maio 23, 2021

PEDREIROS X MAÇONS OPERATIVOS - Almir Cruz




Para que se possa bem compreender o que se segue, é importante lembrar que a palavra Maçom vem do inglês Mason e do francês Maçon, todas significando Pedreiro.

Mas faço aqui distinção entre Pedreiro e Maçom Operativo.

Nem todo Pedreiro era um Maçom Operativo, mas todo Maçom Operativo era Pedreiro.

Ou seja, os Maçons Operativos eram pedreiros profissionais dedicados a construção de edificações, mas com o diferencial de estarem congregados em uma corporação do ofício, com suas histórias lendárias, fundamentos morais e obrigações, com seus segredos profissionais.

Com o passar do tempo, com a decadência dessas corporações, passaram a admitir pessoas não profissionais, os “Aceitos”, que, tornando-se maioria, deram origem à Maçonaria Especulativa, de “Pedreiros” construtores de seu Eu e da Sociedade.

Ora, os Pedreiros surgiram muito antes de qualquer tipo de organização operária e, portanto, não havia uma Maçonaria.

Segundo os registros bíblicos, depois de expulso do Éden, Caim se uniu a Lebuda, gerando Enoque (Gênesis 4:17), que ensinou os homens a talhar a pedra, reunir-se em sociedade e construir seus edifícios.

Foi, então, o primeiro Maçom?

Não!

Foi o primeiro Pedreiro! 

Depois o ofício de pedreiro foi se disseminando e temos a construção bíblica da Torre de Babel (Gênesis 11:9), evidentemente construída por Pedreiros.

Maçons?

Não!

Pedreiros. 

E as monumentais pirâmides egípcias, que sobrevivem até os nossos dias, foram construídas por Maçons?

Não!

Por pedreiros! 

E chegamos a construção do Templo de Salomão, por Fenícios da cidade-estado de Tiro, por um acordo entre o rei Salomão e o Rei Hiram. Esses fenícios eram Maçons?

Não!

Pedreiros. 

Passamos para os construtores de palácios e templos da antiga Grécia. Eram Maçons?

Não!

Pedreiros. 

Nas Américas, Maias, Incas e Astecas construíram templos e pirâmides.

Eram Maçons?

Não!

Pedreiros! 

Em Roma surgem as primeiras organizações de Pedreiros, os Collegia artificum e os Collegia fabrorum, criados por Numa Pompilio.

Eram Maçons?

Não!

E as organizações eram Maçonaria?

Não! 

Chegamos então à Idade Média, em que a sociedade era feudal e criam-se as corporações de ofício de artesãos e de certas profissões, como as de alfaiates, chapeleiros, carpinteiros, cuteleiros, ferreiros, sapateiros, seleiros, lenhadores e pedreiros, entre outros.

Invariavelmente, essas corporações possuíam seus segredos profissionais e praticavam rituais de recepção de calouros, de cunho mais ou menos espiritual, em que se mesclavam práticas vulgares, por vezes obscenas, grosseiras e com paródias de ritos religiosos.

Sendo certo que não há como se comparar essas práticas com as dos pedreiros, verdadeiros Maçons Operativos, a quem o conhecimento da Geometria lhes conferia um enobrecimento intelectual.

Além disso, ao que se saiba, a única corporação que tinha o privilégio de circular livremente entre os diversos feudos era a dos Pedreiros (Maçons Operativos), daí a denominação Freemason em inglês e Franc-Maçom em francês, pois seus principais clientes eram a nobreza e a Igreja, para a construção de castelos, palácios, templos e catedrais.

Sobreviveram desse período medieval alguns manuscritos com os estatutos dessas diversas corporações operárias, daí se conhecer algumas de suas práticas. 

No caso dos Pedreiros (Maçons Operativos), esses manuscritos são denominados tecnicamente pela Maçonaria Especulativa de Old Charges, Antigas Obrigações, Antigos Deveres, Antigas Constituições ou Constituições Góticas.

Muitas dessas práticas sobreviveram a transformação da Maçonaria Operativa em Maçonaria Especulativa.

Com a decadência das corporações de ofício, os Maçons Operativos passaram a admitir pessoas dissociadas da arte de construir, os “Aceitos”, sobretudo nobres, militares e antiquários e, com o advento do Iluminismo, intelectuais, místicos, alquimistas, etc, que passaram a ser predominantes nas Lojas operativas.

Finalmente, em 1717, com a reunião de 4 Lojas de Londres, formou-se a Grande Loja de Londres, marco da definitiva transformação da Maçonaria Operativa em Maçonaria Especulativa, a Maçonaria que conhecemos atualmente.

Bom dia meus irmãos.


Almir Cruz M.'.M.'.

ADVOGADO NÃO MENTE




UM ADVOGADO tinha 12 filhos e precisava sair da casa onde morava e alugar outra, mas não conseguia por causa do monte de crianças.

Quando ele dizia que tinha 12 filhos, ninguém queria alugar porque sabiam que a criançada iria destruir a casa.

Ele não podia dizer que não tinha filhos, não podia mentir,afinal os ADVOGADOS não podem mentir.

Ele estava ficando desesperado, o prazo para se mudar estava se esgotando.

Daí teve uma idéia: mandou a mulher ir passear no cemitério com 11 filhos.

Pegou o filho que sobrou e foi ver casas junto com o agente da imobiliária.

Gostou de uma e o agente lhe perguntou quantos filhos ele tinha.

Ele respondeu que tinha 12.

Daí o agente perguntou: onde estão os outros?!

E ele respondeu, com um ar muito triste: “Estão no cemitério, junto com a mãe deles”.

E foi assim que eles conseguiu alugar uma casa sem mentir...

 Não é necessário mentir, basta escolher as palavras certas. 

ACORDEMOS IRMÃOS!!!



O silêncio sepulcral na sala dos passos perdidos intriga o Mestre de Cerimônias:

- Já é meio dia em ponto. É hora de iniciarmos nossos trabalhos. Onde estarão os irmãos? Talvez seja meia noite, vou bater maçonicamente à porta do templo…

Ao levantar a espada para dar as pancadas na porta, de súbito começam a cair os quadros da galeria de ex-veneráveis, o chão treme, os lustres balançam, as luzes piscam e a porta do templo se abre num rangido.

Assustado, o Mestre de Cerimônias olha o interior do templo e, incrédulo, vê o pavimento mosaico com uma enorme rachadura. Através dela brota um homem magro, bigode retorcido, nariz adunco, olhar brilhante, face pálida e lábios arroxeados: sintomas típicos da anoxia crônica provocada pela tísica que lhe consumia os pulmões.

O Mestre de Cerimônias reconhece o grande poeta, mas antes que pudesse pedir-lhe um autógrafo para seus filhos, é interrompido por ele. O baiano Castro Alves, poeta dos escravos, o mais entusiasta dos abolicionistas, estudante da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, amante apaixonado da atriz Eugênia Câmara, coloca-se à ordem (apesar das dificuldades pela falta de seu pé direito amputado) e brada:

- GADU! ó GADU! onde estás que não respondes?

Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes?

Embuçado nos céus?

Mas não consegue concluir a declamação do seu tão famoso poema “Vozes D´África” porque surge das entranhas do templo D. Pedro I, interrompendo o poeta aos gritos:

- Se a Maçonaria quer que eu fique, diga a todos que FICO.. Fico e grito: “Independência ou morte!!”.

E agora que sou defensor perpétuo e Imperador do Brasil, quero ser eleito Grão Mestre da Ordem e compor o hino da Maçonaria. Onde o estão o Ledo e o Bonifácio?

- O Irmão Gonçalves Ledo está na Primeira Vigilância e o Irmão José Bonifácio, no Oriente, na cadeira do Venerável ; diz o Mestre de Cerimônias.

- Chame os irmãos! Revista-os com suas insígnias, pois vou iniciar os trabalhos. E seja rápido, senão eu fecho essa bodega e a transformo num palácio para minha marquesa; ordena o Imperador, dirigindo-se ao trono de Salomão enquanto os irmãos Ledo e Bonifácio se agridem em defesa, respectivamente, da República e da Monarquia.

Já assustado, e temente que o Grão Mestre-Venerável-Imperador-Compositor cumpra a promessa, o Mestre de Cerimônias olha através da rachadura no pavimento mosaico e grita aos irmãos.

Logo sobe, cambaleante, o Irmão Jânio Quadros.

Cabelos em desalinho, óculos de tartaruga em assimetria, coloca-se à ordem com os pés trocados e pergunta:

- Quando começa o Copo D’água?

- Calma, Jânio… Por que você bebe tanto?

- Bebo porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia.

- Você precisa renunciar a este vício, Irmão Jânio…. E, por falar em renunciar, por que você renunciou?

- Fi–lo porque qui-lo e também por conta das forças ocultas.

!!!!!! Malheta o Imperador.

- Componha rápido esta Loja, Irmão Mestre de Cerimônias. Chame o Rui para a oratória.

- Já estou aqui, Venerável Mestre. Acabei de chegar da Holanda. O irmão Paranhos Jr., “Barão do Rio Branco”, enviou-me para representar o Brasil

na Conferência de Haia. Fiz sucesso. Estão até me chamando de “O Águia de Haia”. Mas não é a nossa “Águia bicéfala”, é “Águia macrocéfala”.

- E viva a República!!

- Viva a Monarquia!!

- Cale a boca, Bonifácio, senão eu lhe deporto!; ameaça D. Pedro.

- Isto aqui está muito bagunçado. Coloquem uma música na harmonia!

- Estamos aguardando o irmão Carlos Gomes.

Ele está tocando “O Guarani” no Repórter Esso, Venerável Mestre.

