A JUSTIÇA NO RITUAL DE APRENDIZ
"Teu dever é lutar pelo direito, mas no dia em que encontrares o direito em conflito com a justiça, luta pela justiça" (Dos mandamentos do advogado redigidos por EDUARDO COUTURE)
INTRODUÇÃO
No coração do Ritual de Aprendiz da Maçonaria, a Justiça emerge como um princípio central, carregado de significados profundos e multifacetados. Este conceito transcende as noções comuns de legalidade e retribuição, alcançando uma esfera de alta moralidade e espiritualidade essencial para a formação e o desenvolvimento pessoal.
O conceito de Justiça na Maçonaria é apresentado como a "salvaguarda dos direitos e dos interesses de todos" (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 14). Esta definição amplia a visão da Justiça, englobando a proteção dos direitos individuais e coletivos e promovendo a equidade em todas as interações humanas. A Justiça, assim, é vista como um equilíbrio necessário entre os deveres e os direitos, assegurando que cada indivíduo possa exercer sua liberdade sem infringir a liberdade do outro.
Além disso, a Justiça maçônica é profundamente enraizada na tolerância e no respeito pela diversidade de crenças e opiniões. O ritual destaca que a prática da Justiça inclui a "tolerância que deixa a cada um o direito de escolher e seguir a sua religião e as suas opiniões" (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 14). Este aspecto ecumênico da Justiça reflete a abertura da Maçonaria a todas as tradições e pensamentos, promovendo um ambiente de respeito mútuo e harmonia. Neste sentido, a Justiça se torna uma celebração da pluralidade e uma defesa fervorosa da liberdade de pensamento e expressão.
No plano moral e ético, a Justiça no Ritual de Aprendiz é descrita como a retidão em todas as ações. Os aprendizes são incentivados a cultivar a honestidade, a integridade e a lealdade em suas vidas diárias, refletindo essas virtudes em suas relações e decisões. A prática da Justiça, portanto, não é apenas um ideal abstrato, mas uma conduta ativa que deve ser manifestada em cada aspecto da vida do maçom.
A Justiça também é apresentada como um dever cívico. Os maçons são exortados a respeitar as leis e a contribuir para o bem-estar da sociedade. A mensagem ritualística enfatiza que "as Leis que a regem merecem vosso respeito e vossa consciente submissão" (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 8), sublinhando que a Justiça envolve o cumprimento das obrigações legais e o compromisso com a ordem social. Assim, a Justiça maçônica promove a cidadania exemplar, onde os indivíduos são chamados a agir com responsabilidade, equidade e benevolência.
Em um nível mais profundo, a Justiça na Maçonaria é uma jornada interior de autoaperfeiçoamento e iluminação espiritual. É a busca constante pela verdade, a correção dos próprios erros e a prática das virtudes que elevam o espírito humano. Os aprendizes são encorajados a refletir sobre suas ações e a alinhar suas vidas com os princípios mais elevados da moralidade e da ética. A Justiça, neste contexto, é a força que impulsiona o crescimento pessoal e a transformação interior, conduzindo o indivíduo à verdadeira sabedoria.
Para ilustrar essa perspectiva, é útil recorrer a uma parábola clássica. Platão, em seu diálogo "A República", narra a "Alegoria da Caverna", onde prisioneiros acorrentados em uma caverna só podem ver sombras projetadas na parede por objetos iluminados por uma fogueira. A verdadeira realidade está fora da caverna, mas os prisioneiros só conhecem as sombras. Quando um prisioneiro é libertado e vê a luz do sol, percebe a verdade e a Justiça como elementos que transcendem as aparências e as ilusões. Esta alegoria reflete a busca maçônica pela luz e pela verdade, e a Justiça é fundamental nesta jornada de esclarecimento e transformação (Platão, 2000).
Não se pode perder de vista que Justiça é um conceito amplamente discutido e que comporta diversas interpretações, dependendo do ponto de vista adotado — seja ele geral, legal ou social. Diversos autores contribuem para o debate, fornecendo diferentes perspectivas sobre a natureza da justiça.
Ante esse breve introito, toma-se por base aqui o ritual de aprendiz da Grande Loja Maçônica do Estado de Rondônia, na sua versão de 2011. Também é importante advertir que não se pretende esgotar todos os tipos, uma vez que há diferentes classificações ou compreensões dos tipos de justiça. Tendo os elementos que compõem o rito natureza simbólica é importante chamar atenção que não se esgota a compreensão em apenas um artigo.
