outubro 26, 2021

A NOITE ESCURA DA ALMA


 

Dizem várias escolas de mistério e estudos místicos, que um dia toda alma passa pelo que chamam de “noite escura”, ou um período de grande confusão e tormento, em que os conceitos, crenças, certezas se esvaem, quando os bens materiais parecem esvaziar-se, quando os amores liquefazem e escorrem pelos dedos, quando as amizades distanciam a ponto de parecer que não existem.

É o período de grande e profunda solidão e de desesperança pelo desaparecimento de nossos valores e conceitos, pelo questionamento de tudo o que acreditamos ser e conhecer.

As traições parecem multiplicar e atingir todos os segmentos de nossas vidas: O ser amado nos trai, a família nos trai, os amigos nos traem, nossa fé nos trai, nossos princípios nos traem, no trabalho somos traídos e tudo se desfaz...

Não raro, a sós, no quarto, pensamos no fim da existência e derramamos lágrimas como nunca antes tínhamos feito. Lágrimas sentidas, desesperadas e profundas. Lágrimas que não sabíamos ter.

As perguntas passam a se multiplicar e não abandonam nossa mente. Giram e giram. Desgastam, desgostam, torturam: Porque é a principal!!! Como, a secundária... 

Começam para tentar conhecer os motivos de tamanha angústia e sofrimento em todos os aspectos da vida, sem conclusão, no mais das vezes... Eu não mereço! Sempre fui fiel, leal, amigo, honesto, sincero...

Sim, apenamo-nos de nós mesmos. Apiedamo-nos...

Por qual motivo, meu amor? Por qual motivo, meu amigo? Por qual motivo, minha família? Por qual motivo, meu Deus? Como perdi seu amor? Como perdi seu respeito? Como perdi minhas finanças?

Não mais posso crer em Ti, meu Deus! Por qual motivo permitiste que eu chegasse onde estou, se sempre a Ti fui fiel? Onde está Tua fidelidade, Teu amor e Teu respeito pelo filho que tanto Te ama e tão dedicado a Ti?

Não mais posso confiar em você, amor! Não mais posso ver você como refúgio, família! Não posso mais desabafar com você, amigo! Que caminho seguir? Que caminho devo seguir?

Às almas mais fortes, novas perguntas surgem: Como saio desta situação? Com quem conto para isto? Qual o caminho? 

Tombar não é demérito. Desgraça é não levantar!

A noite escura da alma, contudo, é uma grande benção!

A noite foi mencionada em todos os livros sagrados, ora como origem do bem, ora como reduto do mal.

Em Gênesis, a noite domina as trevas e é inferior à Luz:

“E viu Deus que a luz era boa, e fez separação entre a luz e as trevas.

Chamou Deus a Luz, Dia e as trevas, Noite. (1.4-5)”

Em Jó 35,10, um aspecto positivo da Noite:

“Deus inspira canções de louvor durante a noite”

Em Salmos (19, 2), a sabedoria da Noite:

“Uma noite – diz o salmista – revela conhecimento à outra noite”

Não é à toa, portanto, que a coruja, pássaro eminentemente noturno, é símbolo da sabedoria, a clarividência e a filosofia.

Para os gregos, Noite era o nome de uma deusa que simbolizava as trevas superiores, representada por uma figura feminina vestindo um manto escuro.

A deusa Noite gerou várias divindades, algumas benéficas, outras maléficas, sendo a mais importante delas o Dia (Hêmera), a divindade que trouxe a luz ao universo.

Lentamente a Noite foi ganhando o sentido de estado de consciência da Divindade entre os místicos, a eterna incógnita envolta no manto escuro da noite.

Por isto a constante afirmação dos místicos: “Deus habita as trevas”, muitas vezes confundida pelos incautos com afirmações satânicas, como também normalmente ocorre quando estes afirmam que o demônio é Deus, como fez Albert Pike. O sentido é absolutamente o mesmo: a incógnita e desconhecida mente de Deus, sempre envolta pelo manto escuro da noite.

Aliás, é neste sentido que a verdadeira compreensão do sentido da “noite escura da alma”.

