maio 22, 2021

A MINHA, A SUA E A OPINIAO ALHEIA - Newton Agrella




Newton Agrella é escritor, tradutor e palestrante. É um dos mais respeitados intelectuais maçônicos do país e colaborador deste blog.

Por definição clássica, a expressão "Formador de Opinião", teoricamente refere-se a alguém que tem o poder e a capacidade de conduzir, influenciar e até mesmo de modificar a opinião e o pensamento de outras pessoas, nos mais variados campos das atividades humanas.

Formadores de Opinião, no entanto, não se pautam exclusivamente, pelo caráter individual e dialético de suas idéias e tampouco vêem-se investidos de algum espírito crítico e autocritico, em questões que mereceriam uma análise impessoal, isenta e sem  qualquer viés subjetivo ou doutrinário.

O que se percebe com maior incidência é aquele intitulado "Formador de Opinião", contratado por empresas, especialmente para assessoria de imprensa, publicidade e jornalismo, que se prestam a oferecer seus discursos e opiniões ao sabor das necessidades dos contratantes.

A tentativa de construção ou desconstrução de imagens e conceitos no campo político, social, moral, ecômico ou cultural, tem sido a tarefa mais frequente destes "profissionais"  cuja lâmina tem o poder de cortar e extirpar estruturas, ao sabor de intenções ocultas.

Não vai aí, nenhuma hipotética teoria da conspiração.

Essa estratégia encontra abrigo   nos braços de grandes corporações, cuja dinâmica e capacidade de se instaurar na mente de uma considerável parcela da população, tem sido instrumento de valor inestimável.

É claro que a liberdade de expressão é um direito legítimo e inalienável, e todos temos que preservá-la.

A circunstância porém, se torna um problema sério, quando a massificação ou extratificação de uma idéia a ser emitida pelo "Formador de Opinião"  se repita monocórdicamente, e a passos mancos ou sob olhar caolho que crie amarras na liberdade de pensamento de um povo.

Todos temos o direito de pensar, porém nem todos são livres pensadores. 

Pensar com a barriga é um caminho curto e inconsistente que não exige raciocínio. 

Refletir e desenvolver um espírito crítico sobre as necessidades, faria com que a maioria dos "Formadores de Opinião" buscassem outra atividade.  


O que causa medo e desconforto é o descompromisso com as aspirações e necessidades que atendam a um povo marcado pela ignorância e por um inequívoco  descomprometimento com a Educação.


*NEWTON AGRELLA*

maio 20, 2021

MAÇONARIA, UMA ORDEM INICIÁTICA - POR QUE? - Newton Agrella



Newton Agrella é palestrante, tradutor e escritor. Um dos mais respeitados intelectuais da maçonaria no Brasil.


Antes de responder ao questionamento do título dessa matéria, cabe lembrar queo empirismo é uma teoria filosófica que defende a idéia de que o conhecimento sobre tudo o que nos cerca advém da experiência.

As experiências humanas são responsáveis pela formação das ideias e conceitos existentes no mundo.

Tomando-se por base as premissas  supra-citadas, pode-se afirmar, sem qualquer receio que o processo de *Iniciação Maçônica* passa por um exercício altamente empírico em que o candidato se submete a uma viagem emocional.

Etimológicamente, o substantivo "Iniciação" advém do Latim  *initiatio*), cujo significado  remete a começo, entrada, ou início de um ato, circunstância ou acontecimento.

Nesse processo o candidato protagoniza concomitantemente o papel de espectador e de ator  durante todos os acontecimentos que se desenvolvem à sua volta.9

Essa inédita e singular experiência que compreende longos silêncios, olhos vendados,  símbolos, alegorias, leituras, movimentos, sons, e ruídos esporádicos, remete o candidato a um estado transcendental do próprio conhecimento humano e de um divisor no estado de consciência, ainda que imperceptível.

A experimentação do medo, do desconhecido, da escuridão, da limitação dos sentidos e da ansiedade desmedida constituem-se num legítimo exercício empírico.

A "Iniciação"  transporta o candidato para além do tempo e do espaço, o que de algum modo impacta seu subconsciente.

Essa experiência instigante e esse fluxo místico e misterioso aguça a percepção.

É nesse sentido que o Empirismo Maçônico se manifesta de forma inequívoca como fonte de desenvolvimento para que o Iniciado possa, ainda que inconscientemente,  dar Início ao trabalho de construção e lapidação de seu Templo Interior.

O Empirismo contido na Iniciação Maçônica, não torna o candidato perfeito e tampouco promete salvação; apenas oferece as ferramentas e a chance de se aprimorar como criatura humana, cada qual à sua maneira.

Importante registrar que o termo "Iniciação"  representa o ato de conferir a alguém as primeiras noções de certas matérias que ignorava.

Normalmente a expressão faz referência ao acesso a uma doutrina filosófica, como é o caso da Maçonaria.

Vale ainda considerar que uma Iniciação igualmente impõe um tipo de cerimônia ritualística em que o candidato é submetido a uma série de provas ou tarefas e via de regra conduzido por um Maçom Experiente.  

No âmbito maçônico, a cerimônia em si,  costuma constituir-se numa exposição parcimoniosa e compassada de novos conhecimentos.

Para efeito de fechamento deste episódio conceitual é válido expor como instrumento comparativo que substantivos como: Entrada, Admissão, Recepção ou Aceitação - que de algum modo detêm um caráter sinônimo - no ambiente semântico e no caso de determinados contextos filosóficos, como a Maçonaria - esses termos não traduzem o significado mais profundo e interior que o substantivo Iniciação, traz no seu cerne.

Do ponto de vista esotérico, a palavra "Iniciação"  tem um significado de ascensão de um nível (até então desconhecido) de existência para um outro nível superior.

Eis o porquê deste vocábulo possuir um significado tão único que o distancia de outros que supostamente poderiam lhe fazer frente.


maio 19, 2021

COMO KEPLER INVENTOU A FICÇÃO CIENTÍFICA




Como Kepler inventou a ficção científica e defendeu sua mãe em um julgamento de feitiçaria enquanto revolucionava nossa compreensão do universo

 Quantas revoluções a engrenagem da cultura dá antes que uma nova verdade sobre a realidade entre em ação?

 POR MARIA POPOVA

 Um matemático magro de meia-idade com uma mente alucinante, um coração afundado e pele ruim está sendo jogado na parte de trás de uma carruagem no frio de esvaziar os ossos de um janeiro alemão.  Desde a juventude inscreveu nos livros de família e nos álbuns de amizade o seu lema pessoal, emprestado de um verso do antigo poeta Perseu: “Ó cuidados do homem, quanto de tudo é fútil.”  Ele resistiu a tragédias pessoais que o nivelariam mais.  Ele agora está correndo através da extensão de alabastro gelado do campo na esperança precária de evitar outro: quatro dias depois do Natal e dois dias depois de seu quadragésimo quarto aniversário, uma carta de sua irmã o informou que sua mãe viúva está sendo julgada por  bruxaria - fato pelo qual ele se considera responsável.

 Ele escreveu a primeira obra de ficção científica do mundo - uma alegoria inteligente divulgando o polêmico modelo copernicano do universo, descrevendo os efeitos da gravidade décadas antes de Newton formalizá-la em uma lei, prevendo a síntese da fala séculos antes dos computadores e pressagiando viagens espaciais trezentas.  anos antes do pouso na lua.  A história, destinada a combater a superstição com a ciência por meio de símbolos e metáforas que convidam ao pensamento crítico, em vez disso efetuou a condenação mortal de sua mãe idosa e analfabeta.

 O ano é 1617. Seu nome é Johannes Kepler (27 de dezembro de 1571 - 15 de novembro de 1630) - talvez o homem mais azarado do mundo, talvez o maior cientista que já viveu.

 Ele habita um mundo no qual Deus é mais poderoso do que a natureza, o Diabo é mais real e onipresente do que a gravidade.  Ao seu redor, as pessoas acreditam que o sol gira em torno da Terra a cada vinte e quatro horas, colocado em um movimento circular perfeito por um criador onipotente;  os poucos que ousam apoiar a ideia tendenciosa de que a Terra gira em torno de seu eixo enquanto gira em torno do Sol acreditam que ela se move ao longo de uma órbita perfeitamente circular.  Kepler contestaria ambas as crenças, cunharia a palavra órbita e extrairia o mármore com o qual a física clássica seria esculpida.  Ele seria o primeiro astrônomo a desenvolver um método científico de previsão de eclipses e o primeiro a vincular a astronomia matemática à realidade material - o primeiro astrofísico - demonstrando que as forças físicas movem os corpos celestes em elipses calculáveis.  Tudo isso ele realizaria enquanto desenhava horóscopos, defendendo a criação espontânea de novas espécies animais surgindo dos pântanos e escorrendo da casca das árvores, e acreditando que a própria Terra era um corpo com alma que tem digestão, que sofre de doenças, que inspira e expira como  um organismo vivo.  Três séculos mais tarde, a bióloga marinha e escritora Rachel Carson iria reimaginar uma versão dessa visão tecida de ciência e despojada de misticismo ao tornar ecologia uma palavra familiar.

