu modo de ser. Uma vez na Grécia, Zeno conheceu as filosofias de Sócrates, Platão, Aristóteles e seus seguidores.
Ele se deu conta de que existia um mundo não material que era imprevisível e cujo controle não dependia diretamente de seus atos, diferente do mundo que ele vivenciava até então. Zeno abraçou as ideias daqueles filósofos, passou a viver uma vida simples e fundou sua própria escola de pensamento, o estoicismo.
Os primeiros estóicos criaram uma filosofia que oferecia uma visão unificada do mundo e do lugar que o homem ocupava nele.
Trezentos anos depois, Epiteto, um ex-escravo grego que viveu na Roma de Nero, tornou-se um dos três maiores filósofos do estoicismo, a escola de pensamento que é considerada filosofia prática. Para ele, uma vida feliz e uma vida virtuosa são sinônimos. Felicidade e realização pessoal são consequências naturais de atitudes corretas.
No trecho a seguir, extraído de seu manual, Epiteto reflete sobre as paixões, e como lidar com elas.
"Os homens são perturbados não pelas coisas, mas pelas opiniões que eles têm delas. A morte, por exemplo, nada tem de terrível, senão tê-lo-ia parecido assim a Sócrates. Mas a opinião que reina em relação à morte, eis o que a faz parecer terrível a nossos olhos. Por conseguinte, quando estivermos embaraçados, perturbados ou penalizados, não o atribuamos a outrem, mas a nós próprios, isto é, às nossas próprias opiniões. Quem acusa os outros pelos próprios infortúnios revela uma total falta de educação; quem acusa a si mesmo mostra que a sua educação já começou; mas quem não acusa nem a si mesmo nem aos outros revela que sua educação está completa".
“Um estóico é quem transforma medo em prudência, dor em transformação, erro em aprendizado e desejo em empreendimento.”
Para os estóicos, a vida não é em si uma coisa boa, é uma oportunidade. E o que importa é o que fazemos dela. Um sábio, um homem ou uma mulher, podem fazer algo útil com suas vidas, uma pessoa má ou tola pode fazer algo ruim com suas vidas. E o mesmo vale para qualquer coisa que os estóicos consideram estar fora do nosso controle, como, por exemplo, nossa saúde, nossa riqueza ou nossa reputação. Essas coisas são vantagens que a vida nos dá, mas não são intrinsecamente boas. Um homem mau pode usar sua riqueza e reputação para fazer coisas terríveis. Mas nas mãos de uma pessoa boa, essas coisas podem ser usadas com finalidades virtuosas.
Na vida de um estoico cada minuto tem seu preço; o tempo é precioso, não porque é curto e receamos que ele falte (todo minuto representa um ganho, que consiste em ter empregado racionalmente o tempo), mas porque não devemos desperdiçá-lo irrefletidamente.
Os mais célebres estóicos que viveram e divulgaram o estoicismo são Zeno, Epiteto, Sêneca e o imperador romano Marco Aurélio, que se tornou um grande difusor da filosofia, aplicando-a no seu governo de forma marcante e deixando seu testemunho por escrito na série de textos intitulada Meditações.
A escola estóica teve profunda influência na civilização greco-romana e, por consequência, no pensamento ocidental como um todo – e foi mais além. Ela está presente no cristianismo, no budismo e no pensamento de diversos filósofos, como o alemão Immanuel Kant, além de ter influenciado a técnica contemporânea de psicoterapia chamada Terapia Cognitivo-Comportamental.
O estoicismo se perpetuou no tempo e no espaço exatamente por seu fundamento básico e chega aos tempos atuais sendo divulgado por muitos filósofos e pensadores modernos, como Massimo Pigliucci, autor do livro Como Ser um Estóico: Usando a Filosofia Antiga para Viver uma Vida Moderna.
Nancy Sherman, filósofa americana que estuda a influência do pensamento estóico sobre a ética militar, escreveu: "Não espere que o mundo seja como você deseja, mas sim como ele realmente é. Dessa forma, você terá uma vida tranquila."
A filosofia estóica, aplicada no limite da sobrevivência, foi o que norteou um piloto da marinha americana, James Stockdale. Durante a guerra do Vietnã, ele foi abatido em pleno voo e ficou em cativeiro por sete anos na mão do inimigo. Em seu livro de memórias, ele conta que foi Epiteto que o inspirou a aguentar firme: "Ele me ensinou que o negócio é manter o controle sobre meu propósito moral. Na verdade, ele me ensinou que eu sou o meu propósito moral. Ele me ensinou que sou totalmente responsável por tudo o que faço e digo. E que sou eu quem decide e controla minha própria destruição e minha própria libertação”.
"Para quem vê conformismo nessas palavras, uma ressalva: eles não estão propondo que você seja passivo em relação à vida, mas que aceite as coisas que estão além do seu controle e que já aconteceram", diz o filósofo e psicoterapeuta escocês Donald Robertson.
Para fechar a influência moderna nestes tempos de tanto avanço tecnológico, não podemos deixar de citar o escritor e palestrante alemão de auto-ajuda Eckhart Tolle, cujo livro Aqui e Agora, vendeu milhões de exemplares em todo o mundo. Em seu livro : O Poder do Agora, Eckhart Tolle, nos ensina como tomar consciência dos pensamentos e emoções que nos impedem de vivenciar plenamente o que está dentro de nós.
Ou como dizemos nós, no Paraguay, em bom guarani: “Ko’ápe ha ko’ânğa”, aqui e agora. A vida acontece aqui e agora. Não a desperdicemos.
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