“O homem presume que existe uma causa inteligente para o universo e a chama de Deus, atribuindo-lhe qualidades humanas (como a bondade, a justiça e a misericórdia). Cria, assim, Deus à sua imagem e semelhança. A teologia mística, ao contrário da teologia especulativa (baseada em conceitos e teorias), objetiva um conhecimento experimental – a posse interior de Deus pela contemplação que implica o despojamento do ego, visando à união da alma com ‘aquele que está além de todo ser e de todo saber’.” (Sérgio Carlos Covello – in “A noite escura da alma na visão poética de São João da Cruz)

A “noite escura da alma” é, muito além da desesperança que provoca pela distorção de nossa percepção, uma grande oportunidade, uma vez que é pelo total desprendimento provocado pela “noite negra da alma” que se pode realizar o conhecido e propalado “casamento alquímico”.

O obscurecimento e entorpecimento de nossos sentidos, como sempre, provoca enganos de interpretação pelos quais não conseguimos enxergar que caminhos nos são propostos e que apenas precisamos aceitá-los ou negá-los.

No entanto, o obscurecimento não é privilégio de nós, meros mortais. Até mesmo Jesus, quando atingido por sua “noite escura da alma” foi entorpecido: “Pai, meu pai: Porque me abandonastes?”

“A esse estado de despojamento os místicos alemães do século 14 chamaram de “noite escura”, expressão que foi consagrada 200 anos mais tarde pelo frade carmelita São João da Cruz, num poema lírico de oito estrofes em que o poeta relata a própria passagem por essa prova que antecede à plena iluminação. Nos comentários ao poema, diz o autor que, mediante a noite escura, a alma se dispõe e encaminha para a divina união de amor. É possível explicar a jornada mística como a busca do Eu profundo, a dimensão expandida da consciência, para além do pequeno ego, de modo que a consciência individual se transforme em universal ou cósmica. Mas os místicos cristãos (e mesmo os não cristãos teístas) consideram a ampliação da consciência como a união da alma com Deus, por analogia com o casamento humano, que é uma experiência transformadora na vida dos nubentes. Nessa etapa do desenvolvimento consciencial só entram as pessoas espiritualmente adiantadas, isto é, as que já se converteram para a sua dimensão maior e obtiveram algum grau de luz. Não se trata de período agradável, visto que é de provação. Segundo São João da Cruz, a noite escura consiste na mortificação dos sentidos e do espírito, por isso que produz abatimento, esgotamento mental e fadiga. Mas esse transe é altamente desejável, porque faz surgir o homem novo, de consciência totalmente renovada.” (Sérgio Carlos Covello – in “A noite escura da alma na visão poética de São João da Cruz).

Jesus, contudo, passado o entorpecimento decorrente de sua “noite escura”, ressurge como o grande Cristo Cósmico Eterno, gerador de uma das mais influentes tradições religiosas do mundo.

Jesus fez sem “casamento alquímico”. Jesus juntou a sua consciência com a consciência do Pai, a consciência cósmica, tornando-se parte Dele.

Esta a grande oportunidade que a “noite escura da alma” apresenta a todos nós. A sublimação, o crescimento que apenas pode ser alcançado não pelo virtual abandono de tudo e todos, mas pela conscientização do verdadeiro papel que estes tudo e todos exercem em nossas existências e pela ampliação da consciência antes individual daqueles “tudo” e “todos” de antes

Superada a desarmonia, autocomiseração, e sentimento de impotência e depressão que acompanham a fase inicial da “noite escura da alma” (E, sim... Tudo isto passa!!!), o que resta é uma nova dimensão da vida, novos e mais evoluídos valores e sonhos, novas esperanças e maior consciência de nossa missão nesta vida.

Quando parecer que você está na escuridão, veja a luz que vem de seu coração e lembre que ele é seu verdadeiro eu... Ele é sua alma... Ele é o Deus que apenas revela os grandes milagres e feitos aos que dão importância ao que é pequeno, honesto e virtuoso.

Quando você conseguir tomar consciência disto, você será a luz do mundo!

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