- Venham todos assinar o livro de presença, grita o irmão Dib, batendo com a palma da mão no trono da chancelaria. Frequência, presença e comparecimento: estes são os deveres do maçom. E tem mais, irmão Guatimosin, este templo tem o meu nome e não vou permitir que seja transformado num palácio para Dona Domitila. Eu e mais dezesseis irmãos (dezesseis ou dezessete, já nem tenho mais certeza porque fizeram uma confusão danada com essa história) fundamos a Loja, construímos o templo e não vamos permitir que ele seja profanado.

- Se for pra competir, eu também quero dizer que tenho um Kadosch que é só meu, diz o Irmão Ledo.

- !!!!! Silêncio!! Silêncio!! Suspendam os sinais maçônicos! Temos um goteira entre nós! Irmão

Guarda Interno, quem é esse cabeludo com uma corda no pescoço?

- É o Tiradentes, o Mártir da Independência, Venerável Mestre - Tiradentes uma ova! Agora sou um dos 200 mil dentistas deste país, com diploma na parede e anel no dedo.

- Irmão Mestre de Cerimônias: coloque o Tiradentes, ou melhor, nosso mártir dentista, entre colunas para o telhamento.

-Sois maçom?

- Iniciei-me por correspondência, Venerável Mestre.

- Ah, eu pensei que o Irmão fosse membro da nossa primeira Loja brasileira, a “Areópago de Itambé”, do Irmão Arruda Câmara. E o Irmão sabe a palavra senha?

- Sei, sim, Venerável Mestre: “Tal dia é o batizado”.

- Tá bom. Então, pode assumir um lugar entre nós. Afinal, você merece, pois foi o único enforcado dos 11.

- E viva a República!!

- Cale a boca, Ledo!

- Não sou o Ledo, Venerável Mestre. Sou o gaúcho Bento Gonçalves, e estou dando vivas à

“República do Piratini”.

- E o Ledo, por que está tão calado?

- Estou confuso, Venerável Mestre. Não sei se hoje é 20 de Agosto ou 09 de Setembro, se estamos na Era Vulgar ou no Ano da Verdadeira Luz, e preciso fazer meu discurso na loja Comércio e Artes do Rio de Janeiro.

E, novamente, outro bate boca:

- A República é o melhor para o Brasil!!

- Não é!!! É preciso fazer uma mudança gradual, mas não temos sequer um nome para assumir a presidência.

- Chame o Deodoro para assumir o governo provisório. Irmão Mestre de Cerimônias, grite pelo

Deodoro!

Chega o Deodoro, doente, fragilizado, desencantado e diz:

- Tô fora. Já dei a minha contribuição: já assumi, já fechei o Congresso, já renunciei ao governo, ao Grão Mestrado. Quero que me esqueçam. Vocês se resolvam com o Floriano, o “Marechal de Ferro”.

- Calma Deodoro. Quem disse isto foi outro presidente.

Nesse ponto a confusão torna-se muito grande, já virando caso de policia, ou melhor, de exército.

Chamam o Caxias.

Montado num enorme cavalo, brandindo sua espada, sai das profundezas o nosso Duque Patrono do Exército brasileiro:

- Sigam-me os que forem brasileiros!

- Para onde, Caxias?

- Para qualquer lugar, desde que estejamos “ombro a ombro” e não “peito a peito”.

- Obrigado por ter vindo, mas tire esse cavalo do templo e resolva essa querela o mais diplomaticamente possível.

- Eu só sei resolver na espada. Diplomacia é lá com o Barão, o do Rio Branco.

- Irmão Guarda Interno, controle a entrada dos irmãos. Quem é esse aprendiz no topo da coluna do Norte?

- É o Euclides da Cunha, Venerável Mestre.

- O jornalista do Estadão? O autor de “Os Sertões”? Aquele que disse que “o sertanejo é um forte”?

- Não, Venerável Mestre. Este não é aquele que disse. Esse é o próprio sertanejo forte do sertão baiano.

- Tá bom.. Então deixa ele aí, quietinho, na coluna do Norte. Meus irmãos: estando a Loja dos Espíritos composta, vamos iniciar nossos trabalhos.

Irmão Guarda Interno: verifique se estamos a coberto.

O Irmão Guarda Interno sai do templo e, após alguns minutos de longa espera, retorna e diz:

- Venerável Mestre: é com profunda tristeza que vos informo o que vi.

- E o que vistes, Irmão Guarda Interno?

- Venerável Mestre, na Sala dos Passos Perdidos amontoam-se milhares de irmãos deitados na cama da fama. Dormem um sono profundo. Alguns até roncam; outros sonham com a Maçonaria do passado. No salão de festas, outro tanto se repasta com gordurosos bolinhos, pastéis e canapés. Bebem refrigerantes, cerveja e até aguardente.

Algumas conversas, felizmente a minoria, vão do mesquinho ao ridículo. Pequenos grupos fazem pequenos negócios. Alguns, mais preocupados com os grandes problemas da Ordem e da sociedade, parecem sonhar acordados quando falam de seus utópicos projetos, e outros, talvez por não entenderem a real dimensão dos problemas, tentam resolvê-los com pequenas soluções, fazendo jantares beneficentes, bazares e vendendo até rifas.

- Não é possível!!!!! Não acredito no que ouço!

Abandonaram a liberdade de pensar! Não se fomentam mais as grandes ideias! Perderam os nossos ideais! Interromperam as nossas conquistas e agora interrompem o nosso merecido descanso. Por que nos incomodam???? !!!! De pé e à ordem. Irmão Mestre de Cerimônias: abra as portas do templo.

Meus irmãos: enchamos de ar os nossos pulmões e gritemos em uníssono:

-“ACORDEM, MEUS IRMÃOS” !!!

"ACORDEM, MEUS IRMÃOS ! ! ! "

(desconheço o autor)

A DOUTRINA SECRETA - Helena Petrovna Blavatsky




 "NÃO HÁ RELIGIÃO SUPERIOR À VERDADE"

"Os chamados "Anjos Caídos" são a própria Humanidade. O Demônio do Orgulho, da Luxúria, da Rebeldia e do Ódio não existia antes de aparecer o homem físico consciente. Foi o homem quem engendrou e criou o Demônio, e permitiu que medrasse em seu coração; foi ele também quem contagiou o Deus Interno, o Deus que reside nele, enlaçando o Espírito puro com o Demônio impuro da Matéria. E, assim como o aforismo cabalístico Demon est Deus inversus encontra sua corroboração metafísica e teórica na Natureza dual manifestada, é igualmente verdade que sua aplicação prática se verifica somente na Humanidade."

"O teósofo não acredita em milagres divinos nem diabólicos, através do tempo apenas pode colher evidências e julgá-las pelos resultados.

Para ele não existem santos nem bruxos, nem profetas nem anjos, apenas adeptos ou homens capazes de realizar fatos de caráter fenomenal, aos quais julga por suas palavras e atos. A única distinção que cabe ao Teósofo fazer atualmente depende dos resultados obtidos, bons ou maus para aqueles sobre os quais o adepto exerceu seus poderes. Além disso, o ocultista deve prescindir da definição arbitrária que os definidores religiosos fizeram dos fatos chamados milagrosos Os cristãos, por exemplo, têm o dever de considerar como santos a São Pedro e a São Paulo e ver em Simão, o mago, e em Apolônio de Tiana, necromantes a serviço de potestades diabólicas; porém também o ocultista é obrigado, se quiser sê-lo deveras, a rejeitar toda idéia exclusivista neste ponto. 

O estudioso de ocultismo não professará determinada religião, ainda que deva respeitar toda opinião e crença para chegar a ser adepto da Boa Lei. Não deve seguir os prejuízos e opiniões sectárias de ninguém e deve formar suas próprias convicções segundo as regras de evidências que lhe proporcionem a ciência a que se dedica. Se o ocultista professa, por exemplo, o budismo, considerará a Gautama Buda como o maior adepto que tenha existido, como a encarnação do amor sem egoísmo, da cavidade imensa e da moral puríssima; porém verá iluminado com a mesma luz a Jesus Cristo, considerando-o como outra encarnação de virtudes divinas. Venerará a memória do Grande Mártir, ainda que não o veja como Deus humanizado na terra e Deus de deuses no céu.

 Amará ao homem ideal pelas suas virtudes pessoas sem se importar com elogios de fanáticos sonhadores nem a dogmatismos teológicos. Acreditará também na maioria dos milagres se os distingue segundo as regras de sua ciência.

Ainda que negue a palavra milagre em sua acepção teológica, ou seja, como acontecimento contrário às leis da natureza, os considerará como desvio das leis atualmente conhecidas, o que é muito diferente. Por outro lado verá muitos de tais 

fatos nos Evangelhos, de natureza divina, com o cuidado de tomar alguns deles como, por exemplo, o de enviar os demônios a um grupo de cardos num sentido alegórico e não literal. Esta deve ser a postura de um ocultista legítimo e imparcial.

Os muçulmanos que consideram a Jesus como um grande profeta e o respeitam como tal dão com isso uma bela lição aos cristãos que condenam a tolerância religiosa e chamam a Maomé, o falso profeta."


Mestra Helena Petrovna Blavatsky, A Doutrina Teosófica 

maio 22, 2021

SAWABONA

 



     Há uma "tribo" africana que tem um costume muito bonito.                                   

     Quando alguém faz algo prejudicial e errado, eles levam a pessoa para o centro da aldeia, e toda a tribo vem e o rodeia. 

     Durante dois dias, eles vão dizer ao homem todas as coisas boas que ele já fez. 

     A tribo acredita que cada ser humano vem ao mundo como um ser bom. 

     Cada um de nós desejando segurança, amor, paz, felicidade. 

     Mas às vezes, na busca dessas coisas, as pessoas cometem erros. 

     A comunidade enxerga aqueles erros como um grito de socorro. 

     Eles se unem então para erguê-lo, para reconectá-lo com sua verdadeira natureza, para lembrá-lo quem ele realmente é, até que ele se lembre totalmente da verdade da qual ele tinha se desconectado temporariamente: 

     "Eu sou bom". Sawabona Shikoba! SAWABONA, é um cumprimento usado na África do Sul e quer dizer: 

     "Eu te respeito, eu te valorizo. Você é importante pra mim" 

     Em resposta as pessoas dizem SHIKOBA,que é: 

     "Então, eu existo pra você."

IKiGAI - UMA LIÇÃO DE VIDA - Heitor Rodrigues Freire

 



Heitor Rodrigues Freire é corretor de imóveis, advogado, GM ad vitam da GLEMS e atual presidente da Santa Casa de Campo Grande.

As civilizações antigas deixaram no inconsciente coletivo da humanidade registros que se perpetuaram no tempo e no espaço. Índia, Tibete, China, Japão, Egito, Grécia, Arábia e Israel durante milênios foram moldando e orientando todo um ordenamento mental e espiritual.

Por intuição, sou um admirador e estudioso desses legados. Sinto que encarnei em muitos desses povos, tal a minha identificação interior com alguns deles. Vivo estudando, aprendendo e praticando – o que me motiva e me inspira diariamente. A grande diferença que observo entre a civilização oriental e a ocidental é a característica intrínseca de cada uma: o oriental, por natureza, é mais disciplinado, introvertido e sóbrio, o que não acontece em geral com o ocidental. Principalmente com os latinos, mais passionais e extrovertidos.

Há quase dois anos, descobri os Ritos Tibetanos, que venho praticando diariamente e aos quais eu credito grande parte da minha vitalidade. Na internet, para os que se interessarem existe farta matéria sobre o assunto.

Agora, conversando com minha filha número 1, a Valéria, que é professora, me deparei com o Ikigai. É um sistema oriundo do Japão, que pode ser traduzido como “razão para viver”. Ter um ikigai claro e definido proporciona a satisfação e o propósito que justificam a nossa existência, sendo para muitos, também, a chave da longevidade.

Por que existem pessoas que sabem o que querem, enquanto outras definham na confusão? Segundo os japoneses, o segredo é encontrar o seu ikigai e encontrar o propósito que guiará sua vida.  

Os escritores Francesc Miralles e Héctor Garcia foram até Okinawa, a ilha japonesa de população centenária, e reuniram esses princípios no livro Ikigai: Os segredos dos japoneses para uma vida longa e feliz. O resultado é um guia com informações claras e sucintas, além de listas, tabelas e ilustrações que colocam em nossas mãos as ferramentas para entender e encontrar nosso próprio ikigai, com os hábitos e rotinas que mantêm em dia a saúde da mente, do corpo e do espírito daquele povo.

Segundo os autores, os habitantes de Okinawa possuem uma sensação de pertencimento coletivo, pois desde muito jovens praticam o yuimaaru, o trabalho em equipe, que os ensina a ajudar uns aos outros. Além disso, no livro Héctor e Francesc também descobriram que os indivíduos super centenários cuidam da alimentação. Os moradores de Okinawa comem pouca carne, poucos alimentos processados e ingerem álcool com moderação. Outra dica que o livro traz é a de comer até 80% do estômago estar cheio, pois assim não há desgaste do corpo e aceleração da oxidação celular durante a digestão.

Os exercícios praticados pelos super centenários não são extremos, mas eles se movimentam todos os dias. De acordo com o livro, as pessoas que têm uma vida longa e feliz preferem caminhar a usar um carro e praticam a jardinagem, que requer movimento físico diário, mas de baixa intensidade.

Além da parte teórica, o livro Ikigai traz dicas práticas e exercícios que podem ser feitos diariamente para aumentar o bem estar e a qualidade de vida. 

O ikigai é um éthos japonês específico, segundo Ken Mogi, um neurocientista e escritor japonês que já escreveu mais de trinta livros sobre cognição e neurociência. Segundo ele, a essência do ikigai é constituída por uma noção de comunidade, uma dieta equilibrada e a percepção da espiritualidade. 

Em seu livro Ikigai, Mogi apresenta os cinco pilares para o ikigai:

Começar pequeno;

Libertar-se;

Harmonia e sustentabilidade;

A alegria das pequenas coisas;

Estar no aqui e agora.

Enfim, o ikigai é um manual prático e orientador para quem quer se aprofundar no estudo e na prática desse princípio da cultura japonesa, que, certamente, levará ao autoconhecimento e à evolução espiritual.

O MEDO CAUSADO PELA INTELIGÊNCIA

 


Quando Winston Churchill, ainda jovem, acabou de pronunciar seu discurso de estreia na Câmara dos Comuns, foi perguntar a um velho parlamentar, amigo de seu pai, o que tinha achado do seu primeiro desempenho naquela assembleia de vedetes políticas. O velho pôs a mão no ombro de Churchill e disse, em tom paternal: "Meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi muito brilhante neste seu primeiro discurso na Casa. Isso é imperdoável. Devia ter começado um pouco mais na sombra. Devia ter gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstrou hoje, deve ter conquistado, no mínimo, uns trinta inimigos. O talento assusta." 

E ali estava uma das melhores lições de abismo que um velho sábio pode dar ao pupilo que se inicia numa carreira difícil. A maior parte das pessoas encasteladas em posições políticas é medíocre e tem um indisfarçável medo da inteligência. Isso na Inglaterra. Imaginem aqui no Brasil. Não é demais lembrar a famosa trova de Ruy Barbosa: 

Há tantos burros mandando 

Em homens de inteligência 

Que às vezes fico pensando 

Que a burrice é uma Ciência.  

Temos de admitir que, de um modo geral, os medíocres são mais obstinados na conquista de posições. Sabem ocupar os espaços vazios deixados pelos talentosos displicentes que não revelam o apetite do poder. Mas é preciso considerar que esses medíocres ladinos, oportunistas e ambiciosos, têm o hábito de salvaguardar suas posições conquistadas com verdadeiras muralhas de granito por onde talentosos não conseguem passar. Em todas as áreas encontramos dessas fortalezas estabelecidas, as panelinhas do arrivismo, inexpugnáveis às legiões dos lúcidos. Dentro desse raciocínio, que poderia ser uma extensão do 'Elogio da Loucura' de Erasmo de Roterdan, somos forçados a admitir que uma pessoa precisa fingir de burra se quiser vencer na vida. 

É pecado fazer sombra a alguém até numa conversa social. Assim como um grupo de senhoras burguesas bem casadas boicota automaticamente a entrada de uma jovem mulher bonita no seu círculo de convivência, por medo de perder seus maridos, também os encastelados medíocres se fecham como ostras à simples aparição de um talentoso jovem que os possa ameaçar. Eles conhecem bem suas limitações, sabem como lhes custa desempenhar tarefas que os mais dotados realizam com uma perna nas costas, enfim, na medida em que admiram a facilidade com que os mais lúcidos resolvem problemas, os medíocres os repudiam para se defender. É um paradoxo angustiante. 

Infelizmente temos de viver segundo essas regras absurdas que transformam a inteligência numa espécie de desvantagem perante a vida. Como é sábio o velho conselho de Nelson Rodrigues. 

Finge-te de idiota e terás o céu e a terra. 

O problema é que os inteligentes gostam de brilhar

(José Alberto Gueiros, Jornal da Bahia, 1979)

A MINHA, A SUA E A OPINIAO ALHEIA - Newton Agrella




Newton Agrella é escritor, tradutor e palestrante. É um dos mais respeitados intelectuais maçônicos do país e colaborador deste blog.

Por definição clássica, a expressão "Formador de Opinião", teoricamente refere-se a alguém que tem o poder e a capacidade de conduzir, influenciar e até mesmo de modificar a opinião e o pensamento de outras pessoas, nos mais variados campos das atividades humanas.

Formadores de Opinião, no entanto, não se pautam exclusivamente, pelo caráter individual e dialético de suas idéias e tampouco vêem-se investidos de algum espírito crítico e autocritico, em questões que mereceriam uma análise impessoal, isenta e sem  qualquer viés subjetivo ou doutrinário.

O que se percebe com maior incidência é aquele intitulado "Formador de Opinião", contratado por empresas, especialmente para assessoria de imprensa, publicidade e jornalismo, que se prestam a oferecer seus discursos e opiniões ao sabor das necessidades dos contratantes.

A tentativa de construção ou desconstrução de imagens e conceitos no campo político, social, moral, ecômico ou cultural, tem sido a tarefa mais frequente destes "profissionais"  cuja lâmina tem o poder de cortar e extirpar estruturas, ao sabor de intenções ocultas.

Não vai aí, nenhuma hipotética teoria da conspiração.

Essa estratégia encontra abrigo   nos braços de grandes corporações, cuja dinâmica e capacidade de se instaurar na mente de uma considerável parcela da população, tem sido instrumento de valor inestimável.

É claro que a liberdade de expressão é um direito legítimo e inalienável, e todos temos que preservá-la.

A circunstância porém, se torna um problema sério, quando a massificação ou extratificação de uma idéia a ser emitida pelo "Formador de Opinião"  se repita monocórdicamente, e a passos mancos ou sob olhar caolho que crie amarras na liberdade de pensamento de um povo.

Todos temos o direito de pensar, porém nem todos são livres pensadores. 

Pensar com a barriga é um caminho curto e inconsistente que não exige raciocínio. 

Refletir e desenvolver um espírito crítico sobre as necessidades, faria com que a maioria dos "Formadores de Opinião" buscassem outra atividade.  


O que causa medo e desconforto é o descompromisso com as aspirações e necessidades que atendam a um povo marcado pela ignorância e por um inequívoco  descomprometimento com a Educação.


