fevereiro 17, 2021

“Seu nome não será mais Jacob, mas Israel''


 Após sua luta com o adversário sem nome, foi dito a Jacob: “
Seu nome não será mais Jacob,  mas Israel, pois lutaste com os seres Divinos e humanos e prevaleceste”. (Génesis 32:29) Ou “Seu nome não será mais chamado de Jacob, mas de Israel. Te tornaste grande , diante de Deus e do homem. 

Essa mudança de nome duas vezes.  Após o encontro com Esaú e o episódio de Dina e Siquém, Deus disse a Jacob que fosse a Beth El. Depois lemos: “Depois que Jacob voltou de Paddan Aram, Deus apareceu novamente e o abençoou.  Deus lhe disse: “Teu nome é Jacob, mas não serás mais chamado Jacob;  teu nome será Israel.  Por isso o chamou Israel”. (Génesis 35: 9-10)

Observemos que esse não é um ajuste de um nome existente pela mudança ou adição de uma letra, como quando Deus mudou o nome de Abram para Abraham ou Sarai para Sara.  É um nome inteiramente novo, como se quisesse sinalizar que o que representa é uma completa mudança de caráter.  E como vimos, a mudança de nome não aconteceu uma vez, mas duas. E este é o quebra-cabeças dos quebra-cabeças – tendo dito duas vezes que seu nome não será mais Jacob, a Torah continua a chamá-lo de Jacob. O próprio Deus faz isso. Nós também, toda vez que oramos ao Deus de Abraham, Isaac e Jacob.  Porque isso, quando a Torah nos diz duas vezes que seu nome não será mais Jacob?

Radak sugere que “seu nome não será mais chamado de Jacob” significa “seu nome não será mais  chamado, apenas,   de Jacob”. Também terás outro nome.  Isso é engenhoso, mas dificilmente seria o sentido claro do verso.  Sforno diz: “Na era messiânica, seu nome não será mais chamado de Jacob”. Isso também é difícil.  O tempo futuro, como usado na Torah, significa o futuro próximo, não o distante, a menos que seja explicitamente especificado.

Este é apenas um mistério entre muitos quando se trata do caráter de Jacob e de seu relacionamento com seu irmão Esaú.  Tão difícil é entender as histórias sobre eles que, para entendê-las, elas foram revestidas na tradição judaica com uma espessa camada de Midrash que torna Essav quase perfeitamente mau e Jacob quase perfeitamente justo.  Existe uma clara necessidade desse Midrash, para fins educacionais.  Essav e Jacob, como retratados na Torah, são sutis e complexos demais para serem objeto de simples lições morais para as mentes jovens.  Então o Midrash nos dá um mundo de preto e branco, como Maharatz Chajes explicou.  [1]

O próprio texto bíblico, porém, é muito mais sutil.  Não afirma que Esaú é ruim e Jacob é bom. Pelo contrário, mostra que são dois tipos diferentes de ser humano.  O contraste entre eles é como o de Nietzsche entre as figuras gregas de Apolo e Dionísio.  Apolo representa razão, lógica, ordem, autocontrole;  Dionísio significa emoção, paixão, natureza, impetuosidade e caos.  As culturas apolonianas valorizam contenção e modéstia;  os dionisíacos buscam ostentação e excesso.  Jacob é apolíneo, Essav, dionisíaco.

Ou pode ser que Esaú represente o Caçador, considerado um herói em muitas culturas antigas, mas não na Torah, que representa a ética agrária e pastoral de agricultores e pastores.  Com a transição de caçador-colector para agricultor e pastor, o Caçador não é mais um herói e, em vez disso, é visto como uma figura de violência, especialmente quando combinada, como no caso de Esaú, com um temperamento mercurial.  Não é tanto que Esaú é mau e Jacob é bom, mas que Esaú representa o mundo que era, enquanto Jacob representa, embora às vezes hesitante e com medo, um novo mundo prestes a ser criado, cuja espiritualidade seria radicalmente diferente, nova. e desafiadora.

O fato de Jacob e Esaú serem gémeos é fundamental.  O relacionamento deles é um dos casos clássicos de rivalidade entre irmãos.  [2] A chave para entender a história deles é o que René Girard chamou de desejo mimético: o desejo de ter o que os outros têm, porque eles têm.  Em última análise, este é o desejo de ser outra pessoa.

É isso que o nome Jacob significa.  É o nome que ele adquiriu porque nasceu segurando o calcanhar de seu irmão Essav.  Essa era consistentemente sua postura durante os principais eventos de sua infância.  Ele comprou o direito de nascença de seu irmão.  Ele usava as roupas de seu irmão.  A pedido de sua mãe, ele recebeu a bênção de seu irmão.  Quando perguntado pelo pai: “Quem é você, meu filho?” Ele respondeu: “Eu sou Esaú, seu primogénito.”

Jacob era o homem que queria ser Esaú.  Por quê?  Porque Esaú tinha uma coisa que ele não tinha: o amor de seu pai.  “Isaac, que gostava de caça selvagem, amava Esaú, mas Rebeca amava Jacob.”

Tudo isso mudou na grande luta entre Jacob e o desconhecido estrangeiro.  Nossos Sábios nos ensinam que esse estrangeiro era um anjo disfarçado.  Depois que eles brigam, ele diz a Jacob que seu nome agora seria Israel.  A explicação declarada para esse nome é: “porque você lutou com Deus e com o homem e prevaleceu”. Também ressoa com outros dois sentidos.  Sar significa “príncipe, realeza”.  Yashar  significa “vertical”. Ambos estão em nítido contraste com o nome “Jacob”, alguém que “se agarra ao calcanhar de seu irmão”.

Como então devemos entender o que, primeiro o estrangeiro, depois Deus, disse a Jacob?  Não como um declaração, mas como um pedido, um desafio, um convite.  Leia não como: “Tu não serás mais chamado de Jacob, mas de Israel. ” Em vez disso, leia como: “Deixa que teu nome não seja mais Jacob, mas Israel”, ou seja, “Aja de maneira que seja assim que as pessoas te chamem.” Seja um príncipe.  Seja realeza.  Fique de pé.  Seja você mesmo.  Não anseie por ser outra pessoa.  Isso acabaria sendo um desafio não apenas naquele momento, mas muitas vezes no futuro judaico.

Muitas vezes, os judeus se contentam em ser eles mesmos.  Mas, de tempos em tempos, eles entram em contacto com uma civilização cuja sofisticação intelectual, cultural e até espiritual era inegável. Isso os fez sentir-se constrangidos, inferiores, como um aldeão que chega a uma cidade pela primeira vez.  Os judeus caíram na condição de Jacob.  Eles queriam ser outra pessoa.

