Alguns historiadores, como Dennis Stock, afirmam como sendo o imperador Pedro I “O Grande” como o introdutor da maçonaria na Rússia, através do arquiteto Christopher Wren - restaurador de uma Catedral em Londres - que o iniciou, muito antes do nascimento da maçonaria contemporânea, em 24 de junho de 1717.
Outros estudiosos preferem informar que o seu ingresso foi num navio militar inglês, o que era comum na época. Porém concordam que após o seu regresso da Inglaterra, Pedro I mandou o seu ministro de confiança, o suíço François Lefort, que em 1698 fundasse a primeira loja maçônica na Rússia, localizada em São Petesburgo, e que se fizesse Mestre dela.
No entanto, a Grande Loja da Rússia diz que existem apenas evidências desses fatos, como também mostra indícios de que a maçonaria especulativa apareceu em 1731.
Em 1762 o Czar Pedro III foi iniciado e incentivado por sua mulher Catarina II, apoiando a maçonaria, a ponto de promulgar a primeira Grande Constituição do Rito Escocês Antigo e Aceito na Rússia.
Mas foi em 1771, com o beneplácito de Catarina II, que surgiu a primeira Grande Loja Regular - denominada “Perfeita União” - com Carta Patente da Grande Loja da Inglaterra, tendo sido designado Grão-Mestre o capitão inglês John Phillips. A alta administração da Loja também foi constituída primeiramente por cidadãos ingleses.
A realidade, é que a explosão da maçonaria russa deu-se mesmo na segunda metade do Século XVIII, tendo sido a época mais marcante até os nossos dias. Capítulos de Altos Graus foram criados e houve uma afluência significativa de príncipes e destacadas personalidades, com realce para as lojas simbólicas “Concórdia”, “Hipócrates”, “Apolo”, “Pitágoras” e “Constância”.
Saliente-se a criação de uma entidade “paramaçônica” destinada ao estudo e preparo psicológico dos candidatos, com o objetivo de selecioná-los para o ingresso na Maçonaria. Funcionava como um noviciado de jesuítas. Os que davam mostras de vocação maçônica eram propostos à iniciação. Os que não tinham aptidão, por índole, temperamento ou falta de preparo, eram deixados sutil e delicadamente, sem que eles sequer adivinhassem a experiência que haviam sido submetidos.
Graças a Catarina II, muito mais por estratégia política do que pela propensão das ideias modernas que vicejavam na França, que a maçonaria recebeu o seu maior incentivo, a ponto de influenciar o marido Pedro III a multiplicar oficinas maçônicas nas principais cidades do império.
Segundo Eugenio Tschelakow, o historiador Nicolai Riasanovsky, citado por Richard L. Rhoda, afirma que durante o reinado de Catarina II que se chegou aos 2.500 membros espalhados em mais de cem lojas no território russo. Por sua vez, a revista alemã “O Globo” revela que existiam 161 oficinas em 1790, com a Rússia despontando dentre as principais potências maçônicas do mundo, com 4.000 maçons.
Foi a mesma Catarina II que persuadiu o Imperador Pedro III, a construir para a Loja “Constância” no castelo imperial Oranienbaum em São Petersburgo, um dos mais luxuosos templos maçônicos do continente europeu. Também contribuiu para que fosse proibida qualquer leitura ou divulgação relacionada à Bula “In Eminenti Apostolatus Specula” do Papa Clemente XII, como ainda não permitiu a publicação da Bula “Providas Romanorum Pontificium” do Papa Benedito XIV em 1751, enumerando as 6 razões de condenação à maçonaria russa.
Desde o início do seu reinado, Catarina II, que governou por 34 anos, lia e escrevia compulsivamente, tornando-se uma grafo maníaca. Foi nessa época que manteve ativa correspondência com os iluministas Voltaire e Diderot, acolhendo-os certa vez como seus hóspedes de honra, o que contribuiu para o crescimento da maçonaria.
Foi nessa oportunidade que a sempre pragmática Catarina II comprou todo o acervo bibliotecário de “Monsieur” Diderot, com recursos emprestados pelo astuto embaixador inglês Habury Williams, seu particular amigo e também maçom.
Em compensação, a performance da Maçonaria na Rússia proporcionou para Catarina II uma consolidação de amizade com as grandes potências que lideravam a política mundial. Em seu reinado, sempre com o apoio da Maçonaria, foi criado o Grande Colégio de Médicos e Cirurgiões, tornou conhecida a literatura russa pela fundação de uma academia, foi fundado o monumental asilo de Moscou, desenvolveu a instrução elementar e científica como nunca, além de terem sido criados hospitais e bibliotecas em toda a Rússia.
