QVAE VOLVMVS ET CREDIMVS LIBENTER”
(Acreditamos de bom grado em tudo o que queremos)
Muitos textos e muitas ideias sobre Maçonaria são produzidas neste início do século XXI. No Brasil temos abundância de literatura que versa sobre o tema. No entanto, sempre me questionei sobre a ausência de textos que confrontem a racionalidade e a lógica implacável da ciência com a temática maçônica.
São facilmente encontrados textos que relacionam Maçonaria a misticismo, astrologia, ocultismo e temas afins, mas, surpreendentemente, textos com tendência cética ou racionalista são praticamente inexistentes.
Não faço aqui a defesa dos céticos, da razão científica ou de coisa parecida. Simplesmente constato um fato: a maioria do que se produz sobre Maçonaria é reflexo de uma única tendência dentro da Ordem.
As ideias Iluministas, das quais a Maçonaria tanto se ufana, parecem ficar escondidas dentro de um armário invisível, do qual só se tiram pequenas citações ou vagas lembranças (quase sempre descontextualizadas), mas que, na prática, se tornam extremamente incômodas por questionarem algumas das mais queridas crenças de tantos maçons.
É curioso notar como pessoas que se dizem “livres-pensadores” podem agir na contramão absoluta de tudo aquilo que tal título invoca. Pode haver livre pensamento quando se teme a controvérsia?
Assim, ignorando tacitamente todas as luzes científicas, todo o método racional de trabalho, toda a lógica rigorosa do pensamento filosófico, vai se entrando em um tipo de sonolência perniciosa, uma indolência cheia de resquícios obscurantistas, superstições, crenças estúpidas e mentiras deslavadas cujo objetivo é agradar ao ego fascinado por lendas e por um mundo irreal, povoado de príncipes imortais, fadas, bruxos, magos, sábios da montanha e poderes inimagináveis que nos possibilitem fugir para bem longe de nossa realidade tão pouco confortável e interessante.
Desta forma, movidos pelo desejo de fabricar uma “realidade alternativa”, os livros maçônicos vão se povoando de “irmandades secretas”, cruzados dotados de poderes fabulosos, segredos terríveis, explicações mirabolantes (quando não absolutamente ridículas) sobre os símbolos operativos, iniciações nas pirâmides, conceitos astrológicos esdrúxulos, magia medieval e outras “pérolas” que não conseguem se sustentar perante a mais superficial análise lógica ou científica.
A Ciência Histórica é constantemente ignorada, adulterada ou inventada de forma discricionária e aleatória pelos profícuos escritores maçônicos. E quando alguém ousa lançar, em face de tais “sábios”, fatos e documentos que contestam e desmentem cabalmente o que sustentam, é como se lhes dessem uma bofetada, como se fosse uma gravíssima injúria a constatação de seu erro. Dá a impressão de que a verdade é a grande inimiga a quem devemos temer e de quem devemos correr céleres, antes que ela nos arranque do doce sono em que estamos mergulhados.
É curioso notar a fisionomia crispada de muitos quando questionamos algum de seus postulados. Em geral, quanto menos argumentos, mais fanática é a defesa dos dogmas em que se acredita (ou se finge acredita, por conveniência).
Por que é tão doloroso encarar a verdade? Por que nós fugimos tanto das evidências mais gritantes?
Reflitamos: a Maçonaria é uma instituição nascida, como hoje a conhecemos, no século XVIII (1717, para sermos exatos). Seus grandes objetivos são induzir o ser humano ao conhecimento, elevar a estatura moral e a dignidade da Humanidade como um todo, estimular o livre pensamento longe de coações, proclamar a fraternidade universal, favorecer o livre exame de todas as questões e finalmente, proporcionar de forma anônima o bem estar dos desvalidos e o auxílio aos necessitados, fazendo com que a Humanidade se aproxime cada vez mais dos ideais de Amor Universal.
Para atingir tais objetivos, a Maçonaria impõe um método que lhe é próprio, a saber, sua ritualística e sua simbologia.
Qualquer pessoa com o mínimo de noção em Psicologia e Antropologia sabe que o Símbolo é um fator poderosíssimo de influência moral, social e comportamental para todos nós. Ora, a vivência dos Símbolos se dá através dos ritos, da dramatização do mito que originou um ou outro símbolo e que, consequentemente, desperta em nós uma série de sentimentos, reflexões, desejos e condutas que seriam inatingíveis sem esta “linguagem muda” que provoca o que Claude Levy Strauss chama de “eficácia simbólica”. Tudo muito simples, muito claro.
Se quisermos estudar estas questões em profundidade, basta recorrer a bons livros de Antropologia (M. Eliade, C. L. Strauss, R. Girard, etc.), Psicologia (Jung, C. A. Méier, etc.) e outras ciências correlatas.
Se quisermos entender as origens históricas da instituição, devemos recorrer a bons livros de História, estudar as antigas corporações de Ofício, a simbologia Operativa, a História da Arquitetura. Devemos nos reportar ao estudo da filosofia medieval e ao pensamento Iluminista, contextualizando cada uma destas ciências em seu tempo, evitando cair na armadilha de “transplantar” estes conceitos para os dias de hoje sem antes purgá-los de todos os vícios e erros inerentes às limitações da época em que foram criados.