A primeira vez que ouvimos isso é nas palavras do profeta Ezequiel: “Vós dizeis: ‘Queremos ser como as nações, como os povos do mundo, que servem madeira e pedra’.  Mas o que tu tens em mente nunca acontecerá” (Ez. 20:32).  Na Babilónia, o povo encontrou um império impressionante, cujo sucesso militar e económico contrastava radicalmente com sua própria condição de exílio e derrota.  Alguns queriam deixar de ser judeus e se tornar outra pessoa, qualquer outra pessoa.

Ouvimos novamente nos dias dos gregos. Alguns judeus tornaram-se helenizados. Reconhecemos isso em nomes de sumos sacerdotes, como Jason e Menelau. A batalha contra isso é a história de Chanukah. Algo semelhante aconteceu nos dias de Roma.  Josefo foi um dos que foram para o outro lado, embora ele permanecesse defensor do judaísmo.

Aconteceu novamente durante o Iluminismo.  Os judeus se apaixonaram pela cultura europeia.  Com filósofos como Kant e Hegel, poetas como Goethe e Schiller e músicos como Mozart e Beethoven.   Alguns foram capazes de integrar isso à fidelidade ao judaísmo como credo e ação – figuras como os Rabinos Samson Raphael Hirsch e Nehemiah Nobel.   Mas alguns não.  Eles cederam.  Eles mudaram de nome.  Eles esconderam sua identidade.  Nenhum de nós tem o direito de criticar o que eles fizeram.  O impacto combinado de desafio intelectual, mudança social e anti-semitismo incendiário foi imenso.  No entanto, essa foi uma resposta de Jacob, não de Israel.

Isso está acontecendo hoje em grandes áreas do mundo judaico.  Os judeus superaram.  O judaísmo, com algumas excepções notáveis, foi insuficiente.  Actualmente, existem judeus no topo de quase todos os campos do empreendimento humano, mas muitos abandonaram sua herança religiosa ou são indiferentes a ela.  Para eles, ser judeu é uma etnia esbelta, magra demais para ser transmitida para o futuro, oca demais para inspirar.

Esperamos tanto tempo pelo que temos hoje e que nunca tivemos simultaneamente em toda a história judaica: independência e soberania no estado de Israel, liberdade e igualdade na diáspora.  Quase tudo pelo que cem gerações de nossos ancestrais oraram nos foi dado.  Nós realmente (na frase de Lin-Manuel Miranda) jogaremos fora tudo isso?  Seremos Israel?  Ou mostraremos, para nossa vergonha, que ainda não ultrapassamos o nome de Jacob, a pessoa que queria ser outra pessoa?  Jacob muitas vezes estava com medo porque não tinha certeza de quem ele queria ser, ele ou seu irmão.  Foi por isso que Deus lhe disse: “Não seja teu nome Jacob, mas Israel.” Quando tens medo e não tem certeza de quem és, tu és Jacob.  Quando és forte em ti mesmo, como te assumes, tu és Israel.

O fato de a Torah e a tradição ainda usarem a palavra Jacob, não apenas Israel, nos diz que o problema não desapareceu.  Jacob parece ter lutado com isso ao longo de sua vida, e ainda o fazemos hoje.  É preciso coragem para ser diferente, uma minoria, contra-cultural.  É fácil viver o momento como Esaú ou “ser como os povos do mundo”, como disse Ezequiel.

Eu acredito que o desafio lançado pelo anjo ainda ecoa hoje.  Nós somos Jacob, envergonhados por quem somos?  Ou somos Israel, com a coragem de ficar de pé e andar alto no caminho da fé?

Texto original “No Longer Shall You Be Called Jacob” por Rabino Yonathan Sacks.

fevereiro 16, 2021

O Obelisco Negro de Salmaneser III — Retrato de um rei israelita



 

Uma das mais excitantes descobertas já feitas em arqueologia bíblica foi uma enorme pedra negra extraída de um buraco cavado na antiga cidade assíria de Calah (moderna Ninrode) em 1845. Esta pedra, porém, quase não foi desenterrada. O arqueólogo inglês Henry Layard havia sido aconselhado por seus trabalhadores a desistir e fechar o buraco. Era inverno, o chão estava extremamente frio e duro, e o difícil trabalho de cavar valas para descobrir artefatos havia provado ser inútil. Layard não queria desistir, mas se comprometeu a pedir a seus homens que trabalhassem por somente mais um dia.

Eles não tiveram que esperar tanto! Quase imediatamente depois que os homens reassumiram o trabalho eles bateram numa enorme pedra, que agora sabemos ser um dos mais importantes documentos assírios relacionados ao Antigo Testamento. A pedra era um bloco de calcário polido com quatro lados (obelisco) medindo 2 metros. Em cada lado do obelisco estavam esculpidos cinco registros de esculturas em relevo demonstrando várias cenas de tributos sendo trazidos à corte assíria. Além disso, acima e abaixo dos painéis em todos os lados havia quase 200 linhas de texto cuneiforme. Logo que o texto cuneiforme foi traduzido descobriu-se que ele catalogava 31 campanhas militares do monarca assírio Salmaneser III.

As esculturas em relevo detalhadas de tributo e pagadores de tributos mostravam belamente muitos estilos diferentes de roupa, artigos caros e até animais exóticos para o zoológico assírio. Todavia, a grande surpresa foi que as linhas acima de um registro que mostrava uma figura de joelhos diante do rei da Assíria foi traduzida: Tributo de Jeú, filho de Onri. Prata, ouro, vasos de prata, taças de ouro, cálices de ouro, caixas com ouro, recipientes, cetros para a mão do rei [e] dardos, [Salmaneser] recebeu dele. Aqui, pela primeira vez em qualquer artefato arqueológico, estava um retrato de um dos reis de Israel!

De acordo com a Bíblia (2 Rs 9-10; 2 Cr 22.7-9), Jeú, um comandante no exército do rei Jorão, foi “escolhido pelo Senhor” para suceder o trono israelita. Instruído pelo profeta Eliseu para matar Jorão, ele tornou-se o governante de Israel de 841-814 a.C. Ele serviu como instrumento final de Deus contra a casa do ímpio rei Acabe (incluindo a infame rainha Jezabel), e erradicou da terra o culto idólatra a Baal. No relato bíblico, porém, não há menção do rei Jeú pagando tributo à Assíria como descrito no obelisco. A Bíblia fala realmente que Jeú, quase ao final de seus 28 anos de reinado, foi relapso na responsabilidade real de manter a lei de Deus (2 Rs 10.31) e, ao invés disso, seguiu novamente o culto henoteísta instituído por Jeroboão (veja 1 Rs 12.28-29).

Por causa disso, o Senhor removeu a proteção de Israel e inimigos estrangeiros começaram a invadir e conquistar partes da terra (2 Rs 10.32-33). A fraqueza de Israel neste ponto pode ter influenciado Jeú a buscar a proteção da Assíria. Uma vez que a hegemonia assíria foi imposta, Israel teria sido sujeito a pagar tributo (cf. 2 Rs 17.3). Se foi este o caso, o obelisco preenche uma parte que faltava da história não incluída no texto bíblico.

