Ao longo de minha vida estudantil, alguns conceitos intrigaram-me.
Um deles foi no estudo de sistemas onde um dos conceitos fundamentais diz que “todo sistema é subsistema de outro sistema”.
Também em filosofia já tinha estudado que todo o todo é parte de um todo.
Estes conceitos só ganharam entendimento pleno quando alcancei o pleno entendimento de infinitude.
Ainda para ancorar este introito, busco na lembrança um conselho amplamente repetido por minha mãe que com a simplicidade de analfabeta mas com a inteligência de filósofo, me dizia
... "Meu filho, liberdade é uma coisa que quanto menos você usa mais você ganha e quando mais você usa mais perda daquela que lhe tinham dado"...
Agora, maduro, alço estes conceitos (que na essência é um único) para outras áreas do saber, mormente no âmbito do social, assim entendido a pessoa humana envolvida com outras pessoas, não como opção, mas como condição necessária à sua sobrevivência e à perpetuação da espécie.
O homem nasce tão livre quanto nu. Mas a sua liberdade vai sendo “moldada” pelos usos, pelos costumes, pelo ordenamento jurídico.
Assim, aquele direito natural vai-se transformando em direito permitido ou até mesmo direito concedido.
E porquê esta metamorfose no direito inerente ao ser humano?
Não há dúvida que isto decorre do uso que da liberdade se faz.
Liberdade é elemento da essência humana, tanto assim que é o tema preponderante no estudo e desenvolvimento da filosofia tendo sido o tema central de alguns dos filósofos.
Embora Sócrates e Platão e outros tantos tenham dedicado boa atenção aos conceitos de liberdade e tenham deixado as suas marcas na luta pela preservação do direito a ela, Aristóteles talvez tenha sido o que mais se dedicou a essa luta.
Convivendo numa sociedade onde a escravidão era normal e base do desenvolvimento económico, e mais ainda, numa sociedade onde o devedor se entregava ao credor como escravo para quitação da dívida, voltou-se contra tais práticas por tê-las como violação à essência humana.
Como a grande maioria dos demais filósofos, Aristóteles entendia que a harmonia e a paz dependiam o pleno exercício da liberdade.
Para ele o homem é um animal privilegiado porque sabe quando está a praticar o bem e quando está a praticar o mal e tem o livre arbítrio de exercer acção no sentido da sua vontade.
Como entendia ele que o primordial objetivo do homem é ser feliz e que a harmonia e a paz são caminhos seguros para a felicidade, o homem livre tende a ser bom não no sentido de agradar aos outros mas, principalmente, no sentido de conquistar a sua felicidade.
O conceito de Aristóteles é o fundamento básico para o Direito Natural que, por sua vez, é a base do direito positivo.
Ora, se tudo isto é verdade, então porque a existência de um enorme e complexo conjunto de leis, normas, princípios a reger a nossa conduta.
Haverá esta liberdade onde se transita num labirinto determinado pelo ordenamento jurídico?
Até que ponto podemos dizer-nos livres se estamos sempre subordinados a um poder coercitivo?
A ideia de valores tão distinta entre as pessoas e as não menos distintas reacções diante das decepções é-nos mostrada no livro de Génesis na parábola dos irmãos filhos de Adão.
Quando Abel fez a sua oferta estabeleceu um juízo segundo o qual o acto de dar, para produzir o real efeito do bem, há de ser o de se dar o melhor, diferente do conceito de Caim para quem, em dando algo útil para o receptor, a sua ação teria de estar coroada de êxito vez que a sua doação seria de bom proveito para quem a recebeu.
Como na avaliação divina o conceito mais adequado do ato de dar era o de Abel, Caim buscou, de maneira torpe, eliminar a hipótese de comparação eliminando o seu concorrente.
É da natureza humana estabelecer conceitos de valores que invadem o espaço do outro impondo-se a necessidade de o outro criar mecanismos de proteção àquilo que entende como seu mas que o outro insiste em querer ter como seu ou, pelo menos, uma copropriedade.
Os mecanismos de controle nada mais são do que a declaração de desconfiança do outro.
Para Aristóteles, a invasão do espaço alheio é perfeitamente perceptível e é o livre arbítrio de encaminha para frear ou avançar.
O respeito espontâneo a esse limite veio a ser chamado de Ética.
O exercício da ética não é pois algo que precise ser imposto ou normatizado nos tantos códigos de ética que por aí existem.
A permanente avaliação do limite da nossa liberdade é que inspira confiança das outras pessoas em nós e quanto mais as pessoas confiam em nós mais se despojam dos elementos de controles que usavam para se proteger das nossas eventuais invasões.
Despojar-se de mecanismos de segurança e de controle com base na confiança nos nossos a
tos é o maior respeito à nossa liberdade.
Não é uma concessão, é respeito.
Respeito adquirido pelo exercício da nossa liberdade.
Como pessoa, somos livres para, dentro dos meandros estabelecidos pelo sistema em que nos inserimos, tomar o sentido que desejamos dentro deste labirinto.
E mais, os nossos atos, quaisquer que sejam, acabam por ensejar algumas pessoas a copiá-los com vistas a obterem resultados semelhantes aos por nós alcançados, o que repetido sucessivamente denomina-se costume.
O bom costume torna-se lei.
A lei submete-nos.
Somos assim, subsistema desse sistema.
Somos um todo parte desse todo.
Ser livre é, pois, exercer a plenitude da sua vontade desde que a sua vontade seja voltada para o bem de todos que reflexivamente volta para o seu próprio bem.
Buscar o bem de todos é um bom costume.
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