Foram implantados códigos de ética, de condutas e de normas para a vida civil. Catarina aboliu muitas regras que levavam à tortura ou execução, inspirando-se nos princípios iluministas de Voltaire e Diderot.
Contudo, os sentimentos pacifistas e filosóficos pregados pela maçonaria nem sempre acompanhavam as atitudes de Catarina II, como no caso da partilha da Polônia, como ainda a temerária vida desregrada de Catarina II com seus amantes, conquistados face à fragilidade física e mental do marido, comparado pelos franceses com Luiz XVI, pela semelhante impotência sexual de ambos. Catarina II e um de seus intelectuais comandantes chamado Potemkin tornaram-se amantes, desfrutando mais aventuras de que Marco Antonio e Cleópatra ou Napoleão e Josefina, embora casassem anos depois, com a viuvez da Imperatriz.
Vários fatores contribuíram para diluir o relacionamento de Catarina II com a maçonaria: a aberta simpatia e dedicação pela Ordem manifestada pelo seu marido e rival Pedro III; o ingresso à Instituição por convite do rei da Suécia Gustavo III - do seu filho e inimigo político o Grande Duque Paulo; a influência na maçonaria do seu outro inimigo político, o rei Frederico “O Grande”; do pseudomaçom e charlatão conde Alexandre Cagliostro com o seu impressionante Rito Egípcio de noventa graus, tendo sido desmascarado numa sessão espírita realizada nos salões do príncipe Gagarin, ensejando Catarina a escrever três comedias satíricas: “O xamã siberiano”, “O fabulador” e “O alucinado”.
Por derradeiro, as maliciosas acusações do abade Barruel no sentido de que a maçonaria teria realizado a Revolução Francesa (o que é absolutamente falso, conforme Castellani, Assis Carvalho e outros), influenciaram negativamente no ânimo da imperatriz que, a princípio, não proibiu os trabalhos nas Lojas, mas deu a entender aos nobres da corte que já não aprovava que pertencessem a elas.
Assassinado Pedro III, Catarina II foi coroada em 1762, como a “Imperatriz de todas as Rússias”.
Algum tempo mais tarde, no dizer do embaixador sueco e maçom, Conde Stedingk, o que mais incomodava a Catarina II era que não podia ser membro da Ordem pela sua condição de mulher, a exemplo de mulheres de destaque na França, com o Rito de Adoção. Disse ele certa vez que “Catarina sentia uma feminina repulsão contra a maçonaria”.
Por influência de alguns de seus amantes, acabou trocando suas idéias liberais por atitudes despóticas num escancarado contraste de vinte e sete anos de fecundo governo em que a paz interna e o bom “convívio” com a Maçonaria foram a tônica de seu governo, iniciando uma era de perseguições contra as organizações maçônicas, em que fechou templos, deteve e deportou maçons para a Sibéria. O contra-senso nos últimos tempos de vida de Catarina II ficou por conta da proibição da leitura de Voltaire, um de seus ídolos e seguidores, chegando a destruir todos os seus livros que possuía.
O certo, é que desde o Século XVIII, a Maçonaria na Rússia sempre foi condicionada aos caprichos de seus altos dirigentes.
Com sua morte, subiu ao trono o filho e algoz, Paulo I. Insano, presunçoso completamente inculto e perigoso, “refervia em ódios contra os que haviam ajudado a depor-lhe o pai”. Mandou exumar o corpo do pai mandando deixar seus restos mortais no mesmo túmulo de Catarina II, para que permanecessem juntos.
Convencido de que seu pai havia sido assassinado pelos parciais de sua mãe, em conluio com inúmeros maçons, mandou invadir lojas maçônicas destruindo todos os seus símbolos e pertences que encontrasse. O declínio da Maçonaria na Rússia era sentido por toda a Europa.
Em dezembro de 1798 proclamou-se Grão-Mestre da Ordem dos Cavaleiros de Malta, entidade que era rival dos altos graus maçônicos da Rússia, e cuja ilha havia sido tomada dos franceses.
Paulo I foi persuadido a crer de que a Maçonaria teria sido a responsável pelo guilhotinamento de Luiz XVI na França, fato que o amedrontou profundamente. Esse apavoramento contribuiu para que ele expedisse um convite diplomático a Frederico Guilherme da Prússia, a fim de que declarasse guerra à Inglaterra e França.
Aquela sob pretexto de que era a “pátria de piratas e de maçons” e esta, como medida punitiva pela “contribuição dos maçons na Revolução Francesa”. Na vitória, tencionava promover o retorno dos Bourbons ao trono francês, cuja dinastia foi duradoura, iniciando-se em 1589 com Henrique IV e prolongando-se até quando a monarquia foi derrubada durante a Revolução Francesa. O convite, não prosperou.