Portanto, o presente artigo busca conectar a ciência social do Direito com a “ciência moral da maçonaria”, ciência no sentido lato. A exposição a seguir não esgota o tema, mas tem um caráter introdutório e elucidativo do que é Justiça na ciência jurídica aliada à sua perspectiva maçônica.
TIPOS DE JUSTIÇA NO RITUAL DO GRAU DE APRENDIZ
Há três espécies fundamentais de justiça: a comutativa, a distributiva e a social. De toda forma, essa divisão tem sua origem nos estudos de Aristóteles, além de serem desenvolvidos por filósofos modernos e contemporâneos. Além disso, adentrar-se-á também nos conceitos de justiça legal e justiça retributiva. O que se pretende aqui, por efeito, é fazer um estudo conceitual e identificá-los no contexto do Ritual de Aprendiz Maçom, esses tipos de Justiça.
1. Justiça Distributiva
O ritual passa a ideia de que na sociedade cada membro deve receber o que lhe é devido com base no mérito, necessidades e contribuições, promovendo um senso de igualdade e fraternidade, quando o Venerável Mestre impõe a necessidade de observância de observar o mérito, quando exorta que “Os ensinamentos de nossa Ordem nos obrigam a proteger um irmão em tudo que for justo e honesto. Não será justo nem honesto proteger o menos digno, mesmo que seja irmão, preterindo os sagrados direitos do mérito e do valor moral e intelectual.”. (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 151)
É dito ainda que o objetivo do Rito Escocês Antigo e Aceito o de alcançar “a igualdade segundo mérito, com subordinação e disciplina”. (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 18), tal parâmetro de conduta é o que se incentiva ao longo de todo ritual de aprendiz.
No Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, a Justiça Distributiva é implicitamente ensinada através dos símbolos e instrumentos de trabalho que guiam o comportamento ético do maçom. O esquadro, o compasso, o nível e o prumo, mencionados no ritual, não são apenas ferramentas simbólicas; eles representam a retidão, a justa medida e a equidade que o maçom deve aplicar em todas as suas ações (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 141). Estes instrumentos são um lembrete constante de que a justiça não se restringe à aplicação da lei, mas também à distribuição justa de oportunidades e responsabilidades.
A questão do mérito conforme os valores morais e intelectuais podem ser circunscritas na ideia de “Justiça Distributiva”. Em "Ética a Nicômaco", Aristóteles descreve a justiça distributiva como a distribuição equitativa de bens e recursos entre os membros da sociedade, de acordo com o mérito e a necessidade de cada um. Está sempre relacionada à distribuição equitativa de bens e oportunidades.
"A justiça distributiva se ocupa da distribuição de honra, dinheiro e outros bens que são divididos entre os membros da comunidade política" (Aristóteles, Ética a Nicômaco, Livro V).
2. Justiça Comutativa
A justiça comutativa se preocupa com as relações entre indivíduos, garantindo que as trocas sejam justas e equitativas (MONTORO, Introdução ao Direito, p. 140). Refere-se à equidade nas transações e intercâmbios entre os indivíduos. Manifesta-se através da honestidade e integridade nas relações mútuas, garantindo que todas as interações sejam justas e equilibradas, sem exploração ou engano.
A Justiça Comutativa pode ser extraída, com efeito, quando é exortado ao maçom uma conduta conforme o esquadro e o compasso, o nível e o prumo, “o esquadro para a retidão; o compasso, para a justa medida e o nível e o prumo para a igualdade e a justiça que devemos aos nossos semelhantes” (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 141).
Se é dever praticar a justiça, não se afastar dela, "tão pouco da retidão, que regem todos os atos de um verdadeiro Maçom” (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 8), é fundamental que se exerça a justiça em todas as suas formas. Seja ela distributiva, comutativa, social ou legal, a verdadeira Maçonaria exige a prática contínua e inabalável da justiça em todas as suas manifestações, pois somente assim se pode alcançar a harmonia e a paz social, pilares da Ordem Maçônica.
"A justiça nas trocas deve ser baseada na reciprocidade e proporcionalidade entre os envolvidos" (Aristóteles, Ética a Nicômaco, Livro V).
3. Justiça Social
O tema Justiça não é algo somente adstrito ao Ritual de Aprendiz Maçom, é um conceito que é abordado com maior profundidade nos graus superiores do Rito Escocês Antigo e Aceito, especialmente a temática justiça social, a exemplo do grau de Cavaleiro Eleito dos Doze (Grau 11), que trata traz temas como democracia ou o Preboste Juiz (Grau 07 do REAA) ou ainda o Grão-Mestre Arquiteto (Grau 12) dirigido ao estudo a respeito da tributação.
