(Este trabalho é uma síntese do Capítulo II da obra "Landmarques e Outros Problemas Maçônicos”, de Nicola Aslan, acrescido de informações pesquisadas na Enciclopédia Conhecer e na revista maçônica "Consciência", editada pela Grande Loja do Mato Grosso do Sul)
Esta semana as democracias do mundo inteiro registram e comemoram mais um aniversário da Revolução Francesa, acontecimento que marcou para sempre as relações dos homens com o Estado e dos homens entre si.
Sempre se ouviu nos meios maçônicos que a Revolução Francesa foi uma obra da Sublime Instituição.
Assim, como estamos no dia 14 de Julho, data que se comemora a Queda da Bastilha, entendemos pertinente trazer alguns comentários, tanto sob o prisma da importância histórica em caráter geral, como sob o ângulo da Maçonaria, em particular.
Inicialmente é preciso deixar claro que qualquer análise que se faça sobre fatos históricos, a mesma deve ser feita de acordo com o contexto do momento em que eles aconteceram, sob pena de interpretações distorcidas.
É sob tal enfoque que procuramos elaborar este trabalho.
Com efeito, a França daqueles anos encontrava-se em total desequilíbrio. Cerca de 26 milhões de pessoas sustentavam o luxo de uma pequena minoria de nobres estimada em 400.000 pessoas que reservavam para si a maior parte da riqueza produzida no país, bem como as funções mais importantes do Estado.
A Monarquia arrecadava, o Clero não pagava impostos e ainda arrecadava o dizimo e quem realmente pagava impostos era a classe burguesa e os membros pobres do chamado Terceiro Estado(1).
Ao lado disso, a fome era o verdadeiro flagelo do povo francês e como resultado, eram comuns os saques, roubos e uma série de outras barbáries, sem que no horizonte se vislumbrasse qualquer perspectiva de melhora.
Naquela altura dos acontecimentos, a superioridade moral e intelectual não estava mais ao lado da realeza, do clero e da nobreza.
Através de seus filósofos, de seus representantes, de seus homens de ciência, o povo se apossara dessa superioridade, principalmente porque produzia riquezas e se conscientizou dessa realidade.
Montesquieu, d'Alambert. Diderot, Voltaire(2), dentre outros, deixaram- se impregnar pelas idéias dos livre-pensadores ingleses, influindo por sua vez na parte filosófica do movimento.
Contudo a maior influência foi exercida por Jean Jacques Rousseau, através do livro "O contrato social", onde pregava a doutrina de que todos os homens são iguais.
A inquietação social e política, aliada a problemas financeiros graves, persuadiu Luis XVI a convocar os Estados Gerais no início de 1789, ato que ajudou a desencadear os acontecimentos.
Entre as principais exigências do Terceiro Estado estavam as sessões conjuntas dos Três Estados e a votação nominal dos deputados, já que ele era majoritário(3). 0 Clero e a Nobreza não aceitavam tais reivindicações.
Certo de que representava a maioria do povo francês, o Terceiro Estado declarou-se, a 17 de junho de 1789, em Assembleia Nacional, sendo que Luís XVI decidiu não só anular as decisões do Terceiro Estado como impedir suas reuniões no Palácio de Versailhes.
A 20 de junho, chegando à sala de reuniões e encontrando-a fechada, os deputados ocuparam parte das dependências e elaboraram um juramento, se comprometendo a não se separarem até que a França tivesse uma Constituição.
O rei perdera o controle sobre os acontecimentos; o que se iniciara com o objetivo de resolver a crise econômica estava mergulhando a monarquia na mais grave crise política de sua história.
Após ter tentado por todos os meios dissolver a Assembleia, Luís XVI procurou ganhar tempo ordenando ao clero e à aristocracia que participassem da elaboração do texto constitucional. Dois dias depois, a Assembleia Nacional era proclamada Assembleia Nacional Constituinte.