*NEWTON AGRELLA*

maio 20, 2021

MAÇONARIA, UMA ORDEM INICIÁTICA - POR QUE? - Newton Agrella



Newton Agrella é palestrante, tradutor e escritor. Um dos mais respeitados intelectuais da maçonaria no Brasil.


Antes de responder ao questionamento do título dessa matéria, cabe lembrar queo empirismo é uma teoria filosófica que defende a idéia de que o conhecimento sobre tudo o que nos cerca advém da experiência.

As experiências humanas são responsáveis pela formação das ideias e conceitos existentes no mundo.

Tomando-se por base as premissas  supra-citadas, pode-se afirmar, sem qualquer receio que o processo de *Iniciação Maçônica* passa por um exercício altamente empírico em que o candidato se submete a uma viagem emocional.

Etimológicamente, o substantivo "Iniciação" advém do Latim  *initiatio*), cujo significado  remete a começo, entrada, ou início de um ato, circunstância ou acontecimento.

Nesse processo o candidato protagoniza concomitantemente o papel de espectador e de ator  durante todos os acontecimentos que se desenvolvem à sua volta.9

Essa inédita e singular experiência que compreende longos silêncios, olhos vendados,  símbolos, alegorias, leituras, movimentos, sons, e ruídos esporádicos, remete o candidato a um estado transcendental do próprio conhecimento humano e de um divisor no estado de consciência, ainda que imperceptível.

A experimentação do medo, do desconhecido, da escuridão, da limitação dos sentidos e da ansiedade desmedida constituem-se num legítimo exercício empírico.

A "Iniciação"  transporta o candidato para além do tempo e do espaço, o que de algum modo impacta seu subconsciente.

Essa experiência instigante e esse fluxo místico e misterioso aguça a percepção.

É nesse sentido que o Empirismo Maçônico se manifesta de forma inequívoca como fonte de desenvolvimento para que o Iniciado possa, ainda que inconscientemente,  dar Início ao trabalho de construção e lapidação de seu Templo Interior.

O Empirismo contido na Iniciação Maçônica, não torna o candidato perfeito e tampouco promete salvação; apenas oferece as ferramentas e a chance de se aprimorar como criatura humana, cada qual à sua maneira.

Importante registrar que o termo "Iniciação"  representa o ato de conferir a alguém as primeiras noções de certas matérias que ignorava.

Normalmente a expressão faz referência ao acesso a uma doutrina filosófica, como é o caso da Maçonaria.

Vale ainda considerar que uma Iniciação igualmente impõe um tipo de cerimônia ritualística em que o candidato é submetido a uma série de provas ou tarefas e via de regra conduzido por um Maçom Experiente.  

No âmbito maçônico, a cerimônia em si,  costuma constituir-se numa exposição parcimoniosa e compassada de novos conhecimentos.

Para efeito de fechamento deste episódio conceitual é válido expor como instrumento comparativo que substantivos como: Entrada, Admissão, Recepção ou Aceitação - que de algum modo detêm um caráter sinônimo - no ambiente semântico e no caso de determinados contextos filosóficos, como a Maçonaria - esses termos não traduzem o significado mais profundo e interior que o substantivo Iniciação, traz no seu cerne.

Do ponto de vista esotérico, a palavra "Iniciação"  tem um significado de ascensão de um nível (até então desconhecido) de existência para um outro nível superior.

Eis o porquê deste vocábulo possuir um significado tão único que o distancia de outros que supostamente poderiam lhe fazer frente.


maio 19, 2021

COMO KEPLER INVENTOU A FICÇÃO CIENTÍFICA




Como Kepler inventou a ficção científica e defendeu sua mãe em um julgamento de feitiçaria enquanto revolucionava nossa compreensão do universo

 Quantas revoluções a engrenagem da cultura dá antes que uma nova verdade sobre a realidade entre em ação?

 POR MARIA POPOVA

 Um matemático magro de meia-idade com uma mente alucinante, um coração afundado e pele ruim está sendo jogado na parte de trás de uma carruagem no frio de esvaziar os ossos de um janeiro alemão.  Desde a juventude inscreveu nos livros de família e nos álbuns de amizade o seu lema pessoal, emprestado de um verso do antigo poeta Perseu: “Ó cuidados do homem, quanto de tudo é fútil.”  Ele resistiu a tragédias pessoais que o nivelariam mais.  Ele agora está correndo através da extensão de alabastro gelado do campo na esperança precária de evitar outro: quatro dias depois do Natal e dois dias depois de seu quadragésimo quarto aniversário, uma carta de sua irmã o informou que sua mãe viúva está sendo julgada por  bruxaria - fato pelo qual ele se considera responsável.

 Ele escreveu a primeira obra de ficção científica do mundo - uma alegoria inteligente divulgando o polêmico modelo copernicano do universo, descrevendo os efeitos da gravidade décadas antes de Newton formalizá-la em uma lei, prevendo a síntese da fala séculos antes dos computadores e pressagiando viagens espaciais trezentas.  anos antes do pouso na lua.  A história, destinada a combater a superstição com a ciência por meio de símbolos e metáforas que convidam ao pensamento crítico, em vez disso efetuou a condenação mortal de sua mãe idosa e analfabeta.

 O ano é 1617. Seu nome é Johannes Kepler (27 de dezembro de 1571 - 15 de novembro de 1630) - talvez o homem mais azarado do mundo, talvez o maior cientista que já viveu.

 Ele habita um mundo no qual Deus é mais poderoso do que a natureza, o Diabo é mais real e onipresente do que a gravidade.  Ao seu redor, as pessoas acreditam que o sol gira em torno da Terra a cada vinte e quatro horas, colocado em um movimento circular perfeito por um criador onipotente;  os poucos que ousam apoiar a ideia tendenciosa de que a Terra gira em torno de seu eixo enquanto gira em torno do Sol acreditam que ela se move ao longo de uma órbita perfeitamente circular.  Kepler contestaria ambas as crenças, cunharia a palavra órbita e extrairia o mármore com o qual a física clássica seria esculpida.  Ele seria o primeiro astrônomo a desenvolver um método científico de previsão de eclipses e o primeiro a vincular a astronomia matemática à realidade material - o primeiro astrofísico - demonstrando que as forças físicas movem os corpos celestes em elipses calculáveis.  Tudo isso ele realizaria enquanto desenhava horóscopos, defendendo a criação espontânea de novas espécies animais surgindo dos pântanos e escorrendo da casca das árvores, e acreditando que a própria Terra era um corpo com alma que tem digestão, que sofre de doenças, que inspira e expira como  um organismo vivo.  Três séculos mais tarde, a bióloga marinha e escritora Rachel Carson iria reimaginar uma versão dessa visão tecida de ciência e despojada de misticismo ao tornar ecologia uma palavra familiar.

 A vida de Kepler é um testemunho de como a ciência faz pela realidade o que o experimento mental de Plutarco conhecido como "o navio de Teseu" faz por si mesmo.  Na antiga alegoria grega, Teseu - o fundador-rei de Atenas - navegou triunfantemente de volta à grande cidade depois de matar o mítico Minotauro em Creta.  Por mil anos, seu navio foi mantido no porto de Atenas como um troféu vivo e navegou para Creta anualmente para reencenar a viagem vitoriosa.  Conforme o tempo começou a corroer a embarcação, seus componentes foram substituídos um por um - novas pranchas, novos remos, novas velas - até que nenhuma peça original permanecesse.  Foi então, pergunta Plutarco, o mesmo navio?  Não existe um eu estático e sólido.  Ao longo da vida, nossos hábitos, crenças e ideias evoluem além do reconhecimento.  Nossos ambientes físicos e sociais mudam.  Quase todas as nossas células são substituídas.  No entanto, permanecemos, para nós mesmos, "quem" "nós" "somos".

 O mesmo acontece com a ciência: pouco a pouco, as descobertas reconfiguram nossa compreensão da realidade.  Essa realidade nos é revelada apenas em fragmentos.  Quanto mais fragmentos percebemos e analisamos, mais realista é o mosaico que fazemos deles.  Mas ainda é um mosaico, uma representação - imperfeita e incompleta, por mais bela que seja, e sujeita a uma transfiguração sem fim.  Três séculos depois de Kepler, Lord Kelvin subiria ao pódio na Associação Britânica de Ciência no ano de 1900 e declararia: “Não há nada novo a ser descoberto na física agora.  Tudo o que resta é uma medição cada vez mais precisa. ”  No mesmo momento, em Zurique, o jovem Albert Einstein está incubando as ideias que convergiriam para sua concepção revolucionária do espaço-tempo, transfigurando irreversivelmente nossa compreensão elementar da realidade.

 Mesmo os mais longínquos videntes não conseguem desviar o olhar para além do horizonte de possibilidades de sua era, mas o horizonte muda com cada revolução incremental conforme a mente humana perscruta para fora para captar a natureza, então se volta para dentro para questionar seus próprios dados.  Penetramos o mundo através da malha dessas certezas, tensionadas pela natureza e pela cultura, mas de vez em quando - seja por acidente ou esforço consciente - o fio se solta e o cerne de uma revolução escorrega.

 Kepler ficou sob o domínio do modelo heliocêntrico como um estudante na Universidade Luterana de Tübingen, meio século depois que Copérnico publicou sua teoria.  Kepler, de 22 anos, estudando para entrar no clero, escreveu uma dissertação sobre a Lua, com o objetivo de demonstrar a afirmação copernicana de que a Terra se move simultaneamente em torno de seu eixo e em torno do sol.  Um colega de classe chamado Christoph Besold - estudante de direito na universidade - ficou tão fascinado com o artigo lunar de Kepler que propôs um debate público.  A universidade prontamente vetou.  Alguns anos depois, Galileu escreveria ao Kepler que ele próprio acreditava no sistema copernicano "por muitos anos" - e ainda não tinha ousado defendê-lo em público e não o faria por mais  mais de trinta anos.