 A vida de Kepler é um testemunho de como a ciência faz pela realidade o que o experimento mental de Plutarco conhecido como "o navio de Teseu" faz por si mesmo.  Na antiga alegoria grega, Teseu - o fundador-rei de Atenas - navegou triunfantemente de volta à grande cidade depois de matar o mítico Minotauro em Creta.  Por mil anos, seu navio foi mantido no porto de Atenas como um troféu vivo e navegou para Creta anualmente para reencenar a viagem vitoriosa.  Conforme o tempo começou a corroer a embarcação, seus componentes foram substituídos um por um - novas pranchas, novos remos, novas velas - até que nenhuma peça original permanecesse.  Foi então, pergunta Plutarco, o mesmo navio?  Não existe um eu estático e sólido.  Ao longo da vida, nossos hábitos, crenças e ideias evoluem além do reconhecimento.  Nossos ambientes físicos e sociais mudam.  Quase todas as nossas células são substituídas.  No entanto, permanecemos, para nós mesmos, "quem" "nós" "somos".

 O mesmo acontece com a ciência: pouco a pouco, as descobertas reconfiguram nossa compreensão da realidade.  Essa realidade nos é revelada apenas em fragmentos.  Quanto mais fragmentos percebemos e analisamos, mais realista é o mosaico que fazemos deles.  Mas ainda é um mosaico, uma representação - imperfeita e incompleta, por mais bela que seja, e sujeita a uma transfiguração sem fim.  Três séculos depois de Kepler, Lord Kelvin subiria ao pódio na Associação Britânica de Ciência no ano de 1900 e declararia: “Não há nada novo a ser descoberto na física agora.  Tudo o que resta é uma medição cada vez mais precisa. ”  No mesmo momento, em Zurique, o jovem Albert Einstein está incubando as ideias que convergiriam para sua concepção revolucionária do espaço-tempo, transfigurando irreversivelmente nossa compreensão elementar da realidade.

 Mesmo os mais longínquos videntes não conseguem desviar o olhar para além do horizonte de possibilidades de sua era, mas o horizonte muda com cada revolução incremental conforme a mente humana perscruta para fora para captar a natureza, então se volta para dentro para questionar seus próprios dados.  Penetramos o mundo através da malha dessas certezas, tensionadas pela natureza e pela cultura, mas de vez em quando - seja por acidente ou esforço consciente - o fio se solta e o cerne de uma revolução escorrega.

 Kepler ficou sob o domínio do modelo heliocêntrico como um estudante na Universidade Luterana de Tübingen, meio século depois que Copérnico publicou sua teoria.  Kepler, de 22 anos, estudando para entrar no clero, escreveu uma dissertação sobre a Lua, com o objetivo de demonstrar a afirmação copernicana de que a Terra se move simultaneamente em torno de seu eixo e em torno do sol.  Um colega de classe chamado Christoph Besold - estudante de direito na universidade - ficou tão fascinado com o artigo lunar de Kepler que propôs um debate público.  A universidade prontamente vetou.  Alguns anos depois, Galileu escreveria ao Kepler que ele próprio acreditava no sistema copernicano "por muitos anos" - e ainda não tinha ousado defendê-lo em público e não o faria por mais  mais de trinta anos.

 As ideias radicais de Kepler o tornaram muito indigno de confiança para o púlpito.  Após a formatura, ele foi banido do país para ensinar matemática em um seminário luterano em Graz.  Mas ele estava feliz - ele se via, mente e corpo, como talhado para a bolsa de estudos.  “Eu tiro de minha mãe minha constituição física”, ele escreveria mais tarde, “que é mais adequada para estudar do que para outros tipos de vida”.  Três séculos depois, Walt Whitman observaria como a mente está em dívida com o corpo, "como por trás da contagem do gênio e da moral está o estômago e dá uma espécie de voto de qualidade".

 Enquanto Kepler via seu corpo como um instrumento de erudição, outros corpos ao seu redor estavam sendo explorados como instrumentos de superstição.  Em Graz, ele testemunhou exorcismos dramáticos realizados em jovens mulheres que se acreditava possuídas por demônios - sombrios espetáculos públicos encenados pelo rei e seu clero.  Ele viu vapores coloridos emanando da barriga de uma mulher e besouros pretos brilhantes rastejando para fora da boca de outra.  Ele viu a destreza com que os titereiros do populacho dramatizavam o dogma para arrancar o controle - a igreja era então a mídia de massa, e a mídia de massa não tinha medo de recorrer à propaganda como hoje.

 Com a escalada da perseguição religiosa - logo ela explodiria na Guerra dos Trinta Anos, a guerra religiosa mais mortal da história do continente - a vida em Graz se tornou inviável.  Os protestantes foram forçados a se casar pelo ritual católico e ter seus filhos batizados como católicos.  Casas foram invadidas, livros heréticos confiscados e destruídos.  Quando a filha pequena de Kepler morreu, ele foi multado por evadir o clero católico e não teve permissão para enterrar seu filho até que pagasse a taxa.  Era hora de migrar - um empreendimento caro e difícil para a família, mas Kepler sabia que haveria um preço mais alto a pagar por ficar:

 Não posso considerar a perda de propriedade mais seriamente do que a perda de oportunidade de realizar aquilo que a natureza e a carreira me destinaram.

 Voltar a Tübingen para uma carreira no clero estava fora de questão:

 Jamais poderia me torturar com maior inquietação e ansiedade do que se agora, em meu atual estado de consciência, fosse encerrado nessa esfera de atividade.

 Em vez disso, Kepler reconsiderou algo que inicialmente viu apenas como um elogio lisonjeiro à sua crescente reputação científica: um convite para visitar o proeminente astrônomo dinamarquês Tycho Brahe na Boêmia, onde ele acabara de ser nomeado matemático real do Sacro Imperador Romano.

 Kepler fez a árdua jornada de quinhentos quilômetros até Praga.  Em 4 de fevereiro de 1600, o famoso dinamarquês recebeu-o calorosamente no castelo onde ele computou os céus, seu enorme bigode laranja quase brilhando de genialidade.  Durante os dois meses que Kepler passou lá como convidado e aprendiz, Tycho ficou tão impressionado com a engenhosidade teórica do jovem astrônomo que lhe permitiu analisar as observações celestes que vinha guardando de perto de todos os outros estudiosos, e então lhe ofereceu uma posição permanente.  Kepler aceitou com gratidão e viajou de volta a Graz para reunir sua família, chegando a um mundo retrógrado ainda mais dividido pela perseguição religiosa.  Quando os Kepler se recusaram a se converter ao catolicismo, foram banidos da cidade - a migração para Praga, com todas as privações que isso exigiria, não era mais opcional.  Pouco depois que Kepler e sua família desembarcaram em sua nova vida na Boêmia, a válvula entre o acaso e a escolha se abriu novamente, e outra súbita mudança de circunstância o invadiu: Tycho morreu inesperadamente aos 54 anos.  Dois dias depois, Kepler foi nomeado seu sucessor como matemático imperial, herdando os dados de Tycho.  Ao longo dos anos seguintes, ele se valeria dela extensivamente para conceber suas três leis do movimento planetário, que revolucionariam a compreensão humana do universo.

 Quantas revoluções a engrenagem da cultura dá antes que uma nova verdade sobre a realidade entre em ação?

 Três séculos antes do Kepler, Dante havia se maravilhado em sua Divina Comédia com os novos relógios batendo na Inglaterra e na Itália: “Uma roda se move e impulsiona a outra”.  Esse casamento de tecnologia e poesia eventualmente deu origem à metáfora do universo mecânico.  Antes que a física de Newton colocasse esta metáfora no epicentro ideológico do Iluminismo, Kepler uniu o poético e o científico.  Em seu primeiro livro, The Cosmographic Mystery, Kepler pegou a metáfora e despojou-a de suas dimensões divinas, removendo Deus como o mestre do relógio e apontando para uma única força operando nos céus: "A máquina celestial", escreveu ele, "não é  algo como um organismo divino, mas sim algo como um mecanismo de relógio em que um único peso aciona todas as engrenagens. ”  Dentro dele, "a totalidade dos movimentos complexos é guiada por uma única força magnética."  Não era, como escreveu Dante, “o amor que move o sol e outras estrelas” - foi a gravidade, como Newton formalizaria mais tarde esta “força magnética única”.  Mas foi Kepler quem formulou pela primeira vez a própria noção de força - algo que não existia para Copérnico, que, apesar de sua descoberta inovadora de que o sol move os planetas, ainda concebia esse movimento de forma poética e não científica.  termos.  Para ele, os planetas eram cavalos cujas rédeas o sol segurava;  para o Kepler, eram engrenagens do sol ferido por uma força física.