Alarmado com o rumo político da França e sem meios para controlá-lo, Luís XVI enviou tropas do Exercito para cercar o local de reunião dos constituintes. O povo de Paris reuniu-se em praça pública para acompanhar as notícias da Assembleia reunida em Versalhes.
No dia 8 de julho, os deputados solicitaram ao rei a desmobilização das tropas. Em resposta, Luís XVI afirmou que os soldados estavam ali apenas para prevenir desordens.
Três dias depois demitiu Necker, ministro favorável às reformas que tinha a simpatia popular, nomeando para o seu lugar o barão de Breteuil, um nobre de tendência muito conservadora.
Quando a notícia chegou a Paris provocou grande indignação. Formarem-se milícias burguesas e grupos de populares começaram a procurar armas para enfrentar as tropas reais.
No dia 14 de julho o provo tomou de assalto o arsenal do governo, apoderando-se de 32.000 fuzis. Em seguida, a massa rumou para a Bastilha, prisão política e símbolo da prepotência real, que foi tomada e literalmente arrasada.
Estes, suscintamente, os fatos históricos.
Como se vê, a revolta armada eclodiu espontaneamente e é bem provável que se o povo não tivesse tomado aquela atitude, a Assembleia Nacional Constituinte encontraria uma fórmula negociada para solucionar a crise institucional então instalada.
Afirmou um historiador que "a Revolução Francesa, que surpreendeu, pela sua subitaneidade irresistível, aqueles que foram os autores e os beneficiários como aqueles que dela foram vítimas, preparou-se lentamente durante um século e mais. Saiu do divórcio, a cada dia mais profundo, entre as realidades e as leis, entre as instituições e os costumes, entre a letra e o espírito".
As revoluções não se improvisam e nem surgem de repente. Há sempre uma fase mais ou menos longa de incubação e assim ocorreu com a Revolução Francesa.
Desta maneira, a Revolução não foi outra coisa senão o resultado da evolução do pensamento. O clima para a revolução estava há muito tempo preparado. Faltava apenas o pretexto e este foi o episódio da queda da Bastilha, que também pode ser considerada como uma "anarquia espontânea".
Então, porque se afirma que a Revolução Francesa foi obra da Maçonaria?
Naquela noite de 14 de julho de 1789 foi votada a definitiva abolição do sistema feudal, e no dia 26 publicou-se a famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Entre eles estavam o direito à liberdade, sob todas as formas, a igualdade de todos perante a lei e o dever de fraternidade e solidariedade, princípios da soberania popular.
Ao abolir o antigo regime, foram nacionalizadas as terras da Igreja e o país dividido em departamentos, a serem governados por assembleias eleitas.
Evidentemente que aqueles que perderam seus privilégios elegeram os culpados por essas perdas.
O mais célebre desses acusadores foi o Padre Barruel que escreveu o livro "Memória para servir à História do Jacobinismo", editado em 1797 e também conhecido como a "Bíblia da Antimaçonaria".
De outro lado, muitos Maçons, ou pelo pouco conhecimento dos fatos históricos e dos princípios da ordem ou por mero fanatismo, acataram a versão de que a Revolução Francesa foi concebida dentro das Lojas Maçônicas e este mito ainda persiste.
Entre as acusações mais fortes que o Padre Barruel faz ao espírito maçônico do seu tempo, esta em considerar que o grande objetivo da Maçonaria era a Igualdade e a Liberdade, porque, segundo os Maçons, todos os homens são iguais e Irmãos e todos os homens são livres.
Aqui abre-se um parêntesis. As palavras LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE, se tornaram um lema da maçonaria contemporânea, porém, segundo vários autores, o lema não tem origem maçônica.
Os que apoiam a origem maçônica afirmam que ele foi utilizado como divisa da Revolução Francesa de 1789.
Uma pesquisadora de nome B. F. Hyslop examinou uma grande quantidade de diplomas maçônicos publicados ente 1771 e 1779 na Biblioteca Nacional de Paris e não encontrou mais que dois, somente, onde as três palavras estão reunidas.
