Santo Agostinho (354-430), um dos doutores da Igreja, criou uma base teológica e doutrinária para o catolicismo que até então carecia de uma orientação que fundamentasse sua força institucional.
A discussão sobre o “pecado original” perpassa os séculos desde que Agostinho, baseado em seus estudos teológicos, cunhou essa expressão, criando um dos grandes traumas da porção ocidental cristã da humanidade.
Esse pecado decorre da desobediência de Adão e Eva, que segundo narra o Antigo Testamento, comeram o fruto proibido da árvore do conhecimento, e com isso infringiram a única regra imposta em todo o paraíso. O deus bíblico parecia querer que Adão e Eva vivessem para sempre em estado de contemplação. E se assim fosse, como ficaria a evolução da espécie?
Ainda segundo a Bíblia, esse pecado de origem seria congênito e hereditário, isto é, inato e passaria de uma geração para outra. Todos nós, de formação cristã, já nasceríamos com a mancha de um pecado para o qual não contribuímos e que nos foi imposto por hereditariedade. Nasceu, já é pecador. Um pecado contraído de forma hereditária e não cometido, mas penalizado.
A imposição do pecado original disseminada pela Igreja ganhou força por essa interpretação de Santo Agostinho, no ano 400 da era cristã, em decorrência de sua imensa influência, e o estendeu ao resto da humanidade, como consequência do ato fundador da expulsão de Adão e Eva do paraíso.
Assim, conforme Agostinho, o pecado seria herdado por toda a humanidade, cuja redenção dependeria unicamente do sacrifício de Jesus, que teria vindo ao mundo para nos salvar.
Essa imposição contraria a justiça infinita de Deus: Ele é justo e não nos impõe algo que supere nossas forças, e não dá a alguém um auxílio maior do que a outrem. Perante Deus, somos todos iguais, titulares de direitos e de deveres igualitários. A diferença vai decorrer do comportamento de cada um.
É exatamente essa a tese do monge bretão Pelágio (360-435), que corajosamente se contrapôs ao todo-poderoso bispo Agostinho, cuja palavra era lei nos lugares de influência da Igreja Católica. Segundo Pelágio, o pecado de Adão afeta apenas a Adão, não seria congênito. Ao homem foi dada absoluta liberdade: a vontade do homem é perfeitamente livre, dependente apenas de si mesmo para evitar o pecado. A essa doutrina foi dado o nome de pelagianismo, em homenagem ao seu autor.
A doutrina espírita, no livro A Gênese, ensina que “a única interpretação racional do pecado original é o pecado próprio de cada indivíduo, e não o resultado da responsabilidade da falta de um outro que nunca conheceu...” – ou seja, para o espiritismo não há pecado hereditário.
Santo Agostinho também defendia a pré-destinação, ou seja, a ideia de que a vida de todas as pessoas é traçada anteriormente por Deus. A prevalecer esse entendimento, ao nascimento de cada pessoa deveria corresponder um manual, indicando todo esse traçado.
Mas há nesse pensamento uma grande contradição, porque ele mesmo, Agostinho, em outra interpretação, afirmava que algumas pessoas alcançariam a salvação pelo uso do livre arbítrio. Dessa forma, o indivíduo teria a chance de determinar sua conduta de acordo com a própria consciência, sendo assim o agente da própria salvação, de acordo com seus atos.
São Tomás de Aquino (1224-1274), outro eminente doutor da Igreja, veio dar força à teoria do pecado original de Agostinho, que acabou consagrando essa tese, sacramentada definitivamente durante a realização do Concílio de Trento (1545-1563) – ganhando, assim, o respaldo oficial da Igreja no Concílio mais longo de toda a história do catolicismo.
Mas Tomás de Aquino também cai em contradição: entre tantos estudos e teses, ele elaborou o Tratado da Prudentia, que afirma a primazia da virtude da prudentia, no qual destaca dois elementos-chave: “o mistério e a liberdade, na qual cada pessoa é a protagonista de sua própria vida, só ela é responsável por suas decisões livres, por encontrar os meios de atingir o seu fim, ou seja, a sua realização pessoal”.
Aprendi, como livre-pensador que sou, que o importante é entender que as respostas, todas, estão dentro de cada um de nós. O que implica a consciência da responsabilidade de cada um. Nada é certo, nada é errado. O que existem são consequências.
Quando começamos a despertar para o verdadeiro significado da nossa encarnação, percebemos que somos seres em evolução; nenhum de nós foi criado pronto e acabado. Tudo vai depender dos nossos atos, e essa situação nos põe como verdadeiros construtores do nosso ser – e como tal, parceiros de Deus. E isso se constitui no grande encanto da nossa existência.
A única certeza do que possuiremos em toda a nossa encarnação é o nosso corpo. Que deixaremos quando desencarnarmos.
Assim, libertando-nos da pecha do pecado original pela consciência do que somos verdadeiramente, cabe-nos fazer a nossa parte, porque só cada um pode decidir a própria vida.
Somos criados originalmente livres, maravilhosamente livres e responsáveis pelo nosso destino, responsáveis por tudo aquilo que fizermos, pois na medida exata do que dermos, receberemos. Entender isso é o começo da libertação. Não existe nenhuma mágica. É dar e receber, como magistralmente ensinou Jesus.
Assim, concluo que o pecado original, na verdade não existe, apesar de toda sua fundamentação doutrinária e teológica.
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