 No ansioso inverno de 1617, rodas desfiguradas estão girando sob Johannes Kepler enquanto ele se apressa para o julgamento de feitiçaria de sua mãe.  Para esta longa jornada a cavalo e de carruagem, Kepler embalou uma cópia surrada de Diálogo sobre Música Antiga e Moderna de Vincenzo Galilei, o pai de seu amigo Galileu - um dos tratados de música mais influentes da época, um assunto que sempre encantou Kepler tanto  como matemática, talvez porque ele nunca viu os dois como separados.  Três anos depois, ele se basearia nela para compor seu próprio livro inovador, A Harmonia do Mundo, no qual formularia sua terceira e última lei do movimento planetário, conhecida como a lei harmônica - sua extraordinária descoberta, vinte e dois anos em  a feitura da ligação proporcional entre o período orbital de um planeta e o comprimento do eixo de sua órbita.  Ajudaria a calcular, pela primeira vez, a distância entre os planetas e o Sol - a medida dos céus em uma época em que se pensava que o Sistema Solar era tudo o que existia.

 Enquanto Kepler galopa pelo interior da Alemanha para evitar a execução de sua mãe, a Inquisição em Roma está prestes a declarar herética a alegação do movimento da Terra - uma heresia punível com a morte.

 Atrás dele está uma vida desmoronada: o Imperador Rodolfo II está morto - Kepler não é mais o matemático real e o principal conselheiro científico do Sacro Imperador Romano, um trabalho dotado do mais alto prestígio científico da Europa, embora principalmente encarregado de fazer horóscopos para a realeza;  seu amado filho de seis anos está morto - "um jacinto da manhã no primeiro dia da primavera" murcha pela varíola, uma doença que mal poupou Kepler quando criança, deixando sua pele marcada por cicatrizes e sua visão para sempre  estragado;  sua primeira esposa está morta, desequilibrada pela dor antes de sucumbir ela mesma à varíola.

 Diante dele está a colisão de dois mundos em dois sistemas mundiais, cuja centelha acenderia a imaginação interestelar.

 Em 1609, Johannes Kepler terminou a primeira obra de ficção científica genuína - isto é, uma narrativa criativa na qual a ciência sensorial é o principal dispositivo de enredo.  Somnium, ou O Sonho, é o relato fictício de um jovem astrônomo que viaja para a Lua.  Rico em engenhosidade científica e jogo simbólico, é ao mesmo tempo uma obra-prima da imaginação literária e um documento científico inestimável, tanto mais impressionante pelo fato de que foi escrito antes de Galileu apontar a primeira luneta para o céu e antes que o próprio Kepler o tivesse  já olhou através de um telescópio.

 Kepler sabia o que habitualmente esquecemos - que o locus de possibilidade se expande quando o inimaginável é imaginado e então tornado real por meio de esforço sistemático.  Séculos depois, em uma conversa de 1971 com Carl Sagan e Arthur C. Clarke sobre o futuro da exploração espacial, o santo patrono da ficção científica, Ray Bradbury, capturou esse processo de transmutação perfeitamente: “Faz parte da natureza do homem começar com romance e construir  a realidade."  Como qualquer moeda de valor, a imaginação humana é uma moeda com duas faces inseparáveis.  É a nossa faculdade de fantasia que preenche as lacunas inquietantes do desconhecido com as certezas tranquilizantes do mito e da superstição, que aponta para a magia e a feitiçaria quando o bom senso e a razão não conseguem revelar a causalidade.  Mas essa mesma faculdade é também o que nos leva a nos elevar acima dos fatos aceitos, acima dos limites do possível estabelecido pelo costume e pela convenção, e alcançar novos picos de verdades antes inimagináveis.  O modo como a moeda vai virar depende do grau de coragem, determinado por alguma combinação incalculável de natureza, cultura e caráter.

 Em uma carta para Galileu contendo a primeira menção escrita da existência do Sonho e escrita na primavera de 1610 - um pouco mais de um século depois da viagem de Colombo às Américas - Kepler conduz a imaginação de seu correspondente para sondar a realidade iminente da viagem interestelar, lembrando  ele apenas como uma viagem transatlântica parecia inimaginável não há muito tempo:

 Quem teria acreditado que um imenso oceano poderia ser cruzado com mais paz e segurança do que a estreita extensão do Adriático, o Mar Báltico ou o Canal da Mancha?

 Kepler prevê que, uma vez que “velas ou navios aptos a sobreviver às brisas celestiais” sejam inventados, os viajantes não temerão mais o vazio escuro do espaço interestelar.  De olho nesses futuros exploradores, ele lança um desafio solidário:

 Portanto, para quem virá em breve tentar essa jornada, vamos estabelecer a astronomia: Galileu, você de Júpiter, eu da lua.

 Newton mais tarde refinaria as três leis do movimento de Kepler com seu cálculo formidável e uma compreensão mais rica da força subjacente como a base da gravidade newtoniana.  Em um quarto de milênio, a matemática Katherine Johnson utilizaria essas leis para computar a trajetória que leva a Apollo 11 à lua.  Eles guiariam a espaçonave Voyager, o primeiro objeto de fabricação humana a navegar pelo espaço interestelar.

 No Sonho, que Kepler descreveu em sua carta a Galileu como uma "geografia lunar", o jovem viajante pousa na Lua para descobrir que os seres lunares acreditam que a Terra gira em torno deles - de seu ponto de vista cósmico, nosso ponto azul claro sobe e se põe  contra seu firmamento, algo refletido até mesmo no nome que deram à Terra: Volva.  Kepler escolheu o nome deliberadamente, para enfatizar o fato da revolução da Terra - o próprio movimento que tornou o copernicanismo tão perigoso para o dogma da estabilidade cósmica.  Presumindo que o leitor esteja ciente de que a Lua gira em torno da Terra - um fato observado na antiguidade, totalmente incontroverso em sua época - Kepler sugere a enervante questão central: Será que sua história sugere em um golpe de gênio alegórico anterior à Flatland de Edwin Abbott Abbott  por quase três séculos, que nossa própria certeza sobre a posição fixa da Terra no espaço é tão equivocada quanto a crença dos habitantes lunares na revolução de Volva ao seu redor?  Nós também poderíamos estar girando em torno do sol, embora o solo pareça firme e imóvel sob nossos pés?

 O sonho foi concebido para despertar suavemente as pessoas para a verdade do desconcertante modelo heliocêntrico de Copérnico do universo, desafiando a crença de longa data de que a Terra é o centro estático de um cosmos imutável.  Mas o sono milenar dos terráqueos era muito profundo para o Sonho - uma sonolência mortal, pois resultou na mãe idosa de Kepler sendo acusada de bruxaria.  Dezenas de milhares de pessoas seriam julgadas por bruxaria ao final da perseguição na Europa, superando as duas dúzias que tornariam Salem sinônimo de julgamentos de bruxaria sete décadas depois.  A maioria dos acusados ​​eram mulheres, cuja acusação ou defesa recaía sobre seus filhos, irmãos e maridos.  A maioria dos julgamentos terminou em execução.  Na Alemanha, cerca de 25 mil foram mortos.  Só na cidadezinha pouco populosa de Kepler, seis mulheres foram queimadas como bruxas apenas algumas semanas antes de sua mãe ser indiciada.

Uma estranha simetria assombra a situação de Kepler - foi Katharina Kepler quem encantou seu filho pela primeira vez com a astronomia quando o levou ao topo de uma colina próxima e deixou o menino de seis anos ficar boquiaberto, maravilhado, enquanto o Grande Cometa de 1577 resplandecia  o céu.

 Na época em que escreveu The Dream, Kepler era um dos cientistas mais proeminentes do mundo.  Sua rigorosa fidelidade aos dados observacionais harmonizados com uma imaginação sinfônica.  Com base nos dados de Tycho, o Kepler dedicou uma década e mais de setenta tentativas fracassadas para calcular a órbita de Marte, que se tornou o padrão para medir os céus.  Tendo acabado de formular a primeira de suas leis, demolindo a antiga crença de que os corpos celestes obedecem a movimentos circulares uniformes, Kepler demonstrou que os planetas orbitam o Sol em velocidades variáveis ​​ao longo de elipses.  Ao contrário dos modelos anteriores, que eram simplesmente hipóteses matemáticas, o Kepler descobriu a órbita real pela qual Marte se movia no espaço e, em seguida, usou os dados de Marte para determinar a órbita da Terra.  Fazendo várias observações da posição de Marte em relação à Terra, ele examinou como o ângulo entre os dois planetas mudou ao longo do período orbital que ele já havia calculado para Marte: 687 dias.  Para fazer isso, Kepler teve que se projetar em Marte com um salto empático da imaginação.  A palavra empatia entraria em uso popular três séculos depois, através do portal da arte, quando entrou no léxico moderno no início do século XX para descrever o ato imaginativo de se projetar em uma pintura em um esforço para entender por que a arte nos move.  Por meio da ciência, Kepler se projetou na maior obra de arte que existe em um esforço para entender como a natureza desenha suas leis para mover os planetas, incluindo o corpo que nos move no espaço.  Usando trigonometria, ele calculou a distância entre a Terra e Marte, localizado no centro da órbita da Terra, e passou a demonstrar que todos os outros planetas também se moviam ao longo de órbitas elípticas, demolindo assim a base da astronomia grega - movimento circular uniforme - e efetuando uma  grande golpe contra o modelo ptolomaico.

