março 05, 2024

A INICIAÇÃO - Walter Luiz da Fonseca



Este é um tema que normalmente fascina a todos que ingressam na Maçonaria, ou mais corretamente, desde que os Maçons começam a se reconhecer como Irmãos. 

Como pode, entretanto, um homem maduro, de cabelos não raro já grisalhos, ou às vezes já rarefeitos, repentinamente tornar-se Irmão de outros homens de quem na maioria das vezes, não teve honra e a alegria de conhecer nem pai nem mãe?

Este verdadeiro milagre se dá pela Iniciação! 

Muito se fala sobre a Iniciação. É comum ouvirmos que durante a Cerimônia não deve haver trote ou brincadeiras. Mas também é comum ouvirmos falar que ela deve ser feita em ambientes lúgubres, como cemitérios, ou então utilizar recursos estranhos e assustadores. Não me parece que nenhuma das alternativas ao Ritual seja correta ou deva ser estimulada.

Iniciar é, de certo modo, fazer morrer ou provocar a morte. Não a morte física, mas a morte simbólica que é considerada como saída, como passagem pôr uma porta que dá acesso a outro lugar. A saída corresponde então a uma entrada. Iniciar é também introduzir. Iniciar é a passagem de uma vida para outra, pela morte simbólica e pelo renascimento espiritual. 

A Iniciação transpõe a barreira de fogo, que separa o mundo profano do mundo sagrado. Passa de um mundo para outro. Desta forma o Iniciado passa pOr uma transformação, tornando-se diferente do que era como profano, mudando de nível. Do nível terreno, material, é alçado para o espiritual. 

A Iniciação gera uma metamorfose, sendo um processo alquímico, em que o Iniciado morre aos olhos do mundo, operando uma regressão, com um novo nascimento. Este nascimento pode ser comparado ao retorno ao ventre da mãe, à caverna, ao interior da terra. A posterior saída é para a luz. O iniciado penetra na noite e sai no dia. 

Infelizmente, a mente moderna, não consegue compreender o real significado da Iniciação, que era uma característica de todas as grandes religiões e corporações da antiguidade. Sabemos que as tradições cristã, judaica e islâmica mantêm ainda estes mistérios, representados pelo batismo, porém, o homem moderno não está mais sensível aos mistérios do espírito.  

A separação entre o homem da idade moderna e o homem da antiguidade não é apenas temporal. A separação é principalmente mental. Não podemos compreender os antigos porque perdemos a capacidade de perceber, de entender e principalmente de pensar à maneira como deles.  

A mente do homem contemporâneo, do século XX, está sobrecarregada de preconceitos, inundada pela “racionalidade”, da sociedade consumista ocidental, desencadeada no século XIX, principalmente pelo período de vácuo sentimental da denominada “belle époque”. 

O homem moderno tende a encarar a morte simbólica da Iniciação apenas como uma experiência psicológica, tendo em vista que todas as alterações ocorridas na psique humana assim são vistas. Ora, a morte da Iniciação é representação da morte ante os olhos do mundo. Representa a superação da condição profana, ultrapassando em muito uma experiência de ordem psíquica. 

Esta forma de pensar e de agir se deve a que as pessoas modernas têm muita dificuldade em conceber uma época em que, para os homens, a Terra não estava separada do céu. Nós hoje não conseguimos entender como os antigos viam o sagrado e o profano, pois não havia a dualidade entre o gênero humano e a natureza, portanto entre o profano e o sagrado. A ausência de separação entre o Paraíso e a Terra era o ponto comum das religiões dos povos antigos (da Índia antiga, da Pérsia, do Egito). Aliás, palavra Paraíso vem do persa, e quer dizer lugar de delícias. 

Também no Cristianismo não havia distinção entre o Céu e a Terra. Esta afirmação pode ser confirmada pela oração de Cristo, quando ele nos ensina a dizer “assim na Terra como no Céu”. Neste momento, ele está afirmando que não deve haver diferença entre os dois, pois na Terra deve-se proceder como no Paraíso. No Velho Testamento está escrito que nós fomos feitos à Imagem e Semelhança de Deus, de modo que, o judeu primitivo se via como reflexo da divindade. 

Para se entender o real significado de uma Iniciação é necessário que se torne ao primeiro povo que a utilizou de forma sistemática e coerente: o povo egípcio. 

Todas as cidades egípcias tinham divindades próprias, com suas tríades, divinas e enéades. Sem dúvida as tríades mais importantes eram representadas pôr Osiris, Isis e Horo, a Segunda tríade pôr Seth, Néptis e Anúbis e a terceira a de Kefera, Chu e Tefnut. A primeira Tríade corresponde ao mundo sutil, a Segunda ao mundo inferior e a terceira ao mundo Celestial. Nas duas primeiras tríades há um Deus Masculino, mais velho, uma Deusa, sua Consorte, e um Filho. Na última tríade, só há um princípio primordial, que é Rá, ou Kephera, ou o Sol. Deste princípio emanam os outros dois Deuses, macho e fêmea, Luz e Treva, Essência e Matéria, Chu e Tefnut. 

Estas tríades também estão na origem da cabala: a primeira tríade, com o ápice voltado para cima, a Segunda tríade com o ápice voltado para baixo, a terceira tríade também voltada para baixo, abaixo da qual está a terra. Todas estas tríades podem ter seus nomes substituídos pêlos nomes das Sefirot. Não vamos aqui falar sobre isto, pôr não ser o tema do trabalho. 

