Algumas considerações pessoais pelo Irmão Michael W. Walker, Grande Secretário da Grande Loja da Irlanda
Durante os últimos anos, nomeadamente nos mais recentes, muitos Irmãos e Grandes Lojas parecem estar a envolver-se cada vez mais em assuntos que estão claramente fora do âmbito dos “Objetivos e Relacionamentos da Ordem”.
Serão provavelmente tantas as razões para isso como o número de casos que teve lugar mas, pelo simples facto de que está a acontecer, indica que é altura de questionar o que é a Maçonaria, o que lhe está a acontecer e que acções, se quaisquer, devem ser tomadas para inverter alguma tendência menos desejável, canalizando energias e o nosso entusiasmo para caminhos aceitáveis, à medida que nos aproximamos do próximo século.
Durante a Iniciação, é assegurado aos Irmãos que o candidato “é livre e de bons costumes”. Portanto, ele é, ou deve ser, um cidadão pacífico e respeitador da lei. Um pouco mais adiante, é-lhe dito que é necessário que receba os ensinamentos e conselhos que dele farão mais tarde um homem útil e virtuoso. Mais tarde ainda, indica-se que um dos deveres dos Maçons é praticar as virtudes que tendem a tornar o Homem um ser perfeito. Ao candidato pede-se todo o empenho no exercício das suas responsabilidades perante o seu Deus, o seu semelhante e ele próprio; pede-se ainda que seja um cidadão exemplar e que, como indivíduo, pratique a virtude a todos os níveis e mantenha vivas as verdadeiras características da Maçonaria, que são a benevolência e caridade, e o amor fraterno.
Ao atingir o segundo grau, é-lhe dito que deverá não só estar de acordo com os princípios da Ordem como também diligentemente praticá-los. Finalmente, no terceiro grau, pede-se que o seu comportamento sirva de exemplo à conduta de outros.
Mais tarde ainda, no topo da sua escalada como Maçom, ao ser instalado na Cadeira da sua Loja, dá o seu consentimento a um conjunto de princípios pelos quais deverá pautar o seu comportamento e atitude. Em suma, o princípio fundamental adjacente é de que, ao ser aceite na Maçonaria, ao concordar com os seus preceitos e princípios, o Maçom honrará não só a sua pessoa como será um exemplo e um benfeitor respectivamente para e de outros. Espera-se que a Maçonaria contribua para que se atinja aqueles objetivos mas que, na sua vida diária, um Maçom venha a interagir com outros como indivíduo e não na sua capacidade de Maçon. A Maçonaria é pois uma prática intelectual e filosófica destinada a fazer com que a contribuição do indivíduo para com a sociedade, assim como o seu próprio desenvolvimento pessoal, seja mais forte e maior do que teria sido conseguido se não tivesse tido a oportunidade de pertencer à Ordem.
Ser admitido à iniciação e a própria cerimónia da iniciação são uma clara indicação e confirmação do valor intrínseco do indivíduo e do seu reconhecimento pelos irmãos. Por si só, este facto deverá conduzir a um aumento da autoestima e, espera-se, estimular o desejo consciente ou subconsciente, de provar que se é merecedor da confiança dos outros. As subsequentes passagens aos segundo e terceiro graus são uma demonstração simbólica da satisfação dos irmãos pela correta escolha e decisão iniciais sobre a iniciação do candidato, não só pelas aptidões inatas como pelo seu interesse e zelo em aperfeiçoar a prática maçónica. Estas indicações iniciais de estima deveriam conduzir a um acréscimo de satisfação e autoestima do candidato.
Na Ordem adquirem-se muitas aptidões, o que não acontece em muitas outras instituições. Um irmão deve ser capaz de falar em público, decidir e opinar sobre vários assuntos e liderar reuniões. Estes atributos são muito valiosos em outros aspectos da vida profana; para muitos, é a única oportunidade que alguma vez terão de aprofundar, praticar e aperfeiçoar aquelas capacidades e técnicas.
Na realidade, penso que, atualmente, muitos daqueles atributos e benefícios – o Produto Maçónico – devem ser desenvolvidos pelo próprio candidato. Uma grande parte do simbolismo perde-se se o candidato não estiver devidamente sintonizado. Em verdade, a Maçonaria vai de encontro à satisfação das necessidades psicológicas do homem comum. Acredito que os homens, muito mais que as mulheres, são criaturas gregárias que sentem o instinto de grupo duma forma mais intensa. O homem necessita de pertencer a algo, como uma escola ou clube. A Loja assume esse papel, tendo mesmo, como numa estrutura militar, a hierarquia e uniformes ou vestimentas diferenciadas que indicam o grau do indivíduo ou o nível hierárquico que já foi atingido. Além disso, a Loja facilita a satisfação dos interesses pessoais, o que em muitos casos não é possível nem no ambiente familiar nem profissional. Acima de tudo, a Loja transmite paz e tranquilidade, um local onde se encontra o que se espera e onde a turbulência da vida profana não se manifestará com certeza e será esquecida por uns momentos. E um lugar onde se pode recarregar as baterias para assim se poder melhor apetrechados enfrentar as batalhas no mundo profano.
