Minha mãe Irena era filha de criação de uma família de fazendeiros da
aristocracia húngara. Na terrível pobreza dos anos depois da Primeira Guerra
Mundial, no destruído e desmembrado Império Austro Húngaro só havia dois tipos
de cidadãos, aqueles que possuíam terras e os que trabalhavam na terra e
lutavam arduamente para apenas sobreviver. Uma filha inesperada para quem já
sustentava família era um ônus insuportável e a menina foi dada para o idoso
casal fazendeiro criar. Era a alegria da casa e foi criada como uma
princesinha, até a sombria época da Segunda Grande Guerra, quando os pais de
criação faleceram, a fazenda foi tomada e a menina expulsa para se virar como
pudesse. Ela tinha pouco mais de treze anos.
A saga dos anos passados dormindo aonde dava e comendo aquilo no que
pudesse botar a mão são suficientes para outra história. Mas um dia, por uma
destruída estação de estrada de ferro na Hungria passava uma tropa russa a
caminho da Alemanha, e a garota, então com dezesseis para dezessete anos pediu
comida a um garboso capitão. Ficaram juntos pelo resto da vida. Era 1944 e os
soviéticos por um lado, a partir da Europa Oriental e os aliados por outro, a
partir da França, avançavam fechando o inimigo como os braços de uma tesoura,
rumo à Alemanha, que a esta altura já estava desarticulada, apenas recuando e
se defendendo, mas ainda lhe restavam bons combatentes dando muito trabalho às
tropas que avançavam. E já bem próximo da Alemanha, quase ao final do conflito,
papai foi ferido por um estilhaço de granada na perna esquerda, que lhe deixou
profundas cicatrizes. Ele foi tratado em um hospital em solo germânico, e minha
mãe também foi internada no mesmo hospital para ser tratada por desnutrição.
Estando ambos recuperados tomaram consciência que a Alemanha não era um
bom lugar para se viver, especialmente para um militar russo e judeu. Voltar
para a URSS era uma opçáo ainda pior.
Paris era ainda a capital cultural do mundo. A ocupação da França
produziu o roubo de milhares de obras de arte que desfalcaram os tesouros do
país, mas a consciência dos comandantes da ocupação alemã preservou a cidade-
ícone de destruição ou de bombardeios e a Cidade Luz rapidamente atraiu
milhares de pessoas querendo refazer sua vida. Como já contei, papai foi
trabalhar como auxiliar de cozinha em um restaurante russo e nunca mais
esqueceu de como fazer deliciosos “borscht” a sopa de beterraba com creme de
leite que é a marca registrada da culinária da Ucrânia e “pirozhki”, o bolinho
assado de repolho, uma delícia, entre muitos outros pratos. Ele cozinhava muito
bem,
Mamãe foi trabalhar em um “atelier” de costura e rapidamente retomou os
modos e a elegância com que havia sido criada. E daí para a frente, pelo resto
da vida, (e até hoje, aos 91 anos), ela não andava, mas desfilava, com luvas,
chapéus e as roupas que ela mesmo fazia ou reformava. Na Sorocaba dos anos 60 e
70 era um espetáculo que os vizinhos e conhecidos gostavam de admirar, ver a
Dona Irena, garbosa e linda como uma princesa, indo comprar pão na padaria.
A cidade de Sorocaba crescia de maneira acelerada. O censo de 1970 lista a cidade em 9º lugar no Estado de SP, com pouco mais de 175.000 habitantes. E os negócios de meu pai cresceram também. Ele alugou um sobrado do Eng. Wilson Kalil na Rua Dr. Braguinha, uma das principais artérias comerciais da cidade, onde montou a loja Modas Braguinha, e fomos morar no andar de cima do sobrado. Mas a despeito de possuir agora um comércio, do qual a minha mãe ficou encarregada, nunca deixou de trabalhar, agora com a Rural Willys lotada de mercadorias, vendendo de porta em porta. Dobrava o expediente quando voltava para a loja para lançar as vendas, fazer o caixa, preparar as comprar e separar as mercadorias que levaria no seguinte para a Rural.