Um dos capítulos memoráveis da história brasileira é a relação da Maçonaria com a comunidade negra. A instituição dos pedreiros livres teve (e tem) grandes quadros negros. Ela organizou a luta pela libertação do país em diversos momentos históricos - desde dos fins do século XVII quando chegou ao Brasil - e se fortaleceu institucionalmente ao lutar por mais de 50 anos pela libertação escrava que culminou em 13 de maio de 1888 com a assinatura da Lei Áurea. Este ano a lei que libertou os escravos completa 115 anos de existência, após ser assinada pela Princesa Isabel, sob influência dos ministros maçônicos do Império já enfraquecido pelo ideário republicano.
Para se ter uma ideia, o famoso trio abolicionista do século XIX – os mulatos André Rebouças, José do Patrocínio e Luiz Gama – eram maçons em lojas cariocas e paulistas. Foram eles que fundamentaram a cultura da libertação dos negros através de artigos, manifestos, atos públicos, conquista de adeptos para a causa e com discursos inflamados país afora.
Com apoio maçônico, o trio afrodescendente ligou seus nomes definitivamente à causa da libertação negra. Essa luta contou com a participação na época de quase todas as lojas maçônicas espalhadas pelo país. Considerado um dos pioneiros da engenharia brasileira, Rebouças foi um dos maiores panfletários da causa negra na antiga Escola de Engenharia do Largo do São Francisco e criador de vários jornais abolicionistas.
No mesmo ritmo de Rebouças, o jornalista José do Patrocínio percorria o país conclamando os irmãos maçons a aderirem a causa da libertação. Já o advogado Luiz Gama, filho de Luiza Mahin, uma das líderes femininas da Revolta dos Negros Islamizados de Salvador, em meados do século XIX, escrevia poesias e discursos de forte impacto visual para fortalecer a causa da libertação.
Tido como mulato, o advogado Rui Barbosa, uma das grandes figuras públicas do Brasil do final do século XIX, foi acusado de ter ordenado a queima de documentos referentes às origens dos escravos no Brasil, e com isso, dificultou a recuperação da identidade afro-brasileira.
Barbosa, no entanto, como maçom da Loja América, de São Paulo, talvez tenha produzido um dos documentos mais percucientes do movimento abolicionista. Em 7 de julho de 1868, segundo Tenório de Albuquerque, autor de “A Maçonaria e a libertação dos escravos”, na Loja América, onde também pontificou Luiz Gama, Barbosa leu o seu “Projeto de Abolição”, cuja cópia foi reproduzida em suas obras completas. Este projeto, segundo Tenório de Albuquerque, entre outras medidas, previa que a Maçonaria, dali por diante : 1. Deveria lutar pela emancipação do escravo e criar meios para educá-lo para novas tarefas em nova sociedade, de fundo capitalista onde o trabalho era assalariado e não escravo. 2. Todas as lojas maçônicas atuais e futuras não receberiam tal título se não adotassem a luta pela emancipação dos escravos. 3. Todas as lojas deveriam criar um fundo especial para comprar alforrias de crianças escravas, e mesmo de adultos. 4. Todas as lojas deveriam criar escolas diurnas e noturnas para a educação dos ex escravos, como forma de reparação pelo crime do escravismo. 5. A partir daquele momento, ninguém seria iniciado na ordem se tivesse escravos ou ligação com os traficantes.
Divulgadas em outras lojas, o “Projeto de Abolição “ de Barbosa acabou influenciando as demais unidades maçônicas espalhadas pelo Brasil. No Amazonas, a Maçonaria comprou um jornal, assumiu sua direção e passou a veicular a luta abolicionista através de artigos e estudos. No Ceará, o então governador maçom Sátiro Dias, assinou decreto extinguindo a escravidão naquele estado, em 1884. Era o primeiro estado brasileiro a libertar os negros quatro antes da Lei Áurea, que acabou sendo decretada em 13 de maio de 1888 após intenso trabalho dos abolicionistas.
Uma das indagações mais intrigantes hoje é saber porque não vingou a agenda reformista dos maçons negros e de outros abolicionistas na sociedade brasileira, isto é, porque não houve a reforma social prevista por Barbosa, Rebouças, Gama, Patrocínio, Nabuco de Araújo, Pimenta Bueno, Eusébio de Queiroz e outros nomes de destaque das lutas sociais do século XIX ? Todos esperavam que, após 1888, o estado brasileiro iria implementar as políticas previstas pelo movimento abolicionista, mas o quê foi implantado diferiu completamente do estabelecido na agenda dos maçons negros.
Passados 115 anos da libertação, a situação da comunidade negra permanece inalterada. A agenda dos maçons negros foi perdida e urge reencontrá-la. Essa agenda anos pedia que fosse implementadas para o ex-escravo a reforma agrária, educação integral, criação de centros de saúde, políticas especiais para crianças, qualificação da mão de obra, desenvolvimento comunitário, reivindicações tão comuns hoje, que, parece fora de foco retomar a discussão dessas antigas pautas reformistas que vez em quando vivem nos assustando.
*Carlos Nobre é professor da PUC- Rio e Mauro Justino é sociólogo.
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