dezembro 09, 2021

A ARCÁDIA, O CÁRDIO E OS PRIMÓRDIOS DA INICIAÇÃO -

 


(Extraído de A IDADE DAS LUZES, de Arthur Franco)

Seria Arcádia apenas um mito? Como mito, então, qual seu significado mais original? O que contam os primitivos mitos gregos? Por que tantas referências foram feitas pelos mais variados autores antigos, de Aristóteles a Clemente de Alexandria, de Herodoto a Nicolas Poussin? Conheça o que a própria História tem a falar sobre a mais primitiva Grécia, e a importância capital que ela teve no desenvolvimento de todos os Antigos Mistérios. Penetre no Mundo dos Números Iniciáticos para descobrir o profundo significado da mais perfeita das representações Humanas: o Coração!

A ARCÁDIA HISTÓRICA 

48000 a.C. - A esta época remonta a Arcádia, segundo os estudiosos. Segundo Curtis N. Runnels (Scientific American, março/95), os arcadianos podem ter habitado aquela região, ao centro da península do Peloponeso, há cerca de cinqüenta mil anos atrás, causando, através de milênios de esgotamento dos recursos da terra, uma severa erosão que gerou a terra árida, repleta de arbustos e rochas, que conhecemos atualmente. 

Até o século IV a.C. Arcádia foi a parte mais afastada do Peloponeso, com o dialeto de características mais antigas, os cultos religiosos mais singulares e com a mais primitiva reputação. O dialeto arcaico arcadiano sobreviveu com uma notável semelhança com o dialeto levado por colonos gregos a Chipre cerca de 1200 a.C.. Este dialeto grego os cipriotas continuarão a usar até meados do período clássico (século V a.C.), mantendo a antiga escrita silábica. Os arcadianos - juntamente com os frígios e os egípcios - têm a fama de ser o povo mais antigo do mundo. 

"Os egípcios, antes do reinado do rei Psammetichus, julgavam-se o mais antigo povo da humanidade. Desde que Psammetichus, entretanto, tentou saber quem era realmente a primitiva raça, disseram-lhe que, embora eles ultrapassassem todas as outras nações, os Frígios ultrapassavam-nos em antigüidade." (Herodotus, The History, William Benton Publ., USA, 1952, Book II, 2, p.49) 

Os frígios eram os habitantes da Frígia, localizada ao sul do Mar de Mármara, que une o Mar Negro ao Mar Egeu, numa região atualmente pertencente à Turquia. Na Grécia Antiga, os poetas cantavam a enorme anterioridade dos arcadianos, descrevendo-os como mais velhos do que a Lua. Frígia e Arcádia, na verdade, em linha reta não distam mais que 330 milhas (530 quilômetros), a mesma distância que separa Hamburg de Stuttgart, e mais perto que a distância em linha reta de Paris a Toulouse ou de London a Glasgow. Se a anterioridade dos frígios era reconhecida pelos egípcios, não é de se surpreender a idade dos seus vizinhos arcadianos. 

E os Mistérios de Elêusis, que veremos, em 1800 a.C., retratarem o profundo pitagorismo arcadiano, só perderão em antiguidade para os Mistérios da Samotrácia, uma ilha do mar Egeu a cinquenta milhas de Tróia e a cem milhas da Frígia. 

Se por um lado na Grécia não é discutida a antiguidade de Arcádia, no Egito tampouco, a confiarmos no discurso de Platão, no Timeu, quando o sacerdote egípcio diz a Sólon, referindo-se a Atenas:

"De nossas duas cidades, a mais velha é a vossa, por mil anos, pois recebeu vossa semente de Gaia e Hefaístos. Esta é mais recente. Ora, depois que esta região foi civilizada, escoou-se, mostram nossos escritos sagrados, a cifra de oito mil anos." (Platão, Timeu, Ed. Hemus, São Paulo, 1981, p.72) 

O sacerdote da cidade egípcia de Saís referiu-se a Atenas, a cidade grega regida pela deusa homônima, filha de Hephaestus. Mas Atenas regia também a própria Saís, uma Atenas filha de Neilus, o Egípcio. Daí a anterioridade requerida pelo sacerdote do Nilo. O próprio Heródoto testemunha a origem egípcia das deidades gregas: 