 As ideias radicais de Kepler o tornaram muito indigno de confiança para o púlpito.  Após a formatura, ele foi banido do país para ensinar matemática em um seminário luterano em Graz.  Mas ele estava feliz - ele se via, mente e corpo, como talhado para a bolsa de estudos.  “Eu tiro de minha mãe minha constituição física”, ele escreveria mais tarde, “que é mais adequada para estudar do que para outros tipos de vida”.  Três séculos depois, Walt Whitman observaria como a mente está em dívida com o corpo, "como por trás da contagem do gênio e da moral está o estômago e dá uma espécie de voto de qualidade".

 Enquanto Kepler via seu corpo como um instrumento de erudição, outros corpos ao seu redor estavam sendo explorados como instrumentos de superstição.  Em Graz, ele testemunhou exorcismos dramáticos realizados em jovens mulheres que se acreditava possuídas por demônios - sombrios espetáculos públicos encenados pelo rei e seu clero.  Ele viu vapores coloridos emanando da barriga de uma mulher e besouros pretos brilhantes rastejando para fora da boca de outra.  Ele viu a destreza com que os titereiros do populacho dramatizavam o dogma para arrancar o controle - a igreja era então a mídia de massa, e a mídia de massa não tinha medo de recorrer à propaganda como hoje.

 Com a escalada da perseguição religiosa - logo ela explodiria na Guerra dos Trinta Anos, a guerra religiosa mais mortal da história do continente - a vida em Graz se tornou inviável.  Os protestantes foram forçados a se casar pelo ritual católico e ter seus filhos batizados como católicos.  Casas foram invadidas, livros heréticos confiscados e destruídos.  Quando a filha pequena de Kepler morreu, ele foi multado por evadir o clero católico e não teve permissão para enterrar seu filho até que pagasse a taxa.  Era hora de migrar - um empreendimento caro e difícil para a família, mas Kepler sabia que haveria um preço mais alto a pagar por ficar:

 Não posso considerar a perda de propriedade mais seriamente do que a perda de oportunidade de realizar aquilo que a natureza e a carreira me destinaram.

 Voltar a Tübingen para uma carreira no clero estava fora de questão:

 Jamais poderia me torturar com maior inquietação e ansiedade do que se agora, em meu atual estado de consciência, fosse encerrado nessa esfera de atividade.

 Em vez disso, Kepler reconsiderou algo que inicialmente viu apenas como um elogio lisonjeiro à sua crescente reputação científica: um convite para visitar o proeminente astrônomo dinamarquês Tycho Brahe na Boêmia, onde ele acabara de ser nomeado matemático real do Sacro Imperador Romano.

 Kepler fez a árdua jornada de quinhentos quilômetros até Praga.  Em 4 de fevereiro de 1600, o famoso dinamarquês recebeu-o calorosamente no castelo onde ele computou os céus, seu enorme bigode laranja quase brilhando de genialidade.  Durante os dois meses que Kepler passou lá como convidado e aprendiz, Tycho ficou tão impressionado com a engenhosidade teórica do jovem astrônomo que lhe permitiu analisar as observações celestes que vinha guardando de perto de todos os outros estudiosos, e então lhe ofereceu uma posição permanente.  Kepler aceitou com gratidão e viajou de volta a Graz para reunir sua família, chegando a um mundo retrógrado ainda mais dividido pela perseguição religiosa.  Quando os Kepler se recusaram a se converter ao catolicismo, foram banidos da cidade - a migração para Praga, com todas as privações que isso exigiria, não era mais opcional.  Pouco depois que Kepler e sua família desembarcaram em sua nova vida na Boêmia, a válvula entre o acaso e a escolha se abriu novamente, e outra súbita mudança de circunstância o invadiu: Tycho morreu inesperadamente aos 54 anos.  Dois dias depois, Kepler foi nomeado seu sucessor como matemático imperial, herdando os dados de Tycho.  Ao longo dos anos seguintes, ele se valeria dela extensivamente para conceber suas três leis do movimento planetário, que revolucionariam a compreensão humana do universo.

 Quantas revoluções a engrenagem da cultura dá antes que uma nova verdade sobre a realidade entre em ação?

 Três séculos antes do Kepler, Dante havia se maravilhado em sua Divina Comédia com os novos relógios batendo na Inglaterra e na Itália: “Uma roda se move e impulsiona a outra”.  Esse casamento de tecnologia e poesia eventualmente deu origem à metáfora do universo mecânico.  Antes que a física de Newton colocasse esta metáfora no epicentro ideológico do Iluminismo, Kepler uniu o poético e o científico.  Em seu primeiro livro, The Cosmographic Mystery, Kepler pegou a metáfora e despojou-a de suas dimensões divinas, removendo Deus como o mestre do relógio e apontando para uma única força operando nos céus: "A máquina celestial", escreveu ele, "não é  algo como um organismo divino, mas sim algo como um mecanismo de relógio em que um único peso aciona todas as engrenagens. ”  Dentro dele, "a totalidade dos movimentos complexos é guiada por uma única força magnética."  Não era, como escreveu Dante, “o amor que move o sol e outras estrelas” - foi a gravidade, como Newton formalizaria mais tarde esta “força magnética única”.  Mas foi Kepler quem formulou pela primeira vez a própria noção de força - algo que não existia para Copérnico, que, apesar de sua descoberta inovadora de que o sol move os planetas, ainda concebia esse movimento de forma poética e não científica.  termos.  Para ele, os planetas eram cavalos cujas rédeas o sol segurava;  para o Kepler, eram engrenagens do sol ferido por uma força física.

 No ansioso inverno de 1617, rodas desfiguradas estão girando sob Johannes Kepler enquanto ele se apressa para o julgamento de feitiçaria de sua mãe.  Para esta longa jornada a cavalo e de carruagem, Kepler embalou uma cópia surrada de Diálogo sobre Música Antiga e Moderna de Vincenzo Galilei, o pai de seu amigo Galileu - um dos tratados de música mais influentes da época, um assunto que sempre encantou Kepler tanto  como matemática, talvez porque ele nunca viu os dois como separados.  Três anos depois, ele se basearia nela para compor seu próprio livro inovador, A Harmonia do Mundo, no qual formularia sua terceira e última lei do movimento planetário, conhecida como a lei harmônica - sua extraordinária descoberta, vinte e dois anos em  a feitura da ligação proporcional entre o período orbital de um planeta e o comprimento do eixo de sua órbita.  Ajudaria a calcular, pela primeira vez, a distância entre os planetas e o Sol - a medida dos céus em uma época em que se pensava que o Sistema Solar era tudo o que existia.

 Enquanto Kepler galopa pelo interior da Alemanha para evitar a execução de sua mãe, a Inquisição em Roma está prestes a declarar herética a alegação do movimento da Terra - uma heresia punível com a morte.

 Atrás dele está uma vida desmoronada: o Imperador Rodolfo II está morto - Kepler não é mais o matemático real e o principal conselheiro científico do Sacro Imperador Romano, um trabalho dotado do mais alto prestígio científico da Europa, embora principalmente encarregado de fazer horóscopos para a realeza;  seu amado filho de seis anos está morto - "um jacinto da manhã no primeiro dia da primavera" murcha pela varíola, uma doença que mal poupou Kepler quando criança, deixando sua pele marcada por cicatrizes e sua visão para sempre  estragado;  sua primeira esposa está morta, desequilibrada pela dor antes de sucumbir ela mesma à varíola.

 Diante dele está a colisão de dois mundos em dois sistemas mundiais, cuja centelha acenderia a imaginação interestelar.

 Em 1609, Johannes Kepler terminou a primeira obra de ficção científica genuína - isto é, uma narrativa criativa na qual a ciência sensorial é o principal dispositivo de enredo.  Somnium, ou O Sonho, é o relato fictício de um jovem astrônomo que viaja para a Lua.  Rico em engenhosidade científica e jogo simbólico, é ao mesmo tempo uma obra-prima da imaginação literária e um documento científico inestimável, tanto mais impressionante pelo fato de que foi escrito antes de Galileu apontar a primeira luneta para o céu e antes que o próprio Kepler o tivesse  já olhou através de um telescópio.

 Kepler sabia o que habitualmente esquecemos - que o locus de possibilidade se expande quando o inimaginável é imaginado e então tornado real por meio de esforço sistemático.  Séculos depois, em uma conversa de 1971 com Carl Sagan e Arthur C. Clarke sobre o futuro da exploração espacial, o santo patrono da ficção científica, Ray Bradbury, capturou esse processo de transmutação perfeitamente: “Faz parte da natureza do homem começar com romance e construir  a realidade."  Como qualquer moeda de valor, a imaginação humana é uma moeda com duas faces inseparáveis.  É a nossa faculdade de fantasia que preenche as lacunas inquietantes do desconhecido com as certezas tranquilizantes do mito e da superstição, que aponta para a magia e a feitiçaria quando o bom senso e a razão não conseguem revelar a causalidade.  Mas essa mesma faculdade é também o que nos leva a nos elevar acima dos fatos aceitos, acima dos limites do possível estabelecido pelo costume e pela convenção, e alcançar novos picos de verdades antes inimagináveis.  O modo como a moeda vai virar depende do grau de coragem, determinado por alguma combinação incalculável de natureza, cultura e caráter.

 Em uma carta para Galileu contendo a primeira menção escrita da existência do Sonho e escrita na primavera de 1610 - um pouco mais de um século depois da viagem de Colombo às Américas - Kepler conduz a imaginação de seu correspondente para sondar a realidade iminente da viagem interestelar, lembrando  ele apenas como uma viagem transatlântica parecia inimaginável não há muito tempo:

 Quem teria acreditado que um imenso oceano poderia ser cruzado com mais paz e segurança do que a estreita extensão do Adriático, o Mar Báltico ou o Canal da Mancha?