 Kepler publicou esses resultados reveladores, que resumiram suas duas primeiras leis, em seu livro Astronomia nova - The New Astronomy.  Isso é exatamente o que era - a natureza do cosmos havia mudado para sempre, assim como nosso lugar nele.  “Com o meu esforço, Deus está sendo celebrado na astronomia”, escreveu Kepler a seu ex-professor, refletindo sobre ter trocado a carreira de teologia pela conquista de uma verdade maior.

 Na época da Astronomia Nova, Kepler tinha ampla evidência matemática que afirmava a teoria de Copérnico.  Mas ele percebeu algo crucial e permanente sobre a psicologia humana: a prova científica era muito complexa, muito incômoda, muito abstrata para persuadir até mesmo seus pares, muito menos o público cientificamente analfabeto;  não foram os dados que desmantelariam seu paroquialismo celestial, mas a narração de histórias.  Três séculos antes do poeta Muriel Rukeyser escrever que “o universo é feito de histórias, não de átomos”, Kepler sabia que qualquer que fosse a composição do universo, sua compreensão era de fato obra de histórias, não de ciência - que o que ele  era necessária uma nova retórica para ilustrar, de uma forma simples, mas convincente, que a Terra está de fato em movimento.  E assim nasceu o Sonho.

 Mesmo na época medieval, a Feira do Livro de Frankfurt era um dos mercados literários mais fecundos do mundo.  Kepler comparecia com frequência a fim de promover seus próprios livros e se manter informado sobre outras publicações científicas importantes.  Ele trouxe o manuscrito de O Sonho com ele para esta plataforma de lançamento mais segura, onde os outros participantes, além de estarem bem cientes da reputação do autor como um matemático real e astrônomo, eram cientistas ou eruditos o suficiente para apreciar a alegoria inteligente da história  jogar na ciência.  Mas algo deu errado: em algum momento de 1611, o único manuscrito caiu nas mãos de um jovem nobre rico e fez o seu caminho pela Europa.  Pelo relato de Kepler, chegou até John Donne e inspirou sua sátira feroz da Igreja Católica, Ignatius His Conclave.  Circulada por fofocas de barbearia, versões da história haviam alcançado mentes muito menos literárias, ou mesmo letradas, em 1615. Essas releituras deturpadas acabaram chegando ao ducado doméstico de Kepler.

 “Assim que um poema é disponibilizado ao público, o direito de interpretação pertence ao leitor”, escreveria a jovem Sylvia Plath à mãe três séculos depois.  Mas a interpretação invariavelmente revela mais sobre o intérprete do que sobre o interpretado.  A lacuna entre intenção e interpretação está sempre repleta de erros, especialmente quando o escritor e o leitor ocupam camadas muito diferentes de maturidade emocional e sofisticação intelectual.  A ciência, o simbolismo e o virtuosismo alegórico do Sonho foram inteiramente perdidos pelos aldeões analfabetos, supersticiosos e vingativos da cidade natal de Kepler.  Em vez disso, eles interpretaram a história com a única ferramenta à sua disposição - a arma contundente do corte literal do contexto.  Eles foram especialmente cativados por um elemento da história: o narrador é um jovem astrônomo que se descreve como “ávido por conhecimento por natureza” e que foi aprendiz de Tycho Brahe.  Naquela época, as pessoas em toda parte conheciam o aluno mais famoso e sucessor imperial de Tycho.  Talvez seja um motivo de orgulho para os habitantes locais terem produzido o famoso Johannes Kepler, talvez um motivo de inveja.  Seja qual for o caso, eles imediatamente consideraram a história não como ficção, mas como autobiografia.  Esta foi a sementeira de problemas: outro personagem principal foi a mãe do narrador - um herbicida que invoca espíritos para ajudar seu filho em sua viagem lunar.  A própria mãe de Kepler era uma ervanária.

 É difícil dizer se o que aconteceu a seguir foi produto de manipulação malévola intencional ou do infeliz funcionamento da ignorância.  Na minha opinião, um ajudou o outro, já que aqueles que têm a ganhar com a manipulação da verdade muitas vezes se aproveitam daqueles que não têm pensamento crítico.  De acordo com o relato subsequente de Kepler, um barbeiro local ouviu a história e aproveitou a chance de lançar Katharina Kepler como uma bruxa - uma acusação oportuna, pois a irmã do barbeiro, Ursula, tinha um osso para escolher com a mulher idosa, uma amiga rejeitada.  Ursula Reinhold pedira dinheiro emprestado a Katharina Kepler e nunca o reembolsou.  Ela também confidenciou à velha viúva que ela engravidou de um homem que não era seu marido.  Em um ato de indiscrição irrefletida, Katharina compartilhou essa informação comprometedora com o irmão mais novo de Johannes, que a havia distribuído sem pensar pela pequena cidade.  Para diminuir o escândalo, Ursula conseguiu um aborto.  Para encobrir as brutais consequências corporais desse procedimento médico primitivo, ela atribuiu a sua enfermidade a um feitiço lançado contra ela, ela proclamou, por Katharina Kepler.  Logo Ursula convenceu vinte e quatro locais sugestionáveis ​​a relatar a feitiçaria da mulher idosa - um vizinho afirmou que o braço de sua filha havia ficado dormente depois que Katharina o roçou na rua;  a esposa do açougueiro jurou que a dor perfurou a coxa de seu marido quando Katharina passou;  o mestre-escola mancando datou o início de sua deficiência em uma noite dez anos antes, quando ele havia tomado um gole de uma xícara de lata na casa de Katharina enquanto lia para ela uma das cartas de Kepler.  Ela foi acusada de aparecer magicamente através de portas fechadas, de ter causado a morte de crianças e animais.  O Sonho, acreditava Kepler, havia fornecido aos habitantes da cidade famintos por superstições evidências da suposta feitiçaria de sua mãe - afinal, seu próprio filho a havia retratado como uma feiticeira em sua história, cuja natureza alegórica os iludiu completamente.

 Por sua vez, Katharina Kepler não ajudou em seu próprio caso.  De caráter espinhoso e conhecida por brigar, ela primeiro tentou processar Ursula por calúnia - uma abordagem americana surpreendentemente moderna, mas, na Alemanha medieval, eficaz apenas para atiçar o fogo, pois a família bem relacionada de Ursula tinha laços com as autoridades locais.  Em seguida, ela tentou subornar o magistrado para encerrar seu caso, oferecendo-lhe um cálice de prata, que foi prontamente interpretado como uma admissão de culpa, e o caso civil foi escalado para um julgamento criminal por bruxaria.

 Em meio a esse tumulto, a filha bebê de Kepler, batizada em homenagem a sua mãe, morreu de epilepsia, seguida por outro filho, de quatro anos, de varíola.

 Tendo assumido a defesa de sua mãe assim que soube da acusação, o enlutado Kepler dedicou seis anos ao julgamento, o tempo todo tentando continuar seu trabalho científico e ver através da publicação do maior catálogo astronômico que ele tinha estado  compondo desde que ele herdou os dados de Tycho.  Trabalhando remotamente de Linz, Kepler primeiro escreveu várias petições em nome de Katharina e, em seguida, montou uma defesa legal meticulosa por escrito.  Ele solicitou a documentação do julgamento de depoimentos de testemunhas e transcrições dos interrogatórios de sua mãe.  Ele então viajou pelo país mais uma vez, sentando-se com Katharina na prisão e conversando com ela por horas a fio para reunir informações sobre as pessoas e eventos da pequena cidade que ele havia deixado há muito tempo.  Apesar da alegação de que ela era demente, a memória de Katharina, de setenta e poucos anos, era surpreendente - ela se lembrava em detalhes de incidentes que aconteceram anos antes.

 Kepler decidiu refutar cada um dos quarenta e nove “pontos de desgraça” lançados contra sua mãe, usando o método científico para descobrir as causas naturais por trás dos males sobrenaturais que ela supostamente infligira aos habitantes da cidade.  Ele confirmou que Ursula havia feito um aborto, que a adolescente havia anestesiado o braço carregando muitos tijolos, que o mestre-escola havia aleijado a perna ao tropeçar em uma vala, que o açougueiro sofria de lumbago.

 Nenhum dos esforços epistolar de Kepler na razão funcionou.  Após cinco anos de provação, uma ordem de prisão de Katharina foi cumprida.  Nas primeiras horas de uma noite de agosto, guardas armados invadiram a casa de sua filha e encontraram Katharina, que tinha ouvido a confusão, escondida em um baú de linho de madeira - nua, já que ela costumava dormir durante os períodos de calor do verão.  Segundo um relato, ela foi autorizada a se vestir antes de ser levada;  por outro, ela foi carregada despida dentro do porta-malas para evitar uma perturbação pública e levada para a prisão para outro interrogatório.  Tão gratuita foi a fabricação de provas que até mesmo a compostura de Katharina durante as indignidades foi usada contra ela - o fato de ela não ter chorado durante o processo foi citado como prova de ligação impenitente com o Diabo.  Kepler teve que explicar ao tribunal que nunca tinha visto sua mãe estoica derramar uma única lágrima - não quando seu pai foi embora na infância de Johannes, nem durante os longos anos que Katharina passou criando seus filhos sozinha, não nas muitas perdas da velhice.