Fonte: Livro: Arqueologia Bíblia - Autor: Randall Price

fevereiro 15, 2021

SEMENTES DE CABALA: Luz Interior e Luz Circundante



Dentro do corpo humano físico, encontramos dois fatores motivacionais distintos, chamados a Luz Interior e a Luz Circundante.
A Luz Interior é o elemento de Luz contido dentro dos seres humanos quando descem a esse mundo no nascimento, e acompanha o indivíduo como uma ajuda na busca da elevação espiritual.
A Luz Circundante é o nível de consciência que o indivíduo faz por merecer durante sua vida, através das boas ações; ela é adquirida gradualmente, e não está presente no nascimento.
O nível de consciência da Luz Circundante é ilimitado, dependendo de quão bem o indivíduo é capaz de subordinar o corpo físico à Luz.
O grau em que uma pessoa é limitada pelos constrangimentos de tempo, espaço e movimento – as leis físicas do universo – depende dos níveis em que ela controla o desejo do corpo de receber para si mesmo (a má inclinação).
Gradualmente, a pessoa adquire a Luz Circundante e sobe a escada da espiritualidade.
Fonte: Likutei Tora

fevereiro 14, 2021

PSICOLOGIA X DIREITO - Sei como inverter a culpa


Numa biblioteca de faculdade lotada de estudantes, um rapaz vendo um único lugar vago ao lado de uma bela jovem se aproxima e pede delicadamente: -posso me sentar ao seu lado. 

A moça rispidamente responde:- eu não quero passar a noite com você. Todos os presentes olham para o rapaz que constrangido se afasta e procura um canto distante para se sentar. Pouco depois a jovem chega e sorrindo diz:- Me desculpe, eu estudo psicologia e só estava fazendo um teste, Você ficou constrangido não foi?


O rapaz levanta a voz e grita:- Quinhentos reais para passar a noite com você! Isso é um roubo! A moça fica sem chão e o rapaz, sorrindo, diz baixinho:- Eu estudo Direito. Sei como inverter a culpa.

fevereiro 13, 2021

O NOVO GERENTE - Pense antes de falar



 Uma empresa entendeu que estava na hora de mudar o estilo de gestão e contratou um novo gerente geral. Este veio determinado a agitar as bases e tornar a empresa mais produtiva. 

No primeiro dia, acompanhado dos principais assessores, fez uma inspeção em toda a empresa. No armazém todos estavam trabalhando, mas um rapaz estava encostado na parede com as mãos no bolso. 

 Vendo uma boa oportunidade de demonstrar a sua nova filosofia de trabalho, o novo gerente perguntou ao rapaz: - Quanto é que você ganha por mês? - Trezentos reais, por quê? - respondeu o rapaz sem saber do que se tratava. O administrador tirou os R$ 300,00 do bolso e os deu ao rapaz, dizendo: - Aqui está o seu salário deste mês. Agora desapareça e não volte aqui nunca mais! 

O rapaz guardou o dinheiro e saiu conforme as ordens recebidas. O gerente então, enchendo o peito, pergunta ao grupo de operários: - Algum de vocês sabe o que este tipo fazia aqui? - Veio entregar uma pizza e estava aguardando o troco. Moral da história: "Tem pessoas que desejam tanto mandar, que se esquecem de pensar"

fevereiro 12, 2021

O BEM ESTAR DE UM É LIGADO AO BEM ESTAR DE TODOS

 

Quando eu morava em Mato Grosso do Sul ouvi uma historia que certamente se aplica a atual pandemia. Um fazendeiro de Coxim ganhava por anos seguidos o prêmio na exposição agropecuária por produzir o melhor milho da região.

O repórter de uma rádio local ficou sabendo que o fazendeiro compartilhava as sementes de seu excelente milho com os vizinhos, seus competidores na exposição, e curioso foi lhe perguntar se isso era verdade. Ouviu que sim.


- Você deve saber, - disse o fazendeiro, - que o pólen do milho maduro é espalhado pelo vento por todos os campos vizinhos. Isso ajuda a manter a qualidade da minha lavoura, porque se os vizinhos plantarem milho de qualidade inferior, o pólen deles vai degradar a minha produção. Assim, para que eu possa produzir milho bom, todos os meus vizinhos têm de produzir um milho bom também.

A mesma coisa vale para o atual momento. Para que possamos manter a nossa saúde, todos que vivem próximos devem manter a sua saúde também, quer física, quer econômica. Eu não consigo ser feliz em uma comunidade infeliz.

O bem estar de cada um está ligado ao bem estar de todos.

Assim, doar o que for possível para quem possui menos recursos, proteger-se com a máscara para evitar contaminar os outros, manter o bom humor e a calma para não espalhar angústia e desespero irão contribuir para que este momento passe mais depressa e possamos reencontrar o prazer e a alegria na vida.

fevereiro 11, 2021

OS COLLEGIA FABRORUM E A MAÇONARIA

Origem dos Collegiuns
 
As fratrias gregas evoluíram para um tipo muito peculiar de organização, do qual viria a sair, em certo momento histórico, os chamados Collegia Fabrorum romanos e, mais tarde as associações obreiras conhecidas como Corporações de Ofício, ou guildas.


Isso ocorreu como resultado de um longo processo de adaptação à realidade histórica, cuja descrição não cabe nos limites estreitos deste trabalho, mas é importante ressaltar que a história da sociedade humana e das ações que se promovem para edificá-la não estaria completa sem uma alusão, ainda que de passagem, por esse importante tipo de organização que o mundo antigo produziu. 
Essas duas fontes de influência da Maçonaria tiveram, portanto, uma origem comum e não é estranha a similitude de objetivos e a identificação cultural que muitos historiadores enxergam entre as duas instituições.

  
Praticamente, a maioria das instituições gregas desse tipoeram organizadas em torno do culto de um deus ou de um herói local. A religião era assunto do Estado e assumia sempre a forma política da cidade-estado que a professava. E esta refletia a política da classe dominante, ou seja, tinha como núcleo o interesse das fratrias que estavam na base dessas sociedades.


Consequentemente, os cultos eram organizados em torno de seus deuses favoritos e heróis pessoais, os quais, de algum modo estavam conectados com a origem dessas famílias. Assim se justifica a moldura lendária que geralmente envolviam esses cultos.


Um desses exemplos é o sempre citado Mistérios Órficos, nos quais se cultuava o deus Bacco. Registros da realização desses rituais em várias cidades gregas já são encontrados em obras do século II a.C, mostrando a antiguidade dessas manifestações culturais,Politica e Religião eram atividades estreitamente ligadas na vida das antigas cidades. Dada a forma colegiada em que os cultos eram praticados, entende-se porque também o exercício da política acabou se aproveitando dessa formulação.

