Porto Alegre tem uma relação complexa com o Guaíba. Assim mesmo, descrito como gente, como um corpo vivo, parte de uma relação umbilical e impossível de separar, de dissolver. Tem muitas coisas que as pessoas não se dão conta sobre Porto Alegre, e que eu mesmo só entendi quando comecei a vir e eventualmente me mudei pra cidade. Em primeiro lugar, que Porto Alegre não é alta, não está na ‘Serra Gaúcha’. A cidade fica ao nível do mar. Na beira de um lago/estuário gigantesco, de 500km² que recebe a água de vários grandes rios, e serve de ponto de passagem até esse volume alcançar a Lagoa dos Patos e desembocar no mar em Rio Grande, 300 km ao sul do estado. Esse conjunto de características, estar na beira de uma grande massa de água protegida do oceano e com acesso seguro por terra ao interior, é o que dá nome a cidade, até porque o litoral do Rio Grande do Sul, selvagem e sem proteção, não tem muitos lugares adequados para um grande porto marítimo. Porto Alegre sempre foi, então, relativamente segura e protegida. Relativamente porque tem o Guaíba, ali na frente. Que apesar de plácido por padrão, sem ondas nem grandes ventos, é um reflexo do comportamento dos rios que o alimentam. E até é capaz de equilibrar e compensar o mal comportamento de um deles. Mas às vezes, em períodos que ficaram muito mais próximos recentemente, vários desses rios enchem ao mesmo tempo, e aí o Guaíba sobe, devagar, mas inexoravelmente, em direção a cidade de Porto Alegre e suas vizinhas Guaíba e Eldorado. Para isso existe o que chamamos simplesmente de ‘Muro’. Uma estrutura complexa e única no país, com 68 km de diques, 14 comportas e 23 casas com grandes bombas capazes de movimentar 170 mil litros de água por segundo. Uma estrutura hercúlea feita para conter e expulsar de volta a água que eventualmente ameace a cidade, que foi construída a partir da última cheia, em 1941, ao longo de décadas, e sempre resistiu, com exceção desta semana, em que o Guaíba alcançou níveis históricos, que muitos especialistas consideravam impossível, até que aconteceu. Por incrível que pareça, e mesmo em meio às demandas críticas geradas pela cheia, esta enchente poderia ser muito pior não fosse a grande barreira, que fez seu papel pelas últimas muitas décadas, e está fazendo hoje, resistindo em sua maior parte, ainda que sob pressão extrema. Uma obra essencial, que terá que ser revista, repensada e certamente ampliada para alcançar as cidades ao redor, para atender as necessidades de uma natureza ainda mais furiosa com o aquecimento global, se pretendemos continuar habitando esta região, que em breve precisará ser reconstruída. |
maio 08, 2024
O MURO - Alex Winetzki
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