Nos antigos Collegia Fabrorum romanos, cada corporação de construtores tinha seu deus ou seus deuses protetores, como era o caso de Janus, o maior protetor das corporações de artífices. Seus adeptos celebravam anualmente as festas solsticiais de verão e inverno.
Logo no início do Cristianismo, as associações monásticas, guildas ou confrarias de pedreiros, consideradas como precursoras da Maçonaria Operativa, que estavam vinculadas às obrigações religiosas, passaram a adotar os santos católicos como seus protetores, padroeiro, patronos, os quais alguns eram sucessores dos deuses anteriores e não passavam de antigos deuses transformados ou adaptados em santos cristãos e outros santos criados pela própria Igreja entre os quais se destacam alguns já conhecidos como os primeiros mártires dos primeiros tempos do cristianismo.
O exemplo dos pagãos que tinham um ou mais deuses como padroeiros, posteriormente haviam corporações da Maçonaria Operativa que tinham até mais de um santo padroeiro, isto conforme a região e país.
Alguns santos que foram patronos de algumas corporações: São Bleso, São Luiz, São Nicolau, São José, Santa Ana, São Brás, São Gregório, Santo Alpiniano, São Martinho,São Martim, Santo Estevão, Santa Bárbara, São Tomás e os Quatro Coroados. Nem todos estes santos fazem parte dos santos reconhecidos pela Igreja Católica. Depois a Maçonaria adotou os São João, o Batista e o Evangelista.
Diz a lenda, que São Dunstan que teria sido Bispo da Cantuária e que teria sido grão-mestre dos franco-maçons da Inglaterra que em 959 D.C. e que teria reanimado os trabalhos das confrarias as quais estavam decaídas após a morte do rei Athlestan, o lendário-rei arquiteto. Esta lenda é contestada por muitos autores.
São Swithun de Winchester, santo anglicano teria sido o quarto grão-mestre das confrarias dos franco-maçons da Inglaterra de 856 a 872 D.C. Também não há comprovação desta narração. Interessante que a Igreja anglicana não canoniza oficialmente os santos, apesar de aceitar certos santos católicos tradicionais e conservar para estes, tal título, por tradição, não pela religião.
Atualmente os santos mencionados, a não ser os Quatro Coroados e os São João, não fazem parte de qualquer de qualquer segmento maçônico. No entanto existem outros santos que merecem ser citados e comentados pela influência, pelo menos histórica e tradicional e também pelas festas em seu nome entre os pedreiros livres.
Cita-se Santo Albano que serviu no exército romano, depois voltando à sua terra natal Verrulan na Inglaterra, nomeado pelo imperador Crasso, como governador da praça forte local, onde também era mestre de obras. Santo Albano teria implantado ali um sistema usado pelos franco-maçons, melhorando a situação dos operários que viviam em regime de escravidão. Posteriormente, sob as ordens de Deocleciano, imperador de Roma, ele foi decapitado, porque se tornou cristão. A Igreja Católica celebra no dia 22 de junho e a Igreja Anglicana no dia 17 de junho, como dia deste santo. Ele é considerado o primeiro mártir cristão da Inglaterra.
Santo André, patrono da Escócia tem sua festa em 30 de novembro. Apesar da Maçonaria daquele país aceitar São Jorge como seu padroeiro, faz a sua grande festa no dia de Santo André. Note-se que no painel simbólico de vários ritos, na Prancheta da Loja aparece uma cruz em X também chamada a Cruz de Santo André ou “Crux Decussata”. Santo André teria sido martirizado numa cruz deste tipo. Ainda a cruz em X que aparece na Prancheta é usada para o manuseio do alfabeto maçônico.
São Jorge é padroeiro da Inglaterra e é festejado em 23 de abril pela Grande Loja Unida da Inglaterra. As constituições maçônicas inglesas determinam que seja realizada anualmente uma grande festa em sua honra na sexta-feira seguinte ao dia de São Jorge.
Os Quatro Santos Coroados têm a sua história citada no Poema Régio. Conta-se que quatro escultores Severo, Severiano, Carpóforo e Vitorino, os quais por se negar a esculpir imagens de deuses pagãos, foram vergastados até a morte com varas revestidas de chumbo. Há autores que se referem aos quatro Santos Coroados como sendo soldados e não escultores.