Mas não só a política e a religião. As pessoas formavam colegiados para defender interesses comuns, para partilhar idéias e crenças, para defesa própria e quaisquer outros assuntos que demandasse organização e participação coletiva. Nessa conformação podemos identificar também a origem dos partidos políticos e grupos de pressão.
 
Há registros da existência desses colegiados já na época de Péricles, e segundo se infere desses mesmos registros, eles não mantinham uma convivência pacífica com o famoso líder ateniense. Isso é tão verdadeiro que ele emitiu decreto regulamentando a forma e o número dessas fratrias, disciplinando a legislação que já lhes deixara Sólon. Plutarco relata que em 404 a.C. após a vitória de Esparta sobre Atenas, na Guerra do Peloponeso, um grupo formado por essas fratrias derrubou o regime democrático de Atenas e governou a cidade durante um ano. Esse episódio ficou conhecido como o governo dos Trinta Tiranos.


Também no Egito existiram colegiados com essa característica. Eles se tornaram comuns especialmente entre os adoradores de Ísis. Apuleio de Madaura, historiador do primeiro século antes de Cristo, menciona a existência dessas organizações em datas anteriores ao ano 79 a.C., dando a entender que elas já existiam há vários séculos. Esse historiador refere-se também à organizações semelhantes, formadas por trabalhadores da construção civil e metalúrgicos, sendo encontrado registros da existência dessas instituições em vários territórios de colonização helenica, especialmente na Ásia Menor. Tomando a forma, ora de grupos religiosos, ora de partidos políticos, clubes funerários, grupos culturais, associações profissionais e afins, essas organizações dominaram um vasto aspecto da vida cultural das antigas sociedades.

Os collegiuns romanos
 
Mas foi durante o Império Romano que essas organizações assumiram sua maior importância. Na história de Roma encontram-se registros da existência de entidades semelhantes desde o tempo da monarquia. A tradição sustenta que foi um dos primeiros reis de Roma, o lendário Numa Pompílio, o fundador da primeira organização com o nome de Collégia Fabrorum. Dizia-se que nas famosas Doze Tábuas, primeira legislação escrita que Roma teve, já havia menção a essas organizações.


Mas mesmo em Roma parece que a vida dessas associações, especialmente as que se dedicavam ao culto religioso, não se desenvolveu de forma muito pacífica. Vários registros históricos dão conta de sucessivos conflitos entre esses grupos e as autoridades, resultando, em diversas oportunidades, em leis restritivas, ora proibindo, ora regulando suas atividades.


Na época de Nero, por exemplo, eram tantas as organizações desse tipo que ele foi obrigado a emitir uma série de regulamentos para controlar a atividade delas nas várias cidades do Império. Nessa época elas já haviam assumido o formato e nome pelo qual ficou conhecido, o de Collegia Fabrorum.
Os imperadores romanos usavam a legislação reguladora de atividades religiosas, sociais, profissionais e outras para controle do Estado. Assim, a legislação que regia a vida de um Collegium era bastante severa. Seus membros só podiam ser admitidos por hereditariedade. Um rígido controle de mudança de um colegiado para outro era mantido.


Licenças de trabalho eram controladas pelo Estado através dessas organizações. Dessa forma o governo exercia o monopólio de toda a atividade econômica no Império através desses colegiados. Como essas atividades envolviam principalmente  o comércio, a indústria, a prestação de serviços,  as forças armadas e política, os quatro grandes pilares do Estado, pode-se dizer que o Império Romano era uma verdadeira ditadura, rigidamente controlada por uma enorme máquina burocrática da qual nenhum cidadão lograva escapar


Mas mesmo sob a rígida disciplina imposta pelas autoridades é certo que organizações clandestinas, formadas para vários propósitos proibidos pela lei existiam em todos os territórios do Império. A maioria delas era composta por seitas religiosas secretas e proibidas, que causavam muita dificuldade para as autoridades. Atas de tribunais que resistiram ao tempo registram vários julgamentos e sentenças de membros desses colegiados ilegais, os quais eram punidos com pesadas multas, e muitas vezes pagavam com vários anos na masmorra pela sua ousadia.


Um recenseamento feito durante o governo de Marco Aurélio revelou a existência de mais de duzentos e cinqüenta organizações desse tipo, licenciadas em cerca de setenta e cinco cidades do Império. Só na cidade de Roma, cerca de oitenta tipos de profissão tinham seus estatutos e regulamentos registrados e reconhecidos por lei. Acredita-se, porém, que existiam muito mais, mas como se tratavam de organizações consideradas plebéias, a maioria dos escritores – patrícios por tradição - pouco se ocuparam delas, o que nos deixa com pouca informação a respeito.


Isso era normal entre os escritores da antiguidade e também da Idade Média. Poucos se aventuraram a escrever sobre assuntos populares. A vida social do homem comum era de somenos interesse para eles, de maneira que a literatura desses tempos, e até a Idade Moderna, sempre versou mais sobre a vida da nobreza, com seus lordes, cavaleiros, reis e príncipes, descrevendo suas venturas e desventuras, como se só interessasse a vida dessa classe da sociedade. Essa é a razão de encontrarmos tão poucas referências às classes trabalhadoras e suas organizações nos compêndios de História antiga.   
 
A estrutura dos Collegiuns
 
A maioria desses colegiados, em princípio, eram fratrias organizadas com o propósito de garantir sepultura digna para os ancestrais. Daí o fato de o direito de propriedade, em Roma, evoluir a partir da luta do clã pelo direito de manter a posse dos seus lugares sagrados, ou seja, o local de sepultura dos antepassados. Essas associações eram conhecidas pelo nome popular de teuinorum collegia, ou grupos funerários. Cada um desenvolvia suas próprias preces e rituais, praticados nos templos familiares, onde se realizavam as exéquias dos mortos e se construía para ele uma rica história de vida, que não raramente se transformava em lenda e objeto de culto do grupo.


Com o tempo, muitos desses grupos contruiam um colum-barium, que era uma espécie de galeria de antepassados famosos, ou mausoléu, no qual se prestava o culto a eles como deuses lares, os famosos manes.   


Diferente dos egípcios, que acreditavam na morte como uma forma de ascender de posição social, desde que conquistassem o beneplácito dos deuses e conseguissem vencer a terrível jornada pela terra inóspita da Tuat, para os romanos a morte era um evento terrivelmente constrangedor, principalmente se o indivíduo fosse pobre e não pudesse ter uma sepultura digna. A religião romana ensinava que uma pessoa sem sepultura digna se tornava uma alma errante, sem paz nem descanso. Isso porque a ventura da alma dependia estreitamente do culto que seus descendentes viessem a lhe prestar. Assim nasceu entre os romanos a tradição de construir monumentos funerários suntuosos, próprios para a adoração do indivíduo depois de morto. Quem não era rico e não podia arcar com os custos de sepulturas suntuosas juntava-se a um colegiado funerário para, pelo menos, garantir para si mesmo um túmulo decente.
 
