setembro 04, 2021

DADOS HISTÓRICOS DO GRAU DE COMPANHEIRO MAÇOM


Doutrinariamente, o grau de Companheiro é o mais legítimo grau maçônico, por mostrar o obreiro já totalmente formado e aperfeiçoado, profissionalmente. 

Historicamente, é o grau mais importante da Franco-Maçonaria, pois sempre representou o ápice da escalada profissional, nas confrarias de artesãos ligados à arte de construir, as quais floresceram na Idade Média e viriam a ser conhecidas, nos tempos mais recentes, sob o rótulo de “Maçonaria Operativa”, ou “Maçonaria de Ofício”. 

Na realidade, antes do século XVIII havia apenas dois graus reconhecidos na Franco-Maçonaria: Aprendiz (Entered Apprentice) e Companheiro (Fellow Craft, ou, simplesmente, Fellow). Na época anterior ao desenvolvimento da Maçonaria dos Aceitos, ou Especulativa (1), o Companheiro era um Aprendiz, que havia servido o tempo necessário como tal e havia sido reconhecido como um oficial, um trabalhador qualificado, autorizado a praticar seu ofício. Na Idade Média, quando as construções em pedra eram comissionadas pela Igreja, ou pelos grandes reis, duques ou lords, a Maçonaria operativa era um lucrativo negócio ; ser reconhecido, portanto, como um Companheiro pelos operários era um passaporte seguro para uma participação no negócio e para uma renda praticamente garantida.

Graças a isso, os mestres da obra eram escolhidos entre os Companheiros mais experientes e com maior capacidade de liderança ; e só exerciam as funções de dirigentes dos trabalhos, daí surgindo o Master da Loja (2), o qual, pelas suas funções e pelo respeito que merecia de seus obreiros, viria a ser o Worshipful Master --- Venerável Mestre --- o máximo dirigente dos trabalhos (3). 

O grau de Mestre Maçom só surgiria em 1723 --- depois da criação, em 1717, da Primeira Grande Loja, em Londres --- e só seria implantado a partir de 1738. Por isso, o grau de Companheiro foi sempre o sustentáculo profissional e doutrinário dos círculos maçônicos, não se justificando a pouca relevância que alguns maçons dão a ele, considerando-o um simples grau intermediário. Autores existem, inclusive, que afirmam que na fase de transição da Maçonaria, ele era o único grau, do qual se destacaram, para baixo, o grau de Aprendiz, e, para cima, o de Mestre. Na realidade, não pode ser considerado um maçom completo aquele que não conhecer, profundamente, o grau de Companheiro.

A palavra Companheiro é de origem latina. 

O seu significado tem provocado controvérsias quanto à sua etimologia, pois alguns autores sustentam que ela seria derivada da preposição cum = com e do verbo ativo e neutro pango (is, panxi, actum, angere) = pregar, cravar, plantar, traçar sobre a cera e --- no sentido figurado --- escrever, compor, celebrar, cantar, prometer, contratar, confirmar. Neste caso, especificamente, pango teria o sentido de contrato, promessa, confirmação, fazendo com que a expressão cum pango --- que teria dado origem à palavra Companheiro --- signifique com contrato , com promessa , envolvendo um solene compromisso, que teria orientado as atividades das companhias religiosas e profissionais da Idade Média e do período renascentista. 

A origem mais aceita, todavia, é outra: o termo Companheiro é derivado da expressão cum panis, onde cum é a preposição com e panis é o substantivo masculino pão, o que lhe dá o significado de participantes do mesmo pão. Isso dá a idéia de uma convivência tão íntima e profunda entre duas ou mais pessoas, aponto destas participarem do mesmo pão, para o seu nutrimento. 

Essa origem, evidentemente, deve ser considerada nos idiomas derivados do latim: compañero (castelhano), compagno (italiano), compagnon (francês), companheiro (português). A Enciclopédia Larousse, editada em Paris, por exemplo, registra o seguinte, em relação aos vocábulos compagnon e compagnonnage: 

Compagnon - n.m. (du lat. cum = avec, et panis = pain) --- Celui que participe à la vie, aux occupations d’un autre: compagnon d’études. Membre d’une association de compagnonnage. Ouvrier. Ouvrier qui travaille pour un entrepreneur (par opos a patron). 

Compagnonnage - n.m. -- Association entre ouvriers d’une même profession à des fins d’instruction professionelle et d’assistence mutuelle. Temps pendant lequel  l’ouvrier sorti d’apprentissage travaillait comme compagnon chez son patron. Qualité de compagnon. 