"Quase todos os nomes dos deuses vieram à Grécia a partir do Egito. Minhas pesquisas provam que todos eles eram derivados de uma fonte estrangeira, e minha opinião é que o Egito forneceu o maior número. Pois com a exceção de Netuno e de Dioscûri, e Juno, Vesta, Themis, as Graças e as Nereidas, os outros deuses eram conhecidos desde tempos imemoriais no Egito. Isso eu afirmo na autoridade dos próprios egípcios" (Herodotus, The History, Book II, 50, p.60) 

Já na Grécia, Arcádia era lembrada com anterioridade mesmo na origem dos deuses. E isso não apenas quanto à Lua, que teria vindo após os arcadianos. O próprio Zeus, segundo os antigos gregos, de suas três origens, duas procediam de Arcádia: 

"Um em Arcádia, o filho de Aether, os outros dois [Zeus] sendo filhos de Cronos, um em Creta e outro novamente em Arcádia" (Clement of Alexandria, Exhortation to the Greeks, Harvard University Press, 1953, p.57) 

Apolo, por sua vez, para o qual Aristóteles enumera cinco origens, tem uma delas a partir de Silenius, originando o arcadiano Nomius ou pastor (Clement of Alexandria, op.cit., p.59). 

ARCÁDIA: O OLIMPO ESOTÉRICO OU O CORAÇÃO 

Como veremos mais adiante, em 1656 d.C. Arcádia representa um ideal muito mais profundo que todo panteão olímpico. Enquanto o Olimpo representa a idealização humana de, pretensamente, unir-se a Deus (Zeus) externamente na sua mais pura forma, Arcádia representa a concreção dos "deuses" terrestres, essenciais para esta nossa jornada terrena. 

Iniciaticamente, Arcádia originou o próprio Olimpo. Enquanto o Olimpo se exteriorizava e se poluía nas mãos dos sacerdotes e nas paixões humanas, Arcádia permaneceu pura, original, tal como sua língua e crenças religiosas, mas representando o centro imaculado. 

Por esta razão duas das três origens de Zeus provém de Arcádia. Se ao Olimpo cabe a intelectualidade religiosa, o cérebro, a Arcádia - o inóspito centro do Peloponeso - se deve o coração. Enquanto os gregos - e toda a humanidade - dirigiam-se em massa às figuras externas, às idealizações, ao exotérico, Arcádia lembrava o centro, a origem, o esotérico. 

Como bem abordou Campbell, observando a peregrinação em massa dos hindus para morrerem nas poluídas águas do Ganges: 

"A concepção da peregrinação como um movimento interior, para o centro de nosso próprio coração, está sendo traduzida literalmente, num ato físico. É bom fazer uma peregrinação, desde que, ao fazê-la, você medite sobre o significado deste ato, e saiba que é para dentro, para sua vida interior, que está se encaminhando." (Joseph Campbell, As Transformações do Mito Através do Tempo, Cultrix, S.Paulo, 1992, p.95) 

Todo o segredo dos Augustos Mistérios, da Luz recebida pelos iniciados e do entendimento de Deus depende, basicamente, deste centro cardíaco representado, para os gregos, por Arcádia. Ela representa a terceira etapa nos Mistérios de Elêusis, coroada pela epopteia ou pelo êxtase da compreensão (vide ano 1800 a.C.). É o centro do corpo mental, que está no centro do corpo emocional, que por sua vez está no centro do corpo físico. Todos estes centros se encontram no coração, e lá a luz é dada ao neófito: 

"Daí, parece ter sido demonstrado que os homens organizados para o desenvolvimento de forças superiores não podem dar, aos que não estão dispostos a isto, nenhuma idéia, senão muito vaga, da verdade superior. Assim todas nossas disputas e nossos escritos pouco servem. Os homens deveriam imediatamente ser organizados para a percepção da verdade. Quando nós escrevemos este in-folio, todo sob a luz, os cegos não verão mais claro. Deve-se dar-lhe logo o órgão da visão. Agora, a questão é: Em que consiste o órgão de percepção da verdade? O que é que faz o homem capaz de a receber? Eu respondo: Dentro da simplicidade do coração; pois a simplicidade encontra o coração numa situação conveniente para receber puramente o raio da razão, e aí organiza o coração para a recepção da Luz." (D'Eckhartshausen, La Nuée Sur Le Sanctuaire, Bibliothèque des Amitiés Spirituelles, Paris, 1979, pp.18-19) 

O entendimento dessa Arcádia profunda era tão árido para os gregos como a própria Arcádia. A população de Arcádia, exceto os pastores, emigrava buscando mais oportunidades, especialmente com os jovens cheios de energia.