Aqueles que já passaram ou possam estar a passar por alguma situação traumática, como o desemprego ou a depressão causada pelo “stress” imposto pela vida moderna, saberão da verdade deste facto e poderão confirmar o efeito apaziguador e calmante do único e inestimável meio ambiente, tal como existe na Loja.
É a Maçonaria uma associação de caridade?
A resposta é negativa mas, como em qualquer ambiente fraternal, as necessidades de um irmão ou dos seus dependentes receberão a simpatia e apoio incondicional dos seus irmãos, nem sempre necessariamente de natureza financeira. A caridade é o resultado natural do amor fraterno e é incentivada na Maçonaria, mas não é a razão de ser da Ordem.
A critica que frequentemente se ouve da Ordem, de que só se preocupa com os seus, é totalmente falsa e carece de validade. A caridade maçónica não se restringe aos seus membros, sendo que é cada vez mais direccionada para qualquer causa ou situação merecedora, desde que não contrarie os termos da Declaração de 1938. O Maçon é, de qualquer modo, livre de, na sua vida quotidiana e capacidade pessoal, apoiar qualquer organização que mereça a sua simpatia.
O objetivo da Maçonaria
O objetivo da Maçonaria é o autoaperfeiçoamento – não no sentido material mas nas vertentes intelectual, moral e filosófica, a fim de desenvolver o ser no seu todo e, como indicado na bonita e emotiva linguagem do ritual, “prepararmo-nos para tomar os nossos lugares como pedras vivas no grande edifício espiritual, que é eterno nos céus e não foi feito pelas mãos do homem”. Este hipotético indivíduo, desenvolvido no seu todo, deve, através da sua viagem pela vida e interação com os outros, contribuir duma forma significativa para a sociedade em geral, realizando e cumprindo assim o desejo expresso durante a iniciação de se tornar cada vez mais útil aos seus semelhantes.
A minha interpretação da Maçonaria assemelha-se ao que pensou W. B. Yeats da aristocracia – “proteger os seus membros e devotos das tempestades da mudança, quase que como do abrigo do ventre materno se tratasse; e como um esquema para promover um tipo de espiritualidade, ao nível da alma e ao mesmo tempo profano e temporal.”
Eu gostaria certamente de dizer da Loja o mesmo que Yeats afirmou uma vez sobre a casa de Lady Gregory, em Coole, no condado de Clare, certamente um “abrigo materno” para artífices duma profissão diferente, pois “esta casa enriqueceu imensamente a minha alma porque aqui a vida move-se em formas graciosas, sem limitações”.
A sociedade de hoje
À medida que as mudanças no mundo acontecem a um ritmo cada vez mais rápido, duma forma complexa e imprevisível, a nossa necessidade natural de segurança, controlo, certeza e previsibilidade começa a ser corroída. Este tipo de ambiente constitui campo fértil para o desenvolvimento do que é chamado o ’’Síndroma de Aquiles”, que faz com que cada vez mais pessoas com objectivos ambiciosos padeçam de um sério défice de autoestima, aparentemente mais no caso masculino. Este facto pode bem depreender-se de um artigo da autoria de Petruska Carlson, urna psicóloga clínica e consultora.
Isto torna-se patente num crescente número de indivíduos que têm demonstrado esta preocupação pela rapidez em que valores culturais da sociedade têm sofrido alterações e pela sua influência no homem. Gerard Casey defende que “em todas as sociedades, a razão funciona dentro do conceito de mitos, sendo estes narrativas culturais fundamentais que fornecem princípios e valores inquestionáveis em que se baseia a sociedade e sem os quais ela não se pode desenvolver. Infelizmente, aqueles que se consideram especialistas em educação não têm hoje aparentemente noção da importância destes fatores, talvez pressionados também pelos que procuram uma educação baseada unicamente em temas técnicos e direcionados para aspectos de carreira profissional, e também pela pressão “educativa” exercida pela televisão sobre muitos jovens em detrimento dos próprios pais. Como sociedade, estamos a perder, ou já perdemos, os nossos padrões culturais, provocando um autentico deambular, sem objetivos ou direção definidos, como qualquer meteorito perdido algures no espaço.