Como o pai Pedro III, Paulo I foi assassinado dias depois de debochar e humilhar as tropas de elite russas fazendo-as vestir uniforme semelhante ao usado pelo exército prussiano, de quem era admirador.
Assumiu o poder seu filho Alexandre I que retomou em parte os rumos na política internacional de Pedro I “O Grande”, deixando os assuntos da França para os franceses e fixando a paz com a Inglaterra.
Em agosto de 1822, o Czar Alexandre I, antigo membro da Loja “Constância”, derrotou o seu irmão maçônico Napoleão I. Jean Palou, na obra “A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática”, relata que Napoleão I foi iniciado quando era tenente de artilharia na Itália, e teria pertencido à Loja egípcia de Hermes e ao Rito Escocês Retificado da Obediência do Grande Oriente de França.
Alexandre I, com o exército sob o comando do marechal de campo Mikhail Kutuzov, também maçom e com base em um relatório sobre as atividades de maçons russos elaborado pelo senador Igor Kushelev, que era Grão-Mestre Adjunto da Grande Loja Astréia, decidiu emitir ordem para que as Lojas maçônicas suspendessem suas atividades. Declarou mais Alexandre I: que continuavam em vigor as leis de Paulo I contra a Maçonaria.
A estranha coincidência histórica é que nesse mesmo ano de 1822, com diferença de poucas semanas, outro imperador maçom, o brasileiro Dom Pedro I, inobstante ter o grau 33° e ser Grão Mestre do Grande Oriente Brasílico, também proibiu a maçonaria no seu país.
A exemplo do pai, Alexandre I ignorou os compromissos com a Ordem Maçônica. Ambos se esqueceram da solidariedade que deviam aos irmãos maçons.
Jasper Ridley, no livro “Los Masones” relata que em 1815, o czar Alexandre I foi nomeado Grão- Mestre de honra da Maçonaria da Polônia, durante um banquete maçônico celebrado em Varsóvia.
A sina triste da Maçonaria na Rússia perdurou durante todo o Século XIX, cerceando o seu desenvolvimento. A limitação da liberdade, o controle e a censura continuaram sob o jugo e domínio dos governantes russos, apesar da perseverança sempre constante de maçons idealistas, mesmo enfrentando os riscos de deportação para a Sibéria.
No início do Século XX nova investida se aprofundou contra a Maçonaria. Foram fechadas algumas Oficinas de maior expressão, seus membros foram presos ou deportados, até que Nicolau II, o novo imperador, convenceu-se de que pouco adiantava as reprimendas, pois para cada maçom preso ou deportado, havia sempre uma dezena de bons candidatos dispostos à luta pela liberdade da Maçonaria.
Em 1906 destacavam-se em São Petesburgo a Loja Estrela Polar e em Moscou a Loja Renovação, compostas por intelectuais, liberais, escritores, militares, cientistas, clérigos e burgueses.
Com o colapso das forças russas na Revolução Bolchevique de 1917, desapareceram os vestígios de maçons e templos maçônicos, com a Maçonaria exterminada totalmente durante a ditadura comunista.
Durante o IV Congresso Internacional Comunista em Moscou, realizado de 30 de novembro a 5 de dezembro de 1922, foi declarado que “A Maçonaria é o engano mais infame que lhe faz ao proletariado uma burguesia inclinada para o radicalismo. Temos a necessidade de combatê-la até o extremo”.
Com a implosão do comunismo, começaram a surgir novas lojas maçônicas. A reinstalação da Grande Loja da Rússia, após 173 anos de proibição governamental, aconteceu no dia de São João do ano de 1995, no edifício do Sindicato de Professores de Moscou, sob os auspícios da Grande Loja Nacional da França.
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Referências Bibliográficas
A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática, Palou, Jean - Ed. Pensamento, São Paulo
A Maçonaria Russa, Tschelakow Eugenio
A Maçonaria na Rússia, Zeldis, León. In: As pedreiras de Salomão. Londrina: a Trolha, 2001.
“Catarina, a Grande” documentário exibido no dia 26/02/2007 ás 21h00 no The History Channel, TVA Canal 45.
Grande Loja da Rússia.
Los Masones, de Jasper Ridley, Ed. Vergara, Buenos Aires.
Maçonaria e Religião. Schüller Sobrinho, Octacílio. O Prumo, Florianópolis, n.124, 1999
Nos Bastidores do Mistério, de Adelino de Figueiredo Lima –Spiker (Rio) 1953
Relato Maçônico de procedência russa. Zelchenko, Henry L. - A Trolha, Londrina, v.10, n 25 1986.
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