O Ir, Kennyo Ismail é professor universitário, editor, escritor, uma dos mais importantes intelectuais da maçonaria no país.
Já dizia o ditado: “a grama do vizinho é sempre mais verde”. Na Maçonaria não é diferente. O que alguns maçons brasileiros gostariam de mudar na Maçonaria daqui é exatamente o que alguns maçons norte-americanos gostariam de adotar lá.
Existe uma parcela significativa de maçons brasileiros que questiona o modelo “tupiniquim” da Arte Real, indicando que é um modelo antiquado, que segue a direção contrária do caminho trilhado pela sociedade contemporânea. Esse grupo, discreto e não-organizado, porém constante e crescente, costuma apontar como pontos negativos na Maçonaria Brasileira, entre outros:
• A formalidade e restrições do traje maçônico: quase todas as Lojas tem funcionamento na noite dos dias úteis, o que obriga o maçom a, muitas vezes, ir direto do seu trabalho para a Loja. A obrigatoriedade do terno preto com camisa branca e gravata preta ou outra cor conforme rito acaba por atrapalhar a rotina de muitos membros, principalmente aqueles que não adotam traje social em seus locais de trabalho ou utilizam uniformes em suas profissões. Muitas vezes, um maçom deixa de realizar visitas espontâneas a outras Lojas por conta da vestimenta não adequada.
• As reuniões semanais e exigência de presença: para eles, reuniões semanais são um excesso na sociedade em que vivemos, em que um maçom geralmente tem várias outras atividades e compromissos sociais, profissionais, educacionais, intelectuais, religiosos, políticos, filantrópicos e familiares a atender. Por isso, defendem uma periodicidade quinzenal ou mensal. Além disso, a obrigatoriedade de presença mínima com punição prevista por descumprimento acaba por afastar muitos maçons voluntaria ou involuntariamente. Às vezes se perde valorosos membros que, por serem muitos atuantes na sociedade, não conseguem se fazer presentes em Loja o quanto se exige.
• Os poucos membros iniciados: enquanto que muitos membros abandonam a Maçonaria por conta dos mais diversos fatores, as Lojas têm feito cada vez menos iniciações e de menos candidatos, o que tem esvaziado os templos e desmotivado ainda mais os maçons remanescentes. Vê-se então um verdadeiro “déficit maçônico”. Isso enfraquece a Maçonaria e a torna mais velha e, muitas vezes, retrógrada.
• A cultura de Lojas pequenas: quando uma Loja no Brasil consegue romper a barreira da inércia e crescer, muitos Irmãos começam a defender a criação de uma Loja nova com parte de seus membros, até com a desculpa de evitar disputas eleitorais e de fazer a Maçonaria crescer (pelo menos em número de Lojas). Já os críticos acreditam que quanto maior uma Loja for, melhor. Uma Loja com muitos membros tem mais condições financeiras para filantropia, pode exercer maior “barganha social” junto às autoridades locais e enfrenta menos dificuldades de funcionamento.
Com tais argumentos, esses maçons defendem uma mudança na Maçonaria Brasileira de forma a torná-la mais flexível com os critérios de vestimenta, periodicidade, presença e seleção de membros. Uma Maçonaria maior e menos rigorosa, mais “adequada” aos dias atuais.
Em contrapartida, um grupo de maçons norte-americanos pensa exatamente o contrário. Vivendo uma Maçonaria nos moldes da desejada pelos seus antagônicos brasileiros, sem rigidez na vestimenta e com reuniões quinzenais ou mensais em Lojas que possuem centenas de membros, mas que contam com presença de apenas uma dúzia por sessão, eles desejam mudanças.
Em 2001 eles criaram nos EUA a “Fundação da Restauração Maçônica”, com o objetivo de promover o que eles chamam de “Observância Tradicional”, que é exatamente a implementação em Lojas Regulares de características encontradas na Maçonaria Latino-Americana, como: vestimenta social uniforme; Câmara das Reflexões; mais reuniões; exigência de presença; iniciação de um candidato por vez; Lojas pequenas e com foco na instrução de seus membros. As Lojas continuam filiadas à Grande Loja Estadual e trabalhando no Rito de York (Monitor de Webb), apenas adotando algumas dessas mudanças em seu “modus operandi”.
Apesar de 10 anos de existência, o movimento americano tem apresentado pouco desenvolvimento: até agora, apenas umas 30 Lojas em todo os EUA adotaram o modelo sugerido. Para se ter uma ideia, o Real Arco, um ilustre representante do modelo maçônico norte-americano em terras brasileiras, cresceu no Brasil quase 3 vezes mais nesse mesmo período, e nossa Maçonaria corresponde a apenas 1/7 do tamanho da Maçonaria dos EUA.
De qualquer forma, é importante destacar que os pontos em questão são em geral de cunho administrativo, e independente se rígidos ou flexíveis, nada impactam no Rito praticado, na qualidade ritualística, no respeito aos Landmarks, ou mesmo na filiação à Obediência. Como prova disso, pode-se observar que nos EUA, onde há uma maior flexibilidade administrativa e menor quantidade de reuniões, os Oficiais das Lojas exercem suas funções ritualísticas de memória e as regras de conduta são muito mais rígidas. Enfim, não há modelo melhor ou pior. A questão é na verdade sociocultural, e sendo sociocultural, é sim mutável.
Nesse contexto, cada Loja deveria ter a liberdade e soberania para funcionar como acreditar ser melhor, e mudar quando achar conveniente. Porque, na verdade, não importa se é uma Loja de 10 ou de 100 membros, se tem reuniões toda semana ou uma vez por mês, se inicia 1 ou 100 candidatos por ano, se os membros usam jeans ou smoking. O que importa é se é uma Loja Justa e Perfeita, onde se ensina o homem livre e de bons costumes a ser um maçom, um construtor de uma sociedade melhor e mais feliz.
O conhecimento, a excelência ritualística e a preservação das tradições maçônicas não dependem da roupa que se veste, da quantidade de irmãos e de reuniões ou do tamanho da Loja. Depende, apenas, do trabalho sobre a pedra bruta que somos.
De tudo isso, tira-se uma importante lição para a Maçonaria Brasileira: as Obediências deveriam se preocupar menos com a regulamentação do funcionamento das Lojas e mais com a produção de material de estudo de qualidade para as mesmas, enquanto que os maçons deveriam se preocupar menos com a cor da camisa do outro e mais com o conteúdo das reuniões.
Antes de procurar mudar “como” a Maçonaria funciona, deve-se procurar compreender “o que é” a Maçonaria e “porque” ela existe. Então talvez optemos pela “restauração”, mas não da forma, e sim dos valores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário