Certo é que, sem a participação de cada irmão, sem a ajuda dos irmãos Izautônio Machado, Flávio Araújo, Vanderlei Coelho, Hermìnio Pascoal, Michael Winetzki, Moisés Oliveira, Raimundo Brandão, Nestor Filho, Aldino Brasil e o apoio incondicional da Sereníssimo Grão-Mestre, Paulo Benevenute Tupan, a “Luz jamais descortinaria as trevas”, os trabalhos jamais teriam em 2024 sua plena força e vigor.
Deixo registrado, como cláusula pétrea, meus mais profundos agradecimentos aos irmãos que, com fé na sagrada chama da "Lux In Tenebris", sustentaram os empreendimentos de benemerência, como a nobre obra da Casa de Apoio Filhos de Hiram, ainda em construção sob a égide da Grande Loja do Estado de Rondônia. Em seus gestos, encontro não apenas solidariedade, mas a expressão viva de um ideal que transcende o indivíduo e abraça o coletivo.
Não menos dignos de reverência são os ilustres palestrantes, esses obreiros da palavra e do pensamento, que, com generosa dedicação, ofertaram tempo e saber. Em seus gestos de entrega, iluminaram nossos caminhos com o fulgor do conhecimento compartilhado, como faróis que, em noites escuras, indicam a rota segura aos navegantes.
A cada um que se fez presente nesta jornada, seja pela ação concreta ou pela força do verbo, dedico minha mais profunda gratidão, como quem presta homenagem àquela força invisível que une os espíritos em torno de um propósito maior, transcendendo as barreiras do tempo e do espaço.
Neste tempo de introspecção e gratidão, vos convido a uma reflexão profunda, um reencontro com nossa essência. Que este momento de renovação inspire cada um a ajustar a direção de suas mentes e corações, descobrindo um caminho onde o mundo — e nós mesmos — sejam vistos sob uma luz mais verdadeira e transformadora.
O sol, em sua eterna dança pelo firmamento, traz-nos a promessa de mais um ano, enquanto o antigo se despede, deixando no ar o eco de um anseio universal: o desejo por um mundo que seja mais do que a projeção de nossas próprias sombras. Nos corações pulsa a urgência da esperança, a renovação e o ímpeto por mudança. É o momento em que somos chamados a reorientar nossas mentes e nossos corações, a trilhar um caminho onde possamos enxergar o mundo — e a nós mesmos — sob uma nova luz, mais clara e verdadeira. Como bem disse Gandhi, com a simplicidade dos sábios: 'Temos de nos tornar a mudança que desejamos ver no mundo.' Que estas palavras sejam não apenas inspiração, mas convocação, um lembrete de que o destino que almejamos começa no reflexo de nossas próprias ações.
Para o maçom, a construção de uma comunidade global fundamentada no respeito e na fraternidade não é apenas uma tarefa, mas um dever essencial. É no reflexo do outro — especialmente do mais distante — que encontramos a expressão mais autêntica de nossa humanidade. A compaixão, esse elo invisível entre as tradições espirituais, surge como o teste supremo de uma espiritualidade genuína e transformadora.
Em cada credo, encontra-se a expressão de uma verdade ancestral, às vezes resumida na “Regra de Ouro”: "Não trate os outros como não gostaria de ser tratado" ou, de forma ainda mais luminosa, "trate os outros como desejaria ser tratado". E todas, em uníssono, insistem que essa benevolência não pode ser confinada aos limites do familiar ou do semelhante, mas deve se estender à vastidão da humanidade, alcançando até mesmo aqueles que chamamos de inimigos. Pois é no outro, sobretudo no outro distante, que a nossa própria humanidade encontra o seu reflexo mais verdadeiro.
Há uma dança descompassada de forças e riquezas, um desequilíbrio que é como um vento seco no horizonte, prenunciando tempestades de raiva e humilhação. Este desassossego, tão humano quanto as estrelas que não alcançamos, explode em atos de terror que são, ao mesmo tempo, clamor e ameaça. Guerras se enredam em seus próprios labirintos; conflitos, que já nasceram antigos, tornaram-se símbolos divinizados, e, como tudo que se crê sagrado, resistem a mãos que tentam desfazer seus nós.
E, no entanto, um paradoxo nos abraça: nunca estivemos tão próximos, tão entrelaçados por fios invisíveis de informação e impacto. A miséria não é mais um eco distante, mas uma sombra que atravessa todas as latitudes. O desmoronamento de uma bolsa de valores em qualquer canto ressoa como o tilintar de um copo quebrado em todos os salões do mundo. O que ocorre em Gaza hoje pode ferir o coração de Nova York amanhã, e a dor do Afeganistão não termina em suas montanhas.
Há, também, a ameaça silenciosa de uma natureza ferida. Corremos, todos, o risco de sermos engolidos por uma catástrofe nascida de nossa própria indiferença. E agora, em um tempo onde pequenos grupos brandam poderes, outrora reservados aos impérios, a lição mais antiga, inscrita no coração da humanidade torna-se o último apelo: que todos os povos, espalhados por todos os recantos da terra, sejam tratados como gostaríamos de ser tratado.
Mas o que é essa lição, afinal? Seria ela a piedade que suaviza as arestas da dor alheia? Ou a compaixão, que nos faz enxergar no sofrimento do outro o reflexo de nossa própria vulnerabilidade? Talvez a solidariedade, que une as mãos na construção de um bem maior? Ou seria, por fim, a fraternidade, que reconhece no outro não apenas um semelhante, mas um irmão? Essas palavras, que parecem distintas, convergem numa única verdade: a de que a essência de nossa humanidade reside na capacidade de ver além de si mesmo, e de amar não apenas o que nos é familiar, mas o que nos desafia e nos torna inteiros.
O princípio da compaixão está no âmago de todas as tradições religiosas, éticas e espirituais, conclamando-nos a sempre tratar os outros como gostaríamos de ser tratados. A etimologia revela-nos um significado mais profundo: derivada do latim patiri e do grego pathein, a compaixão carrega em si a ideia de “sofrer com”, de compartilhar o fardo de outro ser, de colocar-nos no lugar dele, sentindo sua dor como se fosse nossa, e, assim, compreender generosamente sua perspectiva. Não é um ato de condescendência, mas um chamado à empatia radical. Por isso, a compaixão encontra eco na Regra de Ouro, essa máxima universal que nos desafia a sondar nosso próprio coração, identificar o que nos faz sofrer e recusar, sob quaisquer circunstâncias, a infligir esse mesmo sofrimento a outro ser. Nesse sentido, a compaixão não é apenas uma emoção, mas um compromisso ético — uma atitude de altruísmo honesto e constante, que exige de nós coragem e humildade para transcender as fronteiras do ego e alcançar o outro em sua plenitude.
É que “a compaixão nos impele a trabalhar incansavelmente para aliviar o sofrimento de nosso próximo, a descer de nosso trono, no centro de nosso mundo, e ali colocar outra pessoa, e a honrar a inviolável santidade de todo ser humano, tratando todas as pessoas, sem exceção, com absoluta justiça, equidade e respeito”, já dizia Karen Armstrong. É um paradoxo que, ao nos fazer ajoelhar diante do outro, a compaixão nos enobrece.
A compaixão nos derruba porque exige que abandonemos as alturas do ego, as ilusões de grandeza e o conforto de nossas certezas. Ela nos força a descer, a olhar para o sofrimento do outro e a reconhecer a nossa vulnerabilidade compartilhada. Esse "derrubar" é uma quebra de barreiras internas, um desmoronamento do pedestal onde tantas vezes nos colocamos, separando-nos da humanidade comum.
Por outro lado, ao derrubar, a compaixão também nos ergue. Quando nos inclinamos para ajudar, nos tornamos mais humanos, mais inteiros, mais próximos do que há de mais elevado em nós: a capacidade de nos conectar, de curar e de transformar.
Do remoto horizonte da sabedoria chinesa, emerge a figura de Confúcio (551-479 a.C.), cuja voz atravessa os séculos com a serenidade de quem compreendeu a alma humana. Quando lhe perguntaram qual dos seus ensinamentos deveria ser praticado incessantemente, 'diariamente, o dia inteiro', ele respondeu com a simplicidade que é o apanágio dos grandes mestres: “Talvez o dito sobre shu — a consideração: nunca faças aos outros o que não gostarias que te fizessem.” Nesse princípio, Confúcio sintetizou o cerne de seu método espiritual, a essência de O Caminho (dao), fio condutor que unia todos os seus ensinamentos.
Para Confúcio, a verdadeira sabedoria consistia em abandonar a pretensão de se considerar uma exceção privilegiada e, em vez disso, relacionar a própria experiência com a dos outros, num exercício contínuo de empatia. Ele chamou esse ideal de ren, termo que outrora significava 'nobre' ou 'digno', mas que, em sua época, adquirira o sentido mais simples e sublime de ser plenamente humano.
Curiosamente, o “ren”, segundo alguns estudiosos, guardava em suas origens o significado de 'brandura' ou 'maleabilidade', qualidades que Confúcio nunca definiu formalmente, pois acreditava que não cabiam em categorias pré-estabelecidas. Apenas aqueles que o viviam com autenticidade poderiam compreendê-lo; para os outros, ele permanecia uma abstração. Viver o ren, “diariamente, o dia inteiro”, era tornar-se um “junzi”, o “ser humano maduro”, aquele que, pela prática incessante da consideração e da excelência interior, encontrava a plenitude de sua natureza e transcendia os limites do ego. Nesse estado, a humanidade deixava de ser apenas uma condição biológica para tornar-se um ideal espiritual, um Caminho que cada passo reitera e redescobre.
A essência da humanidade reside na capacidade de transcender interesses próprios, enxergando no outro não apenas um semelhante, mas um reflexo que nos desafia e nos completa. A verdadeira compaixão revela-se ao romper as barreiras do ego, conectando-nos a uma experiência humana mais plena e solidária.
Os nomes de Elizabeth Fry (1780-1845), quacre que desafiou as trevas do sistema penitenciário em prol de sua reforma; de Florence Nightingale (1820-1910), cuja dedicação revolucionou os cuidados hospitalares e humanizou a medicina; e de Dorothy Day (1897-1980), fundadora do Movimento Operário Católico e incansável voz dos marginalizados, tornaram-se símbolos vivos da filantropia heroica. Cada uma delas, com gestos que transcendem seu tempo, transformou a compaixão em ação concreta, desafiando as convenções de suas eras e deixando um legado que ressoa como um chamado — não apenas para admirar, mas para seguir o exemplo de quem ousou ver no outro a extensão de sua própria humanidade. Ainda surgem como símbolos da compaixão, líderes como Mahatma Gandhi (1869-1948), Martin Luther King (1929-68), Nelson Mandela e pelo Dalai-Lama, que demonstram nossa necessidade de líderes compassivos e íntegros.
Em um mundo moldado por uma economia competitiva e individualista, a compaixão parece alheia ao espírito do tempo. A teoria da evolução, de Darwin à Spencer, consolidou a visão de uma natureza violenta e desprovida de altruísmo genuíno, reduzindo o "amor" e a "brandura" a meras ilusões culturais. O altruísmo, dizem os positivistas, é apenas uma estratégia de sobrevivência disfarçada de virtude, um "meme" que, em sua essência, reflete o egoísmo calculista do ser humano. Até mesmo os gestos de bondade são vistos como manobras sociais, revestidas de engano e auto ilusão, onde o indivíduo serve a si mesmo sob o véu da generosidade.
É certo que no fundo, somos egoístas. Somos seres animais, ainda que racionais desejam sobreviver e ver prevalecer o seu eu. É que no âmago de nossa existência, convivem dois cérebros: o antigo, herança dos répteis, que governa nossos impulsos mais básicos — lutar, fugir, alimentar-se e perpetuar a espécie — e o neocórtex, morada da razão, da criatividade e da busca por significado. Essa coexistência, embora frágil, define a humanidade em sua dualidade. O velho cérebro nos impele ao egoísmo e à autopreservação, enquanto o neocórtex, com seu potencial de empatia e reflexão, nos chama à transcendência, à compaixão e à conexão com o outro. Ao longo da história, aprendemos a moldar a nossa natureza instintiva por meio de arte, religião e práticas culturais que exaltam o cuidado mútuo e a solidariedade como pilares de uma existência plena e cooperativa.
Porém, o caminho para a compaixão não é imediato nem fácil. Ele exige um esforço contínuo de superação dos impulsos primitivos e dos hábitos egoístas que enraizamos em nossas vidas. Assim como um atleta desenvolve graça e destreza pelo treinamento disciplinado, o cultivo da compaixão requer paciência, dedicação e prática diária. Não se trata de um salto repentino, mas de uma transformação gradual, que nos convida a ver o mundo e a nós mesmos sob uma nova luz, mais humana e generosa.
Portanto, sejamos a mudança que desejamos ver, como ensinou Gandhi, e façamos da compaixão não apenas um ideal distante, mas uma realidade viva, capaz de transformar a sociedade e resgatar a essência mais elevada da humanidade. Que a compaixão, essa centelha divina adormecida em cada coração, seja reconduzida ao centro de nossa moralidade e de nossa espiritualidade.
Que rejeitemos toda interpretação que, sob o pretexto de fé ou ideologia, alimente o ódio ou a exclusão ou ainda que possamos guiar nosso pensamento para nos manter unido em nosso pacto social, fundada em uma Constituição que prima pela solidariedade, fraternidade e dignidade da pessoa humana.
Que eduquemos nossos jovens na arte de respeitar as diferenças e na ciência de reconhecer o outro como um igual e ela como lugar de desenvolvimento da humanidade.
Em um mundo dilacerado por barreiras e preconceitos, façamos da compaixão uma força luminosa e transformadora, capaz de transcender egoísmos e unir almas. Pois é na compaixão que reside o segredo de uma humanidade plena e o alicerce indispensável para um futuro mais justo, mais pacífico e verdadeiramente iluminado.
Feliz Ano Novo!
Feliz 2025!
* Texto inspirado especialmente em Karen Armstrong, “Doze Passos Para uma Vida de Compaixão”.
Referências
ARMSTRONG, Karen. Doze Passos para uma Vida de Compaixão. São Paulo: Cultrix, 2011.
CONFÚCIO. Os Analectos. Tradução e organização de Matheus M. C. Cardoso. São Paulo: Editora Unesp, 2016.
FISCHER, Louis. Gandhi: Sua Vida e Mensagem Para o Mundo. Rio de Janeiro: Record, 1983.
LÉVINAS, Emmanuel. Ética e Infinito. Lisboa: Edições 70, 1993.
WRIGHT, Christopher. Uma Breve História da Compaixão. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
WIKIPEDIA. Elizabeth Fry. Disponível em
: https://pt.wikipedia.org/wiki/Elizabeth_Fry. Acesso em: 12 de novembro de 2024.
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