Casey advoga que as pressões exercidas pela sociedade moderna provocaram um estado de caos e colapso moral na Irlanda, tendo já atingido proporções epidémicas no mundo ocidental. Defende a necessidade de se encontrar uma base ética racional para o comportamento humano, o que será uma tarefa difícil, sem garantias de sucesso. O Dr. Donald Murray, ex assistente do bispo de Dublin e atualmente bispo de Limerick, reconhece a existência duma “fome que não está a ser satisfeita. As pessoas necessitam de sentir que pertencem a alguma coisa; têm de se sentir dedicados a algo. O estado de espírito que prevalece é de desilusão e cinismo. Sentimos que vivemos num mundo de instituições estruturadas, pertencendo não a um país mas a uma economia. Avaliamos a nossa vida nacional em termos de recursos e estatísticas e pensamos no Estado como uma máquina, em vez de como pessoas e valores culturais”.
O Dr. Murray defende que “presumimos cada vez mais que o cidadão ideal não tem valores religiosos ou morais fortes, ou pelo menos que tenha a decência de não os imiscuir na cena pública. Isto é, o indivíduo não é suposto participar na vida activa com o seu Eu, com as suas convicções morais e religiosas. São considerados assuntos privados. Estamos claramente em risco de construir uma sociedade com valores culturais que consideram irrelevantes as verdadeiras realidades da vida. As divisões e separações ocorrem só quando a religião e moral não são entendidas. A consciência individual merece respeito porque procura a verdade, que é a obrigação de todo o ser humano”.
Os Maçons facilmente compreenderão estas referências à ética, verdade e moral como parte dos verdadeiros fundamentos dos ensinamentos maçónicos. Mas estes valores estão a ser minados por forças destruidoras que estão a corromper as próprias fundações nas quais se baseiam. Conor Cruise O’Brian – um estadista e comentador de renome – afirma mesmo que “desde há muito na história que o discurso humano no que se refere à ética tem sido ferido, em graus diversos, pela hipocrisia”. O bispo de Waterford denunciou recentemente o excessivo culto do individualismo.
Este excesso de individualismo conduziu a uma falsa ideia de liberdade. O indivíduo foi levado a pensar que a liberdade não tinha limites e a acreditar na supremacia dos seus direitos sobre os dos outros. O culto do individualismo colocou o indivíduo, homem ou mulher, num pedestal, no centro de tudo, e não permite a inclusão da “comunidade” no seu verdadeiro sentido, além de que dificulta a realização da “vida plena”, à qual todos somos chamados.
Quer gostemos quer não, quer saibamos quer não, há muitas forças subtis, e até mais óbvias, diariamente influenciando-nos, produzindo à medida que se multiplicam, uma espécie de tortura e consequente desequilibro – nem sempre perceptível- que nos faz sentir inseguros e dúbios relativamente ao caminho que percorremos.
São estas as forças que fazem enriquecer os psiquiatras, à medida que cada vez mais pessoas sentem que “algo” não vai bem e que está a afetar todo o seu ser e qualidade de vida mas sem saber identificar o quê. O que é realmente necessário é uma espécie de âncora mental, como que um objetivo de navegação que, mesmo com nuvens espessas, permita ao “viajante” uma viagem em que possa identificar exatamente a sua posição e assim retornar, se necessário, ao verdadeiro caminho.
Maçonaria – inserida, ou não, na sociedade?
Qualquer pessoa é ocasionalmente um pouco introspectiva, ao perguntar-se “quem sou eu e para onde vou?”. Mesmo uma organização como a Maçonaria deve fazer-se a si mesma esta pergunta. Somos uma organização cujos objetivos são o amor fraternal, ajudar os nossos irmãos e seus dependentes em dificuldades, procurar a “Verdade” que devemos exprimir e difundir como um padrão de moral público e privado, conhecer e temer a Deus, e, como consequência, respeitar e amar o nosso semelhante. Isto significa tolerância pelas opiniões pessoais, crenças religiosas e tendências políticas. Se persistirmos em analisar os objetivos da Ordem, a nossa procura deve alargar-se mas sem desfocar a nossa visão, ao mesmo tempo que devemos cada vez mais aproximarmo-nos do Grande Arquitecto do Universo, espiritualizando-nos e tentando aprofundar a nossa compreensão Daquilo que não podemos nunca esperar compreender e apreender completamente – algo como a procura e luta pelo místico Graal, tal como os nossos prováveis antepassados operativos – os Cavaleiros Templários – que se seguiram, à sua maneira, aos míticos Cavaleiros dos Romances do Graal e às Lendas Arturianas. A Maçonaria é muito mais que uma superficial análise de e pela sociedade de hoje, obcecada com o sucesso material do indivíduo muito mais do que a sua contribuição para a sociedade. O sucesso na sociedade de hoje mede-se por padrões materiais e económicos, pela posição ou aquisições que essa capacidade económica permite. Não é relevante se essa posição ou aquisições foram obtidas de uma forma imoral ou mesmo ilegal ou se prejudicou alguém no processo.
