Em 22.05.2014 o Irmão Renato de Paula Lins, membro da Loja Fraterno Amor, 17, REAA, Grande Loja do Estado do Acre, Oriente de Senador Guiomard, Estado do Acre, formula o seguinte pedido de esclarecimento.
Iniciado no ano de 2013, muitas são as dúvidas que pairam no meu cotidiano. Uma grande dúvida é acerca da origem da Maçonaria... Diversas são as informações, quase sempre conflitantes, o que acaba por não esclarecer a dúvida. Venho pedir uma ajuda no sentido de, senão esclarecer, indicar caminho para o esclarecimento.
Considerações:
Minhas breves ponderações seguintes possuem fulcro na vertente autêntica da Maçonaria. Nesse sentido devo orientá-lo partindo de uma divisão acadêmica para estudo da Sublime Instituição de tal modo que fiquem definidos os critérios para dois períodos distintos da Maçonaria – o primitivo composto pela Operativa ou de Ofício e na sequência aquele que antecedeu o sistema obediencial (Moderna Maçonaria), intitulado Especulativo, ou dos Aceitos.
Também antes das considerações propriamente ditas aparecerão no texto referências a Associações de Ofício na arte de construir, todavia essas corporações não podem ser confundidas ainda com a Maçonaria, seja ela nos seus primórdios operativos, seja ela no período de aceitação.
Nesse sentido, a autenticidade histórica da Ordem possui aproximadamente oitocentos anos comprovados, longe do imaginário e do ufanismo de pseudo historiadores que a imaginaram milenar e até mesmo, pasme, antediluviana.
Ao tema propriamente dito: Maçonaria Operativa, ou de Ofício – sob esse título englobam-se inúmeras associações de artesãos instituídas para a preservação da “Arte Real” que viriam a prosperar na Idade Média, principalmente no seio dos construtores da Europa, embora essas associações que se dedicavam a arte da construção não sejam características apenas desse período específico, porém suas existências registram-se desde tempos mais antigos, a exemplo da Babilônia e do antigo Egito.
Conquanto o registro antigo dessas associações – que não eram Maçonaria sob nenhuma hipótese – desde os antigos povos que habitavam a Mesopotâmia (Sumérios, Acádios, Assírios e Caldeus), estas careciam em muito do sentido da organização e da coletividade, somente comuns bem mais tarde nos agrupamentos medievais.
Segundo alguns pesquisadores e historiadores confiáveis, a primeira associação que possuiu um caráter organizado deveu-se à Numa Pompílio, imperador romano do século VI a.C., criador dos “Collegia Fabrorum”, cujos membros eram denominados “Collegiati”. Seu campo de atuação principal em todo o Império Romano junto aos legionários era o da reconstrução de cidades conquistadas e destruídas pela atividade bélica. Os Collegiati, em princípio politeístas e a posteriori monoteísta se caracterizavam por um cunho religioso dado ao trabalho.
Com o advento da queda do Império Romano do Ocidente, essa Associação experimentaria então um profundo declínio, subsistindo apenas em algumas províncias, porém por pequenos agrupamentos a exemplo dos Mestres Comancinos e Cistercienses, dentre outros.
Na passagem do primeiro milênio (ano 1.000) por influência da Igreja Católica e do “fim do mundo” que não veio! os homens cantaram louvores na pedra edificando Catedrais na expansão dos domínios territoriais daquela Igreja estado.
Assim, surgiriam já no século VII da era cristã, como que a substituir os Collegiati as chamadas “Associações Monásticas”, cuja composição era exclusivamente composta por clérigos que detinham o segredo da arte de construir e edificavam igrejas, conventos e monastérios, consoante a propagação do estilo gótico de arquitetura, comum ao reino dos godos que influenciaria sobremaneira a característica construtiva das edificações da Idade Média.
Devido a imensa expansão dos domínios da Igreja, a partir do século XI, por necessidade de mão de obra surgiriam as “Confrarias Leigas”, como organizações formadas por mestres leigos, cujo aprendizado da “arte da arquitetura” fora obtido através dos clérigos componentes das Associações Monásticas. Preservava-se assim o segredo da “arte” e o forte cunho religioso dado ao trabalho em continuidade.
