janeiro 10, 2024

AFIANDO ESPADAS (A ORATÓRIA DOS MAÇONS) - Charles Evaldo Boller


Pela semelhança de formato, afiada em dois lados, a espada é fisicamente semelhante à língua. Os dois gumes da espada formam dois triângulos unidos pela base, assim como o corte transversal da língua. Expande-se o raciocínio para o pensamento afiado em dois lados, para o bem e para o mal. Assim como o afiar da espada, o que é da língua sem o aguçar da racionalidade que a dirige? Uma espada mal utilizada, mal dirigida pelo cérebro e pelos músculos, ao invés de defender dos inimigos, permite que o seu portador venha a ser morto no campo de batalha ou da honra. Os exercícios de esgrima do Maçom permanecem na mente, na articulação de novos e inusitados pensamentos e que se expressam formalmente pela ação da língua, uma espada de dois gumes afiada na oratória. Na Maçonaria isto obtém-se com debates de temas diversificados e interessantes. Afiam-se a língua, o pensamento, à semelhança de uma espada de dois gumes, para derrubar os pensamentos de déspotas e fanáticos.

Porque afiar o pensamento em dois sentidos? A dualidade é exercitada mais pela filosofia oriental, que vê em cada boa ação a semente para o mal e em cada ação má a semente para o bem. Algo difícil de entender na racionalidade ocidental. Na Maçonaria vemos claramente a manifestação do número dois, da dúvida, do balançar entre duas verdades. Afiar o pensamento para o mal tem por objetivo aprender a discernir o mal e não a praticá-lo. É treinar como se afastar do mal. A esgrima entre o bem e o mal é obtida pela constante prática, em Loja, do exercício de animados debates. A arte real é servida na Maçonaria como VITRIOL já na câmara de reflexões – mesmo que a presença da câmara de reflexões não seja utilizada em todos os ritos e obediências -, ocasião em que o Maçom é provocado, a partir de então, a permanentemente aparar as rugosidades da pedra bruta. É a visita ao interior de si mesmo, o interior da pedra filosofal de Zoroastro. É o constante exercício do pensamento, reduto e único lugar no Universo onde cada ser vivo é absolutamente livre. O próprio Grande Arquiteto do Universo nos proveu com uma capacidade que nem ele controla, nem deseja controlar. Se Ele controlasse o pensamento da criatura, Ele estaria corrompendo a perfeição da sua criação. É disto que se deduz ser no pensamento o local onde a criatura é absolutamente livre. Nem mesmo o Criador nela influi. Qualquer modificação só ocorre com o exercício da vontade da criatura. “Conhece-te a ti mesmo”, dizia Sócrates – este conhecer é o “Visita Interiorem Terrae Rectificandoque Invenies Occultum Lapidem”. Esta é a razão sublime de afiar o pensamento no ambiente onde apenas a própria criatura tem poder de modificar a si mesma em resultado da ação do livre-arbítrio, ação que ocorre dentro da pedra, dentro de si mesmo, por vontade própria.

A estrela de seis pontas definida pela circulação ritualística das bolsas implica destacar a capacidade de iluminar, fonte de luz. Só ilumina aquele que emite luz. Os dois triângulos entrelaçados e formando uma estrela de seis pontas, que representa a caminhada do Maçom naquela dança ritualística, aponta para o desenvolvimento da capacidade de raciocinar, afiar o pensamento para emitir a luz do conhecimento e derramar o seu efeito salutar sobre si mesmo, as outras criaturas e meio ambiente. Estrela é indicador de capacidade espiritual associada à capacidade racional. O homem só é equilibrado quando destina forças equitativas às suas capacidades racional, emocional e espiritual. É a estrela de Salomão, de seis pontas, que representa a sabedoria, por isso o trono de Salomão ser simbolicamente a fonte de onde irradia sabedoria, conhecimento, luz. Os dois triângulos invertidos, da circulação das bolsas, podem ser interpretados como se matéria e energia se misturassem na caminhada ritualística. E se luz é conhecimento, sabedoria, estas capacidades no homem são desenvolvidas em debates, na comunicação verbal. Observe-se a dualidade que os dois triângulos transmitem: o triângulo de ponta para cima representa o bem, o positivo; o outro, o seu inverso, com ponta para baixo, representa o mal. Representam também outras dualidades. Por ora, os triângulos assim dispostos, representam simbolicamente uma estrela, e esta, por sua vez, representa luz; a luz que cada Maçom foi pedir na entrada do templo.

O Maçom autoconstrói-se durante os debates em Loja. Sozinho é difícil. Apenas monges que praticam meditação obtém luz sem convivência e comunicação. Quantos maçons, envolvidos na busca diária do pão de cada dia, têm tempo, ou hábito de se concentrarem em recolhimento ou se submeterem ao costumeiro exame interior? Presas do sistema em que vivem quais autómatos, perambulam pelo mundo sem se darem conta que existem. Planeia-se o futuro longe do presente, a única realidade que realmente interessa. Estão ocupados nas suas lides nas fábricas e escritórios e comportam-se quais robôs manipuladores e sujeitos a poucos momentos de felicidade, enquanto a sua essência se mantém na mediocridade. Em Loja, onde são criadas as condições ideais, o Maçom se constrói pela constante provocação que a convivência lhe propicia. Nestas oportunidades, quando um irmão provoca os outros com novos pensamentos, todos afiam as suas espadas pela ação da comunicação. Despertam potenciais nunca antes percebidos pelo indivíduo. Isto não tem nada de mágico ou varinha de condão! É resultado de formação e condicionamento de milhões de anos de evolução natural.

Tirando o mágico de lado, a luz é um dos mais profundos segredos do esoterismo, só obtido quando se aprende a emitir luz, quando a pessoa se transforma numa estrela de luz em função da sua sabedoria. O Maçom é um construtor social que emite luz quando deixa fluir a intensidade da força do seu intelecto conduzindo a espada com maestria. Luz é conhecimento, o mesmo que espírito, ordenação do caos. O que parece caos ao não iniciado é apenas o resultado da incapacidade de visualizar a Luz do Criador do Universo na sua plenitude. Alguns percebem esta irradiação e alcançam o significado da luz que vem do Criador dos Mundos. Mas sem conhecimento enxerga-se apenas desorganização e confusão. Sem mistificação, o homem sábio que examina a sua natureza em profundidade, que afia constantemente a sua espada, sabe que possui a mesma natureza da Luz. Sabe que lá no mais recôndito do seu ser, ele nada mais é que energia, uns amontoados ordenados de campos magnéticos, eléctricos e gravitacionais, materializados pela velocidade com que tais fenómenos acontecem. A ilusão que confunde a percepção com a solidez da matéria demonstra que cada um é, em essência, da mesma natureza da luz. A matéria é energia, fenómeno oscilatório. Com esta visão, consciente da sua não existência, o Maçom que possui uma espada bem afiada aproveita da energia ao seu redor quando vive o presente e se dá conta daqui e agora. Entende que o receber da Luz não inicia e termina na iniciação. Ao afiar a sua espada o Maçom nada mais faz além do dever de adquirir o conhecimento transfigurador; a mudança radical do carácter, transformação espiritual que exalta e glorifica o Grande Arquiteto do Universo.


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