Tudo isso lhe parece óbvio? Pois a muitos isto beira à atrocidade, é uma heresia digna de expulsão de qualquer loja do globo terrestre.
Estes “muitos” querem que a Maçonaria seja uma religião, querem Bíblias, invocações a Deus (leia-se o Deus da Bíblia), querem faraós maçons, Pitágoras maçom, Jesus maçom. Querem explicações fabulosas, visões místicas, ocultismo, títulos gloriosos, templários realizando operações alquímicas sob a égide de Baphomet, paganismo, conceitos supersticiosos misturados com pseudofilosofia e religião mal digerida, tudo isso cozido num caldeirão alquímico chinês, temperado com muitas medalhas de latão, paramentos e pedaços de pizza com cerveja...
Assim, aquilo que se prestaria a elevar o Homem ruma à Ciência, ao Conhecimento e ao Progresso, acaba por se tornar uma desculpa esfarrapada para laurear a crendice, as tolices e a pseudociência com o “respaldo” de uma das mais belas instituições humanas, sujando-lhe o nome e ofuscando-lhe o brilho.
A busca sincera pelo conhecimento do que é real, daquilo que realmente pode ajudar à Humanidade, deveria ser o farol a guiar todos os maçons. Agradando-nos ou não, a Verdade será sempre a Verdade e é a ela que devemos buscar, mesmo com todas as nossas limitações e mesmo que a mentira pareça bem mais convidativa e lustrosa.
Uma das condições para que alguém seja feito maçom é ser livre. Será que diante de tudo isso podemos realmente nos dizer LIVRES?
Será que somos suficientemente livres para recebermos as instruções da Maçonaria?
“Não devemos acreditar nos muitos que dizem que só as pessoas livres devem ser educadas, deveríamos, antes, acreditar nos filósofos que dizem que apenas as pessoas educadas são livres”. (Epicteto, filósofo romano e ex-escravo).
A Franco-Maçonaria tem como um de seus mais elevados ideais o combate sem trégua à superstição e ao obscurantismo escravizante. Nosso país, o Brasil, é infelizmente considerado um dos mais supersticiosos do mundo. Grande parcela da população vive carregada de crendices, amuletos, ritos mágicos e idéias estranhas, herdadas da época colonial. As superstições tornam as pessoas escravas de ideias sem nenhum fundamento na realidade, ideias que, se submetidas ao crivo da razão, não passam de nuvens de fumaça.
A História da Humanidade tem demonstrado que em todos os tempos a superstição e o fanatismo são elementos extremamente deletérios para os povos que foram vitimados por eles. Muitas crenças religiosas, quando levadas de forma descontrolada, apresentam efeitos até piores do que os da simples superstição, pois conseguem escravizar muito mais vigorosamente com suas ideias de castigos terríveis e recompensas colossais.
Desgraçadamente, milhões de vidas já foram ceifadas graças a essas “nuvens de fumaça”, essas ilusões espirituais que, sem apresentar quaisquer provas, obrigam os homens a viverem reduzidos a meros autômatos, sem poder de raciocinar por si próprios, sem ação, congelados pelo medo do inferno e anestesiados pela esperança do céu.
Dentro da Franco Maçonaria o Rito Moderno, por ser um rito RACIONAL, ocupa a vanguarda do combate contra as crendices, superstições e fanatismo.
Seria absurdo que um Franco Maçom fosse supersticioso, ainda mais se tratando de um modernista.
O perfil do modernista é o de um Livre-Pensador, que examinando todas as coisas de forma cética, buscando a verdade acima de tudo, não se pronuncia sem ter todos os elementos necessários para formar um juízo que seja, ao menos, provável ou verossímil. Assim, o modernista não é uma “presa fácil” dos charlatões, médiuns, quiromantes, curandeiros, astrólogos, etc. Aliás, o verdadeiro modernista bota a correr toda essa gente, pois faz brilhar a Luz da Verdade, a Razão Pura que afugenta todos os oportunistas de plantão.
A palavra “cético” é muitas vezes vista com preconceito, como se fosse um adjetivo indesejável, quase um desacato. Muitos crédulos a usam nesse sentido. Nada mais distante da realidade! A Franco Maçonaria com seus símbolos e ritos, nos remete a um paradigma moral e nos obriga a refletir sobre a missão do Homem, enquanto membro de uma coletividade chamada Humanidade.
Uma vez interiorizados os símbolos maçônicos, teremos homens melhores, homens de bem, homens que conseguem enxergar muito mais além do que o vulgo profano, porém, não teremos místicos, mágicos, magos ou seres sobrenaturais...
No Rito Moderno isso é claríssimo, uma vez que não utilizamos nem sequer referências a ideias metafísicas ou religiosas, tão caras a outros ritos.
As lojas do Rito Moderno devem ser TRIBUNAS LIVRES DA RAZÃO, e não centros de exibicionismo vaidoso e de doutrinação pseudomística.
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