março 01, 2022

MAÇONS NEGROS: UMA AGENDA PERDIDA










(transcrito do Jornal O Globo de 15.06.2003, 1º caderno, pág.7) 

Um dos capítulos mais memoráveis da história brasileira é a relação da maçonaria com a comunidade negra. A instituição dos pedreiros-livres teve (e tem) grandes quadros negros. Ela organizou a luta pela libertação do país em diversos momentos históricos – desde fins do século XVII, quando chegou ao Brasil – e se fortaleceu institucionalmente ao lutar por mais de 50 anos pela libertação dos escravos. 

Este ano, a lei que libertou os escravos completa 115 anos de existência, após ser assinada pela Princesa Isabel sob a influência dos ministros maçônicos do Império já enfraquecido pelo ideário republicano. Para se ter uma ideia, o famoso trio abolicionista do século XIX – os mulatos André Rebouças, José do Patrocínio e Luiz Gama – era composto de Maçons em lojas cariocas e paulistas. Foram eles que fundamentaram a cultura da libertação dos negros através de artigos, manifestos, atos públicos, conquista de adeptos para a causa e com discursos inflamados país afora. 

Com apoio maçônico, o trio afrodescendente ligou seus nomes definitivamente à causa da libertação negra. Essa luta contou com a participação, na época, de quase todas as Lojas Maçônicas espalhadas pelo país. 

Considerando um dos pioneiros da engenharia brasileira, Rebouças foi um dos maiores panfletários da causa negra na Escola de Engenharia do Largo de São Francisco, e criador de vários jornais abolicionistas. 

No mesmo ritmo de Rebouças, o jornalista José do Patrocínio percorria o país conclamando os Irmãos Maçons a aderirem, à causa da libertação. Já o advogado Luiz Gama, escrevia poesias e discursos de forte impacto para fortalecer a causa da libertação dos escravos. 

Tido como mulato, Rui Barbosa foi acusado de ter ordenado a queima de documentos referentes às origens dos escravos no Brasil, dificultando, com isso a recuperação da identidade afro-brasileira. 

No entanto, Rui Barbosa, como Maçom da Loja América, de São Paulo, talvez tenha produzido um dos documentos mais percucientes do movimento abolicionista. Em 7 de julho de 1868 na Loja América, Rui Barbosa leu o seu Projeto de Abolição, cuja cópia foi reproduzida em suas obras completas. Esse projeto, entre outras medidas, previa que: 

1. A Maçonaria, dali por diante, deveria lutar pela emancipação do escravo e criar meios para educa-lo para novas tarefas em nova sociedade, de fundo capitalista, onde o trabalhão era assalariado e não escravo; 

2. Todas as Lojas Maçônicas atuais e futuras não receberiam tal título se não adotassem a luta pela emancipação dos escravos; 

3. Todas as Lojas Maçônicas deveriam criar um fundo especial para comprar alforrias de crianças escravas e mesmo de adultos; 

4. Todas as Lojas Maçônicas deveriam criar escolas diurnas e noturnas para a educação dos ex escravos, como forma de reparação pelo crime de escravismo; 

5. A partir daquele momento ninguém seria iniciado na Ordem se tivesse escravos ou ligação com os traficantes.

Divulgado em outras Lojas, o Projeto de Rui Barbosa acabou influenciando as demais unidades maçônicas espalhadas pelo Brasil. No Amazonas, a Maçonaria comprou um jornal, assumiu a sua direção e passou a veicular a luta abolicionista através de artigos e estudos. No Ceará, o então governador Maçom Sátiro Dias, assinou decreto extinguindo a escravidão naquele Estado, em 1884. Foi o primeiro Estado brasileiro a libertar os negros, quatro anos antes da Lei Áurea. 

Passados 115 anos da libertação, a situação da comunidade negra permanece inalterada. A agenda dos Maçons negros, subscrita por Rui Barbosa, Rebouças, Gama, José do Patrocínio, Nabuco de Araújo, Pimenta Bueno Euzébio de Queiroz e outros nomes de destaque, foi perdida. Essa agenda pedia que fossem implementadas para o ex escravo a reforma agrária, educação integral, criação de centros de saúde, políticas especiais para crianças, qualificação de mão-de-obra, desenvolvimento comunitário – reivindicações tão comuns nos dias de hoje.

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