A Maçonaria não é apenas mais uma organização como os Rotários, Câmara do Comércio ou outras, com objetivos e funções diferenciadas. Se a Maçonaria tivesse alguns desse objetivos, então provavelmente algumas dessas organizações não se teriam formado. Somos o que somos e qualquer tentativa em assumir alguns dos outros objetivos afastar-nos-ia do nosso caminho. Provavelmente, muitos se juntaram à Maçonaria pensando que era algo diferente ou, depois da iniciação, procuraram influenciá-la e até moldá-la aos seus desígnios. Não somos a cura para os males de cada um.
Pode afirmar-se que o número de novas admissões à Maçonaria em todo o mundo tem vindo a decrescer. As razões para este facto prendem-se com o superficialismo da sociedade de hoje, a multiplicidade de oportunidades e pressões socais existentes relativas à utilização dos tempos livres.
Estudos feitos nos E.U.A. indicam a existência de uma forte relação inversa entre o tempo livre necessário para o exercício de uma atividade e o seu grau de popularidade. As exigências cada vez maiores da vida profissional têm gradualmente reduzido o tempo livre disponível, o que obriga ao seu racionamento a fim de evitar, muitas vezes sem sucesso, competir com a família e outros interesses considerados prioritários. Qualquer atividade que exija um compromisso de tempo substancial e que não seja entendida como tendo um retorno justificável (medido eventualmente de uma forma subjetiva), não será favorecida e, em termos maçónicos, traduzir-se-á numa redução de presenças em sessões, independentemente do orgulho, honra ou satisfação que o irmão terá em ser membro da Ordem. O número de irmãos que esporadicamente estão presentes indica que reconhecem “pertencer” a uma organização que não tem a capacidade para estimular uma presença regular.
Os meus avós, com a provável exclusão do seu clube e da sua Loja, tiveram possivelmente muito menos oportunidades onde utilizar os seus tempos livres, sendo que as sessões de Loja eram ansiosamente esperadas. Hoje, uma grande quantidade e variedade de atividades estão acessíveis a quase todas as classes, quer social quer economicamente. A sessão (ou sessões) mensais, em vez de oportunidades, concorrem frequentemente com outras atividades, cujo “retorno” é visto como mais atrativo.
Em terminologia de marketing, devemos ver a Maçonaria como um produto. E isso que estamos a “vender” (ou a providenciar) para consumo dos membros ou potenciais membros. Devemos pois melhorar o produto ou tornar a embalagem mais atrativa.
A Maçonaria é em si um produto estável – pouco se pode alterar sem mudar significativamente a sua essência e aparência. Os seus princípios e preceitos são tão válidos hoje como outrora o foram. Não podemos mudar o produto e mantermo-nos na mesma; devemos ser verdadeiros para nós mesmos neste ponto. Se mudarmos de direção (ou, em termos empresariais, de estratégia) temos de reconhecer e aceitar que é isso exatamente que se está a fazer. Seria bem possível que, algum tempo depois, alguém decidiria que o novo “produto” não estaria correto e que requereria ajustamentos a fim de o adaptar às exigências da sociedade. Sugiro que esta não é para nós uma opção. O que temos e o que representamos estará sempre correto, mesmo se o seu grau de aceitação desça ou suba no tempo.
O que podemos fazer é melhorar a embalagem e torná-la mais atrativa a potenciais “clientes” e mais apetecível aos actuais. No primeiro caso, podemos ativamente adoptar um novo perfil e, suave mas firmemente, “deixar a nossa luz brilhar perante os homens”. A vela à janela é um símbolo de um convite compreendido por todos; alguns aceitá-lo-ão e baterão à porta. Sou contrário à atitude de quase “forçá-los a entrar”; esta atitude não é compatível com a Maçonaria, independentemente da forma como se poderá justificar. A Maçonaria existe para ser adoptada, até saboreada, pelas mentes já sintonizadas (ou em busca) com os seus objetivos e práticas. A Maçonaria não é para qualquer um; mas haverá sempre aqueles, em todas as épocas e áreas geográficas, para quem terá um interesse muito particular. Através da embalagem e apresentação, estes “clientes” poderão ser identificados mas nunca criados. “Eu sou o que sou” e nenhum artifício ou manipulação mudará isso.