No estudo dos três mundos herméticos – o Celestial, o sutil e o fenomenal, em que cada um é o reflexo do imediatamente superior, encontramos os três mundos: O Céu, a Atmosfera e a Terra. 

Num antigo papiro há uma importante afirmação de Rá: “sou Kefera pela manhã, Rá ao meio-dia e Temu ao entardecer”. 

O conhecimento dos três mundos do antigo Egito é fundamental para compreensão da Iniciação. No processo de ascensão proporcionado pela Iniciação. O Iniciado passa pôr uma mudança, não em nível físico, mas em termos de visão, tornando-se “epóptico”, ou seja, dotado de uma Segunda visão. Esta era a primeira morte, que fazia do homem dois a partir de três. 

Ou seja, havia a morte simbólica do corpo, permanecendo a alma e o espírito. A separação destes, fazendo um a partir de dois, representava a Segunda morte. Todos os egípcios acreditavam nesta forma de evolução após a vida: a primeira morte, a do corpo, com a alma e o espírito permanecendo no “horizonte”, que corresponderia ao “purgatório” da igreja católica, e a Segunda morte, que representa a entrada final do paraíso. 

Esta primeira morte, mediada por Isis, que representava a separação da matéria da “Imatéria”, ou seja, do corpo e do espírito e alma, podia ser feita ainda em vida pôr alguns escolhidos: os Iniciados! 

Daí se depende a grande importância da Cerimônia de Iniciação: ela proporciona a morte simbólica do corpo, ela representa a morte simbólica aos olhos do mundo profano, ela representa um avanço no desenvolvimento espiritual do homem. 

A Iniciação Maçônica, no Ritual do R.’.E.’.A.’.A.’., o recipiendário é recolhido a uma caverna, simbólica ou não, revestida de negro, fracamente iluminada, contendo objetos e símbolos assim como frase que convidam à reflexão sobre a morte e consequentemente, sobre a vida. 

Este é o primeiro momento em que o recipiendário tem os olhos desvendados desde que chegou. Até este momento ele caminhou na solidão da escuridão, acompanhado apenas pôr um guia que lhe é desconhecido. 

Neste momento solene e terrível, ele é convidado a ler e meditar sobre o que está nas paredes, num ambiente cercado do maior silêncio. Ele está só. O recipiendário está só! 

O recipiendário está num local tenebroso, vigiado pela morte representada pela caveira sem olhos de algum desconhecido há muito desencarnado! Neste momento ele deve pensar! O recipiendário deve pensar na morte: ele faz o seu testamento! Mas ele também deve pensar na sua nova vida, pois lhe são feitas perguntas sobre Deus, a nação, a família e sobre ele mesmo! 

Somente depois desta experiência maravilhosa, de vivenciar a primeira morte, o recipiendário estará pronto para as demais provas.

O que diz a Bíblia – Aparentemente, para o homem profano, a Iniciação é um processo ultrapassado do desenvolvimento humano, pertinente apenas aos povos ou homens atrasados. Poderíamos dizer que é um procedimento ateu, se levarmos em consideração as suas origens pré-judaicas. Será que é verdade?

Vejamos o que diz a Bíblia, seja no Velho ou Novo Testamento. Sei que é uma falha deter apenas no Livro da Lei dos cristãos, mas acredito que os Livros da Lei das outras religiões contenham igualmente passagens semelhantes, pois, afinal, existe apenas um G.’.A.’.D.’.U.’..

Comecemos com o aspecto divino do homem: 

1° - No Salmo 82 está escrito: 

1. “Deus assiste na congregação divina, no meio dos deuses estabelece o seu julgamento. 

.....

6. eu disse: sois Deuses, sois todos filhos do Altíssimo. 

7. Todavia, como homem, morrereis e, como qualquer dos príncipes, haveis de sucumbir”. 

Portanto, o salmista afirma que nós somos deuses. E o que diz Cristo? 

2° - No Evangelho de João capítulo 10 encontramos: 

“..... 

35. Replicou-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: “Eu disse: sois Deuses? 

36. Se ele chamou deuses àqueles a quem foi dirigida a palavra de Deus, e a escritura não pode falhar”. 

Fica claro então que Cristo confirmou a Escritura: o homem tem um aspecto divino inegável. Mas será que todos os homens o são? 

3° - Evangelho de João, capítulo 1: 

“.... 

12. Mas a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus; a saber: ao que creem no Seu Nome. 

13. Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”. 

Consiste a Iniciação numa atividade prevista nos Landmarks, quando afirma que os “candidatos à Iniciação deve ser....”. Pôr definição a Maçonaria é uma sociedade Iniciática.

Porém, a aplicação correta da Ritualística só poderá ocorrer se for muito bem compreendida, por todos os Irmãos, o que se espera da Iniciação: (a primeira morte, a do corpo, e o nascimento de um novo homem, que se já era livre e de bons costumes, agora deverá adquirir o conhecimento necessário para um contínuo aperfeiçoamento). 

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Bibliografia:

- Bíblia Sagrada 

- Os mistérios Egípcio – Editora Cultrix 

- Dicionário de Símbolos – Editora José Olympio 

- Símbolos e Mitos do Antigo Egito – Editora Hemus 

- O Livro egípcio dos Mortos – Editora Pensamento 

- Manual do Mestre Maçom – Editora Aurora 

- Comentários ao Ritual de Aprendiz Maçom – Editora Aurora 

- Isis sem Véu, Vol. IV – Editora Pensamento

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