 Kepler prevê que, uma vez que “velas ou navios aptos a sobreviver às brisas celestiais” sejam inventados, os viajantes não temerão mais o vazio escuro do espaço interestelar.  De olho nesses futuros exploradores, ele lança um desafio solidário:

 Portanto, para quem virá em breve tentar essa jornada, vamos estabelecer a astronomia: Galileu, você de Júpiter, eu da lua.

 Newton mais tarde refinaria as três leis do movimento de Kepler com seu cálculo formidável e uma compreensão mais rica da força subjacente como a base da gravidade newtoniana.  Em um quarto de milênio, a matemática Katherine Johnson utilizaria essas leis para computar a trajetória que leva a Apollo 11 à lua.  Eles guiariam a espaçonave Voyager, o primeiro objeto de fabricação humana a navegar pelo espaço interestelar.

 No Sonho, que Kepler descreveu em sua carta a Galileu como uma "geografia lunar", o jovem viajante pousa na Lua para descobrir que os seres lunares acreditam que a Terra gira em torno deles - de seu ponto de vista cósmico, nosso ponto azul claro sobe e se põe  contra seu firmamento, algo refletido até mesmo no nome que deram à Terra: Volva.  Kepler escolheu o nome deliberadamente, para enfatizar o fato da revolução da Terra - o próprio movimento que tornou o copernicanismo tão perigoso para o dogma da estabilidade cósmica.  Presumindo que o leitor esteja ciente de que a Lua gira em torno da Terra - um fato observado na antiguidade, totalmente incontroverso em sua época - Kepler sugere a enervante questão central: Será que sua história sugere em um golpe de gênio alegórico anterior à Flatland de Edwin Abbott Abbott  por quase três séculos, que nossa própria certeza sobre a posição fixa da Terra no espaço é tão equivocada quanto a crença dos habitantes lunares na revolução de Volva ao seu redor?  Nós também poderíamos estar girando em torno do sol, embora o solo pareça firme e imóvel sob nossos pés?

 O sonho foi concebido para despertar suavemente as pessoas para a verdade do desconcertante modelo heliocêntrico de Copérnico do universo, desafiando a crença de longa data de que a Terra é o centro estático de um cosmos imutável.  Mas o sono milenar dos terráqueos era muito profundo para o Sonho - uma sonolência mortal, pois resultou na mãe idosa de Kepler sendo acusada de bruxaria.  Dezenas de milhares de pessoas seriam julgadas por bruxaria ao final da perseguição na Europa, superando as duas dúzias que tornariam Salem sinônimo de julgamentos de bruxaria sete décadas depois.  A maioria dos acusados ​​eram mulheres, cuja acusação ou defesa recaía sobre seus filhos, irmãos e maridos.  A maioria dos julgamentos terminou em execução.  Na Alemanha, cerca de 25 mil foram mortos.  Só na cidadezinha pouco populosa de Kepler, seis mulheres foram queimadas como bruxas apenas algumas semanas antes de sua mãe ser indiciada.

Uma estranha simetria assombra a situação de Kepler - foi Katharina Kepler quem encantou seu filho pela primeira vez com a astronomia quando o levou ao topo de uma colina próxima e deixou o menino de seis anos ficar boquiaberto, maravilhado, enquanto o Grande Cometa de 1577 resplandecia  o céu.

 Na época em que escreveu The Dream, Kepler era um dos cientistas mais proeminentes do mundo.  Sua rigorosa fidelidade aos dados observacionais harmonizados com uma imaginação sinfônica.  Com base nos dados de Tycho, o Kepler dedicou uma década e mais de setenta tentativas fracassadas para calcular a órbita de Marte, que se tornou o padrão para medir os céus.  Tendo acabado de formular a primeira de suas leis, demolindo a antiga crença de que os corpos celestes obedecem a movimentos circulares uniformes, Kepler demonstrou que os planetas orbitam o Sol em velocidades variáveis ​​ao longo de elipses.  Ao contrário dos modelos anteriores, que eram simplesmente hipóteses matemáticas, o Kepler descobriu a órbita real pela qual Marte se movia no espaço e, em seguida, usou os dados de Marte para determinar a órbita da Terra.  Fazendo várias observações da posição de Marte em relação à Terra, ele examinou como o ângulo entre os dois planetas mudou ao longo do período orbital que ele já havia calculado para Marte: 687 dias.  Para fazer isso, Kepler teve que se projetar em Marte com um salto empático da imaginação.  A palavra empatia entraria em uso popular três séculos depois, através do portal da arte, quando entrou no léxico moderno no início do século XX para descrever o ato imaginativo de se projetar em uma pintura em um esforço para entender por que a arte nos move.  Por meio da ciência, Kepler se projetou na maior obra de arte que existe em um esforço para entender como a natureza desenha suas leis para mover os planetas, incluindo o corpo que nos move no espaço.  Usando trigonometria, ele calculou a distância entre a Terra e Marte, localizado no centro da órbita da Terra, e passou a demonstrar que todos os outros planetas também se moviam ao longo de órbitas elípticas, demolindo assim a base da astronomia grega - movimento circular uniforme - e efetuando uma  grande golpe contra o modelo ptolomaico.

 Kepler publicou esses resultados reveladores, que resumiram suas duas primeiras leis, em seu livro Astronomia nova - The New Astronomy.  Isso é exatamente o que era - a natureza do cosmos havia mudado para sempre, assim como nosso lugar nele.  “Com o meu esforço, Deus está sendo celebrado na astronomia”, escreveu Kepler a seu ex-professor, refletindo sobre ter trocado a carreira de teologia pela conquista de uma verdade maior.

 Na época da Astronomia Nova, Kepler tinha ampla evidência matemática que afirmava a teoria de Copérnico.  Mas ele percebeu algo crucial e permanente sobre a psicologia humana: a prova científica era muito complexa, muito incômoda, muito abstrata para persuadir até mesmo seus pares, muito menos o público cientificamente analfabeto;  não foram os dados que desmantelariam seu paroquialismo celestial, mas a narração de histórias.  Três séculos antes do poeta Muriel Rukeyser escrever que “o universo é feito de histórias, não de átomos”, Kepler sabia que qualquer que fosse a composição do universo, sua compreensão era de fato obra de histórias, não de ciência - que o que ele  era necessária uma nova retórica para ilustrar, de uma forma simples, mas convincente, que a Terra está de fato em movimento.  E assim nasceu o Sonho.

 Mesmo na época medieval, a Feira do Livro de Frankfurt era um dos mercados literários mais fecundos do mundo.  Kepler comparecia com frequência a fim de promover seus próprios livros e se manter informado sobre outras publicações científicas importantes.  Ele trouxe o manuscrito de O Sonho com ele para esta plataforma de lançamento mais segura, onde os outros participantes, além de estarem bem cientes da reputação do autor como um matemático real e astrônomo, eram cientistas ou eruditos o suficiente para apreciar a alegoria inteligente da história  jogar na ciência.  Mas algo deu errado: em algum momento de 1611, o único manuscrito caiu nas mãos de um jovem nobre rico e fez o seu caminho pela Europa.  Pelo relato de Kepler, chegou até John Donne e inspirou sua sátira feroz da Igreja Católica, Ignatius His Conclave.  Circulada por fofocas de barbearia, versões da história haviam alcançado mentes muito menos literárias, ou mesmo letradas, em 1615. Essas releituras deturpadas acabaram chegando ao ducado doméstico de Kepler.

 “Assim que um poema é disponibilizado ao público, o direito de interpretação pertence ao leitor”, escreveria a jovem Sylvia Plath à mãe três séculos depois.  Mas a interpretação invariavelmente revela mais sobre o intérprete do que sobre o interpretado.  A lacuna entre intenção e interpretação está sempre repleta de erros, especialmente quando o escritor e o leitor ocupam camadas muito diferentes de maturidade emocional e sofisticação intelectual.  A ciência, o simbolismo e o virtuosismo alegórico do Sonho foram inteiramente perdidos pelos aldeões analfabetos, supersticiosos e vingativos da cidade natal de Kepler.  Em vez disso, eles interpretaram a história com a única ferramenta à sua disposição - a arma contundente do corte literal do contexto.  Eles foram especialmente cativados por um elemento da história: o narrador é um jovem astrônomo que se descreve como “ávido por conhecimento por natureza” e que foi aprendiz de Tycho Brahe.  Naquela época, as pessoas em toda parte conheciam o aluno mais famoso e sucessor imperial de Tycho.  Talvez seja um motivo de orgulho para os habitantes locais terem produzido o famoso Johannes Kepler, talvez um motivo de inveja.  Seja qual for o caso, eles imediatamente consideraram a história não como ficção, mas como autobiografia.  Esta foi a sementeira de problemas: outro personagem principal foi a mãe do narrador - um herbicida que invoca espíritos para ajudar seu filho em sua viagem lunar.  A própria mãe de Kepler era uma ervanária.