Ou seja: 

Companheiro - substantivo masculino (do latim cum = com, e panis = pão) ---  Aquele que participa, constantemente, das ocupações do outro: condiscípulo, companheiro de estudos. Membro de uma associação de companheirismo. Operário que trabalha para um empreiteiro. 

Companheirismo - substantivo masculino --- Associação de trabalhadores de uma mesma profissão, para fins de aperfeiçoamento profissional e de assistência mútua. Tempo durante o qual o operário saído do aprendizado trabalhava como companheiro, em casa de seu patrão. Qualidade de companheiro. 

Nos idiomas não latinos, os termos usados têm o mesmo sentido. Em inglês, por exemplo, o Companheiro, como já foi visto, é o Fellow, que significa camarada, par, equivalente, correligionário, membro de uma sociedade, conselho, companhia, etc. . Daí, temos as palavras derivadas, como: fellow laborer = companheiro de trabalho; fellow member = colega; fellow partner = sócio; fellow student = condiscípulo; fellow traveler = companheiro de viagem; e fellowship = companheirismo. 

Não se deve, todavia, confundir o grau de Companheiro Maçom, ou o Companheirismo maçônico com o Compagnonnage --- associações de companheiros --- surgido na Idade Média, em função direta das atividades da Ordem dos Templários, e existente até hoje, embora sem as mesmas finalidades da organização original, como ocorre, também, com a Maçonaria. O Compagnonnage foi criado porque os templários necessitavam, em suas distantes comendadorias do Oriente, de trabalhadores cristãos ; assim organizaram-nos de acordo com a sua própria doutrina, dando-lhes um regulamento, chamado Dever. E esses trabalhadores construíram formidáveis  cidadelas no Oriente Médio e, lá, adquiriram os métodos de trabalho herdados da Antigüidade, os quais lhes permitiram construir, no Ocidente, as obras de arte, os edifícios públicos e os templos góticos, que tanto têm maravilhado, esteticamente, a Humanidade. O Compagnonnage, execrado pela Igreja, porque tinha sua origem na Ordem dos Templários, esmagada no início do século XIII, por Filipe, o Belo, com a conivência do papa Clemente V, acabaria sendo condenado pela Sorbonne. Esta, originalmente, era uma Faculdade de Teologia, já que fora fundada em 1257, por Robert de Sorbon, capelão de S. Luís, para tornar acessível o estudo da teologia aos estudantes pobres. E a condenação, datada de 14 de março de 1655, contendo um alerta aos Companheiros das organizações de ofício (os maçons operativos), tinha, em relação às práticas do Compagnonnage, o seguinte texto: 

“Nós, abaixo assinados, Doutores da Sagrada Faculdade de Teologia de Paris, estimamos: 

1. Que, em tais práticas, existe pecado de sacrilégio, de impureza e de blasfêmia contra os mistérios de nossa religião; 

2. Que o juramento feito, de não revelar essas práticas, mesmo na confissão, não é justo nem legítimo e não os obriga de maneira alguma ; ao contrário, que eles se obrigam a acusar a si mesmos desses pecados e deste juramento na confissão; 

3. Que, no caso do mal estar continuar e não possam eles remediá-lo de outra forma, são obrigados, em consciência, a declarar essas práticas aos juizes eclesiásticos ; e da mesma forma, se for necessário, aos juizes seculares, que tenham meios de dar remédio; 

4. Que os Companheiros que se fazem receber em tal forma assim descrita não podem, sem incorrer em pecado mortal, se servir da palavra de passe que possuem, para se fazer reconhecer Companheiros e praticar os maus costumes desse “Companheirismo”; 

5. Que aqueles que estão nesse Companheirismo não estão em segurança de consciência, enquanto estiverem propensos a continuar essas más práticas, às quais deverão renunciar; 

6. Que os jovens que não estão nesse “Companheirismo”, não podem neles ingressar sem incorrer em pecado mortal. 

Paris, no 14o. dia de março de 1655”. 

Nada a estranhar! Era a época dos tribunais do Santo Ofício, da “Santa” Inquisição. 

