Nas Lojas brasileiras muito se confunde quanto à forma correta do nome Boaz, uns dizendo Booz, outros Boaz. Neste texto, eu procuro mostrar duas coisas. Primeiro, que o correto é Boaz, o que, aliás, é trivial, pois, para tanto basta observar a pronúncia hebraica. Em segundo lugar — e principalmente — , eu procuro dar uma explicação sobre o porquê de os tradutores antigos, ao escreverem a Septuaginta e a Vulgata, optaram pela transliteração incorreta do nome.
O termo Boaz aparece 18 vezes no Livro de Ruth, 3 vezes nas Crônicas, 1 vez em 1 Reis, 1 vez em Mateus e 1 em Lucas.
Na edição maçônica norte-americana da Bíblia Sagrada (Heirloom Bible Publishers, Kansas), o termo é Boaz. Na Encyclopedia of Freemasonry, de Albert Mackey (1917), é Boaz. Em Light on Masonry, de Elder D. Bernard (1828), é Boaz. O Manual of Freemasonry, de Richard Carlile (uma exposée da Maçonaria publicada aos poucos na revista The Republican, em 1825), é Boaz. No The Complete Ritual of the Scottish Rite Profuselly Illustrated, editado por um Soberano Grande Comendador (anônimo), 33o, e complementado por J. Blanchard, no século XIX (sem data), é Boaz. Em Morals and Dogma, de Albert Pike (1871), é Boaz.
Em todas as obras antigas, enfim, o termo é Boaz. Isso não nos surpreende, se observarmos que na escrita hebraica massorética, o que temos é בֹּ֫עַז (Bṓʿaz) e que, além disso, não existem vogais repetidas no Hebraico, de modo que Booz é uma pronúncia incorreta. Nos tempos modernos, o Irmão Harry Carr, em seu artigo “Pillars and globes, columns and candlesticks”, publicado em Ars Quatuor Coronatorum, Transactions of the Quatuor Coronati Lodge №2076 London, em 2001, e apresentado antes na Vancouver Lodge of Education and Research, em 20 novembro de 1998, é Boaz. Nesse artigo, Harry Carr reproduz alguns trechos de exposées publicadas entre 1760 e 1765, nos quais o termo é Boaz.
Por que, então, alguns autores nacionais insistem que o correto é Booz ou, quando muito, que tanto pode ser Booz quanto Boaz? Há duas razões para esse erro. O primeiro deles — e mais óbvio — é o desconhecimento do Hebraico. Em geral o argumento usado é que na escrita hebraica antiga não existiam vogais até o surgimento dos sinais massoréticos (século X), o que, segundo eles, justificaria qualquer pronúncia. Porém, não atentam para o fato de o Hebraico não admitir vogais repetidas, o que prontamente elimina Booz, de modo que, neste caso, a suposta ambivalência não existe.
A segunda razão está nas traduções portuguesas da Vulgata. De fato, na Vulgata o termo é Booz. Se São Jerônimo (347–420 d.C.) traduziu o Antigo Testamento diretamente do Hebraico para o Latim, por que optou por Booz e não Boaz? Só vejo duas explicações. Primeiro, em sua época, ainda não existiam os sinais massoréticos, que indicam as vogais. Somente alguém absolutamente fluente em Hebraico poderia ler corretamente o texto hebraico. São Jerônimo, porém, era ilírio e só aprendeu Latim e Grego no início de sua vida adulta. Quando maduro, mudou-se para Jerusalém para estudar Hebraico. É bem provável que, diante de uma dúvida, consultasse a Septuaginta, a versão grega da Bíblia, que também traz Booz (Βοος, que deve ser lido como Βοός, pois não é possível, por razões morfológicas, dizer Βόος em Grego).
Nessa série encadeada de porquês, surge mais um. Por que a Septuaginta traz Booz e não Boaz? Por uma razão muito simples. Boaz é nome próprio e é oxítono. Em Grego, um nome próprio masculino pode terminar em –ας, como ὁ Ξανθίας (cuja pronúncia é ksanthías, donde veio o nosso Xântias), mas não pode jamais ser oxítona. O mesmo ocorre com os substantivos terminados em –ας, como ὁ νεανίας (o jovem), que não podem ser oxítonos. Por outro lado, substantivos terminados em –ος podem ser oxítonos, como θεόϛ (theós, pronuncie the-ós, com o th ligeiramente aspirado).
Dessa forma, os sábios que verteram a Bíblia para o Grego podem ter optado por Booz (Βοός) em vez de Boaz apenas para preservação do acento tônico na última sílaba, uma exigência natural se a intenção era não desvirtuar demais a pronúncia de um nome próprio e fazê-lo ser entendido pelo leitor ou ouvinte grego. Em outras palavras, se a intenção era fazer a história bíblica minimamente inteligível ao grego, os tradutores tinham de resolver a seguinte questão: ou preservavam a grafia BOAZ mas trocavam o acento tônico da última para a penúltima sílaba (ou seja, Bóaz) ou trocavam Boáz para Boós e preservavam a oxítona. O nome Boáz, oxítono, soaria muito estranho ao ouvido grego, mas não Boóz e tampouco Bóaz. O que é mais próximo de Boáz: Bóaz ou Boóz? Eles julgaram que era Boóz. Dessa forma, São Jerônimo, mesmo que estivesse ciente da correta pronúncia hebraica, pode ter optado por Booz por influência da Septuaginta, tendo preferido, sabiamente, manter uma coerência entre a versão latina e a versão grega já estabelecida há séculos.
Os autores maçônicos antigos devem ter sabido disso, pois todos, no mínimo, eram fluentes em Latim, com boas noções de Grego e alguns até de Hebraico, além de, sendo em sua maioria protestantes, terem em mãos a versão protestante da Bíblia, que, ao contrário da Vulgata, trazia Boaz, graças ao gênio de Lutero. Textos não-maçônicos também trazem Boaz, como Historiarum Totius Mundi Epitome, seção 16, de Cluverius Johannes, de 1667.
Conclui-se, assim, que a pronúncia correta é Boaz e que, além disso, Booz é apenas a herança de uma característica fonética do idioma Grego, que herdamos por intermédio da Vulgata. A opção pelo aparente erro fonético se deve à perspicácia dos antigos tradutores, convictos que estavam de tornar esse e outros nomes hebraicos inteligíveis aos ouvidos gregos, sem prejuízo do significado mais profundo das histórias que traduziam.
Rodrigo Peñaloza é Ph.D em Economia pela University of California at Los Angeles (UCLA), M.Sc. em Matemática pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e Ba. em Economia pela UnB. É Prof. Adjunto do Depto de Economia da UnB. MI, filiado à Loja Maçônica Abrigo do Cedro n° 08 GLMDF.
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