A justiça social refere-se à distribuição justa dos bens e riquezas dentro de uma sociedade. Montoro (2000) argumenta que a Justiça Social envolve não apenas a aplicação legal dos direitos, mas também a garantia de condições básicas de vida para todos os cidadãos, o que inclui a redistribuição de riquezas e oportunidades para eliminar as desigualdades estruturais. Isso perpassa por questões tributárias, financeiras, no desenvolvimento de política pública e até mesmo de intervenção do Estado na economia para alcançar uma redistribuição de renda, educação inclusiva, e programas de saúde universal, por exemplo.
É importante destacar que há uma busca na justiça social em promover a igualdade. Aqui não é a igualdade meramente formal, mas substancial, o que significa que deve haver esforços concretos para eliminar as desigualdades estruturais que impedem a plena participação de todos na sociedade. A Justiça Social, nesse sentido, busca promover uma igualdade real, que leve em conta as diferentes condições e necessidades dos indivíduos.
Na Maçonaria, a Justiça Social se manifesta através da prática da fraternidade e da solidariedade, incentivando seus membros a lutarem contra as desigualdades e a trabalharem incessantemente pelo bem comum. Como exorta o Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, é dever do maçom "praticar a justiça em todas as suas formas", garantindo que "todos os seus atos sejam regidos pela equidade e pela fraternidade" (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 52). A verdadeira Maçonaria exige que a Justiça Social seja uma prática constante, uma missão que cada maçom deve abraçar com fervor e dedicação, na busca incessante pela harmonia social e pelo bem-estar coletivo.
Sendo assim, no Ritual de Aprendiz Maçom, é enfatizado que a Maçonaria é uma escola de moralidade e de filosofia social e espiritual, destinada a preparar seus adeptos para se tornarem cidadãos exemplares e líderes em suas comunidades. Os ensinamentos maçônicos propõem que o verdadeiro Maçom deve dedicar-se à felicidade de seus semelhantes, promovendo a justiça e a igualdade em todas as suas ações. Isso implica, necessariamente, em um compromisso com a Justiça Social, que deve ser praticada tanto dentro quanto fora dos Templos Maçônicos.
A Maçonaria também propugna em seus ensinamentos a busca de uma igualdade substancial, onde as diferenças individuais são respeitadas, mas as desigualdades estruturais são ativamente combatidas. O pavimento mosaico, por exemplo, com seus quadrados brancos e pretos, simboliza a união dos opostos e a necessidade de equilibrar as diferenças para alcançar a harmonia social.
Sob a perspectiva de justiça social, a sua prática também pode se dar pela iniciativa privada ou individual, quando os maçons agem por meio de ações concretas, como a filantropia, a assistência mútua e a educação moral dos membros. A Maçonaria não impõe limites à busca pela verdade e promove a tolerância como um valor essencial para a convivência pacífica e harmoniosa entre todos os homens. Dessa forma, a Ordem Maçônica se posiciona como uma defensora dos direitos humanos e da dignidade de todas as pessoas, independentemente de sua origem, religião ou posição social.
Vale aqui ainda considerar que enquanto a Justiça Distributiva se foca na distribuição justa dos recursos entre os indivíduos, a Justiça Social aborda uma perspectiva mais ampla, que inclui a criação de condições justas dentro da sociedade como um todo. A Justiça Social pode ser vista como um conceito que engloba a Justiça Distributiva, pois uma distribuição justa de recursos é essencial para alcançar a justiça em uma sociedade mais ampla.
Na prática, a Justiça Distributiva pode ser considerada um componente crucial para a realização da Justiça Social. A primeira se preocupa com a equidade nas trocas e na distribuição de bens e recursos entre indivíduos, enquanto a segunda se preocupa em garantir que toda a sociedade funcione de maneira justa e equitativa, abordando também as causas estruturais das desigualdades.
Embora interligadas, a Justiça Distributiva é um aspecto da Justiça Social, focada especificamente na distribuição equitativa de bens e recursos, enquanto a Justiça Social é um conceito mais amplo que se preocupa com a justiça em todas as dimensões da sociedade.
A Justiça Social, portanto, é um ideal que deve guiar o comportamento de todos os Maçons, inspirando-os a lutar contra as injustiças e a trabalhar incessantemente pela construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Este ideal não é apenas um dever ético, mas também uma expressão prática dos valores maçônicos de liberdade, igualdade e fraternidade.