 Katharina foi ameaçada de ser esticada em uma roda - um dispositivo diabólico comumente usado para extrair confissões - a menos que ela admitisse a feitiçaria.  Esta mulher idosa, que tinha sobrevivido à expectativa de vida de sua época em décadas, passaria os próximos quatorze meses presa em um quarto escuro, sentada e dormindo no chão de pedra ao qual estava algemada com uma pesada corrente de ferro.  Ela enfrentou as ameaças com autocontrole e não confessou nada.

 Em um último recurso, Kepler desenraizou sua família inteira, deixou seu cargo de professor e viajou novamente para sua cidade natal enquanto a Guerra dos Trinta Anos continuava.  Eu me pergunto se ele se perguntou durante aquela jornada desanimadora por que ele havia escrito O sonho em primeiro lugar, se o preço de qualquer verdade deve ser limitado a um custo pessoal tão alto.

  Há muito tempo, como estudante em Tübingen, Kepler havia lido The Face on the Moon de Plutarco - a história mítica de um viajante que navega para um grupo de ilhas ao norte da Grã-Bretanha habitadas por pessoas que conhecem passagens secretas para a Lua.  Não há ciência na história de Plutarco - é pura fantasia.  E ainda emprega o mesmo dispositivo simples e inteligente que o próprio Kepler usaria em O Sonho quinze séculos mais tarde para desestabilizar o viés antropocêntrico do leitor: Ao considerar a Lua como um habitat potencial para a vida, Plutarco apontou que a ideia de vida em água salgada parece  incompreensível para criaturas que respiram o ar, como nós, e ainda assim existe vida nos oceanos.  Seriam mais dezoito séculos antes de despertarmos completamente não apenas para o fato da vida marinha, mas para a complexidade e o esplendor dessa realidade mal compreensível, quando Rachel Carson foi pioneira em uma nova estética da escrita científica poética, convidando o leitor humano a considerar a Terra a partir de  a perspectiva não humana das criaturas marinhas.

  Kepler leu a história de Plutarco pela primeira vez em 1595, mas não foi até o eclipse solar de 1605, cujas observações lhe deram a ideia de que as órbitas dos planetas eram elipses em vez de círculos, que ele começou a considerar seriamente a alegoria como um  meios de ilustrar as idéias copernicanas.  Onde Plutarco explorou as viagens espaciais como metafísica, o Kepler fez disso uma caixa de areia para a física real, explorando a gravidade e o movimento planetário.  Ao escrever sobre a decolagem de sua espaçonave imaginária, por exemplo, ele deixa claro que tem um modelo teórico de gravidade fatorado nas demandas que a ruptura com o controle gravitacional da Terra colocaria nos viajantes cósmicos.  Ele continua acrescentando que, embora deixar a atração gravitacional da Terra seja trabalhoso, uma vez que a espaçonave está no "éter" livre de gravidade, dificilmente qualquer força seria necessária para mantê-la em movimento - uma compreensão inicial da inércia no sentido moderno,  anterior a décadas a primeira lei do movimento de Newton, que afirma que um corpo se moverá a uma velocidade constante, a menos que uma força externa atue sobre ele.

  Em uma passagem ao mesmo tempo perspicaz e divertida, Kepler descreve os requisitos físicos para seus viajantes lunares - uma descrição presciente do treinamento de astronautas:

  Nenhuma pessoa inativa é aceita ... nenhuma gorda;  nenhum amante do prazer;  escolhemos apenas aqueles que passaram a vida a cavalo ou que embarcaram com frequência para as índias e estão acostumados a subsistir com bolacha dura, alho, peixe seco e comida desagradável.

  Três séculos depois, o primeiro explorador polar Ernest Shackleton postaria um anúncio de recrutamento semelhante para sua expedição pioneira à Antártica:

  Homens queridos por jornadas perigosas, pequenos salários, frio cortante, longos meses de escuridão total, perigo constante, retorno seguro duvidoso, honra e reconhecimento em caso de sucesso.

  Quando uma mulher chamada Peggy Peregrine expressou interesse em nome de um ansioso trio feminino, Shackleton respondeu secamente: “Não há vagas para o sexo oposto na expedição”.  Meio século depois, a cosmonauta russa Valentina Tereshkova se tornaria a primeira mulher a sair da atmosfera da Terra em uma espaçonave guiada pelas leis de Kepler.

  Depois de anos usando a razão contra a superstição, Kepler finalmente conseguiu que sua mãe fosse absolvida.  Mas a mulher de 75 anos nunca se recuperou do trauma do julgamento e do amargo inverno alemão passado na prisão sem aquecimento.  Em 13 de abril de 1622, logo após ser libertada, Katharina Kepler morreu, aumentando a ladainha de perdas de seu filho.  Um quarto de milênio depois, Emily Dickinson escreveria um poema cuja metáfora central se baseia no legado de Kepler:

  Cada um que perdemos faz parte de nós;

  Um crescente ainda permanece,

  Que como a lua, alguma noite turva,

  É convocado pelas marés

  Poucos meses após a morte de sua mãe, Kepler recebeu uma carta de Christoph Besold - o colega que defendeu sua dissertação lunar trinta anos antes, agora um advogado e professor de direito bem-sucedido.  Tendo testemunhado o destino angustiante de Katharina, Besold trabalhou para expor a ignorância e os abusos de poder que o selaram, obtendo um decreto do duque do ducado doméstico de Kepler proibindo quaisquer outros julgamentos de bruxaria não sancionados pela Suprema Corte na área urbana e presumivelmente muito menos supersticiosa de Stuttgart  .  “Embora nem seu nome nem o de sua mãe sejam mencionados no edital”, Besold escreveu a seu velho amigo, “todo mundo sabe que está na parte inferior dele.  Você prestou um serviço inestimável ao mundo inteiro e, um dia, seu nome será abençoado por isso. ”

  Kepler não se consolou com o decreto - talvez ele soubesse que mudança de política e mudança cultural dificilmente são a mesma coisa, existindo em escalas de tempo diferentes.  Ele passou os anos restantes de sua vida anotando obsessivamente O Sonho com duzentas e vinte e três notas de rodapé - um volume de hipertexto igual à própria história - destinadas a dissipar interpretações supersticiosas, delineando suas razões científicas exatas para usar os símbolos e metáforas que ele fez.

  Em sua nota de rodapé 96, Kepler afirmou claramente “a hipótese de todo o sonho”: “um argumento para o movimento da Terra, ou melhor, uma refutação de argumentos construídos, com base na percepção, contra o movimento da Terra.  ”  Cinqüenta notas de rodapé depois, ele reiterou o ponto ao afirmar que visualizou a alegoria como “uma réplica agradável” ao paroquialismo ptolomaico.  Em um esforço sistemático pioneiro para separar a verdade científica das ilusões da percepção do senso comum, ele escreveu:

  Todos dizem que é claro que as estrelas giram em torno da Terra enquanto a Terra permanece parada.  Eu digo que é claro aos olhos do povo lunar que nossa Terra, que é seu Volva, gira enquanto sua lua está parada.  Se for dito que as percepções lunáticas de meus habitantes da lua estão enganadas, replico com igual justiça que os sentidos terrestres dos habitantes da Terra são destituídos de razão.

  Em outra nota de rodapé, Kepler definiu a gravidade como "uma força semelhante à força magnética - uma atração mútua" e descreveu sua lei principal:

  O poder de atração é maior no caso de dois corpos próximos um do outro do que no caso de corpos distantes.  Portanto, os corpos resistem mais fortemente à separação uns dos outros quando ainda estão próximos.

  Outra nota de rodapé apontou que a gravidade é uma força universal que afeta corpos além da Terra, e que a gravidade lunar é responsável pelas marés terrestres: "A evidência mais clara da relação entre a terra e a lua é a vazante e o fluxo dos mares."  Este fato, que se tornou central para as leis de Newton e que agora é tão comum que os alunos apontam para ele como uma evidência da gravidade, estava longe de ser aceito na comunidade científica de Kepler.  Galileu, que estava certo sobre muitas coisas, também estava errado sobre muitas coisas - algo que vale a pena lembrar enquanto nos treinamos nas acrobacias culturais de apreciação matizada sem idolatria.  Galileu acreditava, por exemplo, que os cometas eram vapores da terra - uma noção que Tycho Brahe refutou ao demonstrar que os cometas são objetos celestes que se movem através do espaço ao longo de trajetórias computáveis ​​depois de observar o mesmo cometa que fez Kepler de seis anos se apaixonar por  astronomia.  Galileu não se limitou a negar que as marés foram causadas pela Lua - ele chegou a zombar da afirmação de Kepler de que sim.  “Esse conceito é completamente repugnante para mim”, escreveu ele - nem mesmo em uma carta particular, mas em seu marco Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas Mundiais - zombando que “embora [Kepler] tenha na ponta dos dedos os movimentos atribuídos à Terra,  ele, no entanto, prestou atenção e concordou com o domínio da Lua sobre as águas, com as propriedades ocultas e com tais puerilidades ”.