É difícil para um homem de mentalidade moderna aquilatar a importância dessas tradições para os povos da antiguidade. Mas elas estavam no cerne da própria estrutura dos Estados antigos, regulamentadas em leis, sustentadas pelo próprio aparato de segurança. Mas não deve soar estranho ao maçom que conhece bem a liturgia dos ritos maçônicos, pois essa vinculação com os cultos mortuários é uma intercorrência muito comum na prática maçônica. 


É fato histórico bastante conhecido que os primeiros agrupamentos cristãos não tinham a simpatia das autoridades romanas. Que suas reuniões e os locais onde se agrupavam para praticar seu credo muitas vezes eram varejadas pelas autoridades policiais e seus praticantes presos e até condenados á morte.
Assim, é bem possível que muitos grupos cristãos tenham sido organizados como sociedades funerárias para fugir à repressão oficial. Destarte, muitas igrejas cristãs tiveram origem nessas fratrias funerárias, pois de outra forma elas seriam perseguidas.


Mas nem todos os Collegia Fabrorum se ocupavam de assuntos religiosos. A grande maioria era organizada para tratar de assuntos profanos. Arte, profissões, interesses comerciais, políticos, sociais, tudo era motivo para a fundação de um collegium. Era o que podemos chamar hoje de ONGs, com seus estatutos próprios e suas regras de participação. Cada tipo de profissão tinha a sua. Desde os pescadores, aos advogados, padeiros, cozinheiros etc.
 
No que respeita à Maçonaria é importante registrar que os pedreiros e arquitetos tinhma também os seus collegiuns e gozavam de especiais favores e privilégios, pois se tratava de profissão que muito interessava ao Estado. O grande orador Cícero, em um de seus discursos, se refere à honorabilidade da arte da arquitetura e à nobreza dos seus praticantes.


Os Collegia Fabrorum eram entidades com estruturas administrativas bem definidas e organizadas. Praticamente todas as organizações desse tipo tinham a sua cúria. Nela havia um magistrado, ou curador (praesidis), o qual era eleito entre os membros do colegiado conforme os critérios definidos pelos seus estatutos. Geralmente, dois oficiais também eram eleitos na mesma ocasião para servirem como secretário e tesoureiro    ( questores e decuriões).


As leis que regiam o colegiado eram votadas pelos membros de cada sociedade, mas tinham que se conformar à legislação imperial específica que regia esse tipo de sociedade. Semelhante ao que rege hoje o Código Civil, com respeito á constituição e administração de uma ONG, assim também eram os estatutos imperiais que regulavam a vida dessas sociedades.


Os membros desses colegiados pagavam uma taxa que servia para a constituição de um fundo comum. Esse fundo servia para pagar as taxas exigidas pelo Estado, as despesas da sociedade com reuniões, banquetes e eventuais obras sociais que a organização viesse a atender. Havia também o atendimento das necessidades pessoais dos membros do grupo, quando dela necessitavam, em face de um acidente, uma demanda jurídica, ou outro problema qualquer que demandasse a ajuda dos membros da organização.


Uma fonte de financiamento dos Collegia Fabrorum era o mecenato. Raro era o collegium que não tinha um patrono. Geralmente era uma pessoa de altas posses, homem ou mulher, que ofertava generosas somas de dinheiro em troca do poder de decisão sobre as atividades do grupo. Isso lhes granjeava poder político e não era raro encontrar um político à testa de um collegium.


Em sua estrutura organizacional, os Collegia Fabrorum copiava, tanto quanto era possível, a organização hierárquica existente na própria sociedade romana. Havia muitos graus de subordinação na escala hierárquica dos Collegia, que admitia tanto pessoas livres como escravas, desde que seus senhores dessem o seu consentimento para que participarem da organização.


Não raro esses collegiuns desenvolviam seus próprios rituais de iniciação, transmissão de ensinamentos e elevação de posição hierárquica dentro do grupo. Esses rituais envolviam sempre elementos religiosos e apelos á tradição das famílias que faziam parte da organização.
 
Os Collegia Fabrorum e a Maçonaria
 
Nenhuma história da Maçonaria seria completa sem elencar os Collegia Fabrorum entre suas fontes de influência. É evidente que existem consideráveis diferenças entre aquelas associações e as Lojas Maçônicas tais como as conhecemos hoje e mesmo como possivelmente funcionavam na Idade Média e início da Idade Moderna. A similitude aqui é em nível de aproximação entre objetivos, funcionamento e estrutura, já que tais colegiados incorporavam muitas práticas análogas ao que temos hoje na Maçonaria.


Alguns historidores tem reivindicado uma ligação direta entre os Collegia Fabrorum e a Maçonaria citando a organização conhecida no mundo romano como Colégio dos Artífices de Dionisio. Essa organização, supostamente teria sido uma herdeira dos antigos construtores, que desde a construção do Templo de Salomão continuavam preservando os segredos místicos da arte de construir. 


Essa hipótese busca confirmação na já bem conhecida teoria Comacine, segundo a qual alguns egressos desse grupo de arquitetos, fugindo das invasões bárbaras, se asilaram em um mosteiro próximo ao Lago Como na Itália, e ali sobreviveram vivendo como monges, preservando esses segredos por séculos até que os povos da Europa começaram novamente a reconstruir suas cidades. Então esses arquitetos comacinos serviram de mestres para esses novos maçons, que viriam a ser os antecessessores dos nossos irmãos operativos medievais. Segundo essa teoria, os comacinos, agindo como missionários cristãos, fundaram escolas em vários. países europeus, principalmente nas Ilhas Britânicas, na França e Alemanha, onde seus ensinamentos prosperaram com maior vigor.


Por fim cabe citar aqui a teoria proposta por Robert F.Gould em sua História da Maçonaria (Londres, 1727). Segundo esse autor os Collegia Fabrorum entraram nas Ilhas Britânicas através dos exércitos romanos, que deles necessitavam para construir e reconstruir as cidades que eram destruídas na guerra de conquista. Quando os romanos foram enfim expulsos da ilha essa instituição tipicamente romana foi recepcionada por seus sucessores anglo-saxões na forma de guildas formadas pelos profissionais dos mais variados serviços, entre eles, o mais importante, os pedreiros profissionais.
Essa teoria tem vários seguidores e apresenta uma certa lógica confirmada pela História da civilização nas Ilhas Britânicas. Todavia, há bem pouca documentação que a confirme.