"A justiça social, tal como ensinada na Maçonaria, é a chave para uma sociedade onde a dignidade humana é respeitada e onde todos têm a oportunidade de florescer" (Platão, A República, Livro VI).
3. Justiça Legal
A Justiça Legal demanda que os indivíduos cumpram suas obrigações perante a sociedade e respeitem as leis estabelecidas. Esse conceito está intrinsecamente ligado a pensadores como Thomas Hobbes e John Locke, que enfatizaram a importância de obedecer às leis da sociedade para manter a ordem e promover o bem comum.
No contexto maçônico, os membros são instados a obedecer às leis do país e a viver de acordo com os princípios da honra e da dignidade. Essa postura reforça o papel dos maçons como cidadãos exemplares e responsáveis (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 18).
Além disso, é esperado que o maçom “obedeça e faça obedecer a Constituição da Grande Loja, Códigos, Leis, Estatutos e Atos Normativos emanados da GLOMARON, bem como a Legislação das Lojas Simbólicas, dos Colegiados e dos Conselhos a ela pertencentes, e ainda, os Landmarks da Ordem” (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 101).
Portanto, o maçom deve submeter-se às leis democráticas do país, que regem a humanidade e merecem seu respeito consciente (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, pp. 18, 104, 121). Essa postura reflete o compromisso da Maçonaria com a ordem, a justiça e a harmonia social.
"As leis são feitas para manter a paz e a segurança da sociedade, e a justiça legal exige a conformidade a essas leis" (Hobbes, Leviatã).
4. Justiça Retributiva
A Justiça Retributiva envolve a correção dos erros e a aplicação de penalidades adequadas. A Justiça Distributiva, embora menos explicitamente abordada no ritual maçônico, desempenha um papel fundamental na correção de erros e na aplicação de penalidades adequadas. Ela está implícita na ênfase dada à responsabilidade pessoal e à necessidade de reparação quando alguém comete uma falta (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 105).
Filósofos como Immanuel Kant e Hegel discutiram extensamente a justiça retributiva. Kant, em particular, argumentou que a punição deve ser proporcional ao crime e aplicada de maneira a respeitar a dignidade do indivíduo.
No contexto ritualístico, a Justiça Retributiva assume um papel crucial na punição dos perjuros e traidores. O perjuro, aquele que falha em seu próprio julgamento, é o arauto da traição. Essa traição se manifesta sob uma perspectiva social como combate à tirania e arbitrariedade.
Sob a perspectiva individual, a consequência está na severidade da exclusão emerge quando um Maçom desvia dos princípios e ensinamentos maçônicos, tornando suas ações indignas e prejudiciais, quando sendo “mau cidadão, mau esposo, mau pai, mau filho, mau irmão, mau amigo, quando cego pela ambição ou pelo ódio” (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 150). Nesse momento, ele rompe os laços da solidariedade, o centro de união maçônica. Deixa de ser considerado irmão e perde os direitos ao auxílio material e amparo moral da ordem.
A conduta incompatível com os valores maçônicos resulta na expulsão desse indivíduo da comunidade maçônica (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 150).
Em consonância com Kant, podemos afirmar que a punição é um imperativo categórico que deve ser proporcional ao crime cometido, sempre respeitando a dignidade humana.
"A punição é um imperativo categórico que deve ser proporcional ao crime cometido, respeitando a dignidade humana" (Kant, Metafísica dos Costumes).
Vale ressaltar que a justiça distributiva se refere à distribuição justa de benefícios e ônus dentro da sociedade, enquanto a justiça legal concentra-se na obediência às leis que regem essa distribuição.
Em resumo, a justiça pode ser entendida sob diferentes aspectos — comutativa, legal, distributiva, social e retributiva — cada um contribuindo para uma compreensão mais abrangente do conceito.
JUSTIÇA E DIREITO
Justiça e Direito são conceitos relacionados, mas não idênticos.
O Direito consiste no conjunto de normas e leis estabelecidas por uma sociedade para regular o comportamento de seus membros. De um modo geral, pode-se dizer que o Direito é concreto e institucionalizado, refletindo as regras e procedimentos formais que governam a vida social.
A Justiça, por outro lado, é um ideal ético e moral. É a aspiração à equidade, à imparcialidade e ao respeito pelos direitos de todos os indivíduos. Enquanto o Direito pode variar de acordo com o tempo e o lugar, a Justiça é um princípio universal que transcende as fronteiras culturais e temporais.
No Ritual de Aprendiz Maçom, os maçons são encorajados a buscar a Justiça, mesmo quando as leis podem ser imperfeitas ou inadequadas (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 8).
