Ir.’. Paulo Guilherme Hostin Sämy, 33, PM (MRA)
“Não há Iniciação Real, sem que o Maçom viva, ele mesmo, a lenda de Hiram em toda a sua intensidade.”
Do Mestre Hiram, o que nos chega é uma pálida lenda, que pode ser adornada em sua narrativa simbólica, em Loja específica. E que pode ter seu entendimento radical ampliado através de pesquisas sobre suas origens e intencionalidades, enriquecendo-se assim o saber do Irmão e Mestre, quando vivamente empenhado em aprender a Cultura Maçônica e seus mitos.
Sobretudo porque parcela substantiva desta Cultura (Maçônica) se assenta sobre o mito, a lenda de Hiram. Não tanto o construtor, já objeto de menção simbólica, ou menos ainda de seu Templo, também ali descrito - mas sim do Hiram traído por seus empregados e companheiros, ao limite extremo de seu assassinato.
É deste Hiram traído que, em última análise, se ocupa a lenda do Terceiro Grau.
A lenda não se constrói em torno do Hiram arquiteto, construtor ou mesmo ferreiro e fundidor das Colunas e do Mar de Bronze. Portanto, não é o Hiram artesão que a lenda homenageia, de modo que a Ordem pudesse-lhe reservar, posteriormente, uma lembrança privilegiada no Templo e na ritualística, como um cargo, à semelhança do cargo de Venerável, cujo trono relembra o de Salomão. Sequer o cargo de Arquiteto em Loja, encarregado de organizar ritualisticamente o Templo para as Sessões da Loja, é um cargo referenciado a Hiram Abif.
Se a lenda se ocupa menos do artesão Hiram, importado à sua época de Tiro por Israel, na ausência de artesãos maiores naquela comunidade, tampouco se ocupa a lenda do Terceiro Grau com o Templo de Salomão em si, ou em profundidade, pouco narrando além do que a Bíblia diz do Templo.
A rigor, na história da arquitetura religiosa, a transposição do Templo de Salomão para as Igrejas ocorre, sobretudo, a partir da Idade Média. Seu plano de construção - do eixo geográfico Leste-Oeste aos muitos símbolos, como as Colunas, à entrada, ou o Tabernáculo no Oriente - buscava rememorar aquele primeiro Templo, erguido ao Deus único, em 953 a.c.
Assim, a lenda do Terceiro Grau, de Hiram, é um esforço de rememoração de seu frio assassinato por companheiros de trabalho, buscando melhor posição hierárquica - ascender ao cargo de Mestre - para colher melhor remuneração.
A rigor, uma pequena revolução trabalhista, se fosse apenas um protesto salarial, com o que aliás se assemelha!
Mas, ao transformar o protesto numa traição e num crime, a lenda ganha condições de surgir e de crescer no meio da comunidade dos construtores, cuja atenção, sublinhada pela lenda, levá-los-ia, doravante, a observar movimentos análogos de ataques inesperados ao poder dos arquitetos na sua tarefa de construção.
A lenda é, portanto, um alerta!
Colocada no Grau de Mestre, que completa a Iniciação - e, a rigor, a exalta - a lenda pretende completar, simbolicamente, os conhecimentos transmitidos anteriormente, disponíveis nos manuais de instrução e nos muitos livros, ao alcance do grande público, que tratam do assunto. Um dos quais, que recentemente adquiri (Luc Nefontaine - La Franc-Maçonerie Une Fraternité Révélée), até mesmo sinais de reconhecimento oferece.
Mas a recapitulação simbólica da lenda, à exaustão, cumprirá apenas uma parte da Iniciação, justamente a Iniciação simbólica e, por conseguinte, não real.
A Iniciação Real
Olhando para a vida em Loja, com sua dinâmica própria e intensa batalha de poder, às vezes recatada por pudor, mas geralmente explícita - disputa de poder, sobretudo pelo cargo de Venerável – o que acaba por ocorrer é uma profanação iniciática, em que as ações mais inesperadas e vulgares ocorrem num clima de injustiça e de traições que, se não culminam com o desfecho trágico de Hiram, dele certamente se aproximam em termos de carga e de tenção emocionais.
Certamente, por não participarem do grupo dominante da Loja, alguns Irmãos, muitas vezes bem preparados e bem intencionados, acabam por sofrer hostilidades e mesmo sanções - adagas fundas n'alma – a lhes abrir feridas de lenta e difícil cicatrização, porquanto desferidas por Irmãos de ideal, comungando a tríplice divisa da Igualdade, Liberdade e Fraternidade, na busca incessante de tornar feliz a humanidade pelo aperfeiçoamento dos costumes.
Neste momento, em que a adaga nos atinge, começa uma iniciação real, uma revivência do sacrifício de Hiram, a ser superado pela cura e pela ressurreição, frutos agora de uma rodada mais profunda de estudos e de compreensão do drama da inveja e da cobiça humana, que fazem vítimas nas mais diferentes ambiências, entre as quais a Maçônica.
A Iniciação Real, não apenas Simbólica, ocorre com estes muitos Mestres que, na defesa do puro Ideal Maçônico, acima sintetizado, tombam em Templo, vítimas de traições.
Muitos tombam em definitivo e abandonam a Ordem, alimentando uma incompreensão face aos atos humanos que, infelizmente, não os fará crescer.
Outros tombam segurando um ramo de acácia, supondo, num fio de esperança, que aquela planta mágica possa-lhes manter a porta aberta a um reconhecimento futuro, podendo ser reencontrados a partir da localização do ramo salvador. Com o reestudo e com trabalho árduo, poderão ampliar a compreensão do opus maçônico, alquímico em seus planos superiores de compreensão, de todo o Mito de Hiram, que ressurge e renasce em sua obra.
Só a verdadeira traição, injusta na sua plenitude, é a porta aberta para uma iniciação real e não apenas Simbólica. E somente aqueles que a vivenciaram - ao arrepio dos detentores do poder, que raramente a conhecem - podem alçar-se ao plano de legítimos iniciados, porque desvendaram um aspecto substantivo do comportamento humano, a traição, um aspecto profundamente iniciático e referencial a qualquer empreendimento que se entreguem.
O Mito de Hiram é transmitido simbolicamente a todos.
Mas a revivência do mito a poucos atinge. Os que souberem reelaborar a agressão sofrida crescerão na compreensão do Mito, numa verdadeira iniciação real.
Os algozes ainda poderão zombar do Irmão, caído e momentaneamente derrotado ou abandonado, ignorando que ali produzem uma verdadeira iniciação, uma Iniciação Real.
Aos que sofrem, deles é o reino.
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