  Kepler teve um cuidado especial com a parte da alegoria que ele viu como a mais diretamente responsável pelo julgamento de feitiçaria de sua mãe - o aparecimento de nove espíritos, convocados pela mãe do protagonista.  Em uma nota de rodapé, ele explicou que eles simbolizam as nove musas gregas.  Em uma das frases mais enigmáticas da história, Kepler escreveu sobre esses espíritos: "Um, particularmente amigável comigo, o mais gentil e puro de todos, é convocado por 21 personagens."  Em sua defesa subsequente em notas de rodapé, ele explicou que a frase “vinte e um caracteres” se refere ao número de letras usadas para soletrar Astronomia Copernicana.  O espírito mais amigável representa Urânia - a antiga musa grega da astronomia, que Kepler considerou a mais confiável das ciências:

  Embora todas as ciências sejam gentis e inofensivas em si mesmas (e por isso não são aqueles espíritos maus e inúteis com quem bruxas e adivinhos têm relações ...), isso é especialmente verdadeiro na astronomia por causa da própria natureza  de seu assunto.

  Quando o astrônomo William Herschel descobriu o sétimo planeta a partir do Sol um século e meio depois, ele o chamou de Urano, em homenagem à mesma musa.  Em outro lugar da Alemanha, um jovem Beethoven ouviu falar da descoberta e se perguntou na margem de uma de suas composições: “O que eles vão pensar da minha música sobre a estrela de Urânia?”  Outros dois séculos depois, quando Ann Druyan e Carl Sagan compõem o Golden Record como um retrato da humanidade em som e imagem, a Quinta Sinfonia de Beethoven navega pelo cosmos a bordo da nave Voyager ao lado de uma peça do compositor Laurie Spiegel baseada na Harmonia do  Mundo.

  Kepler foi inequívoco sobre a intenção política mais ampla de sua alegoria.  Um ano após a morte de sua mãe, ele escreveu a um amigo astrônomo:

  Seria um grande crime pintar a moral ciclópica desse período com cores lívidas, mas por uma questão de cautela, partir da terra com tal escrita e se separar para a lua?

  Não é melhor, ele se pergunta em outro golpe de gênio psicológico, para ilustrar a monstruosidade da ignorância das pessoas por meio da ignorância de outros imaginários?  Ele esperava que, ao ver o absurdo da crença do povo lunar de que a Lua é o centro do universo, os habitantes da Terra teriam o insight e a integridade para questionar sua própria convicção de centralidade.  Trezentos e cinquenta anos depois, quando quinze poetas proeminentes são convidados a contribuir com uma "declaração sobre poética" para uma antologia influente, Denise Levertov - a única mulher dos quinze - afirmaria que a tarefa mais elevada da poesia é "despertar os adormecidos por outros meios que não  choque."  Deve ter sido isso que Kepler pretendia fazer com O Sonho - sua serenata para a poética da ciência, com o objetivo de despertar.

  Na esteira do julgamento de feitiçaria de sua mãe, Kepler fez outra observação séculos à frente de seu tempo, mesmo antes da afirmação histórica do filósofo francês do século XVII François Poullain de la Barre de que "a mente não tem sexo".  Na época de Kepler, muito antes da descoberta da genética, acreditava-se que as crianças tinham uma semelhança com suas mães, na fisionomia e no caráter, porque nasceram sob a mesma constelação.  Mas Kepler tinha plena consciência de quão diferentes ele e Katharina eram como pessoas, quão divergentes suas visões de mundo e seus destinos - ele, um cientista manso e líder prestes a virar o mundo;  ela, uma mulher inconstante e analfabeta sendo julgada por bruxaria.  Se os horóscopos que ele desenhava para ganhar a vida não determinavam o caminho de vida de uma pessoa, Kepler não podia deixar de se perguntar o que faria - ali estava um cientista em busca de causalidade.  Um quarto de milênio antes de a psicologia social existir como um campo formal de estudo, ele raciocinou que o que havia colocado sua mãe em todos esses problemas em primeiro lugar - suas crenças e comportamentos ignorantes tomados para o trabalho de espíritos malignos, sua marginalização social como uma viúva  - foi o fato de ela nunca ter se beneficiado da educação que seu filho, como homem, havia recebido.  Na quarta seção de A Harmonia do Mundo - sua incursão mais ousada e especulativa na filosofia natural - Kepler escreve em um capítulo dedicado a questões "metafísicas, psicológicas e astrológicas":

  Eu conheço uma mulher que nasceu sob quase os mesmos aspectos, com um temperamento certamente muito inquieto, mas pelo qual ela não só não leva vantagem no aprendizado de livros (o que não é surpreendente para uma mulher), mas também a perturba todo.  cidade, e é a autora de seu próprio infortúnio lamentável.

  Na frase seguinte, Kepler identifica a mulher em questão como sua própria mãe e passa a observar que ela nunca recebeu os privilégios que ele recebeu.  “Eu nasci homem, não mulher”, escreve ele, “uma diferença de sexo que os astrólogos procuram em vão nos céus”.  A diferença entre o destino dos sexos, sugere Kepler, não está nos céus, mas na construção terrena do gênero em função da cultura.  Não foi a natureza de sua mãe que a tornou ignorante, mas as consequências de sua posição social em um mundo que tornava suas oportunidades de iluminação intelectual e autoatualização tão fixas quanto as estrelas.

Fonte: Facebook 18.5.2021

  

maio 18, 2021

Não eram de Recife os Judeus que chegaram a Nova Iorque.

 


Pelo menos segundo a saudosa historiadora Frieda Wolff (1911 – 2008), não se sabe concretamente de onde partiram os famosos 23 judeus que chegaram em setembro de 1654 a Nova Iorque. Segundo Dona Frieda, como era conhecida, certamente não foi do Recife.

O navio VALK que levantou ferros de Itamaracá – PE em fevereiro de 1654, transportava um número desconhecido de judeus, mas não os 23 que chegaram em 1654 na Nova Amsterdã.

Após o VALK aportar na Jamaica, levado por ventos adversos, seus passageiros foram aprisionados em novembro de 1654, conforme o conteúdo de uma carta do Governo Holandês ao Rei da Espanha, exigindo a libertação de todos os judeus passageiros do VALK, súditos holandeses, alguns deles até nascidos em Amsterdã. Naturalmente, a carta sendo datada de novembro de 1654, nenhum destes judeus poderia ter chegado em Nova Amsterdã em setembro do mesmo ano.

Até o Monumento erigido pela cidade de Nova Iorque em homenagem a eles, omite a origem dos judeus, já que Recife seria “hipótese”, nunca fato provado. O Memorial erigido em memória destes vinte e três judeus que, de fato, fundaram a primeira congregação judaica na América do Norte, não menciona portanto o lugar de onde eles vieram, falando somente da chegada dos mesmos.

A prova definitiva que estes vinte e três de fato não eram passageiros do navio VALK, foi dada pelo historiador Arnold Wiznitzer, descobridor da carta do Governo Holandês ao Rei da Espanha, carta esta datada de novembro de 1654, emitida pelos Staaten Generale da Holanda confirmando a chegada do VALK e da prisão dos passageiros na Jamaica. Esta carta, dirigida ao rei da Espanha, exigiu, em novembro de 1654, a libertação de todos os passageiros israelitas da Valk como nascidos na e súditos da Holanda

Porem, é fato comprovado que nos anos seguintes, judeus que tinham vivido no Recife aportaram e se instalaram em Nova Amsterdã, sendo um deles Joseph Bueno, quem comprou o terreno do primeiro cemitério judaico na América do Norte, onde seu pai foi enterrado.

Inscrição do monumento erigido na ponta de Manhattan, em frente ao ferry que vai para Staten Island, em memória da chegada dos primeiros 23 judeus em Nova Amsterdã, em setembro de 1654:

Erguido pelo Estado de Nova Iorque para honrar a memória dos vinte e três homens, mulheres e crianças que aportaram em setembro de 1654 e fundaram a primeira congregação israelita na América do Norte

Fontes: Frieda Wolf, in Comunicação na CEPHAS/IHGB em 14-04-1999 e livro “A Odisséia dos Judeus do Recife”, 1979, Centro de Estudos Judaicos da Universidade de São Paulo, 342 pags.


PALESTRA "O CAMINHO DA FELICIDADE" NA ARLS LICEU 394 - LINS



                Na noite de ontem tive o grato prazer de realizar a palestra "O caminho da felicidade" , baseada no meu livro de mesmo título, na ARLS Liceu n. 394, do GOP-SP, sediada em Lins, SP, que vem realizando um ótimo trabalho de ensinamentos maçônicos virtuais com palestras todas as segundas-feiras.