DE ARCÁDIA A ARCTURUS 

O nome Arcádia advém de Arkades, que em grego significa povo do urso. Segundo a tradição arcadiana, seu povo descendia do deus terrestre Arkas (Urso), que era filho da ninfa Kallisto. Kallisto é conhecida pela denominação de Ursa Maior. A ligação profunda da lenda da Ursa Maior, tão antiga como o mundo, será primordial para entender muitos movimentos posteriores ligados à tradição iniciática. Sua proximidade com a história da tribo de Benjamim é muito grande, como veremos. 

A Ursa Maior teve várias denominações ao longo dos tempos e na história dos vários povos. A ligação com a lenda de Arthur, que veremos adiante, é nítida se observarmos que na língua celta original de Arthur arth significa Ursa, enquanto Arktos - palavra grega que designa Urso - era o antigo nome grego da constelação. O próprio nome original de Arthur - Arthurus - é uma contração de Arth com Ursus. A constelação também teve os nomes de Septem Triones (Sete Bois), Carro de David, Arado, Esquife, Arca de Noé, Hélice e Septarsi (7 sábios, em sânscrito). Ursa, entretanto, foi sua denominação mais comum. 

A história da Arcádia é a história de Arkas, filho de Kallisto. Kallisto era a grande companheira de Artêmis, que muito veremos nas tradições que se seguirão. Artêmis é Diana, a deusa da caça. Kallisto afastou-se do convívio mortal e passou a fazer parte do grupo de ninfas que acompanhavam Artêmis. Zeus, apaixonando-se e desejando ardentemente tê-la, transformou-se na própria Artêmis, aproximou-se e possuiu a moça. Envergonhada, Kallisto refugiou-se no fundo do bosque. Lá deu à luz a Arkas. Kallisto, tentando ocultar o ocorrido, voltou participar do grupo de ninfas que acompanhavam Artêmis. Artêmis, sendo uma deusa e tudo sabendo, percebeu o engodo e transformou a jovem numa grande ursa. Kallisto, então, ficou a vagar pelos bosques de Arcádia. 

Arkas, por seu lado, cresceu ao lado de Zeus e tornou-se um belo e forte caçador. Um dia, passeando pelos bosques de Arcádia, Arkas encontra uma grande Ursa, que o seguia, a qual não sabia ser sua mãe. Ao atirar-lhe uma flecha, Zeus imediatamente transformou Arkas num pequeno urso (a Ursa Menor), o qual, reconhecer sua mãe na Ursa Maior, correu ao seu encontro. 

Finalmente, Zeus os homenageou colocando ambos nas duas próximas constelações do norte Boreal. Esta alegoria mostra bem a grande importância de Arcádia no plano de Zeus. 

Estando representada pelas duas constelações - pela Ursa Maior ARCTOS e pela Ursa Menor ARKAS - Arcádia tem também na próxima constelação do Boiadeiro (Bootes) uma forte ligação com sua lenda. 

Arthur e seus cavaleiros serão uma continuação da sagrada tradição arcadiana. Uma das primeiras indicações deste fato está justamente na constelação de Bootes, a qual teve, na antigüidade, o nome latino de Portidor Ursae ou o Guardador da Ursa de Arcádia. Sua primeira estrela - Alfa de Bootes - chama-se justamente Arcturus! Arcturus traduz-se originalmente por "O Guardião do Urso", ou mais exatamente, "A Cauda do Urso", pois "ouros" quer dizer cauda e "aktos" Urso.

Na mitologia grega, Bootes era filho de Deméter. Seu irmão lhe roubara a herança e, para prover seu sustento, teve que pegar na foice e no arado. Para premiar a Bootes, os deuses colocaram-no, juntamente com seu arado, no céu. O antigo nome da Ursa Maior - Septem Triones ou Sete Bois - deriva daí, pois a Bootes coube Arkas ou Arcádia, a terra da Ursa. 

Esta saga se repetirá milênios depois com a tribo hebraica de Benjamim, que também perderá sua grande herança - Jerusalém - resgatando-a apenas com a conquista das Cruzadas por Godfroi de Bouillon. 

A árida Jerusalém será, então, a Arcádia da Cristandade e dos Judeus. Da mesma forma que Bootes, os arcadianos isolaram-se numa terra muito pouco cobiçada, a menos atraente da Grécia, onde somente os Pastores da Arcádia saberiam valorizá-la. 

Estes fatos serão muito importantes para compreendermos a alegoria do quadro de Poussin, "Les Bergers d'Arcadie" - Os Pastores de Arcádia, e os mistérios ligados a Rennes-le-Château no século XIX ...

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