julho 22, 2021

O TEMPLO DE SALOMÃO - A ORIGEM DA LENDA - João Anatalino Rodrigues





As mais antigas referências ao Templo de Salomão, que aparecem em documentos maçónicos, são aquelas referidas no Manuscrito Cooke, datado de 1410. 

Esta Old Charge, embora datada do começo do século XV. é uma compilação de tradições orais mais antigas, cultivadas pelos maçons operativos ingleses, o que nos leva a crer que a tradição de utilizar a construção do templo hebraico como alegoria iniciática já era bem mais antiga. 

Segundo Lionel Vibert, esta tradição é oriunda da constituição que o rei saxão Athelstan, no século X, outorgara aos pedreiros livres da Inglaterra.

Diz o Manuscrito Cooke que a arte da Maçonaria foi aprendida pelos israelitas quando eles habitaram o Egito. Depois, quando se estabeleceram na Palestina ela foi desenvolvida de acordo com as tradições hebraicas, transformando-se numa arte iniciática, nos mesmos moldes adoptados pelos egípcios. 

Com o tempo ela adaptou-se à mística da religião de Israel, no sentido de que se procurava refletir na arte de construir o modelo arquetípico do universo, segundo entendiam os sacerdotes hebreus que Deus fazia em relação ao mundo.

Segundo aquela Old Charge, foi o rei Davi quem iniciou a construção do templo de Jerusalém.

 Salomão deu-lhe continuidade e o terminou. 

Diz ainda este documento que Hiram era filho do rei de Tiro. Home observa que o costume de identificar as origens da Maçonaria com os canteiros de obras da construção do Templo de Salomão não era privativo dos maçons ingleses. 

As guildas dos pedreiros franceses e alemães também fizeram largo uso dessa tradição. [1]

Evidentemente, as informações contidas no Manuscrito Cooke não foram inspiradas nos textos bíblicos. Não se encontram ali quaisquer informações nesse sentido. Nem nos trabalhos de Flávio Josefo se encontra qualquer alusão ao fato de ter sido o rei Davi e não Salomão o inaugurador das tradições maçônicas. 

É possível que este equívoco se tenha originado no facto da Bíblia atribuir a Davi a intenção de construir um templo para Jeová, embora jamais o tenha levado à cabo. 

Ao que parece, os maçons operativos não se importavam muito com a exatidão histórica, pois as primazias de Davi sobre as obras de construção do templo aparecem também em outras Velhas Regras, o que nos leva a crer que tal informação era tida como verídica por eles. [2] 

Praticamente, todas as tradições maçônicas referentes ao Templo de Salomão já constavam das Velhas Regras (Old Charges). 

Na sua maioria, estes antigos manuscritos procuram justificar a origem salomônica da Arte Real. 

Face a esta verdadeira paranoia dos maçons operativos em ligar a construção do Templo de Jerusalém às origens da Maçonaria, estes documentos só podem ser lidos com a devida reserva, pois veiculam muitas informações contraditórias, e na maioria dos casos, fantasiosas e de difícil comprovação. 

Alguns deles, como o Manuscrito Dunfries n° 3, de cerca de 1650, afirma que o Templo de Salomão foi construído a partir das instruções que Deus dera à Moisés para a construção do Tabernáculo e que este foi construído a partir de medidas modulares do cosmo. 

Assim, a tradição segundo o Tabernáculo seria uma reprodução do próprio cosmo, e por consequência, o templo de Jerusalém também é uma tradição que tem origem nessa informação. 

Dai também a já conhecida tradição maçônica de considerar os seus templos como reprodução do universo.

Já o Manuscrito Dunfries n° 4 dá inclusive o local exato da construção do famoso Templo de Jerusalém, que seria a rocha do Domo, no monte Moriá, onde hoje se ergue a Mesquita de Omar (a da cúpula dourada). 

Esta informação é geralmente aceita pela maioria dos historiadores, já que existem provas arqueológicas que a corroboram.

O SIGNIFICADO DA LENDA

O Templo de Salomão, entretanto, é uma alegoria que se presta ao desenvolvimento de várias ideias. 

Como simulacro do cosmo, construí-lo significa construir o próprio universo, missão que cabe ao Maçom, como pedreiro operativo e especulativo.

 Por outro lado, edificar uma obra dessa magnitude, com todo o significado que ela encerra, assemelha-se à construção do próprio individuo, pois, o homem, como bem ensinou Jesus, é o templo vivo de Deus. 

Assim, da mesma forma que os maçons operativos construíam igrejas em louvor a Deus, os maçons especulativos constroem os templos sagrados do carácter humano, também em homenagem ao Grande Arquiteto do Universo, sob cujos auspícios se reúnem em Lojas para “cavar masmorras ao vicio e erguer templos à virtude”.

O simbolismo desta parábola é bastante claro para quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir. 

Nos graus superiores do Rito Escocês, a alegoria do Templo do Rei Salomão será explorada com mais profundidade para demonstrar que a verdadeira sabedoria é a prática das virtudes que fazem do homem um operário de Deus na terra, construindo o mundo através das suas ações. [3] 

Esta sabedoria, segundo a tradição maçônica, foi ensinada anteriormente ao próprio Rei Salomão para que ele, através da arte da arquitetura e do comportamento digno de um rei, as transmitisse à humanidade de uma forma insofismável.