Todavia, existem outras versões, segundo as quais a Igreja Católica por longo tempo desconheceu o nome dos quatro coroados e que o Papa Melquíades, em 310 D.C, os tornou santos ao celebrar no dia 08 de novembro o dia de outros cinco escultores Claudio, Castor, Sinforiano, Simplício e Nicostrato, que teriam sido asfixiados em barris de chumbo, no ano 287 D.C., porque, dois anos após a morte dos quatro coroados, também se negaram a esculpir estátuas pagãs. Estes nove mártires foram sacrificados por ordem de Deocleciano, cruel imperador romano, e inimigo dos cristãos. Deocleciano reconhecia Mitra como seu deus principal. O nome destes mártires citados não consta como santos citados no atual rol da Igreja Católica. Os Quatro Coroados foram escolhidos por algumas confrarias de maçons operativos ingleses como seus padroeiros.
O nome Quatro Coroados viria a inspirar o nome da primeira e mais famosa loja de pesquisas do mundo, a Loja Quatuor Coronati nº 2076 de Londres fundada em 28 de novembro de 1884 e instalada em janeiro de 1886 com o único fim de pesquisar de forma racional a história, símbolos, lendas enfim, tudo sobre a Maçonaria. Esta Loja tem suas colunas fortemente erguidas até a presente data, possui um museu e uma biblioteca admiráveis, um departamento de membros correspondentes em nível mundial bem como é responsável pelo estudo e pesquisa da antiga maçonaria verdadeira baseada em fontes primárias especialmente documentais e também pelo desmascaramento de uma série de lendas falsas a respeito da Ordem. Publica anualmente um livro chamado Ars Quatuor Coronatorum onde são publicadas todas as pesquisas feitas por seus membros. Existem lojas de pesquisas em muitos países que emprestaram o nome da Quatuor Coronati. Uma das mais importantes é a Forschungsloge Quatuor Coronati de Bayreuth- Alemanha. Existe no Brasil uma Loja com este nome, trata-se da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati Pedro Campos de Miranda” de Belo Horizonte.
Após a Maçonaria tornar-se oficialmente especulativa ou moderna a partir de 1717, ou já antes há algumas dezenas de anos, ela já não era mais essencialmente composta de profissionais da construção e católicos, quando começou a aceitação de rosa-cruzes, cabalistas, ocultistas, príncipes, artistas, cientistas da época, nobres, anglicanos luteranos e alquimistas. Neste momento histórico a influência da Igreja estava bastante diminuída já que a Maçonaria deixou de ser eminentemente católica.
Apesar desta mudança por uma questão de tradição, e dentro de uma situação irreversível, pois são históricos, tradicionais além de simbólicos, alguns santos ficaram inseridos definitivamente na tradição maçônica. É o caso dos “São João”, o Batista e o Evangelista e São João Esmoler. São João é citado inclusive nas Constituições de Anderson. E ainda o Rito Adonhiramita cultua o terceiro São João, ode Jerusalém ou São João Esmoler. Fala-se também de um São João da Escócia, que não tem razão alguma para ser levado a sério, pois foi pura invenção.
Os maçons atuais, independente de suas religiões, se aceitam ou não os santos, pelo menos têm nos dois São João como seus patronos, e este costume vem da Idade Média. É uma tradição que transcende a religião. É uma tradição respeitada por todos os maçons. Como foi dito, eles encerram um simbolismo que faz parte da Ordem.
Nestas alturas dada a tradição será impossível retirá-los da Ordem. Todavia, o Rito Francês ou Moderno desde 1887 resguardando o princípio da absoluta liberdade de consciência aboliu a fórmula GADU bem como a Bíblia nos seus trabalhos em lojas e assim consequentementeSão João não faz parte do Rito como padroeiro.
Os três primeiros graus do simbolismo são universais e considerados verdadeiros, únicos,legítimos, genuínos conhecidos aceitos e praticados em toda a superfície da Terra. São chamados graus de São João. Toda a doutrina maçônica acha-se contida nos graus de São João, ou seja, nos três primeiros graus.
São João Batista, O Precursor
João Batista era provavelmente essênio, segundo alguns autores. Sempre aparece nas imagens nas igrejas de roupa vermelha, símbolo do martírio segundo alguns religiosos. O Evangelho segundo São João exprime as mais perfeitas formulações a respeito da eterna dúvida com relação às respostas imutáveis da mente humana. O esoterismo dos escritos de São João faz com que os teólogos, os exegetas e outros estudiosos das religiões as compreendam mais profundamente. Há ainda certa analogia entre os escritos de São João e os ensinamentos de Hermes Trismegisto (do latim Hermes Trismegistus). Neles encontram-se a mesma evocação do Verbo e da Luz.Tal é a influência de João Batista que a Maçonaria moderna foi fundada no dia de São João no dia 24 de junho de 1717, dia de sua celebração. Dizem alguns autores que João Batista pregava no deserto e se alimentava de mel e gafanhotos. Vestido de pele de camelo atada apenas por um cinto, e assim foi pregar em Jerusalém. Ele praticava o batismo.