Há também quem acredite que os Collegia Fabrorum tenham, de algum modo, sobrevivido no Império Romano do Oriente, através das guildas dos construtores bizantinos. Sua influência se fez sentir na Europa, servindo de núcleo para a fundação das guildas européias. Teriam sido, segundo essa crença, um importante elemento de influência na chamada Renascença, através principalmente das suas ligações com um famoso grupo de arquitetos florentinos. Foi a partir deste último grupo, aliás, que teria surgido a chamada Maçonaria Especulativa.

 
Evidentemente, a existência dos Collegia Fabrorum não explica, por si só a origem da Maçonaria, como também os Antigos Mistérios, nem as guildas dos antigos construtores medievais. Todas essas organizações e manifestações culturais constituem ligações que podem ser estabelecidas com maior ou menor grau de certeza, porém nenhuma delas pode ser efetivamente eleita como a legítima antecessora da Maçonaria. A verdade é que a Maçonaria, como todo arquétipo que habita no inconsciente coletivo da humanidade, não tem, como os demais institutos que moldam o espírito humano, uma fonte única de referência.


Da mesma forma que os Mistérios, as Guildas Medievais, as Sociedades religiosas dos judeus, as seitas gnósticas e os diversos clubes e agrupamentos de defesa de interesses mútuos que já se formaram no mundo, em todos os tempos, os Collegia Fabrorum ocupam um lugar proeminente nessa eterna luta em que o espírito humano se empenha, com o objetivo de organizar suas sociedades. A idéia de agrupar-se, de procurar juntar-se aos seus iguais é uma necessidade que o homem tem procurado suprir desde a aurora da sua existência. Ninguém consegue vencer sozinho os desafios que o mundo nos coloca. Por isso é que nos reunimos em grupos. Essa á a forma de colocarmos ordem no caos (Ordo ab Chaos), missão que o Grande Arquiteto do Universo nos confiou.


Por isso a história da Maçonaria é a história do sentimento de cooperação. É a história da Irmandade. Seja ela ligada por laços de uma mística idéia de que um dia essa união já existiu em seu estado mais perfeito, e que se pode recuperá-la pelo espírito da egrégora, ou simplesmente pela cultura pura e simples das virtudes que tornam a vida social mais feliz, essa é a esperança e o objetivo de toda Irmandade.


João Anatalino

fevereiro 10, 2021

SEMENTES DE CABALA: Luz e Trevas


        
A fala é a ferramenta mais eficaz  para curar os males psicológicos de alguém. Mas há situações nas quais o silêncio é mais conveniente. A fala traz sentimentos e emoções, que de outra forma permaneceriam enterrados no subconsciente, à luz da mente consciente. Entretanto, não é fácil fazer o subconsciente falar, e um cuidado especial deve ser tomado ao persuadi-lo a revelar seus segredos. Caso contrário, os efeitos de fazê-lo podem ser prejudiciais ao invés de salutares.

         No simbolismo da Torá, a mente subconsciente é considerada trevas - e a mente consciente, luz. Dessa maneira, aprendemos que no início, a terra não estava formada, havia um vácuo, e escuridão estava sobre a face do abismo. O espírito de D'us pairou sobre as águas. "E D'us disse: Que haja luz! E houve a luz" (Bereshit 1:2-3). A terra simboliza a alma do homem ao descer para penetrar e dar vida ao corpo. (Em sua forma incorpórea, pura, é simbolizada pelo céu.) As três descrições da terra primordial, amorfa, vazia e escura simbolizam os três componentes da mente subconsciente: fé, deleite e vontade.
 
        O espírito de D'us pairando sobre as águas simboliza o nível intermediário de consciência entre a mente subconsciente e consciente (no jargão da psicologia, a pré-consciência), que paira entre a obscuridade do subconsciente e a revelação da mente consciente. A revelação dos segredos da mente subconsciente são revelados pela fala "E D'us disse: Que haja luz." 

        O propósito do serviço Divino em terapia geral, e psicológica em particular, é possibilitar que a luz da consciência brilhe mais e mais sobre as trevas do Subconsciente. E quanto mais os segredos ocultos das regiões escuras da mente forem trazidos à luz, mais poderão ser elevados à esfera da santidade.     

          Quanto maior o sucesso que a pessoa tiver em expor e retificar seu lado mais tenebroso, menos será incomodada por pensamentos evasivos e ânsias que emergem involuntariamente. Esse estado de liberdade do eu não retificado e inferior é o verdadeiro bem-estar espiritual buscado pelas técnicas terapêuticas prescritas pelo pensamento chassídico. Libertado pelo mal, o bem criativo no homem pode brilhar e imprimir sua expressão singular de Divindade sobre a realidade, com perfeita eficácia. 

       No simbolismo da Torá, as ânsias primitivas da mente subconsciente que temporariamente atrasam a psique são simbolizados pelas sete nações pagãs canaanitas que ocupavam a terra de Israel antes que o povo hebreu lá chegasse. A nação hebraica recebe ordens de desenraizar estas nações e suas culturas idólatras da Terra Santa; isso simboliza a erradicação do mal da psique através dos meios terapêuticos.

      No conflito entre luz e trevas, a luz, por sua própria natureza, sai vencedora.Um pouco de luz dispersa muito da escuridão. Uma grande quantidade de luz consegue muito mais; dispersa completamente as trevas e toma seu lugar, como o sucessor de direito na mente da pessoa. A dualidade da luz e das trevas na psique do homem é mencionada na visão profética da carruagem Divina, como foi testemunhada pelo profeta Ezequiel. Esta visão, que compreende o primeiro capítulo do livro escrito pelo profeta, é considerada a passagem maisobscura e mística da Torá. Nele, Ezequiel (1:4) descreve como os céus se abriram, e "tive visões de D'us." E eu vi, e veja, um vento tempestuoso veio do norte, uma grande nuvem, e um fogo chamejante, e um brilho ao seu redor, e do meio disso, fora do meio do fogo, havia algo como o "chashmal." 

     A palavra chashmal aparece na Torá apenas no contexto desta visão e é tradicionalmente entendida como um tipo de luz ou energia, que é também personificada como um tipo especial de anjo. A palavra é tomada como sendo uma composição das palavras para silente (chash) e falar (mal); estes anjos, portanto,são descritos como silentes, falando às vezes. Dessa maneira, esta interação dinâmica entre silêncio e fala é parte integral do processo da revelação Divina, e o correto uso da fala é essencial para a cura das partes enfermas da alma.

 Fonte: Academia de Cabala

fevereiro 09, 2021

O Triunfo dos Relógios - uma história do tempo contado

 

O triunfo do tempo

A partir do século XIV a Igreja deixou de controlar o tempo de seus campanários. A incipiente sociedade industrial necessitava de novas pautas horárias não associadas ao Sol.