Deve aproveitar-se as oportunidades apropriadas para nos desembaraçar dos velhos mitos e concentrarmo-nos nos benefícios da Maçonaria. Nisto desempenhamos todos o nosso papel, pois como disse um Grão-Mestre Norte-americano, “somos todos a percepção de outros da Maçonaria”. Identifiquemos os “benefícios” da Ordem, falemos abertamente deles, promovendo-os. Isto obrigará às mais diversas iniciativas, começando pela família, passando pelo círculo de amigos e conhecidos até aos locais de trabalho, reservando obviamente à Grande Loja a tarefa de lidar com os meios de comunicação social a fim de que a mensagem transmitida seja constante e coerente. Se assim não for, poderá haver tantos pontos de vista como membros da Ordem, o que inevitavelmente conduziria a que o público continuasse mal informado e confuso em relação ao que somos e ao que aspiramos ser.
A fim de renovar o interesse em frequentar as Lojas e encorajar aqueles que frequentemente não regressam para serem membros ativos, há que definir um programa de acção com um objectivo fundamental: tornar as sessões de Loja atrativas, onde se está presente porque se quer e não porque há obrigação em o fazer.
Pode analisar-se esta problemática sob diversas perspectivas mas, em última análise, é algo que cada Loja tem de resolver por si. Em tempos antigos, antes do sistema das Grandes Lojas ter sido desenvolvido, cada Loja era um órgão autónomo e independente, medida que a Maçonaria Especulativa sobrepondo à Operativa, e grande parte dos irmãos deixaram de estar relacionados com a atividade de construção, teve de ser instituído um código de ética e conduta.
A Grande Loja é um órgão administrativo e regulador, com uma estrutura hierárquica que passa pelas Grandes Lojas Provinciais até às Lojas em si. Porém, no contexto do regulamento e constituição da Grande Loja, cada Loja é ainda um órgão independente e autónomo, responsável pelas suas atividades, funções e, em última instância, pela sua própria sobrevivência.
A Grande Loja não é uma comissão de entretenimento e, embora possa sugerir ou regulamentar, a verdade é que é o Grão-Mestre quem, em última análise, assume a responsabilidade. É ele quem deve assegurar que o ritual é bem conduzido, que a gestão é eficiente, que o conteúdo do que se faz é de interesse e não mera rotina mas, acima de tudo, que os irmãos – normalmente sempre os mesmos – não falem demais. A lei de Parkinson nunca é vista com tal clareza como na reunião de Loja, e em particular, na noite em que se festeja a Instalação. Pranchas pobres, demasiado longas, são uma receita segura para enfraquecer a motivação dos irmãos em frequentar sessões de Loja ou Grande Loja quando, com efeito, o que se deveria perguntar é “se terei de esperar mais um ano pela próxima sessão”.
Como foi dito acima, acredito que o produto não pode ser alterado; portanto, devemos alterar a embalagem. Os elementos da embalagem a serem modificados foram identificados no documento de discussão do Grão-Mestre intitulado “Programa para a Mudança : O Caminho em Frente” como sendo : a nossa imagem pública; ser membro, caridade; esperar que a percepção do público a nosso respeito, conforme um recente anúncio de jornal procurando um gabinete de advogados, possa ser a de uma organização de “espíritos saudáveis, da mais alta integridade, honestidade e ‘ confiança, apresentando um estilo de vida claramente demonstrativo de uma atitude desprendida relativamente a bens materiais e da presença do amor de Deus através de serviço ao ser humano”. As qualidades referiam-se ao gabinete, claro, não ao cliente.
Devemos tentar demonstrar ao mundo em geral, e assim tornar a nossa Ordem mais atrativa a potenciais membros, que as palavras do Pro Grão-Mestre de Inglaterra, V. M. Lord Farnham, Maçon irlandês e anteriormente Grão-Mestre Sénior da Irlanda, são verdadeiras: “A Maçonaria tem como objetivo desenvolver o indivíduo como bom cidadão e como homem com uma forte formação moral. Poderão seguir-se outros benefícios para a sociedade mas vêm de indivíduos actuando por si e não como Maçons.
Não é fácil no mundo moderno convencer as pessoas de que a Maçonaria como Instituição não serve para qualquer coisa não é certamente um grupo de pressão. A sua influência no comportamento pessoal dos seus membros deverá ser bom para a sociedade em geral e deverá ser bem-vinda”
Em direção ao novo milénio
Tentei identificar quem somos, o que somos e onde estamos – é sempre de meditar no para onde vamos? Somos um grupo que está fora de moda e com o número de membros a diminuir – talvez não nos países em desenvolvimento mas, no mundo desenvolvido, somos vistos como um anacronismo, com um modo de estar que constitui um embaraço.
