agosto 04, 2024

A LINGUA GERAL PAULISTA - Marco Aurélio Do Arcírio Gouvêa Neto


A Língua Geral Paulista, ou Língua Geral Meridional foi o idioma nativo dos paulistas por mais de dois séculos e foi a Lingua Franca dos territórios conquistados e ocupados pelos paulistas mais do que o próprio português, falado desde o norte do Rio Grande do Sul a Goiás, de Minas Gerais ao Mato Grosso, disseminada principalmente por bandeirantes nos interiores do Brasil e posteriormente por tropeiros.


Desde a chegada de João Ramalho até por volta da metade do séc. XVII, os paulistas falavam o Tupi Vicentino, que era diferente do tupi do resto do Brasil em diversos aspectos, e se aproximava bastante do Guarani em termos fonéticos e lexicais. Mas a partir de meados do séc. XVII, esse Tupi Vicentino falado pelos paulistas já tinha passado por mudanças fonéticas, semânticas e sintáxicas, transformando-se no que chamamos hoje de Língua Geral Paulista, e foi falado em São Paulo até a primeira década do séc. XX, em que há relatos de que alguns idosos que ainda conversavam nesse nosso idioma.


Da segunda metade do séc. XVII até o fim do séc. XVIII, a Língua Paulista era falada como primeira língua pela imensa maioria da população paulista. As mulheres, as crianças e os escravos só sabiam falar nessa língua, já os filhos homens de pais que possuíam meios aprendiam depois o português na escola. 


Pode-se dizer que a Língua Paulista era a 'língua da mulher paulista' -- essa admirável e amada fortaleza que foi o verdadeiro esteio e fundamento da Nação Paulista desde Bartira --, pois era ela quem passava o nosso idioma para os filhos e que cuidava dos negócios da família, servindo de suporte inquebrantável para os nossos bandeirantes que passavam dias, meses e anos no sertão. Ainda se há de dar o verdadeiro reconhecimento à mulher paulista, que em nada foi menor que nossos bandeirantes e tropeiros. Podemos dizer que elas foram ainda maiores mais longe.


Para se ter uma ideia da importância do nosso idioma para o povo paulista da época, em 1770 ocorreu em São Paulo, na Igreja do Páteo do Colégio, a "Acadêmia dos Felizes", convocada pelo Governador Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão (o Morgado de Mateus) para comemorar a recém readquirida autonomia administrativa da Capitania de São Paulo. A "Academia dos Felizes" era uma espécie de festival literário organizado pelos moradores e autoridades de uma localidade, no qual figuras ilustres apresentavam seus poemas preparados especialmente para a ocasião, e já havia ocorrido eventos da "Academia dos Felizes" no Nordeste e no Rio de Janeiro, décadas antes do evento paulista. Nos eventos do Nordeste e do Rio, assim como aconteceu no de São Paulo, foram apresentadas obras em português, castelhano, francês, italiano, latim e grego. Mas somente no evento paulista foram apresentadas obras em "idioma de caboclo", isto é, no nosso idioma paulista, que hoje os linguistas chamam de Língua Geral Paulista.


Talvez, a apresentação de obras na nossa língua nativa por ocasião desse evento tenha sido um tipo de protesto, já que alguns anos antes o Marquês de Pombal havia proibido o uso da Língua Geral Paulista (em 1760). Seja como for, o fato é que ele conseguiu, e essa proibição fez com que a nossa língua fosse deixando de ser falada em favor do português, e o que antes era o idioma geral dos paulistas foi ficando cada vez mais restrito às camadas mais simples da população. Embora tenha continuado a ser falada por todo o séc. XIX, mesmo que por um número cada vez menor de paulistas, a proibição impediu que a nossa língua pátria se tornasse uma língua escrita, com ortografia e um cânone literário próprios, até que morreu no começo do séc. XX.


O resultado da fonética da Lingua Geral Paulista sobreviveu no dialeto caipira, a troca do L pelo R onde "falta" vira "farta", onde "milho" vira "mio", além da presença do R retroflexo(caipira) presente na nossa língua hoje, esse é o resultado da troca da Língua Paulista para o Português, e onde diversas palavras dessa língua ainda sobrevivem em nomes e palavras como: emboaba, embira, tucuruvi, guarapuava, anhangabaú, tietê, caipira, caiçara, caipora, arimbá, curupira, batuíra, cabreúva, sorocaba, piracicaba e etc.