Segundo a Bíblia São João Batista sempre condenou uma relação adúltera entre Herodes de Antipas e sua sobrinha Herodíades, a qual tinha uma filha de nome Salomé. Durante uma das festas da corte, Salomé dançou com tal graça que Herodes entusiasmado disse a ela que daria a ela o que ela pedisse. Ela instigada pela mãe, não teve dúvidas, pediu a cabeça de João Batista. O rei mandou então decapitar João trazendo o carrasco a cabeça num prato que foi entregue a jovem e esta entregou à sua mãe.
Segundo o historiador judeu Flavio Josephus, João Batista foi decapitado no cárcere de Mequeronte, perto do Mar Morto e de Qunran onde foram encontrados em 1947 os celebres pergaminhos que foram lá deixados pelos essênios.
São João Evangelista, o Apóstolo e Evangelizador
Foi um dos apóstolos de Jesus Cristo, que juntamente com seu irmão Tiago eram chamados de filhos do trovão, por causa de seus temperamentos exaltados. Após sua convivência com Jesus ficou conhecido como o apóstolo do amor e também como o discípulo que mais perto esteve do Mestre por ser aquele que mais o acompanhou. Em suas epístolas é constante a preocupação para que se pratique o amor fraternal. Nos vitrais da Idade Média é sempre representado com roupa verde. Seu evangelho tem relação com a Maçonaria. Suas visões apocalípticas quando João “recebeu de um anjo uma vara para medir o templo com exceção do átrio.” marcaram muito sendo uma das razões da Maçonaria adota-lo como um dos seus santos padroeiros cuja festa é celebrada em 27 de dezembro. O Apocalipse parece ser uma mensagem cabalística e esotérica deixada para um grupo seleto de iniciados.
OS DOIS SÃO JOÃO E SEU RELACIONAMENTO COM O DEUS ROMANO JANUS
O Cristianismo uma vez implantado tratou de extirpar toda a tradição pagã até então existente em Roma, que era ditada pelo mitraísmo, religião de origem persa existente há 2700 A.C. a qual confrontava com os novos princípios cristãos, que estavam sendo implantados.
Roma tinha entre seus deuses locais, um deus tipicamente romano Janus ou Joannes, que deu nome ao mês de Janeiro, e que era representado por duas faces (bi frons), uma olhando para frente, para o futuro, e outra olhando para trás, para o passado.
As festas solsticiais de Janus eram celebradas em 21 de junho e 21 de dezembro dias de entrada e saída do verão e inverno respectivamente, isto no hemisfério norte, no hemisfério sul é o contrario, e ainda comemoravam no dia 25 de dezembro o nascimento do menino Mitra.
Segundo vários autores houve uma adaptação de Janus, sendo o mesmo cristianizado sob o nome dos dois São João. Inclusive pela semelhança do nome Joannes ou Janus com João. Há quem diga que ambas são duas versões de um único ser. Janus aparece em muitas gravuras antigas, vitrais, moedas antigas sempre com as duas faces. A igreja Católica não concorda com esta interpretação.
O cristianismo aproveitou a religião, tradição e os costumes dos pagãos modificando de acordo com a conveniência cristã da época. É lógico que o cristianismo que estava sendo implantado não poderia manter a adoração ao deus-Sol.Por isso, substituíram-no por Jesus Cristo. Os antigos especialmente no hemisfério norte comemoravam a noite de 20 para 21 de dezembro o solstício de inverno até com sacrifícios humanos, o renascimento do Sol (Natalis invicti solis). No dia 20 para 21 de junho igualmente era comemorada uma festa solsticial de verão. Esta regra valia para o hemisfério norte, sendo no hemisfério sul, o contrário. As datas que os cristãos adotaram para os dois São foram uma em 24 de junho João Batista e a outra em 27 de dezembro para São João Evangelista estão muito próximas das datas solsticiais celebrada pelos pagãos. E ainda aproveitaram o nascimento de Mitra 2.700 a.C. que os pagãos adotavam no dia 25 de dezembro para ser o dia do nascimento de Cristo e ainda criaram um novo calendário iniciando o ano zero com o nascimento de Cristo.
O Cristianismo naquele momento histórico de sua existência teve que fazer apropriações das tradições e costumes dos pagãos e dar a sua forma de ser, para incorporar as inúmeras fileiras de pessoas convertidas à nova religião, que estavam ainda culturalmente programados pela religião antiga.