Veremos que Salomão falhou neste intento e, em decorrência, o Reino de Israel, organizado por Deus para ser o protótipo do estado perfeito sobre a terra, desmoronou.

Esta é uma lição que tem que estar presente na mente de todo o Maçom: não basta ter sabedoria para construir obras de grande engenho; é preciso que essa obra tenha um espírito, pois é nele que repousa a justificativa da construção e a grandeza do seu construtor.

A RAZÃO DA LENDA

Pelo relato bíblico percebe-se a razão da escolha do Templo de Salomão para servir de alegoria para o desenvolvimento do catecismo maçônico. 

Aquela obra é uma construção que une o sagrado ao profano, que reabilita o homem frente a Deus; ao mesmo tempo, ressalta o valor do trabalho, da organização e da hierarquia.

 E na organização dos trabalhadores, na estruturação das profissões, nas próprias tarefas dos obreiros envolvidos na construção, pedreiros, talhadores, fundidores, carpinteiros, espelha-se também o conteúdo iniciático da Arte Real.

Com efeito, nenhuma outra alegoria conviria melhor a uma sociedade iniciática, cujo objetivo era o desenvolvimento de uma filosofia moral e ética destinada à construção do Homem Universal, alicerce de uma sociedade livre, justa, perfeita e feliz, reflexo da realidade divina na terra. 

Era uma comunidade assim que se pretendia ter existido outrora. 

Para os maçons espiritualistas, era a reedição da civilização que os antigos egípcios teriam herdado dos atlantes e reverenciavam através do culto a Maat, a deusa que representava a harmonia universal.

Não seria este também, o sonho de Moisés ao organizar o povo de Israel?

 Na verdade, o que era o Pentateuco senão um extenso código de leis, filosofia e preceitos elaborados para a organização de uma comunidade de “eleitos”, ou seja, um povo escolhido por Deus para refletir, na terra, a imagem do reino dos céus?

 Destarte, ao elaborar o Decálogo e redigir os fundamentos do Deuteronômio (que os sacerdotes e escribas de Israel viriam a aperfeiçoar e complementar depois), Moisés estava fazendo Maçonaria especulativa, pois tudo isso se destinava a construir o carácter do homem perfeito, o qual deveria ser o homem israelita. 

Era, portanto, uma tentativa de voltar ao reino da perfeição e da ordem, que se acreditava existir antes da queda do homem, no Éden.

Afinal de contas, todas as esperanças de humanidade sempre convergiram para esse sonho: um regresso ao velho estado de ordem, justiça, perfeição e harmonia, que um dia existiu no universo, e que permanece na memória celular da humanidade como um arquétipo a ser recuperado.

 Este estado perdeu-se na história das civilizações em consequência do orgulho do homem, pois ele, ao adquirir o conhecimento do bem e do mal, pensou poder mais que os deuses. 

A memória desse estado, entretanto, refugiou-se no inconsciente humano, reprimida pelos apelos à racionalidade e às necessidades da vida profana. 

Para recuperá-lo, era preciso reconstruirá sociedade, como já se fizera várias vezes, e continuou a ser feito com a alegoria Templo de Salomão, o qual foi destruído e reconstruído várias vezes.

Para isso, entretanto, era preciso construir um homem novo, regenerado, purgado dos seus vícios, morto para a vida profana, na melhor tradição iniciática, mas regenerado para uma nova vida pessoal e social, baseada numa nova ética e numa nova moral, fundamentadas num humanismo espiritualista que atendesse tanto a razão prática, quanto à sensibilidade mística do homem religioso. 

Quando o antigo edifício é derrubado, sobre os seus alicerces se constrói o novo.

 Este é o fundamento da alegoria que se presta para o desenvolvimento da metáfora maçónica. 

A Maçonaria tem como projeto  a construção do novo homem. 

Este novo homem seria um Hiram, pedreiro moral, construtor do novo Templo de Salomão, arquétipo da sociedade ideal desejada pelo Sublime Arquiteto do Universo. 

Para isso, porém, como a própria tradição iniciática sustentava, e a doutrina cristã confirmava, era preciso que o mestre morresse, para que os seus seguidores nele renascessem como iniciados. 

Desta simbologia, que incorpora todas as antigas tradições, desde o mito de Osíris, até o sacrifício de Jesus Cristo, nasceu o Drama de Hiram, que é o Landmark mais significativo de toda a doutrina maçônica.


[1] Alex Horne, op citado pg. 68

[2] O Manuscrito Downland, datado, provavelmente de 1500, também se refere a Davi como iniciador do Templo e a Salomão como continuador e fundador da Maçonaria como instituição.

[3] O próprio Jesus se utilizou deste simbolismo para falar de si mesmo e da sua promessa de ressurreição, “destruí esse templo”, disse ele, “e eu o reconstruirei em três dias”. 

Jesus falava da destruição do seu corpo, pela morte que o esperava, e a sua ressurreição após os três dias que passaria no túmulo.

 Para os cristãos, no entanto, a prática das virtudes cristãs exige um processo de morte psíquica e reconstrução do carácter, que se assemelha ao processo escatológico vivido por Cristo. 

Daí a Maçonaria derivou o seu próprio processo de regeneração moral, adotando uma simbologia bastante semelhante nos seus rituais de iniciação.

 A correlação é evidente demais para que as influências possam ser negadas.

https://www.freemason.pt/o-templo-do-rei-salomao-a-origem-da-len

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