Em comparação com o Nheengatu amazônico de hoje em dia, a Língua Paulista manteve uma maior fidelidade à língua que foi sua mãe: o Tupi Vicentino, mas quem fala Nheengatu Amazônico pode perceber claramente que a Língua Paulista vem de uma variante do tupi, mas não seriam mutuamente inteligíveis. As palavras da Língua Paulista são ainda mais próximas do Guarani, mas ainda assim não seriam de fácil inteligibilidade mútua. 


A seguir um pouco da Língua Geral Paulista em frases curtas corriqueiras e um pequeníssimo vocabulário de palavras atestadas (que estão nos registros da Língua Paulista que chegaram até nossa época).


A ortografia portuguesa não permite indicar as diversas sutilezas fonéticas da pronúncia da língua paulista, mas serve como uma excelente aproximação.


VOCABULÁRIO EM LÍNGUA PAULISTA:   


Maranteím ereicô? --> Como está?

Aicô catu --> Estou bem

Daicôi catu --> Não estou bem


Maranteím oicô? --> Como ele(s)/ela(s) está/estão?

Maranteím peicô? --> Como vocês estão?


Chaçô muã --> Já me vou!/tchau! (despedida)

Tupã nê irúnamo --> Vá com Deus!


Tupã --> Deus (O Deus cristão; na língua geral paulista essa palavra não 

designava mais o deus tupã dos índios)

Tupã-róca --> igreja

Nhandeiára --> Nosso Senhor (Jesus)

Tupã-Sú --> Mãe de Deus (Nossa Senhora, Virgem Maria)

Tupã recê! --> 'Por Deus!', 'Pelo amor de Deus!'


Iquãe! --> Vá!

Iquãe umêm! --> Não vá!


Tenhê! --> 'Deixa pra lá!' ou 'Que seja!'

Tenhê-tenhê --> devagar


Iorí! --> Venha!

Iorí umêm! --> Não venha!


Enheêm! --> Fala!

Enheêm umêm! --> Não fale!

Enheêm tenhê-tenhê! --> Fale devagar!


Emeêm! --> Dá!

Emeêm xêvo! --> Dá pra mim!

Ameêm dêvo --> eu dou pra você


Eêm --> sim

Naâni --> não


Tecovê --> vida

Teõ --> morte


Toruva --> alegria/felicidade

Xe roru --> Estou feliz/alegre

Da xe rorúi --> Não estou feliz/alegre

Dê roru --> você está alegre/feliz (todas as frases servem também para 

pergunta: dê roru?)

Nã dê rorúi --> você não está alegre/feliz 

I rorú --> ele/ela está alegre/feliz, eles/elas estão alegres/felizes 

Di rorúi --> ele/ela não está alegre/feliz, eles/elas não estão alegres/felizes 


Porauçuva --> tristeza

Xe porauçu --> estou triste/infeliz

Da xe porauçúi --> não estou triste/infeliz

Dê porauçu --> você está triste/infeliz 

Nã dê porauçúi --> você não está triste/infeliz 

I porauçu --> ele/ela está triste/infeliz, eles/elas estão tristes/infelizes

Di porauçúi --> ele/ela está triste/infeliz, eles/elas não estão tristes/infelizes 


Tauçuva --> amor

Oroauçu! --> Te amo!

Doroauçúi --> não te amo

Açauçu. --> eu o/a amo

Daçauçúi --> não o/a amo

Opoauçu --> amo vocês

Dopoauçúi --> não amo vocês


Dê xe rauçu --> você me ama 

Pê xe rauçu --> vocês me amam 

Xe rauçu --> ele(s)/ela(s) me ama(m) 


Açauçu xe retama --> amo minha terra/pátria


Mendara --> casamento, casado(a)

Mendareúma --> solteiro(a)

Amendá-potá --> quero me casar

Amendá-potá derí --> quero me casar com você

Namendá-potári derí --> não quero me casar com você

Eremendá-potá xerí? --> quer se casar comigo?