Para finalizar, é importante salientar que muitos dos símbolos do grau de Companheiro Maçom --- os quais tanto excitam a mente de ocultistas --- foram a ele acrescentados já na fase da Maçonaria dos Aceitos, pelos adeptos da alquimia oculta, da magia, da cabala, da astrologia e do rosacrucianismo , já que os obreiros medievais, os verdadeiros operários da construção, nunca adotaram tais símbolos, limitando-se às lendas e aos mitos profissionais. Eram, inclusive, adversários das organizações ocultistas, combatidas pela Igreja, à qual eles eram profundamente ligados, pois dela haviam haurido a arte de construir e mereciam toda a proteção que só o clero católico poderia dar, numa época em que o poder maior era o eclesiástico. 

Com o incremento do processo de aceitação, a partir dos primeiros anos do século XVII, as portas das Lojas dos franco-maçons foram sendo abertas não só aos intelectuais e espíritos lúcidos, que foram responsáveis pelo renascimento europeu, mas, também, a todos os agrupamentos místicos e às seitas existentes na época. Isso iria provocar uma verdadeira revolução nas corporações de ofício e iria começar a delinear a ritualística especulativa do grau, baseada em símbolos místicos e nas doutrinas ocultistas, principalmente na Cabala e na Alquimia Oculta

NOTAS 

1. Aceitos eram aqueles elementos não ligados ao ofício, ou à arte de construir, os quais tinham o seu ingresso admitido nas Lojas dos verdadeiros obreiros da construção. O costume de admitir “aceitos” era muito antigo e, praticamente, sempre existiu nas agremiações profissionais, como maneira de distinguir algumas pessoas ; e essa distinção podia ser uma simples honraria, ou, então, motivada por uma questão de sobrevivência e de amparo, através da aceitação de nobres e aristocratas. A prática, todavia, era bastante restrita, e tais aceitos, em número diminuto, não eram mais do que membros honorários das Lojas, não tendo, nelas, qualquer atuação decisiva. Com a decadência das corporações de ofício, estas começaram, de maneira mais evidente e não mais como honraria, a aceitar elementos estranhos ao ofício, para aumentar o enfraquecido contingente dos franco-maçons. O primeiro caso conhecido é o de John Boswell, lord de Aushinleck, aceito na St. Mary’s Chapell Lodge --- Loja da Capela de Santa Maria --- em Edinburgo, Escócia, em 1600. Essa Loja fora criada em 1228, quando da fundação da Fraternidade de Construtores da Capela de Santa Maria, que alguns autores consideram como núcleo original do Rito Escocês, o que não parece viável. Durante todo o século XVII, o processo iria se acentuar a ponto de, no seu final, o elemento aceito superar, amplamente, o operativo, o que iria levar, em 1717, à fundação da Premier Grand Lodge, em Londres, a qual serve como marco --- um “divisor de águas”--- entre a Maçonaria operativa e a moderna Maçonaria dos Aceitos. 

2. As Lojas dos operativos eram formadas para proceder à construção de obras de arte, obras públicas, ou templos católicos (é o caso, por exemplo da já citada Loja da Capela de Santa Maria). Concluída a obra, a Loja continuava, pois, em construções com a envergadura daquelas, incluindo as imensas e trabalhadas catedrais góticas, havia a necessidade de constante manutenção e eventuais reparos. 

3. O título de Mestre da Loja, ou Venerável Mestre, dado ao presidente de uma Oficina maçônica, tem sua origem na Inglaterra, nos meados do século XVII, quando já ia avançada a paulatina transformação da Maçonaria de ofício em Maçonaria dos aceitos. Derivado da palavra inglesa worship, que significa adoração, culto, reverência --- como forma de tratamento --- quando usada como substantivo, e venerar, adorar, idolatrar, quando usada como verbo transitivo, tem-se o termo worshipful , que significa adorador, reverente, ou venerável  (neste último caso, como forma de tratamento). Assim, o presidente da Loja tinha o título de Master (Mestre), ao qual se adicionou, posteriormente, o tratamento reverente de worshipful  (venerável) --- pois, no início, o termo venerável era aplicado apenas às corporações de artesãos --- o que produziu a expressão worshipful master  (venerável mestre). A expressão, todavia, não é muito utilizada nos países de fala inglesa, onde se prefere, simplesmente, Master, dando-se o título de Past-master ao ex-Venerável Mestre. Nas Obediências latinas, ao contrário, é quase abolido o termo Mestre, já que as referências ao presidente da Loja limitam-se, quase sempre, a um simples Venerável, o que é altamente incorreto, pois este vocábulo, no caso, é um adjetivo, que não pode ser usado sem o substantivo Mestre.

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