Há muito tempo, numa antiga aldeia, próxima à Tokyo, viveu um velho samurai, conhecido por sua honra e sabedoria. Apesar de sua idade avançada, ainda era capaz de derrotar qualquer adversário. Contudo, em seus últimos anos, optara, por se dedicar a ensinar a arte zen budista aos mais jovens. O sábio mestre descobrira em sua longa experiência, que era mais vantajoso satisfazer o seu coração do que seu ego; pois, a ávida caça ao tesouro leva, no fim das contas, a nada mais do que um baú vazio ao longo do caminho da vida.
Até que certo dia, um jovem guerreiro, na ânsia de provar sua superioridade marcial, desafiou o ancião para uma disputa de "katanas" (espadas), levando o velho mestre a dadivar seus discípulos com um valoroso ensinamento.
Certa tarde, porém, enquanto se dedicava a ensinar seus jovens discípulos, um guerreiro conhecido por sua imprudência e orgulho, apareceu diante do velho samurai e do alto de sua gueta (tradicional tamanco japonês) e soberba, desafiou o ancião:
- Quero enfrentá-lo, velho, para aumentar ainda mais minha fama de lutador invencível.
O velho guerreiro calmamente aceitou o desafio e tão logo começou a luta, o arrogante jovem começou com as provocações:
-Velho inútil! Agora entendo o porquê se reduziu a ensinar a arte zen. Não passa de um pobre diabo que não consegue mais lutar nem com um louva-a-deus. Atiçava-o insolente o jovem, escarnecendo do adversário, ao mesmo tempo em que ia perdendo a luta.
O ancião, sem responder aos desaforos, continuou tranquilamente enfrentando o grosseiro adversário com seus golpes de mestre.
-Você está acabado velhote! Persistia o petulante guerreiro no seu monólogo, sem nunca tirar o sorriso zombeteiro pregado na cara. Mas ao ver que o velho persistia a luta impassível, de ouvidos moucos, o próprio jovem começou a se irritar verdadeiramente, como se os insultos fossem dirigidos a si mesmo.
Fora de si, chutou algumas pedras em direção ao adversário, cuspiu no chão com desprezo e se pôs a praguejar como um "oni" (demônio). Mas nada surtia efeito, o velho samurai continuava impenetrável.
Assim que a luta terminou, o arrogante jovem guerreiro, exausto da luta em que usara mais a língua do que a katana, mirou nos olhos do velho samurai lhe cuspindo no rosto com desprezo. Embainhou, finalmente, sua espada, e se retirou bufando.
Mal o samurai ancião deu as costas para o adversário e os discípulos que haviam assistido a tudo indignados, se voltaram ao mestre e um deles perguntou, com um tom de censura na voz:
Por que suportou tais desfeitas e insultos sem revidar, mestre?
- Quando alguém pretende entregar um presente que não é aceito, com quem fica o presente? Indagou o mestre.
-Com o próprio entregador. Responderam os discípulos a uma só voz.
- Do mesmo modo ocorrem com o ressentimento, o despeito, os insultos e a inveja. Quando não são aceitos continuam pertencendo a quem os carrega consigo. A nossa tranquilidade e paz interior dependem, exclusivamente, de cada um de nós e ninguém pode usurpá-la sem o nosso consentimento.
Sem mais uma palavra, os discípulos inclinaram-se, em uma lenta e profunda reverência (ojigi), diante da verdadeira sabedoria de seu velho mestre e mentor.
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