 É difícil dizer se o que aconteceu a seguir foi produto de manipulação malévola intencional ou do infeliz funcionamento da ignorância.  Na minha opinião, um ajudou o outro, já que aqueles que têm a ganhar com a manipulação da verdade muitas vezes se aproveitam daqueles que não têm pensamento crítico.  De acordo com o relato subsequente de Kepler, um barbeiro local ouviu a história e aproveitou a chance de lançar Katharina Kepler como uma bruxa - uma acusação oportuna, pois a irmã do barbeiro, Ursula, tinha um osso para escolher com a mulher idosa, uma amiga rejeitada.  Ursula Reinhold pedira dinheiro emprestado a Katharina Kepler e nunca o reembolsou.  Ela também confidenciou à velha viúva que ela engravidou de um homem que não era seu marido.  Em um ato de indiscrição irrefletida, Katharina compartilhou essa informação comprometedora com o irmão mais novo de Johannes, que a havia distribuído sem pensar pela pequena cidade.  Para diminuir o escândalo, Ursula conseguiu um aborto.  Para encobrir as brutais consequências corporais desse procedimento médico primitivo, ela atribuiu a sua enfermidade a um feitiço lançado contra ela, ela proclamou, por Katharina Kepler.  Logo Ursula convenceu vinte e quatro locais sugestionáveis ​​a relatar a feitiçaria da mulher idosa - um vizinho afirmou que o braço de sua filha havia ficado dormente depois que Katharina o roçou na rua;  a esposa do açougueiro jurou que a dor perfurou a coxa de seu marido quando Katharina passou;  o mestre-escola mancando datou o início de sua deficiência em uma noite dez anos antes, quando ele havia tomado um gole de uma xícara de lata na casa de Katharina enquanto lia para ela uma das cartas de Kepler.  Ela foi acusada de aparecer magicamente através de portas fechadas, de ter causado a morte de crianças e animais.  O Sonho, acreditava Kepler, havia fornecido aos habitantes da cidade famintos por superstições evidências da suposta feitiçaria de sua mãe - afinal, seu próprio filho a havia retratado como uma feiticeira em sua história, cuja natureza alegórica os iludiu completamente.

 Por sua vez, Katharina Kepler não ajudou em seu próprio caso.  De caráter espinhoso e conhecida por brigar, ela primeiro tentou processar Ursula por calúnia - uma abordagem americana surpreendentemente moderna, mas, na Alemanha medieval, eficaz apenas para atiçar o fogo, pois a família bem relacionada de Ursula tinha laços com as autoridades locais.  Em seguida, ela tentou subornar o magistrado para encerrar seu caso, oferecendo-lhe um cálice de prata, que foi prontamente interpretado como uma admissão de culpa, e o caso civil foi escalado para um julgamento criminal por bruxaria.

 Em meio a esse tumulto, a filha bebê de Kepler, batizada em homenagem a sua mãe, morreu de epilepsia, seguida por outro filho, de quatro anos, de varíola.

 Tendo assumido a defesa de sua mãe assim que soube da acusação, o enlutado Kepler dedicou seis anos ao julgamento, o tempo todo tentando continuar seu trabalho científico e ver através da publicação do maior catálogo astronômico que ele tinha estado  compondo desde que ele herdou os dados de Tycho.  Trabalhando remotamente de Linz, Kepler primeiro escreveu várias petições em nome de Katharina e, em seguida, montou uma defesa legal meticulosa por escrito.  Ele solicitou a documentação do julgamento de depoimentos de testemunhas e transcrições dos interrogatórios de sua mãe.  Ele então viajou pelo país mais uma vez, sentando-se com Katharina na prisão e conversando com ela por horas a fio para reunir informações sobre as pessoas e eventos da pequena cidade que ele havia deixado há muito tempo.  Apesar da alegação de que ela era demente, a memória de Katharina, de setenta e poucos anos, era surpreendente - ela se lembrava em detalhes de incidentes que aconteceram anos antes.

 Kepler decidiu refutar cada um dos quarenta e nove “pontos de desgraça” lançados contra sua mãe, usando o método científico para descobrir as causas naturais por trás dos males sobrenaturais que ela supostamente infligira aos habitantes da cidade.  Ele confirmou que Ursula havia feito um aborto, que a adolescente havia anestesiado o braço carregando muitos tijolos, que o mestre-escola havia aleijado a perna ao tropeçar em uma vala, que o açougueiro sofria de lumbago.

 Nenhum dos esforços epistolar de Kepler na razão funcionou.  Após cinco anos de provação, uma ordem de prisão de Katharina foi cumprida.  Nas primeiras horas de uma noite de agosto, guardas armados invadiram a casa de sua filha e encontraram Katharina, que tinha ouvido a confusão, escondida em um baú de linho de madeira - nua, já que ela costumava dormir durante os períodos de calor do verão.  Segundo um relato, ela foi autorizada a se vestir antes de ser levada;  por outro, ela foi carregada despida dentro do porta-malas para evitar uma perturbação pública e levada para a prisão para outro interrogatório.  Tão gratuita foi a fabricação de provas que até mesmo a compostura de Katharina durante as indignidades foi usada contra ela - o fato de ela não ter chorado durante o processo foi citado como prova de ligação impenitente com o Diabo.  Kepler teve que explicar ao tribunal que nunca tinha visto sua mãe estoica derramar uma única lágrima - não quando seu pai foi embora na infância de Johannes, nem durante os longos anos que Katharina passou criando seus filhos sozinha, não nas muitas perdas da velhice.

 Katharina foi ameaçada de ser esticada em uma roda - um dispositivo diabólico comumente usado para extrair confissões - a menos que ela admitisse a feitiçaria.  Esta mulher idosa, que tinha sobrevivido à expectativa de vida de sua época em décadas, passaria os próximos quatorze meses presa em um quarto escuro, sentada e dormindo no chão de pedra ao qual estava algemada com uma pesada corrente de ferro.  Ela enfrentou as ameaças com autocontrole e não confessou nada.

 Em um último recurso, Kepler desenraizou sua família inteira, deixou seu cargo de professor e viajou novamente para sua cidade natal enquanto a Guerra dos Trinta Anos continuava.  Eu me pergunto se ele se perguntou durante aquela jornada desanimadora por que ele havia escrito O sonho em primeiro lugar, se o preço de qualquer verdade deve ser limitado a um custo pessoal tão alto.

  Há muito tempo, como estudante em Tübingen, Kepler havia lido The Face on the Moon de Plutarco - a história mítica de um viajante que navega para um grupo de ilhas ao norte da Grã-Bretanha habitadas por pessoas que conhecem passagens secretas para a Lua.  Não há ciência na história de Plutarco - é pura fantasia.  E ainda emprega o mesmo dispositivo simples e inteligente que o próprio Kepler usaria em O Sonho quinze séculos mais tarde para desestabilizar o viés antropocêntrico do leitor: Ao considerar a Lua como um habitat potencial para a vida, Plutarco apontou que a ideia de vida em água salgada parece  incompreensível para criaturas que respiram o ar, como nós, e ainda assim existe vida nos oceanos.  Seriam mais dezoito séculos antes de despertarmos completamente não apenas para o fato da vida marinha, mas para a complexidade e o esplendor dessa realidade mal compreensível, quando Rachel Carson foi pioneira em uma nova estética da escrita científica poética, convidando o leitor humano a considerar a Terra a partir de  a perspectiva não humana das criaturas marinhas.

  Kepler leu a história de Plutarco pela primeira vez em 1595, mas não foi até o eclipse solar de 1605, cujas observações lhe deram a ideia de que as órbitas dos planetas eram elipses em vez de círculos, que ele começou a considerar seriamente a alegoria como um  meios de ilustrar as idéias copernicanas.  Onde Plutarco explorou as viagens espaciais como metafísica, o Kepler fez disso uma caixa de areia para a física real, explorando a gravidade e o movimento planetário.  Ao escrever sobre a decolagem de sua espaçonave imaginária, por exemplo, ele deixa claro que tem um modelo teórico de gravidade fatorado nas demandas que a ruptura com o controle gravitacional da Terra colocaria nos viajantes cósmicos.  Ele continua acrescentando que, embora deixar a atração gravitacional da Terra seja trabalhoso, uma vez que a espaçonave está no "éter" livre de gravidade, dificilmente qualquer força seria necessária para mantê-la em movimento - uma compreensão inicial da inércia no sentido moderno,  anterior a décadas a primeira lei do movimento de Newton, que afirma que um corpo se moverá a uma velocidade constante, a menos que uma força externa atue sobre ele.

  Em uma passagem ao mesmo tempo perspicaz e divertida, Kepler descreve os requisitos físicos para seus viajantes lunares - uma descrição presciente do treinamento de astronautas:

  Nenhuma pessoa inativa é aceita ... nenhuma gorda;  nenhum amante do prazer;  escolhemos apenas aqueles que passaram a vida a cavalo ou que embarcaram com frequência para as índias e estão acostumados a subsistir com bolacha dura, alho, peixe seco e comida desagradável.

  Três séculos depois, o primeiro explorador polar Ernest Shackleton postaria um anúncio de recrutamento semelhante para sua expedição pioneira à Antártica:

  Homens queridos por jornadas perigosas, pequenos salários, frio cortante, longos meses de escuridão total, perigo constante, retorno seguro duvidoso, honra e reconhecimento em caso de sucesso.

  Quando uma mulher chamada Peggy Peregrine expressou interesse em nome de um ansioso trio feminino, Shackleton respondeu secamente: “Não há vagas para o sexo oposto na expedição”.  Meio século depois, a cosmonauta russa Valentina Tereshkova se tornaria a primeira mulher a sair da atmosfera da Terra em uma espaçonave guiada pelas leis de Kepler.

