abril 08, 2022

O QUE SE FAZ EM LOJA - Rui Bandeira


Talvez a pergunta que mais vezes não maçons fazem a maçons seja: “afinal o que é que os maçons fazem nas reuniões?”. Subjacente a esta pergunta está, muitas vezes, o pressuposto de que os maçons certamente levam a cabo secretas, mirabolantes e tortuosas atividades. Como todos os pressupostos infundamentados, que assim mais não são do que preconceitos, este não se aproxima, sequer minimamente, da realidade, que é muito mais simples e prosaica.

Há duas partes das reuniões de uma Loja Maçónica que são sempre fixas e iguais: a abertura e o encerramento, que se processam executando os respectivos rituais. São sempre as mesmas palavras, gestos e atos, que se repetem, reunião a reunião.

Com o ritual de abertura, efetua-se a transição entre a vida exterior, os afazeres pessoais e profissionais de cada um, e o labor de um grupo restrito, focado e fraternal. Assim se processa a concentração de todos e de cada um no trabalho que se vai realizar. Assim se cria a atmosfera de concentração, confiança e harmonia que deve envolver os trabalhos que se vão efetuar na reunião.

Com o ritual de encerramento, efetua-se a transição entre os trabalhos realizados e o prosseguimento da vida em sociedade. Assim se efetua o processo de retorno à vida do dia a dia. Assim se relembra que se vai sair de um círculo restrito, onde impera a confiança e a harmonia, rumo ao cadinho social onde todos nos inserimos, com todos os seus desafios, conflitos e necessidade de se estar com as defesas em guarda.

Entre os dois rituais, de abertura e encerramento, processa-se a verdadeira reunião, que pode, basicamente, ter como objecto trabalho ritual (iniciação de profano, passagem ou elevação de maçons a graus mais adiantados), trabalho de formação (apresentação e discussão de pranchas), trabalho administrativo (organização interna da Loja, arquivos, quotas, etc.) ou trabalho organizativo (de projetos ou atividades em curso ou a levar a cabo).

O trabalho ritual efetua-se executando, em palavras, gestos e atos, o ritual da cerimónia que se realiza. Cada um dos Oficiais de Loja tem uma função determinada, que executa. Quem não tem intervenção na execução do ritual, seja em que qualidade for, assiste.

O trabalho de formação consiste na apresentação e discussão dos variados trabalhos que os maçons efetuam. Em regra, textos, mas podendo ser trabalhos de outra natureza: música, pintura ou escultura, construção de artefatos, trabalhos fotográficos ou audiovisuais, enfim, tudo o que um maçom se tenha sentido com capacidade para criar e que possa contribuir para o seu aperfeiçoamento e o de seus Irmãos. Com este tipo de trabalho, busca-se atingir o objetivo primeiro dos maçons: melhorar, aperfeiçoar-se, crescer intelectual, moral e espiritualmente.

O trabalho administrativo é o mal necessário, a execução das tarefas que bem gostaríamos de não precisar fazer, mas que têm que ser feitas: determinar e debater todos os aspectos organizativos da Loja; tomar conhecimento da correspondência e providenciar quanto a ela; tomar conhecimento de comunicações de outras Lojas e da Grande Loja e determinar as providências a tomar; providenciar quanto ao arquivo, ao quadro de obreiros, à vida financeira e económica da Loja. Embora haja Oficiais cuja função é assegurar a execução diária das tarefas desta natureza (o Secretário, o Tesoureiro, o Arquivista), vai havendo necessidade de algumas decisões serem tomadas pela Loja ou de a Loja ser informada das decisões tomadas pelos Oficiais e dos procedimentos e escolhas por estes efetuados.

Finalmente, o trabalho organizativo é aquele cujos resultados podem ser apreendidos exteriormente à Loja. Por vezes, apenas nas famílias e amigos dos obreiros da loja, por vezes em círculos mais amplos ou na sociedade em geral. Ao longo do ano, as Lojas organizam diversos eventos, desde reuniões, passeios ou visitas, a organização de colóquios, conferências ou debates, desde efetivação de campanhas de recolha de fundos para solidariedade a campanhas de efetivação direta de atos de solidariedade.

No caso da Loja Mestre Affonso Domingues, esta tem efetuado, com regularidade, ações de doação de sangue, por vezes isoladamente, por vezes em colaboração com um grupo de escoteiros, organiza anualmente um leilão para recolha de fundos, procede à entrega de bens, adquiridos com os fundos obtidos, que a associação ou associações de solidariedade em cada momento apoiadas(s) indiquem como sendo os que maior utilidade no momento lhe(s) trazem, efetua contatos e visitas a outras Lojas e organiza a recepção a outras Lojas (particularmente em relação às duas Lojas com que está geminada, a Fraternidade Atlântica, da GLNF, e a Rigor, da GLLP/GLRP, organiza e efetua viagens e visitas a monumentos, museus e outros locais de interesse histórico, monumental, artístico ou cultural (nos últimos anos, e a título de exemplo, o Mosteiro da Batalha, o Convento de Cristo, a Zona Histórica de Santarém, Castelo Rodrigo, a Sinagoga de Lisboa), entre outras atividades e iniciativas, muitas vezes com início no voluntarismo de algum Irmão, que os demais acompanham, auxiliam ou em que colaboram.

Como se vê, o que se faz em Loja é muito mais prosaico do que concebe a imaginação, por vezes demasiado fértil, de quem está de fora. No fundo, em Loja faz-se o que se faz em qualquer outra agremiação: trata-se da organização interna, da prossecução dos objetivos próprios e cuida-se dos eventos que se leva a cabo.

O principal objetivo da Maçonaria é o aperfeiçoamento individual dos seus membros, fazer de homens bons homens melhores e, pelo reflexo desses aperfeiçoamentos individuais, contribuir para a melhoria da Sociedade. Cada reunião é mais um passo nessa caminhada, uma gota de suor nesse esforço, um tijolo nessa construção.

Muito simples e normal, talvez. Talvez dessa simplicidade e normalidade decorra a dúvida de que efetivamente seja SÓ assim. Percebo e compreendo o cepticismo que, afinal, radica num tácito elogio à Maçonaria. Esse cepticismo decorre da perplexidade: “Mas afinal se é só isso que se faz nas reuniões de Loja, o que torna a Maçonaria tão especial, qual o cimento que liga os seus membros, o que os faz retirar tempo às suas famílias, aos seus negócios, aos seus afazeres e ócios, para irem fazer só isso?”

A resposta não está tanto no que se faz , mas em COMO se faz e PORQUE se faz. Mas essas são já matérias para os próximos dois textos…


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