Quase todos os diplomas registram SAÚDE, FORÇA, UNIÃO, ou falam do templo onde reina "o Silêncio, a União e a Paz".
De outra parte, segundo diversos autores, inicialmente o lema da Revolução Francesa era: Liberdade, Igualdade, ou Morte. Somente com a Segunda República, em 1848, é que o lema iria se transformar em Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Afirma-se que a maçonaria francesa na segunda metade do século XIX foi quem adotou o lema da Segunda República, o qual acabaria se difundindo entre os maçons que trabalhavam sob influência da cultura francesa, em todo o mundo.
Voltando ao tema, segundo um historiador citado por ASLAN, as circulares do Grande Oriente da França invocam a Igualdade e a Liberdade como princípios reguladores e declaram que são as bases fundamentais da Ordem.
Numa época em que a divisão de classes era tão severa, parece natural que estas doutrinas se apresentassem com forte cunho de revolucionárias.
Quanto às acusações do Padre Barruel, penso que seja oportuno a elaboração de outro trabalho, em continuidade a este(4).
Já em relação à crença dos Maçons, que se auto proclamam os autores da Revolução Francesa, a pesquisa realizada por NICOLA ASLAN autoriza dizer que os irmãos que assim pensam estão equivocados.
A afirmação parte da simples razão de que jamais o Grande Oriente de França descumpriria os preceitos supremos da instituição, quais sejam os seus Landmarks, notadamente aqueles conhecidos como os Deveres de um Maçom e que constam das constituições maçônicas de 1723 - também chamados Landmarks de Anderson.
Encontramos ali que o Maçom deve ser pessoa pacífica, submeter-se às leis do país onde estiver e não deve tomar parte nem deixar-se arrastar por motins ou conspirações deflagradas contra a paz e a prosperidade do povo, nem mostrar-se rebelde à autoridade, porque a guerra, o derramamento de sangue e as perturbações da ordem têm sido sempre funestas para a Maçonaria.
Tiveram, pois, razão os próceres da Maçonaria quando proibiram dentro do âmbito das Lojas, discussões sobre política e religião. Sabiam por experiência própria, depois de dois séculos de guerras civis político-religiosas, que tanto a religião como a política, são crenças que se radicalizam com facilidade, pondo em perigo os princípios de fraternidade, tornando os homens inimigos entre si.
Todavia, quando os Maçons queriam agir no campo da política, como têm direito de fazê-lo todos os cidadãos de uma nação, pertençam eles a qualquer agremiação religiosa, filosófica, cultural ou recreativa, tomavam para fazê-lo, os maiores cuidados para que a sua Loja não fosse transformada em palco de polêmicas violentas, que dividissem os irmãos em campos diversos, e acabasse com a harmonia que deve reinar numa Loja Maçônica.
Por isso, os que perseguiam objetivos diferentes daqueles preconizados pelas Lojas Maçônicas, criavam fora do âmbito das mesmas, as associações que se encarregariam de pugnar pela ideia por eles objetivada.
Essas associações eram dirigidas por Maçons, mas estavam abertas aos profanos desejosos de militar em prol de um ideal nobre e humanitário e raras foram as oficinas que, neste particular, deixaram de reconhecer os estatutos da Ordem.
Haviam também sociedades secretas, em cujo seio eram permitidas as discussões de caráter político e religioso. Muitos dos que participavam destas sociedades tornaram-se maçons e outros profanos foram iniciados na Sublime Ordem e receberam influência daqueles que pregavam os ideais de Liberdade e Igualdade.
Particularmente na França, uma dessas sociedades que mais influenciou seus adeptos era conhecida por "Iluminados da Baviera", liderados por Adão Weisshauph, professor de Direito Canônico da Universidade de Ingolstadt e que tinha sido aluno da congregação jesuíta, sendo que mais tarde foi admitido maçom.
