Eu pouco interajo nesse grupo (estou enviando a apenas dois grupos sobre ritualística e História da Maçonaria), leio quase tudo e utilizo esses materiais na senda de um aprendizado para o qual me sinto ainda um neófito.
Mas desde o meu ofício, humildemente, penso que tenho algo a contribuir em termos de uma teoria da História e espero que acolham as minhas reflexões com carinho.
Tenho percebido, nas muitas críticas feitas por ritualistas ou interessados em uma história litúrgica de diversos ritos maçônicos, usos equivocados do conceito de “anacronismo” a fim de sustentar que “o que não estava lá (como objeto ou como ideia/conceito), desde o princípio (num dado demarcador originário), é anacronismo por ter sido ali colocado”. A síntese, colocada em termos simplistas por mim, desvela a compreensão de uma história contínua, linear e disputada entre posturas de progressismo e conservadorismo (esta, daqueles que costumo chamar de “puristas”), sem quebras de paradigmas, rupturas e sínteses dialéticas que demarcam os fluxos e refluxos da história, ocultando também as forças conflitivas que disputam esse espectro (vejam as reflexões de Walter Benjamim sobre o “Anjo da História”, quadro de Paul Klee).
Essa história, como “linha”, está embebida em convicções de progresso (ou necessidade de progresso), de progresso contínuo de paradigmas, na melhor das hipóteses; ou da defesa purista da manutenção de tudo como antes estava, como se o templo maçônico e suas práticas constituíssem um relicário alheio às mudanças dos tempos históricos onde não se apresentam os distintos regimes de historicidade que vão se sobrepondo no mundo real (de onde a Maçonaria vai se desprendendo).
Essa “história em linha” onde tudo progride (visão progressista) ou deve ser mantido como antes estava, contra qualquer ousadia de progresso (visão conservadora), na ciência histórica, está enterrada junto do criticismo alemão de Leopold von Rake (a histoire événementielle contra a qual se bateu a École des Annales de Febbvre, Bloch e Braudel), junto da teleológica compreensão de que essa linha se desenvolve na consecução de fatos-causas e fatos consequências, sobressaindo-se o fato-acontecimento como águas rasas que não chegam a desvelar as instâncias profundas onde se dão os processos de mudanças sociais e, com isso, explicar o mar revolto da História.
Eis o objeto da História, como ciência: a mudança social e não o fato-acontecimento (a história como processo e não como linha), analisada por meio da investigação crítica das fontes. Isso para dizer que já houve um encontro, do qual resulta um enlace de longa data, entre a crítica da História e a Antropologia Cultural, para a afirmação de uma História da Cultura que os ritualistas precisam considerar em suas elaborações, sobretudo a fim de compreender que o “purismo” reinante não contempla as dinâmicas de hibridismo cultural (o conceito foi esmiuçado por Peter Burke e/ou Nestor García Canclini), transculturação (Malinowski), desenraizamentos culturais e trocas simbólicas de distintos tipos que produzem formas cambiantes de cultura.
Isso para dizer que se a história não se desenvolve em linha, mas como processo histórico, o conceito de anacronismo que vez por outra acaba sendo aqui utilizado resulta equivocado. Essa é uma discussão de tal forma atual que acaba de ser objeto de um dossiê que compartilho agora com meus QQ:. AAm:. IIr:. e é em razão da notícia de sua publicação que tive a iniciativa de escrever essas linhas:
Trata-se do número 43 da ArtCultura: Revista de História, Cultura e Arte, que traz oportunamente o dossiê “História & anacronismo” para o público leitor. Do dossiê, recomendo vivamente a leitura de “Ainda somos pecadores? Sobre o tempo histórico e o anacronismo”, de Alexandre de Sá Avelar e Lucila Svampa; “¿Es posible la comprensión histórica sin anacronismo?”, de Rosa E. Belvedresi; e “El Ángel de la prehistoria: anacronismo, discontinuidad y huella en la facies inconsciente de la historia”, de Francisco Naishtat.
Acessem-na via SEER: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/index
Espero que essas reflexões possam ser internalizadas de forma contributiva, porque foi esse o intuito!
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