E lá se foi o peregrino, desbravando a estrada e a sorte do destino. Em sua mochila alguns bons livros, companheiros inseparáveis nessa caminhada rumo ao conhecimento de novos povos e de novas culturas. Seu escopo principal sempre foi a iluminação interior, o que só pode ser obtido através da verdade e da palavra perdida.
O peregrino andava sem hesitar, jamais olhando para trás; sua marcha era firme, e resolutos eram os seus passos, dados em garbosa esquadria. Ele contemplava todo o itinerário, sem jamais deixar de render culto à natureza, que lhe inspirava os movimentos e, acima e tudo, os mais sublimes sentimentos.
O indivíduo andante, cuja empreitada maior era espalhar o conhecimento pelos lugares por onde passava, e granjear amigos – para ele, seu maior patrimônio. Por mais que ele enfrentasse temporais de aflições e vendavais de tormentas, o peregrino jamais esmorecia, pois sabia que, em qualquer ocasião, jamais se encontraria sozinho.
Havia também um Viajante Soberano, cuja onipresença o resguardava e o protegia, sempre que ele estivesse em suas incursões mundo afora. O peregrino nunca o viu presentemente, mas sempre o sentiu com todo seu fulgor e graça. Ele sentia toda essa “Força Estranha”, todas as vezes que partia ou chegava de algum lugar, pois por Ela sempre foi acompanhado, num compasso de amor e profunda misericórdia.
Misericórdia essa que o levou a amparar o andarilho, que se encontrava sozinho na estrada da vida. Pés descalços e queimados pelo calor quase desértico; nem mesmo a sede ou a fome eram capazes de dissuadir esse humilde viajante, que andava sem rumo ou direção exata, mas com a certeza de que chegaria a um porto seguro de paz, harmonia e concórdia.
O peregrino percebia que tinha tudo, e que tinha deixado família e amigos para trás, momentaneamente; lado outro, olhava para o andarilho, cuja sina era solitária e perigosa, mas que ainda assim persistia em sua caminhada. Ele via que, a despeito da solidão e das inúmeras dificuldades vividas pelo irmão de viagem, este seguia confiante e esperançoso de que o mundo pudesse lhe apresentar um destino melhor.
Ambos, porém, sentiam a presença do Supremo Viajante, cada qual a seu modo: o peregrino se emocionava por tudo o que recebia da vida, seja a abundância material, seja principalmente pela possibilidade de ter tido uma abençoada família e amigos verdadeiros.
Por outro lado, a sorte não havia sido muito sorridente para com o andarilho. Pouca instrução, não conheceu aos pais, e a pobreza material sempre foi sua companheira nas noites frias das calçadas das ruas ou mesmo pelas estradas. Contudo, para além desse cenário de dor e desolação, o pobre viajante sempre sentiu a proteção vinda “sabe-se lá de onde”. E essa certeza jamais fez com que ele perdesse sua fé, tampouco a inexprimível sensação de liberdade, que sempre o acompanhou estrada a fora.
Após boa refeição, o peregrino e o andarilho tiveram uma longa conversa, compartilhando, cada qual, suas experiências de vida; o peregrino presenteou o andarilho com um par de chinelos e sapatos, além de algumas roupas que trazia consigo. Deixou também alguns alimentos e água, a fim de auxiliar o irmão em sua caminhada. O andarilho, a seu turno, ofereceu ao mais novo amigo um exemplar da bíblia King James –que ganhara de um senhor de terno preto- cujo marcador apontava para o Salmo 133. Como essa vida é inexplicavelmente bela!
O andarilho encantava ao peregrino cada vez que relatava o seu modus vivendi: as longas e difíceis viagens, a privação material, a fome, as moléstias físicas, dentre outros obstáculos. No entanto, falava também das pessoas que –generosamente- o acolhiam, que o recebiam em seus lares, e que com ele dividiam confidências, desabafos e afabilidades.
O pôr do sol anunciava que era chegada a hora da despedida. Andarilho e peregrino assustaram-se com a rapidez e volúpia do tempo, pois ainda havia no íntimo de ambos uma necessidade pulsante de conversarem e compartilharem suas experiências de vida.
Para selar aquela nova amizade, eles se abraçaram triplamente, sob a sombra de uma frondosa acácia, a qual, inesperada e aparentemente, havia surgido do nada, para espanto de ambos. Despediram-se com os olhos marejados, os corações reconfortados, e com a sensação de já terem se conhecido antes. Cada um dos viajantes tomou uma direção diferente, sendo tocados pela suave chuva, a qual revelava que, àquela altura, a Mãe Natureza também estava emocionada por aquele encontro prodigioso.
Naquele memorável dia, sob os auspícios do Supremo Viajante, o destino trouxe ao encontro duas pessoas com sortes diferentes, mas cuja essência em comum era o desapego material e a valorização da vida com liberdade, em viagens compassadas de amor e fraternidade.
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