O mesmo aconteceu na Itália, onde a Maçonaria tinha-se constituído em privilégio das classes elevadas e instruídas, assumindo um cunho aristocrático e doutrinário. Quando os italianos iniciaram a sua campanha para a unificação de sua pátria, surgiu o Carbonarismo.
Com efeito, não houve, como se apregoa, dentro dos templos maçônicos, uma deliberação para que fosse deflagrada uma revolta contra o status quo.
Quanto ao papel exercido pelo Grande Oriente de França na direção e na orientação dos acontecimentos políticos, afirma ASLAN que ele foi absolutamente nulo, e isto se deu por razões de disciplina interna de de equidistância entre as várias maneiras de pensar das Lojas e dos Maçons.
Outro argumento contundente no sentido de que a Revolução Francesa não foi obra da Maçonaria é que após implementadas as reformas sobrevieram os anos negros, em que a Ordem foi vítima dos revolucionários, anos nos quais, segundo ASLAN, se viu Maçons sacrificarem os seus próprios Irmãos, alucinados que estavam pelo poder, porque o poder, durante aquele triste período, era também a garantia de vida.
Em que pese todos estes fatos, não podemos esquecer que a Revolução Francesa foi a matriz onde foram geradas as franquias e as liberdades que são o ornamento da civilização ocidental(5).
Para finalizar, alega-se que no Brasil a Maçonaria foi política e que as primeiras Lojas Maçônicas surgidas no país foram simples sociedades políticas.
Na verdade, pouco se conhece quanto à primitiva Maçonaria ~ Brasileira, mas é também verdade que muito clube estritamente político passou por Loja Maçônica, graças à imaginação dos escritores, e porque não dizer, dos fanáticos.
Contudo, na Inglaterra dos princípios do Século XVIII, o problema mais agudo era moral, e por isso o primeiro landmark começava com a palavra: Um Maçom é obrigado, pela sua dependência à ordem a obedecer a lei Moral.
Na América, o problema se apresentava com aspectos diferentes. Tratava-se de liberar o Novo Mundo do colonialismo europeu. Essa é a razão por que no continente americano a Maçonaria assumiu tendências nitidamente políticas.
Um comentário final, que é a síntese do exaustivo trabalho de pesquisa empreendido pelo Irmão NICOLA ASLAN, e que pode ser utilizado frente a uma infinidade de outras lendas que cercam a Maçonaria:
Se a Revolução Francesa tivesse sido concebida dentro das Lojas Maçônicas, os seus mentores teriam simplesmente agido flagrantemente de forma contrária às leis máximas da Sublime Instituição, o que retiraria do ato qualquer motivo de regozijo pelos maçons.
Como um dos preceitos de nossa Ordem é a investigação constante da verdade, cabe como uma luva a afirmação de Henri Poincaré, matemático francês (1854-1912), no sentido de que "duvidar de tudo ou crer em tudo são duas soluções igualmente cômodas, que nos dispensam, ambas, de refletir.
Esta deve ser a nossa postura.
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(1) A França era organizada em três classes: O Primeiro Estado (a realeza), o Segundo Estado (o clero) e o Terceiro Estado (a burguesia e os demais do povo).
(2) Voltaire foi iniciado a 7 de abril de 1778 e veio a falecer menos de dois meses depois, a 30 de maio, com a idade de 84 anos.
(3) 291 pertenciam ao Clero, 270 à Nobreza e 584 ao Terceiro Estado, sendo que destes, 477 eram Maçons.
(4) Segundo um autor, no Século XVII o clero da França possuía 9.000 castelos, 250.000 granjas, 900.000 jeiras de vinhedos (medida agrária francesa que varia de 3.419 a 5.107m2). A estimativa é de que o clero tinha a posse de um sétimo dos bens imobiliários da França. Possivelmente grande parte destes bens foras propriedade da Ordem dos Templários.
(5) Entendo que os ideais da Maçonaria podem muito bem ter sido defendidos no âmbito da Assembleia Nacional Constituinte, principalmente na elaboração do texto da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, visto o grande número de deputados pertencentes à Ordem.
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