Xe momorã --> Me agrada/gosto

Nã xe momorã --> Não me agrada/não gosto

Nê momorã --> te agrada/você gosta 

Nã nê momorã --> não te agrada/você não gosta 

I momorã --> o agrada/ele gosta

Ni momorã --> não o agrada/ele(a) não gosta 


Biú --> comida

Ú --> água

Cô --> este(a)/estes(as)

Qüê/Uím --> aquele(a)/aqueles(as)

Xe momorã cô biú --> me agrada esta comida/gosto desta comida

Nã xe momorã cô biú --> não me agrada esta comida/não gosto desta 

comida

Xe momorã qüê/uím biú --> me agrada aquela comida/gosto aquela comida

Nã xe momorã qüê/uím biú --> não me agrada aquela comida/não gosto 

aquela comida


Nheengara --> música

Xe momorã cô nheengara --> eu gosto dessa música


Poramotareúma --> ódio

Oroamotareúm --> te odeio

Noroamotareúm --> não te odeio

Anhamotareúm --> odeio ele(s)/ela(s)

Nanhamotareúm --> não odeio ele(s)/ela(s)

Opoamotareúm --> odeio vocês

Nopoamotareúm --> não odeio vocês


Dê xe amotareúm --> você me odeia 

Pê xe amotareúm --> vocês me odeiam 

Xe amotareúm --> ele(s)/ela(s) me odeia(m) 


Taçuva --> dor

Xe raçu --> estou com dor

Da xe raçúi --> não estou com dor

Dê raçu --> você está com dor 

Nã dê raçúi --> você não está com dor 


Tacuva --> calor/quentura

Xe racu --> estou com calor

Da xe racúi --> não estou com calor

Dê racu --> você está com calor 

Nã dê racúi --> você não está com calor 

Sacú --> está quente, está calor 

Da sacúi --> não está quente, não está calor 


Roú --> frio; também significa 'ano'

Xe roú --> estou com frio

Da xe roúi --> não estou com frio

Dê roú --> você está com frio 

Nã dê roúi --> você não está com frio 

I roú --> está frio 

Di roúi --> não está frio 


Itayú --> dinheiro

Arecô itayú --> tenho dinheiro

Darecôi itayú --> não tenho dinheiro

Itayuetê --> muito dinheiro, caro

Itayú merim --> pouco dinheiro, barato 


Ixê --> eu

Indê --> você/tu

Aê --> ele/ela, e também eles/elas; serve para todas as 3ª pessoas singular 

e plural

Nhandê --> nós

Peêm --> vocês/vós


Porangava --> beleza

Xe porã --> sou bonito(a)/belo(a) 

Nã xe porã --> não sou belo(a)/bonito(a)

Nê porã --> você é bonito(a)/belo(a) 

Nã nê porã --> você não é bonito(a)/belo(a) 

I porã --> É bonito(a)/belo(a) 

Ni porã --> Não é bonito(a)/belo(a) 


Catu/catusava --> o bem, bondade

Xe catu --> sou bom/boa

Da xe catúi --> não sou bom/boa

Dê catu --> você é bom/boa

Nã dê catúi --> você não é bom/boa

I catu --> é/está bom/boa/bem

Di catúi --> Não é/está bom/boa/bem


Aíva --> maldade, ruindade

Xe aí --> sou mau/ruim

Da xe aí --> não sou mau/ruim

Dê aí --> você é mau/ruim

Nã dê aí --> você não é mau/ruim

I aí --> é mau/ruim, são maus/ruins

Di aí --> não é mau/ruim, não são maus/ruins


Aipotá --> quero, desejo. Também significa 'concordo' e 'permito'

Daipotári --> não quero, não desejo, não concordo, não permito


Ambaê upotá --> quero comer

Nambaê upotári --> não quero comer

A upotá ú --> quero beber água

Da upotári ú --> não quero beber água


Acaú --> bebo (bebida alcoólica)

Dacaúi --> não bebo (bebida alcoólica)

Acaú potá --> quero beber (bebida alcoólica)

Dacaú potári --> não quero beber (bebida alcoólica)

Erecaú te? você bebe (bebida alcoólica)?


Aicuá --> eu sei

Daicuái --> não sei

Ereicuá --> você sabe

Dereicuái --> você não sabe

Oicuá --> ele sabe

Doicuái --> ele(s)/ela(s) não sabem


Tchinga --> branco (também 'morotchinga')

I tchim --> é branco

Ni tchim --> não é branco


Moruna --> preto

Sum --> é preto

Nã sum --> não é preto


Piranga --> vermelho

I pirã --> é vermelho

Ni pirã --> não é vermelho


Tovú --> azul

Sovú --> é azul

Da sovúi --> não é azul


Iúva --> amarelo

I iú --> é amarelo

Di iúi --> não é amarelo


Uaraçú --> sol

Iaçú --> lua

Iaçutatá --> estrela

Uaçú --> rio

Paranã --> mar


Iauara --> cachorro

Maracaiá mirim --> gato/gatinho

Uramirim --> passarinho


Colaboração: 

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