É desse período, já no século XI que começariam a florescer outras corporações simplesmente religiosas denominadas “Guildas”, embora já no século XII se caracterizaria pela formação de agrupamentos profissionais de mercadores e artesãos.
Das Guildas deve-se o uso do termo “Loja” que apareceria em 1.292 e mais tarde serviria também para designar uma corporação maçônica.
Surgiriam então, posteriormente ao século XII a “Franco-Maçonaria” ou os também conhecidos como “Ofícios Francos” que se caracterizavam na sua formação por grupos de construtores privilegiados e desligados das obrigações impostas pelo poder real e eclesiástico (livres, francos), o que lhes dava inclusive a liberdade de locomoção (privilégios concedidos pelo clero).
Embora o termo “livre”, esses grupos (Franco-Maçonaria) dedicados à arte de construir ficavam submissos à Igreja, por conseguinte agregados com os princípios religiosos (a influência da Igreja).
Daqui cabe um esclarecimento sobre o termo “franco” relacionado à Idade Média. Essa palavra significava não só que era livre, contrário ao servil, contudo também se referia aos indivíduos ou bens que escapavam à servidão, à tutela e aos direitos senhoriais.
Assim a Franco-Maçonaria, ou de Ofício encerra o último estágio desse período, destacando-se que esta fora o alicerce da etapa de transição para a Moderna Maçonaria.
Os Ofícios Francos deram o suporte na história para a trajetória da “Maçonaria dos Aceitos”, ou “Especulativos”, cuja característica principal está no fato de que os seus componentes não eram construtores de fato por profissão, porém construtores simbólicos que objetivavam a edificação de um templo à virtude para a humanidade – inclusive é a definição atual da própria Moderna Maçonaria.
Maçonaria Especulativa, ou dos Aceitos – no trajeto da história muitos aspectos viriam influenciar a decadência dessas corporações de ofício o que as obrigaria paulatinamente a introduzir o costume da “aceitação” o que significava aceitar elementos não profissionais na arte de construir no intuído de proteger e manter essas associações de ofício.
O primeiro elemento estranho à profissão e admitido que se tem registro é o Lorde de Aushinleck, John Boswell, um abastado latifundiário escocês iniciado na Chapel’s Mary Lodge em Edimburgo na Escócia no ano de 1.600.
Posteriormente seriam também admitidos filósofos, alquimistas e hermetistas geralmente pela roupagem simbólica que em não raras vezes chegava a se confundir com a própria linguagem dos franco-maçons.
Essa transformação que se iniciara no século XVII se tornaria pujante nesse sentido, a tal ponto que no século seguinte o número de maçons aceitos suplantaria o de maçons operativos.
Assim essa progressiva transformação daria origem a Maçonaria dos Aceitos, ou também conhecida como Maçonaria Especulativa, cuja maioria dos integrantes de então não eram ligados literalmente a arte de construir.
Essa nova roupagem viria então provocar uma verdadeira revolução político-social e cultural nas corporações de ofício reforçada pelo advento do Renascimento que apontava então o período transitório entre a Idade Média e a Moderna, em cuja época seria retomado o estudo relacionado à arte e a literatura da Antiguidade Clássica e que se somava também ao enfraquecimento do poder temporal papal, assim como o fim do feudalismo.
Essa nova roupagem das associações organizadas (Maçonaria dos Aceitos) proporcionaria através do brilhantismo de muitos integrantes oriundos da aceitação uma verdadeira conflagração de cultura e liberdade afastada das tutelas eclesiásticas e feudais, cujo objetivo principal seria o desenvolvimento político-social.