“Donde vens, Gehazi?” Lembrar-vos-eis da devastadora pergunta que Eliseu pôs ao seu servo que tinha cercado de cortesias Naaman, procurando obter vantagens à custa dos talentos do seu Senhor -ou seja, de outrem.
Depois da segunda guerra mundial, um grande número de indivíduos aderiram à Maçonaria porque era a alternativa ou substituto mais próximo para o companheirismo e apoio que encontraram nas forças armadas. A medida que estas pessoas vão passando ao Oriente Eterno, não tem existido nenhuma afluência significativa de candidatos para os substituir. Torna-se pois necessário recrutar, embora os meios a utilizar assim como o ênfase que esse esforço possa ter deva ser cuidadosamente ponderado. Algumas Grandes Lojas iniciaram programas de recrutamento em que os irmãos que apresentem um determinado número de candidatos elegíveis são recompensados. Este tipo de campanha tem muitos perigos e não pode, penso eu, ser benéfica. Devemos, em minha opinião, adoptar o método de “levar o cavalo à água”. Podemos mostrar- lhe a água e indicar que está disponível mas, a não ser que o cavalo tenha sede, não podemos fazer mais que o encorajar a beber.
O Grande Secretário da Grande Loja Suíça Alpina disse, na sua alocução durante a reunião dos Grandes Secretários em 1994, que “é essencial evitar qualquer tipo de proselitismo pois o objectivo principal não é procurar novos candidatos mas sim melhorar a percepção dos profanos sobre a nossa Ordem, o que, espera-se, conduzirá a que novos candidatos se apresentem”.
Devemos tentar corrigir a falsa percepção que têm, em particular, os meios de comunicação social e as Igrejas pois ambos têm influência directa sobre a opinião pública, sendo também nossos antagonistas e altamente suspeitosos da Maçonaria.
As Igrejas não conseguem aceitar que não somos concorrência mas que, na realidade, até apoiamos a religião e encorajamos cada irmão a interessar-se cada vez mais pela sua crença através do desenvolvimento do seu intelecto e espiritualidade. Não temos teologia nem sacramentos nem nos envolvemos, como Maçons, em nenhuma devoção nas nossas Lojas. Também não oferecemos ou indicamos o caminho da salvação através das boas acções ou qualquer outro meio. Estamos cientes destes factos – mas como transmiti- los a quem não os sabe e por vezes também não quer saber porque não lhe convém? Devemos recordar-nos que as Igrejas estão também a ter uma quebra acentuada no número de fiéis, talvez até mais severa do que no nosso caso, em termos percentuais. A causa deste facto deve-se parcialmente às próprias instituições mas também ao facto de que, hoje, qualquer religião formalizada e estruturada está simplesmente desatualizada e fora de moda. Â sua maneira, as Igrejas estão também a tentar responder o melhor possível a estas tendências como, por exemplo, popularizando e facilitando a linguagem utilizada pela Igreja Católica durante a celebração da missa; ou reduzindo a lugares comuns a beleza e a elevação da linguagem na versão autorizada da Bíblia da Igreja Anglicana. De qualquer modo, as transformações efetuadas não tiveram resultado positivo porque não trataram dos problemas reais.
Em pânico, algumas Igrejas têm-se aproximado do evangelismo carismático e até do fundamentalismo. A Sra. Gwenjermyn, uma metodista do condado de Cork no sul da Irlanda, conseguiu que uma interessante carta sua ao “Irish Times” fosse publicada por este jornal a 22 de Junho de 1995. Nela, referia-se ao aparecimento do fundamentalismo extremo que se tem feito passar por “evangelismo”. Escreve ainda a Sra. Jermyn que “este ênfase fundamentalista é extremamente doutrinário, não concede a possibilidade de verdadeira exploração espiritual. E uma interpretação limitada, ofensiva, divisionista e arrogante, aproveitando-se de medos e emoções negativas que em pouco ou nada respeitam os ensinamentos claros dos evangelhos.”
