*DISCURSO PROFERIDO POR JOAQUIM GONÇALVES LEDO, NA LOJA MAÇÔNICA “COMÉRCIO E ARTES”, NO RIO DE JANEIRO, EM 20/AGOSTO/1822*
Joaquim Gonçalves Ledo foi um dos maiores autores da Independência, se não o maior. A peça de arquitetura que a seguir transcrevemos do Boletim do GOB (julho/agosto de 1963), é dirigida ao hesitante Príncipe D. Pedro e entre seus arrojados conceitos lá está a antecipação da Doutrina de Monroe.
SENHOR! A natureza, a razão e a humanidade, este feixe indissolúvel e sagrado, que nenhuma força humana pode quebrar, gravaram no coração do homem uma propensão irresistível para, por todos os meios e com todas as forças em todas as épocas e em todos os lugares, buscarem ou melhorarem o seu bem-estar. Este principio tão santo como a sua origem, e de centuplicada força quando aplicado às nações, era de sobra para o Brasil, esta porção preciosa do globo habitado, não acedesse a inerte expectação de sua futura sorte, tal qual fosse decretada longe de seus lugares e no meio de uma potência (Portugal) que deveria reconhecer inimiga de sua glória, zelosa de sua grandeza, e que bastante deixava ver pelo seu Manifesto às nações que queria firmar a sua ressurreição política sobre a morte do nascente Império Luso-Brasileiro, pois baseava as razões de sua decadência sobre a elevação gloriosa deste filho da América – o Brasil.
Se a esta tão óbvia e justa consideração quisesse juntar a sua dolorosa experiência de trezentos e oito anos, em que o Brasil só existira para Portugal para pagar tributos que motivos não encontraria na cadeia tenebrosa de seus males para chamar a atenção e vigilância de todos os seus filhos a usar da soberania que lhe compete, e dos mesmo direitos de que usara Portugal e por si mesmo tratar de sua existência e representação política, da sua prosperidade e da sua constituição? Sim, o Brasil podia dizer a Portugal: “Desde que o sol abriu o seu túmulo e dele me fez saltar para apresentar-se ao ditoso Cabral a minha fertilidade, a minha riqueza, a minha prosperidade, tudo te sacrifiquei, tudo te dei, e tu que me deste? Escravidão e só escravidão. Cavavam o seio das montanhas, penetravam o centro do meu solo para te mandarem o ouro, com que pagavas as nações estrangeiras a tua conservação e as obras com que decoras a tua majestosa capital; e tu quando a sôfrega ambição devorou os tesouros, que sob mão se achavam nos meus terrenos, quisestes impor-me o mais odioso dos tributos, a “capitação”. Mudavam o curso dos meus caudalosos rios para arrancarem de seus leitos os diamantes que brilham na coroa do monarca; despiam as minhas florestas para enriquecerem a tua grandeza, que, todavia, deixava cair das enfraquecidas mãos … E tu que deste? Opressão e vilipêndio! Mandavas queimar os filatórios e teares, onde minha nascente indústria beneficiava o algodão para vestir os meus filhos; negavas-me a luz das ciências para que não pudesse conhecer os meus direitos nem figurar entre os povos cultos; acanhavas a minha indústria para me conservares na mais triste dependência da tua; desejavas até diminuir as fontes da minha natural grandeza e não querias que eu conhecesse o Universo senão o pequeno terreno que tu ocupas. Eu acolhi no meu seio os teus filhos a que doirava a existência e tu me mandavas em paga tiranos indomáveis que me laceravam.
Agora é tempo de reempossar-me de minha Liberdade; basta de oferecer-me em sacrifício as tuas interessadas vistas. Assaz te conheci, demasiando te servi… – os povos não são propriedade de ninguém.
Talvez o Congresso de Lisboa no devaneio de sua fúria (e será uma nova inconseqüência) dê o nome rebelião ao passo heróico das províncias do Brasil a reassunção de sua soberania desprezada; mas se o fizer, deverá primeiro declarar rebelde a Razão, que prescreve aos homens não se deixarem esmagar pelos outros homens, deverá declarar rebelde a Natureza, que ensinou aos filhos a separarem-se dos seus pais, quando tocam a época de sua virilidade; é mister declarar rebelde a Justiça, que não autoriza usurpação, nem perfídias; é mister declarar rebelde o próprio Portugal, que encetou a macha de sua monarquia, separando-se de Castela; é mister declarar-se rebelde a si mesmo (esse Congresso), porque se a força irresistível das coisas prometia a futura desunião dos dois Reinos os seus procedimentos aceleraram esta época, sem dúvida fatal para outra parte da nação que se queira engrandecer.
O Brasil, elevado à categoria de Reino, reconhecido por todas as potencias e com todas as formalidades que fazem o direito público na Europa, tem inquestionavelmente jus a reempossar-se da porção de soberania que lhe compete, porque o estabelecimento da ordem constitucional é negócio privativo de cada povo.
A independência, Senhor, no sentido dos mais abalizados políticos, é inata nas colônias, como a separação das famílias o é na Humanidade.
A natureza não formou satélites maiores que os seus planetas. A América deve pertencer à America, e Europa à Europa, porque não debalde o Grande Arquiteto do Universo meteu entre elas o espaço imenso que as separa. O momento para estabelecer-se um perdurável sistema, e ligar todas as partes do nosso grande todo, é este…
O Brasil, no meio das nações independentes, e que falam com exemplo de felicidade, não pode conservar-se colonialmente sujeito a uma nação remota e pequena, sem forças para defendê-lo e ainda para conquistá-lo. As nações do Universo têm os olhos sobre nós, brasileiros, e sobre ti, Príncipe!
Cumpre aparecer entre elas como rebeldes ou como homens livres e dignos de o ser. Tu já conheces os bens e os males que te esperam e à tua posteridade. Queres ou não queres?
Resolve, Senhor!
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