JUSTIÇA E MORAL
Justiça e Moral são conceitos que frequentemente se sobrepõem, mas não são idênticos.
A Moral refere-se ao conjunto de valores, princípios e normas de conduta que uma pessoa ou sociedade considera correta e adequada. É um guia interno que orienta o comportamento individual com base em conceitos de certo e errado.
A Justiça é uma aplicação desses princípios morais em um contexto social mais amplo. É a prática da moralidade em ações que afetam o bem-estar coletivo. Enquanto a Moral pode ser subjetiva e variar entre diferentes culturas e indivíduos, a Justiça busca um padrão de equidade e imparcialidade que pode ser reconhecido e aceito universalmente.
No Ritual de Aprendiz Maçom, a Justiça é vista como a manifestação prática dos princípios morais que os maçons devem seguir. Eles são ensinados a viver de acordo com altos padrões morais e a aplicar esses padrões em suas interações com os outros, promovendo a harmonia e a equidade em todas as esferas da vida (Ritual do Grau de Aprendiz Maçom, 2011, p. 14).
DISTINÇÃO ENTRE DIREITO E MORAL: TEORIA DOS CÍRCULOS SECANTES E CONCÊNTRICOS
Para entender melhor a relação entre Justiça, Direito e Moral, podemos recorrer à teoria dos círculos secantes e concêntricos.
É certo que existem outras teorias que buscam explicar essa relação entre Direito e Moral, como a Teoria do Mínimo ético de Jellinek e a visão de Hans Kelsen, que não serão abordadas.
Jeremy Bentham (1748-1832), jurisconsulto e filósofo inglês, concebeu a relação entre o Direito e a Moral, recorrendo à figura geométrica dos círculos concêntricos.
Na perspectiva do modelo de círculos concêntricos, um círculo menor (o Direito) está contido dentro de um círculo maior (a Moral). Esse modelo sugere que todo o Direito está contido dentro da Moral e que as leis são uma expressão dos princípios morais mais amplos de uma sociedade. Isso implica que a Moral abrange mais aspectos da vida humana do que o Direito, e o Direito é uma formalização parcial dos valores morais.
Segundo a teoria dos círculos secantes, atribuída à Du Pasquier, a representação geométrica da relação entre os dois sistemas não seria a dos círculos concêntricos, mas a dos círculos secantes é preciso imaginar dois círculos: um círculo maior representa a Moral e o círculo menor representa o Direito. O Direito é uma parte da Moral institucionalizada e codificada em normas. No entanto, nem todas as normas morais estão presentes no Direito, e nem todas as normas jurídicas têm uma base moral. Os círculos secam-se em algumas partes, mostrando que há interseções, mas também há áreas onde eles não coincidem.
No contexto maçônico, a Justiça pode ser vista como a área de interseção onde os princípios morais e legais se encontram. A Maçonaria encoraja seus membros a seguir não apenas as leis da sociedade, mas também a aderir a padrões morais elevados que podem ir além das exigências legais. Assim, a prática da Justiça maçônica envolve a harmonização de Direito e Moral, promovendo uma conduta que é legalmente correta e moralmente íntegra.
CONCLUSÃO
Portanto, é inexorável afirmar que o Ritual de Aprendiz Maçom ofereça uma visão abrangente e multifacetada da Justiça, que inclui a Justiça Distributiva, Justiça Social, Comutativa, Legal e Retributiva. Embora relacionadas, Justiça e Direito não são a mesma coisa; a Justiça é um ideal ético e moral, enquanto o Direito é um sistema de normas concretas. Da mesma forma, Justiça e Moral são conceitos interligados, mas distintos; a Moral refere-se aos princípios éticos individuais, enquanto a Justiça é a aplicação desses princípios no contexto social. A teoria dos círculos secantes e concêntricos ajuda a ilustrar essa relação, mostrando como a Justiça maçônica busca integrar e transcender ambos os domínios. A busca pela Justiça é fundamental na jornada maçônica, guiando os aprendizes a viver de acordo com os mais elevados padrões de equidade e integridade.
Referências Bibliográficas
- ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Nova Cultural, 2000.
- HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
- KANT, Immanuel. Metafísica dos Costumes. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.
- MASARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2016.
- MASARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2016.
- MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
- PLATÃO. A República. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Nova Cultural, 2000.
- REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2010.
- RITUAL DO GRAU DE APRENDIZ MAÇOM. Porto Velho: GLOMARON, 2011.
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