Conforme cita o autor José Castellani, in Dicionário de Termos Maçônicos, p. 94: “As grandes figuras intelectuais da época procuravam a franco-maçonaria, tornando-se aceitos por três motivos principais: 1º. A franco-maçonaria oferecia uma forma lícita de associação, tão rara na época; 2º. A natureza dessas associações, os seus privilégios, a proteção de pessoas influentes e a livre manifestação do pensamento, abordando a universalidade dos conhecimentos, sempre tão cerceados pelo dogmatismo medieval, seduziram a mente científica e crítica dos intelectuais, que desejavam aumentar o seu conhecimento e expor os seus pensamentos, sem despertar suspeitas e perseguições; 3º. A franco-maçonaria era o único artifício não arraigado a um local, mantendo, todavia, elos entre cidades e entre países, protegendo e acolhendo os Irmãos em viagem e proporcionando, portanto, aos estudiosos, o intercâmbio de conhecimento e ideias”.
Esse inteligente panorama nos dá uma ótima ideia de como a Maçonaria fora colocada na vanguarda do renascimento cultural e científico, bem como suas lutas pela liberdade, pelas reformas e conquistas sociais.
Obviamente que esse caráter liberal e libertário traria à Maçonaria e aos maçons ataques e ferozes perseguições tanto por parte dos governos totalitários como pelas malfadadas excomunhões da igreja, já que sobre a visão desses poderes, a Maçonaria seria a causa do enfraquecimento e da perda de muitos privilégios até então mantidos desde a idade medieval.
Sob essa óptica é que maçons sofreriam o percalço dos cárceres e imolados pela tirania inquisitória em nome da liberdade de pensamento, fato esse que acabou por tornar secreta a Maçonaria na época no intuito de proteger os seus membros e a sua própria atividade de ação pela liberdade.
Moderna Maçonaria – Até então os maçons se reconheciam e trabalhavam em Lojas livres das travas obedienciais (não existiam Obediências, ou Potências), todavia no primeiro quartel do século XVIII, visando organizar as inúmeras Lojas existentes em Londres após o incêndio que consumiu a cidade londrina em 1.666, aproveitando também a oportunidade para realizar uma festa comemorativa ao solstício de verão no hemisfério Norte, seria fundada no pátio da Igreja São Paulo pelas Lojas das tabernas do Ganso e a Grelha, do Copázio e as Uvas, da Macieira e da Coroa a Premier Grand Lodge em Londres em 24 de junho de 1.717 (dia de João, o Batista) sob a égide política-religiosa da Igreja Anglicana e posteriormente também da Royal Society Inglesa. Esse acontecimento inauguraria então o primeiro sistema obediencial através da Primeira Grande Loja com a finalidade auto rogada de ser uma Potência Simbólica suprema para julgar a regularidade das demais Lojas.
No curso da história durante todo o século XVIII e o início do século XIX a Primeira Grande Loja sofreria oposição, destacando-se a Grande Loja de 1.751 que se auto denominava a dos “Maçons Antigos” e pejorativamente alcunhava a primeira como a dos “Modernos”.
Essas escaramuças durariam até 27 de novembro de 1.813 com a união dos Antigos com os Modernos o que resultaria na atual conhecida Grande Loja Unida da Inglaterra.
Destaque-se que particularmente esses quase cem anos de história relativos à Maçonaria Inglesa merecem um estudo atento e acurado, já que a faceta “Antigo e Moderno” daria suporte às duas principais vertentes maçônicas do mundo – a inglesa e a francesa.
Assim esse seria o espelho principal para a grade de estudo da história autêntica da Maçonaria, porém dentro desse imenso mosaico contextual situam-se as particularidades culturais, sociais, simbólicas, ritualísticas e lendárias da Sublime Instituição.
Há que se considerar um minucioso estudo sobre essas associações oriundas dos canteiros medievais, bem como as suas antigas obrigações, contratos das obras e o respectivo sigilo; seus catecismos e práticas operativas.
Dando sequência ao estudo perscrutar a origem dos símbolos e a sua evolução nos diversos canteiros espalhados pelas latitudes terrenas. Essa exegese vai de encontro a posteriori com a evolução dos ritos e as suas particularidades históricas e doutrinárias a partir principalmente do século XVIII.
Obviamente essa é uma feição apanhada na superficialidade histórica, principalmente porque as peculiaridades maçônicas ainda se encontram indubitavelmente espalhadas pelos rincões boreais da Terra.