O exemplo típico desta ultra reação foi o “Nine O’Clock Rave Service” em Sheffield, aplaudido por muitos, desde o Arcebispo de Cantuária até aos párocos locais. O inevitável resultado tornou-se um dos maiores embaraços que a Igreja sofreu nos últimos tempos quando, depois desta generalizada histeria hipnótica induzida pelas tradicionais técnicas de manipulação em massa, o Cavaleiro Branco da Nova Era – o Rev. Christopher Brain – foi primeiro suspenso de celebrar e mais tarde obrigado a pedir a exoneração após participação num deboche orgíaco, vilipendiado pelos seus mais fiéis seguidores, e com as Autoridades Eclesiásticas a lavarem daí as mãos.
Apesar destes acontecimentos, devemos estar atentos e aprender com eles pois a Ordem Maçónica também já teve o seu “Rave Service”! Em Março de 1995, teve lugar no México o chamado Congresso Mundial, apoiado por uma das pequenas Grandes Lojas Estaduais de México, que é ainda considerada irregular por muitos – a Grande Loja de Valle de México. Nesta ocasião, a acreditar em alguns relatórios, todo o tipo de organizações irregulares estiveram presentes e algumas incríveis afirmações e atitudes não maçónicas foram proferidas e tomadas, terminando com uma declaração, a que se chamou a Carta de Anahuac, assinada pelos representantes de todas as trinta e sete Grandes Lojas que participaram. As reuniões seguintes eram para ter tido lugar em Portugal em 1996 e em Itália em 1997, aparentemente neste último caso apoiado pelo irregular Grande Oriente de Itália. A agenda para 1997 foi apresentada pelo Grão- Mestre italiano e incluía o seguinte: “Acreditamos que o nosso estudo se deve reger pelas seguintes linhas mestras : procura de soluções para o excesso de população no nosso planeta, programação da utilização dos recursos alimentares e energéticos, lutar contra a poluição do nosso planeta e no espaço, cooperação entre países ricos e pobres a fim de eliminar conflitos assim como diferenças económicas e tecnológicas, controle sobre descobertas científicas direcionando-as para o bem e progresso da humanidade, respeitando a liberdade e dignidade do indivíduo e dos povos, protegendo os direitos e obrigações do Homem”.
Isto não é Maçonaria e estes não são temas que deveriam alguma vez ser discutidos num ambiente maçónico e os que o fizerem são Maçons irregulares. O que fizemos ver com veemência.
Este é um caso em que a Maçonaria claramente exagerou. Apostar no cavalo errado é pior do que não apostar em nenhum e claramente prejudicará o nome da Ordem. Se não tiveres nada de útil para fazer, não faças nada. Como disse um nosso Grande Arquivista: “se estiveres metido num buraco, pára de escavar”.
Os meios de comunicação social também não toleram a nossa privacidade que vêem como secretismo e com o intuito de esconder qualquer intenção de subversão ou qualquer outra acção malévola. De qualquer modo, não somos a única organização “perseguida” por aqueles meios porque deseja manter-se privada. A Opus Dei, um grupo de direita dentro da Igreja Católica romana, também já foi na Irlanda um dos alvos da comunicação social: “Ouvimos alguns dos mais destacados funcionários públicos indicar que membros da Opus Dei deviam ser excluídos de exercerem altos cargos públicos”. Nenhuma explicação foi dada, o que é extraordinário se considerarmos que aquela afirmação foi escrita no contexto de se poder a vir a considerar cidadãos como inabilitados para certas cargos em função das suas crenças religiosas. Porquê, por exemplo, se afirmar como factual que a Opus Dei é secreta? O que é que o responsável pelo artigo sabe referente a esse facto que contrarie o que a Opus Dei tem repetidamente negado? As pessoas não se apresentam normalmente como membros de uma diocese ou outra. Compreende-se prontamente que esse assunto é privado, não secreto, da mesma forma que membros da Opus Dei não se apresentam dessa forma. Ser membro da Opus Dei, ou qualquer outra organização, não é uma credencial pública. De qualquer forma, a liberdade de pensamento e expressão de cada membro em assuntos públicos estaria seriamente comprometida se outros atuassem como se representassem toda a organização.
O que estou a tentar realçar é que, à entrada do novo milénio, devemos permanecer firmes na aderência e defesa dos nossos Obectivos e Princípios e não procurar obter aprovação pública através da autopromoção ou práticas não maçónicas que só podem, a longo prazo, prejudicar. Devemos pacientemente esperar porque a nossa hora voltará. Ouço dizer que o nosso estilo de vida tornar-se-á ainda mais frenético e “estressante”; poderemos provavelmente fazer frente a essa tendência intelectualmente mas é questionável se o conseguiremos emocionalmente. Com a Internet a bombardear-nos com todo o tipo de informação, por vezes eticamente duvidosa, na privacidade dos nossos lares, acredito nas palavras do nosso irmão Michael Yaxley, Presidente do Conselho da Grande Loja da Tasmânia, quando escreve que “a sociedade necessita de uma organização como a Maçonaria. Esta necessidade, acredito, torna-se cada vez mais premente. No próximo século, o local de trabalho não proporcionará o grau de camaradagem e companheirismo suficientes para satisfazer os instintos sociais das pessoas. Muitos trabalharão em casa, conectados aos seus escritórios por um computador e telefone. Outros trabalharão num escritório rodeados de equipamento complexo mas inanimado. A ironia da nova Era da Comunicação é de que as pessoas passarão mais tempo sós.”