A Igreja e a Burguesia Mercantil

Os céus da Europa todavia são testemunhos daquela guerra. A força com que a igreja rivalizava com a sociedade. Hoje já quase ninguém levanta a cabeça para ver as horas. Os relógios de pulso ou os celulares tiram essas dúvidas. Porém, durante a Idade Média os relógios das torres eram as únicas referências temporais das pessoas. A partir do século XIV a burguesia mercantil, motor da atividade econômica do momento, propôs tirar da Igreja o monopólio do tempo. A nova realidade laboral exigia um método mais rigoroso das horas.

As divisões do tempo para a Igreja, as vigílias

A Igreja havia herdado parte do sistema horário do mundo romano, onde as doze horas que marcavam os relógios solares dividiam-se em quatro partes iguais. A “prima” era a primeira hora desde o amanhecer (que, dependendo da estação, poderia ocorrer as 4:30 ou as 7:30) até a terceira, ao meio da manhã; a “tertia”, até o meio-dia; a “sexta”, até o meio da tarde (coincidia com a hora mais quente, onde se aproveitava para fazer a “siesta”); e a “nona”, até o pôr do Sol (em inglês, a palavra “afternoon remete a uma antiga faixa horária). As doze horas da noite também eram divididas em quatro períodos conhecidos como “vigiliae”, igualmente variáveis em função da estação. Recebiam os nomes de “prima vigilia”, “secunda vigilia, “tertia vigilia” e “quarta vigilia”.

Horas canônicas ou Instantes de Deus

Os monges da Idade Média adaptaram esta divisão de tempo em suas ocupações espirituais. O resultado foram as sete horas canônicas destinadas a oração, e conhecidas por eles como “instantes de D’us”. Eram as “matines”, pouco depois da meia-noite; as “laudes”, na aurora, momento em que se rezava um salmo que continha de maneira constante o imperativo “laudate” (load), de onde vem o nome; a “prima”, a “tertia”, a “sexta” e a “nona”, de tradição romana; e as vésperas, ao meio da tarde, depois do pôr do Sol. O italiano São Bento (480-547), fundador da vida monástica no Ocidente, foi o promotor desta divisão. Baseou-se no Salmo V do Antigo Testamento, que diz: “Ore sete vezes ao dia”. Com o tempo, surgiria uma oitava hora, para dar graças a Deus antes de ir para a cama.

Relógios primitivos: solar, vela, clepsidra e areia.

Relógio a vela

Em noites e dias nublados, quando o relógio solar não tinha nenhuma utilidade, recorria-se a diversos sistemas para calcular as horas canônicas. No relógio de vela o tempo era marcado pelo consumo de uma delas. Também poderia ser utilizada a clepsidra (ladrão de água, em grego). Este relógio, conhecido também dos egípcios, era formado por dois recipientes: um deles tinha água que caía de um orifício a outro. O nível da água que escorria indicava as horas, o qual trazia um problema. A velocidade do fluxo dependia da pressão da água, e esta pressão variava em função da quantidade de líquido que estava no recipiente. Igualmente impreciso era o relógio de areia, um recipiente de vidro formado por duas ampolas unidas a dois vértices. Através dessa parte central passava certa quantidade de areia de um a outro bulbo. Uma vez acabado a passagem, era necessário virar o recipiente para continuar a contagem do tempo.

São Bento: “O ócio é inimigo da alma” – Surgia o Negócio.

Na medida em que a Igreja foi se consolidando como a instituição mais poderosa da Europa medieval, o controle do tempo ficou sob seu domínio. Tinha-se muito presente a máxima de São Bento: “O ócio é o inimigo da alma”. Os trabalhos dos monges serviam para anunciar as horas canônicas, e também para marcar as rotinas diárias das pessoas. A partir do século XIII, com a aparição dos relógios mecânicos, a Igreja assegurou-se de que a população pudesse cumprir de uma maneira mais estrita seus deveres com Deus. Difundia-se assim a regra beneditina “ora et labora” (reze e trabalhe).

Primeiro relógio mecânico

Abadia de DunstableO primeiro relógio mecânico conhecido foi instalado em 1283 na abadia de Dunstable, na cidade inglesa de Bedfordshire. Constava de duas rodas dentadas que se enroscavam uma com a outra graças a um mecanismo chamado “escape”, impulsionado por um peso. O movimento constante do “escape” é a fonte do famoso “tic-tac”, que converteu-se desde então na voz do tempo. Estes primeiros relógios, instalados em torres, não mostravam as horas, só soavam.

Relógio com ponteiro e astronômico

Relógio AstronômicoNo século XIV, a hora começou a ser visualizada graças a introdução de uma agulha no centro de uma esfera numerada. Seu inventor, o astrônomo italiano Jacopo Dondi, popularizaria este sistema ao fabricar em 1344, em Pádua, o primeiro relógio astronômico, que além de marcar as horas, ainda marcava os movimentos do Sol, da Lua e dos planetas. De todo modo, os primeiros relógios mecânicos eram caros e imprecisos. A temperatura afetava na dilatação de suas peças metálicas, fazendo-lhe sofrer variações entre 15 e 30 minutos por dia, sendo necessário regulá-los diariamente. E, os relógios solares continuaram desempenhando um papel notável.

O relógio regendo o trabalho dos agricultores

Na Espanha, o primeiro relógio mecânico foi o da catedral de Barcelona. Conhecido como “el seny de les hores” (em catalão antigo “seny” significava tanto “torre” como “sinal”), data de 1393. Com a propagação deste tipo de relógio, pouco a pouco a vida cotidiana das cidades do Ocidente foi sendo modificada. A jornada laboral de um agricultor sempre variava muito ao longo do ano, já que estava sujeita a luz solar, que dependia da estação. Em geral, trabalhava de sol a sol. Os campanários das igrejas tinham certos estandartes horários, mas não eram muito regulares: os toques da “prima” e “vésperas” coincidiam com o amanhecer e o crepúsculo, e a partir destes estabeleciam-se outros toques, com os quais só no equinócio obtinha-se períodos homogêneos. Além disso, os toques dos sinos podiam variar de uma igreja a outra, o qual causava uma grande confusão.

O relógio e a sociedade industrial

Com a incipiente sociedade industrial da Baixa Idade Média (séculos XI-XV), as oito horas canônicas perderam sentido. O trabalho já não podia ser regulado pelo tempo das Igrejas, mas por horas concretas. Não em vão, descobriu-se que o tempo de produção de um produto poderia ser adicionado a seu preço, assim como também o pagamento dos trabalhadores. Iniciou-se então uma guerra não declarada entre a Igreja e a burguesia por seu controle. Uma data chave nesta disputa foi o dia 24 de abril de 1355. Nesse dia, o rei francês Felipe VI concedeu a Amiens a faculdade de indicar, através do toque de um sino, as diferentes ocupações do dia: o momento de ir trabalhar, do descanso para comer, do retorno aos trabalhos e de sua finalização. Dado que estes primeiros relógios davam as horas através do som de um sino, não é estranho que a palavra francesa “cloche” (torre) seja a raiz da palavra relógio em inglês (clock) e alemão (Glocke). O nosso, deriva do grego “horologion” (indicador de horas, “horologium” em latim), o relógio solar. A variedade cuja sombra, projetada sobre uma escala gradual, indica a hora denominada “gnomon”. Dela procede a palavra gnomônica, disciplina relacionada com a elaboração de relógios solares.