A questão é garimpar essas preciosidades com métodos geridos pela academia da história. Há então que se consultarem autores autênticos para não se cair no campo das suposições e interpretações proselitistas, ufanas e pessoais que geralmente se apoiam em anacronismos temerários tidos como verdade inconsistente por alguns.
Finalizando, deixo determinados conselhos. Como uma grande jornada sempre começa a partir de um único passo, prudentemente siga o rumo correto que serão evitados desvios improdutivos e desnecessários.
1. Nunca confundir lendas com realidade histórica;
2. Sempre que possível, tenha às mãos a “documentação primária”.
3. O historiador é aquele que narra metodicamente os fatos notáveis ocorridos na vida dos povos, em particular, e na vida da humanidade. Utiliza a ciência e o método que permitem adquirir e transmitir conhecimentos adquiridos através da tradição e/ou por meio dos documentos relativos à evolução, e ao passado da humanidade. Assim, um historiador simplesmente narra os fatos, sem emitir a sua opinião pessoal. O termo “eu acho” é um verdadeiro sacrilégio para o historiador;
4. Em história e na pesquisa autêntica, se afaste dos “achistas”. Aqueles que apenas “acham” não são comprometidos com a Verdade – imaginar é fácil, pesquisar com método é o difícil;
5. Se afaste de autores imaginosos e ufanos;
6. Maçonaria não é um palco de proselitismo religioso, nem mesmo de crenças pessoais. Ela combate a ignorância e a superstição, tendo-os como flagelo da humanidade;
7. Um rito único não é toda a Maçonaria. Lembre-se que a Maçonaria é constituída por ritos;
8. Analise profundamente a bibliografia consultada. Ela pode ser enganosa e traiçoeira;
9. Lembre-se, Maçonaria não é religião nem partido político, porém ela é sim religiosa e política.
10. Conhecer a história relacionada aos “Antigos” de 1.751 e os “Modernos” de 1.717 é imprescindível para se avaliar o conhecimento sobre a Sublime Instituição;
11. Pesquisar nas revelações, nos fragmentos e nas obras espúrias;
12. Pesquisar os verdadeiros Landmarks da Ordem (espontâneos, imemoriais e universalmente aceitos), bem como as Antigas Obrigações;
13. As tabernas dos Maçons antigos e aceitos;
14. Uma Loja maçônica não representa literalmente o Templo de Jerusalém, portanto o Templo não é arquétipo, nem estereótipo de uma Loja;
15. Cuidado com a imensa quantidade de rituais impressos, principalmente no Brasil a partir dos meados do século XIX. Sem medo de errar a maioria deles é ultrapassada, misturada (um com outro rito), inventiva e mal qualificada. Nunca os tenha como uma fonte confiável. É bem verdade que essa regra não é generalizada, porém poucos de salvam;
16. Em se tratando de rito, procure a sua origem e o seu primeiro ritual. Entenda a sua mensagem doutrinária;
17. Ainda em se tratando de rito, observe a sua vertente. Veja se ela é francesa ou inglesa.
18. Outro perigo à vista é a licenciosidade de interpretação, tanto histórica, como simbólica, afaste-se dela;
19. A Moderna Maçonaria universal é composta por apenas três Graus – Aprendiz, Companheiro e Mestre. Graus acima do simbolismo são particularidades dos Ritos. Nenhum deles seria melhor do que outros pela sua maior quantidade de Graus;
20. A Maçonaria primitiva não possuía Graus, porém duas classes de operários que deram origem aos Aprendizes e Companheiros. O Grau de Mestre só apareceria a partir de 1.724 já na Moderna Maçonaria. No operativo existia o Mestre da Obra – não era Grau. Daí o Grau de Companheiro ser o mais genuíno da Maçonaria, tanto histórico quanto doutrinário. Aprenda a não trata-lo como “intermediário” (sic);
21. Etc., etc., etc. Obviamente esses tópicos não se resumem em tudo aquilo que é necessário para bem compreender a “Arte”. A intenção é apenas dar uma direção para a espinhosa jornada em cujo trajeto serão encontradas inúmeras estações.
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