Devemos ser cuidadosos quando nos exortam constantemente a adequar a Arte ao século XXI. Devemos fazê-lo, mas lentamente. O irmão neozelandês Robert H. Abel quer ver a Arte respeitada pelo esforço dos seus irmãos na comunidade em que estão inseridos; nós somos todos a percepção de alguém do que é a Maçonaria. Não devemos desbaratar o nosso nome em público; devemos fazer com que a nossa dignidade seja respeitada.
Robert Abel acredita que a espiritualidade do homem tem altos e baixos, como se de um longo ciclo se tratasse; devemos assegurar que a nossa Arte se manterá inalterada no futuro a fim de que gerações vindouras, talvez menos frívolas, a possam desfrutar e apreciar.
Pode talvez dizer-se que a Maçonaria está atualmente a atravessar um período semelhante ao Verão de S. Martinho, antes das duras realidades do Inverno se fazerem sentir. Como dizia o poeta Humbert Wolfe :
Ouve, o vento levanta-se
E as folhas estão ao sabor da sua força selvagem
Já tivemos as nossas noites de Verão
Agora vêm as do Outono!
Este poema termina num tom ligeiramente ameaçador, indicando simbolicamente a tempestade que se avizinha e para a qual nos temos de preparar. Mas será talvez mais um exercício de contenção, de “apertar o cinto”, enquanto preparamos o barco para a maré da espiritualidade do homem chegar e transportar a nossa Arte segura e calmamente para águas mais seguras e acolhedoras. Como disse o escritor americano Henry Adams : “O Verão de S. Martinho da vida deveria ser simultaneamente um tanto solarengo e um pouco triste, infinito na sua profundidade de tons, como a própria estação”.
Penso que esta frase descreve exatamente a Maçonaria de hoje. Um pouco triste, lembrando-nos da grandeza do passado e dos tempos mais calmos em que a Maçonaria era respeitada e aceite na sociedade. Será que o nosso tempo virá novamente? Certamente que sim – não talvez uma cópia exacta do passado, pois não queremos atrasar os ponteiros do relógio, mas numa versão mais “leve”, mais “magra”, com novo vigor e entusiasmo para enfrentar o novo milénio.
Mas lembrem-se, irmãos, à medida que entramos no “Inverno do nosso descontentamento”, devemos preservar os nossos padrões e dignidade. Não se poderá comprometer a qualidade de qualquer faceta ou sector da nossa instituição. Um dos maiores atores irlandeses, Michael Mac Liammoir, foi em tempos acusado de ser “quadrado”. Respondeu que era melhor ser “quadrado” do que não ter nenhuma forma! Quão apropriada é esta resposta para a Maçonaria de hoje; devemos manter-nos fiéis ao simbolismo do esquadro e do compasso e que sejam estes os meios de restaurar “Ordo ab Chao” – ordem no caos moral e mental – à medida que nos esforçamos para nos reajustar emocionalmente às pressões crescentes da vida moderna.
Vou terminar, irmãos, com uma exortação extraída da maravilhosa linguagem do nosso ritual: “Certifiquem- se de que se conduzem, quer em Loja quer for a dela, como homens bons e como Maçons”. Lembrem-se das imortais palavras de Polónio, na peça “Hamlet” de W Shakespeare, ao aconselhar seu filho aquando da sua partida da Dinamarca para França: “Acima de tudo, sê verdadeiro para contigo mesmo; e, assim, tal como o dia se segue à noite, não serás falso para ninguém”.
Quase todo o ideal maçónico está contido nestas parcas palavras, tão fáceis de recordar mas tão difíceis de se aplicarem na prática.
Tradução de APF – R∴ L∴ Mestre Affonso Domingues
Nota do tradutor: Embora o trabalho do irmão Walker não trate de um tópico de pesquisa tradicional, a sua análise sobre o estado atual da Maçonaria é relevante e oportuno. Esperamos que possa estimular trabalhos adicionais sobre as causas fundamentais nas flutuações do grau de aceitação – ou rejeição – da Maçonaria pela sociedade em geral.
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