Carpe Diem

Os avanços tecnológicos não tardaram em catapultar o ofício de relojoeiro. Seus serviços eram muito procurados. Não paravam de viajar de cidade em cidade construindo grandes relógios mecânicos que instalavam nas torres dos edifícios civis. Todos os grêmios tinham claro os toques que marcavam sua jornada de trabalho. Assim, pouco a pouco, o tempo não só tornou-se independente do Sol, como também secularizou-se, ou seja, separou-se da Igreja. Foram muitos os pensadores do momento interessados na construção de relógios. Com o homem como centro do universo no lugar de Deus, tratava-se de um instrumento muito em sintonia com a máxima latina “carpe diem” (aproveite o dia), que viveu um momento de glória no Renascimento. Desta época, um dos relógios laicos mais famosos é o astronômico de Praga, criado no século XV.

Relógios portáteis

A partir desse século, os relógios perderam peso e surgiram os primeiros dispositivos portáteis. Não existia mais só aquele ponto fixo para ver as horas. Para este avanço, foi necessário substituir o pendulo por uma mola, muito mais rápida. Os progressos tecnológicos levaram em 1509 Peter Henlein, um alemão de Nuremberg, a fabricar os primeiros relógios de bolso que se tem notícia, apelidados de “ovos de Nuremberg” por seu formato. Funcionavam somente por 40 minutos, alguns deles foram autênticas obras de arte. Os relógios, acabaram sendo objetos de luxo, assim com o tempo só as classes privilegiadas os possuíam. Enquanto isso, as outras pessoas dependiam do quadrado das fachadas onde era projetada as sombras dos relógios solares (que por isso são conhecidos também como quadrantes solares). Haviam sido aperfeiçoados graças as contribuições dos astrônomos e matemáticos árabes.

O relógio de pêndulo

Christiaan HuygensNo século XVII foi dado um grande passo na contagem de tempo. O matemático e físico holandês Christiaan Huygens construiu em 1657 o primeiro relógio de pêndulo. Este invento, muito mais preciso que os anteriores, foi possível graças aos princípios de movimentos oscilatórios estudados anos antes pelo astrônomo Galileu Galilei. Huygens dividiu a hora em 60 minutos e estes em 60 segundos. Recuperava com isso o sistema de numeração sexagesimal dos antigos sumérios fazendo derivar para o duodecimal. Cada vez que o homem contava com o polegar da mão esquerda a dezena de falanges dos dedos restantes (de onde procede a divisão do dia e da noite em doze horas respectivas), levantava um dedo da mão direita, o que só era possível cinco vezes. Assim, a contagem total era de 12×5=60. Enquanto a palavra minuto, era uma simplificação da expressão latina “pars minuta prima” (primeira parte pequena), enquanto que segundo derivava de “partes minutae secundae” (pequenas segundas partes).

O relógio cuco

Primeiro cucoA criação do pêndulo aumentou a demanda de relógios, e ainda por cima também deu lugar a sua integração nos móveis das casas. Isto começou a partir do século XVIII com os relógios de cuco. Desenvolvidos pelos carpinteiros da Floresta Negra alemã, estes relógios com pêndulos tinham como peculiaridade um pássaro automático que a cada meia hora aparecia pela abertura emitindo um “cuco” pelo quais ficaram conhecidos.

O despertador

Em meados do século na Inglaterra, com a Revolução Industrial, culminaria o processo de apropriação do tempo que havia sido iniciado pela burguesia na Baixa Idade Média. O proletariado, que trabalhava tanto em turnos diurnos como noturnos, estaria dependente dos minutos e segundos marcados pelos relógios que pendiam das paredes das fábricas. Então generalizou-se os despertadores domésticos, que asseguravam a chegada pontual aos postos de trabalho. Da ótica capitalista, as horas eram fonte de benefícios. Não havia, pois, tempo a perder. De fato, algumas expressões ficaram famosas como “o tempo vale ouro”, atribuída ao escritor britânico Edward Bulwer-Lytton.

O relógio de pulso

Os relógios de pulso mecânicos apareceram no final do século XIX, mas inicialmente tiveram menos êxito que os de bolso, pois os homens achavam similares as joias que as damas utilizavam. Popularizou-se somente após a Primeira Guerra Mundial. No conflito, os atiradores optaram por enrolar os relógios de bolso nos braços, para ter as mãos livres durante as operações. Depois da guerra continuou os avanços tecnológicos através da invenção de sistemas cada vez mais precisos.

O relógio a quartzo

Desde o final do século XIX descobriu se que o quartzo tinha propriedades piezoelétricas. Em 1920 foi utilizado pela primeira vez em um relógio, mas só ficaria popular após os anos 1960. Graças a eletricidade proporcionada por uma pilha, um cristal deste mineral gera vibrações em intervalos regulares que permitem uma medição altamente precisa do tempo.

O relógio atômico

Relógio atômicoNo final dos anos quarenta chegamos a exatidão horária com a aparição dos primeiros relógios atômicos, baseados na vibração dos átomos de determinados elementos como o Césio, o Hidrogênio ou o Estrôncio. Os sinais acústicos das transmissões radiofônicas são coordenados através deste tipo de relógio, até agora os mais precisos. Atrasam um segundo a cada 20 milhões de anos. O progresso, nos levou a busca do segundo exato. Após uma longa jornada através das horas ditadas pelos “relógios de Deus”. Agora, somos escravos da sofisticação horária.

Imitamos muitas vezes o coelho branco de “Alice no País das Maravilhas”, o personagem de Lewis Carroll que olha sem parar seu relógio, atormentado pela falta de tempo. Isto já foi objeto de reflexão para incontáveis filósofos. Kant dizia que “o tempo não é mais que um meio que utilizam nossas mentes para organizar as experiências que vivemos”. Para Einstein, “o tempo é o que você vê no relógio“. Contava o sociólogo e antropólogo francês Pierre Bourdieu que, nos anos cinquenta, os camponeses berberes da região argelina de Cabília chamavam o relógio de “moinho do demônio”. Naquela região, falar a hora exata é inclusive falta de educação.

BIBLIOGRAFIA

DOHRN-VAN ROSSUM, Gerhard. History of the Hour: Clocks and Modern Temporal Orders. Chicago (EUA): Univ. of Chicago Press, 1996.
GIMPEL, Jean. La revolución industrial em la Edad Media. Madri: Taurus, 1982.
LANDES, David S. Revolución em el tempo. Barcelona: Crítica, 2007.

Deivid Miranda, Historiador