Ainda no simbolismo que foi transmitido pela Maçonaria Operativa nas figuras de São João Batista e São João Evangelista que estão representados nos painéis dos ritos em seus rituais por um círculo com duas paralelas tangenciais. Este círculo representa o ciclo anual ou ainda a trajetória do Sol correspondendo os pontos de contatos destas duas tangentes diametralmente opostas aos dois pontos solsticiais que correspondem ao Trópico de Câncer no hemisfério sul e ao Trópico de Capricórnio no hemisfério norte.
Para os maçons, círculo representa o Sol e as duas paralelas tangenciais representa os dois São João. Para os maçons apegados à corrente calcada no Antigo Testamento elas representariam Moisés e Salomão, mas está abandonada esta interpretação.
SÃO JOÃO DE JERUSALÉM, SÃO JOÃO ESMOLER OU HOSPITALEIRO
O Rito ou Maçonaria Adonhiramita adota como padroeiro São João de Jerusalém também conhecido como São João Esmoler ou São João Hospitaleiro. É um santo reconhecido pela Igreja. Teria nascido no ano de 550 D.C. e falecido em 619 em Amamonte-Chipre. Este São João não tem relação com os santos da Maçonaria Operativa.
Segundo Ragon, quem trouxe este santo para a Maçonaria, foi o Barão de Tschoudy e outros maçons da época que acreditavam que a Maçonaria era originada das Cruzadas. Segundo a lenda, este São João seria filho do rei de Chipre e teria deixado sua terra natal e abdicado de seus direitos como herdeiro do trono e teria partido para Jerusalém para dispensar socorros aos peregrinos e soldados cristãos feridos. Todavia segundo outros autores afirmam que ele seria o Patriarca de Alexandria e teria enviado recursos à Modesto de São Teodoro na Palestina para reconstruir as igrejas destruídas pelos árabes. Há também outra lenda que diz que ele fora grão-mestre dos Cavaleiros de São João de Jerusalém no século VII. Ainda existem autores que o identificam com São João da Escócia, figura lendária na Maçonaria que jamais existiu.
SÃO JOÃO DA ESCÓCIA
Este “santo” jamais existiu. No entanto nos antigos rituais do Grande Oriente do Brasil ele era citado e mesmo nas paredes dos átrios ou Sala dos Passos Perdidos dos templos havia imagens deste “santo”. Também não está relacionado como santo da Igreja. Encontra-se citação com este nome como o nome de uma loja francesa fundada em Marselha em 1751 e que teria desempenhado papel importante na Revolução Francesa, mudando de nome após terminar a revolução.
Também citam alguns autores que ele teria este nome porque seria o santo de uma igreja construída na Escócia por franco-maçons.Fala-se também que seria o título de uma Ordem de Cavalheiros Espanhóis, bem como outra de São João da Palestina, que combateram em Jerusalém os chamados infiéis. Mas não se tem comprovação.
Enfim, há um grande número de “São João” que constam como santos do hagiológio da Igreja, a saber:
JOÃO BATISTA, JOÃO EVANGELISTA, JOÃO ESMOLER, João Batista Scalabrini, João Batista de La Salle, João Batista Piamarta, João Batista Berchmanns, João Bosco, João de Brito, João Crisóstomo, João Clímaco, João da Cruz, João de Deus, João Damasceno, João Ogilvie, João de Sahagum ou João Facundo, além do Papa João I e João II.
Não se pode negar que a Maçonaria tem um relacionamento profundo com o Cristianismo. A Maçonaria emprestou da Igreja Católica a cópia do próprio templo maçônico, muitos símbolos, objetos, muitos costumes que foram adaptados, vestes (vide os graus superiores do REAA). E também emprestou o Batista e o Evangelista.
Ressalte-se que quando começou a ser falar em Maçonaria Operativa, a Igreja Católica já existia há mais ou menos mil anos. Com relação aos santos protetores da Maçonaria eles não têm para a Ordem um valor religioso, e sim simbólico, Portanto os dois São João têm seu lugar dentro da Maçonaria, através de seus evangelhos com simbolismo esotérico profundo, e também diferente da interpretação religiosa e do público profano.
REFERÊNCIAS
ASLAN, Nicola - Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbologia - Editora Artenova - S.A.- vol. IV - Rio de Janeiro, 1976
CASTELLANI, José - Cadernos de Estudos Maçônicos - Consultório Maçônico II - Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. - Londrina, 1989
NAUDON, Paul - A Maçonaria - Edipe - Artes Gráficas - São Paulo, 1968
PALOU, Jean - A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática - Editora Pensamento - São Paulo, 1964
VAROLI, Theobaldo F. - Curso de Maçonaria Simbólica - Editora A Gazeta Maçônica S.A - São Paulo, 1970
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