                A palestra prevista para uma hora de duração acabou durando quase três, sendo que as duas últimas foram dedicadas às perguntas e comentários.

                O Caminho da Felicidade, ou a Cabalá da Felicidade, aborda através de uma técnica chamada Notariqon, as regras para que possa ser aplicada no dia-a-dia, em benefícios para a saúde, o trabalho, as finanças e os relacionamentos. Os preceitos são apresentados de forma simples e agradável permitindo a qualquer pessoa utiliza-los de imediato com resultados surpreendentes. Esta palestra já foi realizada cerca de 2000 vezes desde 1998 e as referências são sempre elogiosas.

                É a segunda vez que realizo palestras nesta querida Loja e mais uma vez agradeço ao VM Neilson dos Santos Junior e ao erudito Irmâo Prof. Cledson Cardoso, responsável pelo convite.

OS PADROEIROS: S. João Batista e S. João Evangelista



Na abertura dos trabalhos de uma Loja, quando o VM declara: ” - A Glória do G:.A:.D:.U:. e em honra a S. João, nosso Padroeiro”, a questão que surge naturalmente é: qual S. João é o padroeiro da maçonaria, uma vez que existem vários, como por exemplo: São João Batista; S. João da Escócia; São João de Patmos, o autor do Apocalipse e tradicionalmente identificado como sendo São João Evangelista; São João Crisóstomo;  São João, o Jejuador;  São João Clímaco e pelo menos outros dez santos com o mesmo nome.

Existe um consenso de que nossa Ordem tem DOIS padroeiros que seriam  São João Batista e São João Evangelista, sobre os quais iremos discorrer. O nome João significa “Deus é propício”.

São João Batista: Sou a Voz que clama no deserto: aplainai o caminho do Senhor”

Vestido simplesmente com uma pele de cordeiro atada com um cinto de couro batizava (batismo significa banho) multidões no Rio Jordão mergulhando suas cabeças nas águas do rio para limpa-los espiritualmente. Segundo nos relata o Livro da Lei, S. João Batista era filho de Isabel, prima de Maria e, portanto primo segundo de Jesus Cristo. Ele dizia ser “a voz que clama no deserto: aplainai o caminho do Senhor”. Essa citação aparece em todos os Evangelhos: Isaías 40:3; Mateus 3:3; Marcos 1:3; Lucas 3:4 3 João 1:23.

 Foi o primeiro a identificar Jesus como o Salvador. Quando Jesus apareceu para ser batizado João disse que não era digno sequer de atar as suas sandálias, mas ante a insistência do Nazareno procedeu ao batismo e consta que ouviu-se uma poderosa voz que disse “esse é meu Filho amado sobre o qual ponho toda minha complacência”.

Comemora-se o seu dia em 24 de Junho, solstício de Câncer ou de inverno (no nosso hemisfério) data que coincide com a fundação da Grande Loja da Inglaterra em 1717.

 Há dois solstícios no ano, em junho e dezembro e significam o início das estações, inverno ou verão. No hemisfério sul as datas variam entres 21 a 24 de Junho para o solstício de inverno e 21 a 24 de dezembro para o solstício de verão. No hemisfério norte é o contrário.

 Nas culturas antigas, o solstício de inverno, o dia mais curto do ano, a partir de quando a duração do dia começa a crescer, simbolizava o início da vitória da luz sobre a escuridão. Com o tempo essa data passou a simbolizar o Natal, como forma de incorporar essa festa pagã nas novas comunidades cristãs.

São João Evangelista, o Teólogo

Foi o discípulo mais jovem e consta ter sido o mais amado por Jesus. Foi o único que acompanhou Cristo até a sua morte. O Evangelho de João menciona que Jesus confiou sua mãe Maria aos seus cuidados, antes de seu sacrifício.

Foi o autor do quarto Evangelho, de três Epístolas e do Apocalipse. O seu Evangelho difere dos outros três, pois enfoca mais o aspecto espiritual de Jesus, ou seja, a vida e a obra do Mestre em comunhão e meditação.

Apesar de muitas vezes perseguido e martirizado a tradição diz que viveu puro e casto até o fim de seus dias e a sua vida é um exemplo de inocência, lealdade, amizade e dedicação à obra de Jesus. Recebeu da Igreja o título de “Teólogo”.

Comemora-se a sua data em 27 de Dezembro, que coincide com o nosso solstício de verão, ou de inverno no hemisfério norte. Também chamado de Solstício de Capricórnio.

O Apóstolo escreve em João 3:5 “Em verdade, em verdade, vos digo, quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino do Céu”, e isso remete ao ritual de nossa iniciação. O nascimento na Terra, a purificação pela água e pelo fogo (espírito) e a ascensão (ar) ao Reino, transformando o homem comum em um maçom justo e perfeito, pronto para a construção do Templo Interior em Honra e Glória ao G:.A:.D:.U:.

maio 17, 2021

DERIVAÇÕES - RITO, RITUAL e RITUALÍSTICA - Newton Agrella




Newton Agrella é escritor, tradutor e palestrante. Um dos mais respeitados estudiosos da maçonaria no Brasil.

As inúmeras tentativas de se dar um caráter único e uma definição inequívoca aos substantivos RITO, RITUAL e RITUALÍSTICA no universo maçônico acabam, de algum modo, gerando mais incertezas e dúvidas do que propriamente esclarecimento.

De qualquer forma, pondo-se em prática a liberdade de pensamento, dentro de um verdadeiro "melting pot", eis uma breve contribuição concernente ao tema:

*RITO* 

É um conjunto de regras e postulados  para transmitir e organizar  cerimônias. 

Os Ritos possuem características próprias que podem se assemelhar ou divergir entre si em alguns ou vários pontos.

Na Maçonaria  os Ritos convergem a um denominador comum que implica na  “regularidade maçônica”, isto é, o reconhecimento universal amparado pela Constituição de Anderson e pelos Landmarks, que são os  princípios universais e imutáveis  da Sublime Ordem.

O Rito compõe-se de Forma, Dinâmica, Ordenação, Princípio, Conteúdo e Simbolismo.

O Rito é a forma escrita ou não de se desenvolver uma cerimônia.  Trata-se do caráter formal da cerimônia.

*RITUAL*

É tudo o que é relativo a rito.

Na Maçonaria o Ritual é o livro que abriga o rito.  

É o dispositivo que contém a forma das cerimônias maçônicas. É o que traz as palavras, sinais, toques e marchas.

O Ritual consiste nas regras e normas para o exercício e a liturgia das cerimônias.  

Os Rituais antigamente obedeciam a uma tradição oral, e posteriormente, ganharam sua versão por escrito. 

Trata-se da transliteração do Rito.

*RITUALÍSTICA*

É  o rito em movimento.

É a execução, ou seja; é a legítima prática do Rito.

É sinônimo de sessão litúrgica, posto que vale-se do Ritual pertinente ao Rito para dar vida à cerimônia em desenvolvimento.

Cabe aí  uma  singela analogia :

*RITO* é o Cérebro

*RITUAL* é o Sangue 

*RITUALÍSTICA* é o batimento cardíaco.


maio 16, 2021

MAÇONARIA – OS MITOS E OS RITOS

 

 




Ao final da cerimônia de iniciação cada neófito recebe um livro que traz na capa o título “Ritual do Simbolismo Maçônico” e em letras menores “R:.E:.A:.A:.” ou Rito Escocês Antigo e Aceito. Na verdade existem dezenas de rituais para outros tantos ritos na maçonaria, mas a despeito da expressão que soa familiar o que significam exatamente as palavras “rito” e “ritual”.

         O rito é uma encenação. A dramatização de um mito, de uma narrativa histórica, real ou imaginária ou de um modelo de vida idealizado, como uma história que deve ser ensinada, relembrada e lapidada. A experiência ritualística nos vincula a um passado que traz um sentido de continuidade, pertinência e nos imbui de um senso de propósito.

          O mito é uma narrativa de caráter simbólico que procura explicar a criação divina através das ações e do modo de agir dos personagens humanos, a origem das emoções e das coisas, tais como o amor, o ódio, a criação do mundo, do homem e da mulher, das múltiplas relações entre o homem e a natureza e de oferecer soluções aos problemas inerentes a natureza humana. Apesar de ser uma criação humana o mito transcende ao homem e adquire uma força que lhe permite oferecer a resolução dos conflitos com os quais o ser humano vive. Os mitos romantizados perpetuam a obra de grandes escritores como Camões e Shakespeare porque, qualquer que seja o seu local ou época, dizem respeito diretamente às emoções humanas.

O rito está associado ao mito. Por meio dele se põe em ação o mito na vida do homem - em cerimônias ritualísticas, orações e sacrifícios. Deve ser uma prática contínua, repetitiva e periódica, de caráter social ou individual, submetida a regras precisas que mantenham a eficácia na criação de uma egrégora ou na invocação da divindade. Tem regras minuciosas para manter a exatidão dos gestos e atos para que na sua exata repetição a egrégora possa ser formada ou a divindade possa ser evocada, mesmo que esses gestos e atos não estejam detalhados nos mitos. Enquanto o mito narra e descreve a ação divina, o rito simboliza e encena. Mito e rito espelham um ao outro em harmonia

  Por exemplo, na iniciação reproduzimos o mito da caverna de Platão. Nas viagens, estando vendado o neófito é reduzido a condição do homem preso no interior de uma caverna, situação que só lhe permite ver vagamente as sombras projetadas no exterior.. A caverna representa o mundo dos sentidos, no qual só se percebem as sombras das coisas. Ao ser desvendado e quando lhe é dada a Luz passa a ver o exterior, o mundo das idéias. O Sol, a Luz, simboliza o Bem. A Filosofia, diz Platão, é que dá ao homem a condição de sair da caverna, exercer a liberdade e perceber a realidade e o mundo das idéias; É a alegoria da caverna representada na iniciação.

Todos os ritos propõem uma passagem, uma iniciação, a partir de um mito. O rito é um conjunto de comportamentos e atitudes padronizadas no qual as pessoas se expressam por meio de gestos, símbolos, linguagem e comportamento, transmitindo um sentido coerente e inteligível ao ritual. O batismo, o casamento, a condecoração, a iniciação maçônica nos diversos graus, todos são ritos que carregam um sentido imagético-simbólico, mantendo ensinamentos ancestrais e sagrados. O caráter comunicativo do rito é de extrema importância, pois não é qualquer atividade padronizada que constitui um rito.

Vamos então tentar observar os mitos maçônicos com detalhes através das lentes que adquirimos participando das sessões e dos estudos.

 

MITO DA IMUTABILIDADE: Desde a edição dos primitivos landmarks e da Constituição de Anderson ouve-se dizer que as leis maçônicas são imutáveis. Isso é muito falado em Loja. Na realidade houve muitas versões das leis fundamentais da maçonaria, inúmeras mudanças em todos os rituais. Novos comportamentos em função da evolução da sociedade e dos meios de comunicação. Há mais de trinta e cinco anos, quando fui iniciado os aprendizes em hipótese alguma podiam fazer uso da palavra; jamais subiriam os degraus que levam ao trono; nem em sonhos ocupariam algum cargo em Loja. Hoje se tornou banal que aprendizes ocupem o cargo de secretário, chanceler ou tesoureiro, ou até mesmo de guarda do templo que é privativo de mestre. Recentemente houve mudanças na circulação em Loja. Falar de maçonaria feminina ou mista no passado era considerado heresia. Hoje ambas são cada vez maiores e mais poderosos. E assim por diante, a provar que nada na maçonaria é imutável.

 

MITO DA EXCLUSIVIDADE: Determina que somente a maçonaria tem as ferramentas para transformar o homem e o mundo, como se nossos rituais tivessem um componente genético transmitido através da iniciação que torna os maçons pessoas  melhores do que média, especiais. Os maçons, pensamos, tem a exclusividade das grandes transformações. Isso já foi verdade no passado, mas a medida que a população aumenta a maçonaria vem reduzindo os seus quadros. A causa tem sido a criação de inúmeras outras organizações que praticam as mesmas finalidades. Hoje existem milhões de pessoas filiadas a Clubes de Serviço como o Rotary e o Lions, ou ONGs como os Médicos sem Fronteiras, ou mesmo a movimentos sociais mantidos por igrejas e com enorme eficácia em sua ação.

 

MITO DA UNIFORMIDADE: Supõe que a maçonaria, por suas características é única, singular, tem um só padrão que é comum a toda a maçonaria universal. Imaginam controle único e centralizado, engessador. Qualquer opinião diferente é descartada de imediato. Assim conflitos de reconhecimento recíproco, listas de Lodges, mudanças em rituais, a existência de maçonarias mistas e femininas ou novas potências, são consideradas heresias, imediatamente descartadas sem que dêem ao luxo de passar pelo crivo do raciocínio. Coexitem mais de setenta rituais diferentes na maçonaria. Além das potencias tradicionais são criadas frequentemente novas potências que se arrogam ao uso da expressão “maçonaria” e que se hoje são criticadas com o passar dos anos acabarão por ser aceitas assim como foram as dissidências das Grandes Lojas e dos Grandes Orientes Independentes. É importante frisar que o tempo maçônico, multi secular, é bem diferente do tempo humano, curto e perecível. A maçonaria é eterna, move-se muito lentamente e acaba por assimilar nesta longa trajetória

 

MITO DA SACRALIDADE: Imagina-se que o templo maçônico está envolto em uma redoma que o isola dos problemas da desenfreada sociedade, como se fosse um mundo a parte. Na verdade a palavra “sagrado” em hebraico, que se lê kedushá, significa mesmo “estar a parte”.

Quem conhece a história de nossa Ordem sabe o quanto essa visão é falsa. O Templo não é uma blindagem que nos afasta da realidade do cotidiano. Muito ao contrário, ao longo do tempo, em Lojas, se cultivaram revoluções sociais que mudaram a história do mundo, desde a implantação da filosofia iluminista no início da Idade Moderna, até declarações de Independência nacional ou proclamações republicanas em países de todo o mundo.

O Templo nos proporciona serenidade para observáramos com distanciamento crítico quais são as necessidades da sociedade e permite que os maçons, seus freqüentadores, se unam e se organizam para obter, no tempo necessário, a consecução desses objetivos.

 

TRADIÇÃO QUE NÃO SE ROMPE - Newton Agrella



Newton Agrella é escritor, tradutor e palestrante. Um dos mais respeitados estudiosos da maçonaria no Brasil.

De maneira absolutamente direta, simples e concisa podemos aferir que a Tradição significa: comunicação oral de fatos, lendas, ritos, usos e costumes, dentre outros exemplos, que se sucedem e se mantém  de geração em geração.

Ou seja; trata-se daquilo que se torna norma por si só, pela sua própria essência e pelo significado histórico que nela se encerra.

A Tradição não implica em que o seu exercício esteja registrado, escrito ou inscrito em qualquer lugar.

Tradição é a reprodução de tudo o que se vive de maneira contínua e habitual e que se consubstancia na medida do tempo e nas mais variadas formas de expressão.  

Seja pela linguagem, sejam pelos exemplos, seja pelo compartilhamento ou pelas próprias reflexões e experiências.

A Maçonaria, tanto no âmbito operativo quanto especulativo, apoia-se na Tradição como ancoradouro de sua perenidade até os nossos dias.

Os Landmarks que consistem no arcabouço dis princípios da Sublime Ordem independentemente de Ritos, são imutáveis.  

Símbolos, Alegorias, Marchas, Toques e Palavras, bem como a elaboração de uma Ata, que consiste na transcrição do ocorrido durante uma Sessão Maçônica, ou seja, na própria História da Loja que envolve inclusive todos os seus "Augustos Mistérios"  simbolicamente falando  devem ser proferidos, transmitidos e compartilhados "exclusivamente no ambiente maçônico", isto é, durante o transcurso de uma Sessão Maçônica com a leitura por parte do Secretário e sob a orientação do Venerável Mestre, e lá deve permanecer.

Maçonaria não é local de modismos e invencionices. 

Maçonaria não reconhece cursos online, ritualística virtual,  processo de hierarquia maçônica inspirada através de computadores.  

Maçonaria é algo muito mais sério e profundo.  Não fosse assim, e ela não obedeceria a um processo Iniciático, para que seja legitimamente reconhecida.

Relevante lembrar que ser contemporâneo, estar antenado e acompanhar a evolução e as mudanças dos tempos é algo legítimo e salutar.  A dinâmica é parte indissociável da alma humana.

Contudo, a manutenção de valores consagrados por uma instituição Iniciática de natureza imemorial,  que se pauta pelo seu caráter sigiloso, solene e litúrgico do ponto de vista filosófico, não pode se permitir a quebra de tradições, em nome de um pseudo avanço tecnológico e midiático.

A título de ilustração cabe lembrar que W. Kirk MacNulty, autor de : "A Journey through Ritual and Symbol" reporta em sua obra que as primeiras Lojas Maçônicas reuniam-se em tavernas e conduziam seus trabalhos durante o Jantar, sendo que a principal forma de instrução era uma espécie de Catecismo, que incorporava elementos de Metafísica Ocidental representada pelos Símbolos Maçônicos e lá eram mantidos em segredo.

Por volta de 1730 muitas Lojas na Inglaterra, França, Escócia, Irlanda e Suécia conduziam rituais mais elaborados com Três Graus de forma geral, que perduram até os nossos dias. Tal prática tornou-se quase universal.

A Tradição encontra sustentação naquilo que chamamos de Direito Consuetudinário, isto é; o direito que advém dos costumes de uma determinada  sociedade, não passando por um processo formal de leis.

Assim ocorre com a Ordem Maçônica, que guarda e garante grande parte de seu acervo cultural, filosófico, antropológico e espiritual calcado nas experiências acumuladas, na transmissão oral e, sobretudo nos usos e costumes que se sedimentam ao longo da História.

Para bom entendedor, meia palavra basta