  Depois de anos usando a razão contra a superstição, Kepler finalmente conseguiu que sua mãe fosse absolvida.  Mas a mulher de 75 anos nunca se recuperou do trauma do julgamento e do amargo inverno alemão passado na prisão sem aquecimento.  Em 13 de abril de 1622, logo após ser libertada, Katharina Kepler morreu, aumentando a ladainha de perdas de seu filho.  Um quarto de milênio depois, Emily Dickinson escreveria um poema cuja metáfora central se baseia no legado de Kepler:

  Cada um que perdemos faz parte de nós;

  Um crescente ainda permanece,

  Que como a lua, alguma noite turva,

  É convocado pelas marés

  Poucos meses após a morte de sua mãe, Kepler recebeu uma carta de Christoph Besold - o colega que defendeu sua dissertação lunar trinta anos antes, agora um advogado e professor de direito bem-sucedido.  Tendo testemunhado o destino angustiante de Katharina, Besold trabalhou para expor a ignorância e os abusos de poder que o selaram, obtendo um decreto do duque do ducado doméstico de Kepler proibindo quaisquer outros julgamentos de bruxaria não sancionados pela Suprema Corte na área urbana e presumivelmente muito menos supersticiosa de Stuttgart  .  “Embora nem seu nome nem o de sua mãe sejam mencionados no edital”, Besold escreveu a seu velho amigo, “todo mundo sabe que está na parte inferior dele.  Você prestou um serviço inestimável ao mundo inteiro e, um dia, seu nome será abençoado por isso. ”

  Kepler não se consolou com o decreto - talvez ele soubesse que mudança de política e mudança cultural dificilmente são a mesma coisa, existindo em escalas de tempo diferentes.  Ele passou os anos restantes de sua vida anotando obsessivamente O Sonho com duzentas e vinte e três notas de rodapé - um volume de hipertexto igual à própria história - destinadas a dissipar interpretações supersticiosas, delineando suas razões científicas exatas para usar os símbolos e metáforas que ele fez.

  Em sua nota de rodapé 96, Kepler afirmou claramente “a hipótese de todo o sonho”: “um argumento para o movimento da Terra, ou melhor, uma refutação de argumentos construídos, com base na percepção, contra o movimento da Terra.  ”  Cinqüenta notas de rodapé depois, ele reiterou o ponto ao afirmar que visualizou a alegoria como “uma réplica agradável” ao paroquialismo ptolomaico.  Em um esforço sistemático pioneiro para separar a verdade científica das ilusões da percepção do senso comum, ele escreveu:

  Todos dizem que é claro que as estrelas giram em torno da Terra enquanto a Terra permanece parada.  Eu digo que é claro aos olhos do povo lunar que nossa Terra, que é seu Volva, gira enquanto sua lua está parada.  Se for dito que as percepções lunáticas de meus habitantes da lua estão enganadas, replico com igual justiça que os sentidos terrestres dos habitantes da Terra são destituídos de razão.

  Em outra nota de rodapé, Kepler definiu a gravidade como "uma força semelhante à força magnética - uma atração mútua" e descreveu sua lei principal:

  O poder de atração é maior no caso de dois corpos próximos um do outro do que no caso de corpos distantes.  Portanto, os corpos resistem mais fortemente à separação uns dos outros quando ainda estão próximos.

  Outra nota de rodapé apontou que a gravidade é uma força universal que afeta corpos além da Terra, e que a gravidade lunar é responsável pelas marés terrestres: "A evidência mais clara da relação entre a terra e a lua é a vazante e o fluxo dos mares."  Este fato, que se tornou central para as leis de Newton e que agora é tão comum que os alunos apontam para ele como uma evidência da gravidade, estava longe de ser aceito na comunidade científica de Kepler.  Galileu, que estava certo sobre muitas coisas, também estava errado sobre muitas coisas - algo que vale a pena lembrar enquanto nos treinamos nas acrobacias culturais de apreciação matizada sem idolatria.  Galileu acreditava, por exemplo, que os cometas eram vapores da terra - uma noção que Tycho Brahe refutou ao demonstrar que os cometas são objetos celestes que se movem através do espaço ao longo de trajetórias computáveis ​​depois de observar o mesmo cometa que fez Kepler de seis anos se apaixonar por  astronomia.  Galileu não se limitou a negar que as marés foram causadas pela Lua - ele chegou a zombar da afirmação de Kepler de que sim.  “Esse conceito é completamente repugnante para mim”, escreveu ele - nem mesmo em uma carta particular, mas em seu marco Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas Mundiais - zombando que “embora [Kepler] tenha na ponta dos dedos os movimentos atribuídos à Terra,  ele, no entanto, prestou atenção e concordou com o domínio da Lua sobre as águas, com as propriedades ocultas e com tais puerilidades ”.

  Kepler teve um cuidado especial com a parte da alegoria que ele viu como a mais diretamente responsável pelo julgamento de feitiçaria de sua mãe - o aparecimento de nove espíritos, convocados pela mãe do protagonista.  Em uma nota de rodapé, ele explicou que eles simbolizam as nove musas gregas.  Em uma das frases mais enigmáticas da história, Kepler escreveu sobre esses espíritos: "Um, particularmente amigável comigo, o mais gentil e puro de todos, é convocado por 21 personagens."  Em sua defesa subsequente em notas de rodapé, ele explicou que a frase “vinte e um caracteres” se refere ao número de letras usadas para soletrar Astronomia Copernicana.  O espírito mais amigável representa Urânia - a antiga musa grega da astronomia, que Kepler considerou a mais confiável das ciências:

  Embora todas as ciências sejam gentis e inofensivas em si mesmas (e por isso não são aqueles espíritos maus e inúteis com quem bruxas e adivinhos têm relações ...), isso é especialmente verdadeiro na astronomia por causa da própria natureza  de seu assunto.

  Quando o astrônomo William Herschel descobriu o sétimo planeta a partir do Sol um século e meio depois, ele o chamou de Urano, em homenagem à mesma musa.  Em outro lugar da Alemanha, um jovem Beethoven ouviu falar da descoberta e se perguntou na margem de uma de suas composições: “O que eles vão pensar da minha música sobre a estrela de Urânia?”  Outros dois séculos depois, quando Ann Druyan e Carl Sagan compõem o Golden Record como um retrato da humanidade em som e imagem, a Quinta Sinfonia de Beethoven navega pelo cosmos a bordo da nave Voyager ao lado de uma peça do compositor Laurie Spiegel baseada na Harmonia do  Mundo.

  Kepler foi inequívoco sobre a intenção política mais ampla de sua alegoria.  Um ano após a morte de sua mãe, ele escreveu a um amigo astrônomo:

  Seria um grande crime pintar a moral ciclópica desse período com cores lívidas, mas por uma questão de cautela, partir da terra com tal escrita e se separar para a lua?

  Não é melhor, ele se pergunta em outro golpe de gênio psicológico, para ilustrar a monstruosidade da ignorância das pessoas por meio da ignorância de outros imaginários?  Ele esperava que, ao ver o absurdo da crença do povo lunar de que a Lua é o centro do universo, os habitantes da Terra teriam o insight e a integridade para questionar sua própria convicção de centralidade.  Trezentos e cinquenta anos depois, quando quinze poetas proeminentes são convidados a contribuir com uma "declaração sobre poética" para uma antologia influente, Denise Levertov - a única mulher dos quinze - afirmaria que a tarefa mais elevada da poesia é "despertar os adormecidos por outros meios que não  choque."  Deve ter sido isso que Kepler pretendia fazer com O Sonho - sua serenata para a poética da ciência, com o objetivo de despertar.

  Na esteira do julgamento de feitiçaria de sua mãe, Kepler fez outra observação séculos à frente de seu tempo, mesmo antes da afirmação histórica do filósofo francês do século XVII François Poullain de la Barre de que "a mente não tem sexo".  Na época de Kepler, muito antes da descoberta da genética, acreditava-se que as crianças tinham uma semelhança com suas mães, na fisionomia e no caráter, porque nasceram sob a mesma constelação.  Mas Kepler tinha plena consciência de quão diferentes ele e Katharina eram como pessoas, quão divergentes suas visões de mundo e seus destinos - ele, um cientista manso e líder prestes a virar o mundo;  ela, uma mulher inconstante e analfabeta sendo julgada por bruxaria.  Se os horóscopos que ele desenhava para ganhar a vida não determinavam o caminho de vida de uma pessoa, Kepler não podia deixar de se perguntar o que faria - ali estava um cientista em busca de causalidade.  Um quarto de milênio antes de a psicologia social existir como um campo formal de estudo, ele raciocinou que o que havia colocado sua mãe em todos esses problemas em primeiro lugar - suas crenças e comportamentos ignorantes tomados para o trabalho de espíritos malignos, sua marginalização social como uma viúva  - foi o fato de ela nunca ter se beneficiado da educação que seu filho, como homem, havia recebido.  Na quarta seção de A Harmonia do Mundo - sua incursão mais ousada e especulativa na filosofia natural - Kepler escreve em um capítulo dedicado a questões "metafísicas, psicológicas e astrológicas":

  Eu conheço uma mulher que nasceu sob quase os mesmos aspectos, com um temperamento certamente muito inquieto, mas pelo qual ela não só não leva vantagem no aprendizado de livros (o que não é surpreendente para uma mulher), mas também a perturba todo.  cidade, e é a autora de seu próprio infortúnio lamentável.

  Na frase seguinte, Kepler identifica a mulher em questão como sua própria mãe e passa a observar que ela nunca recebeu os privilégios que ele recebeu.  “Eu nasci homem, não mulher”, escreve ele, “uma diferença de sexo que os astrólogos procuram em vão nos céus”.  A diferença entre o destino dos sexos, sugere Kepler, não está nos céus, mas na construção terrena do gênero em função da cultura.  Não foi a natureza de sua mãe que a tornou ignorante, mas as consequências de sua posição social em um mundo que tornava suas oportunidades de iluminação intelectual e autoatualização tão fixas quanto as estrelas.

Fonte: Facebook 18.5.2021

  

maio 18, 2021

Não eram de Recife os Judeus que chegaram a Nova Iorque.

 


Pelo menos segundo a saudosa historiadora Frieda Wolff (1911 – 2008), não se sabe concretamente de onde partiram os famosos 23 judeus que chegaram em setembro de 1654 a Nova Iorque. Segundo Dona Frieda, como era conhecida, certamente não foi do Recife.

O navio VALK que levantou ferros de Itamaracá – PE em fevereiro de 1654, transportava um número desconhecido de judeus, mas não os 23 que chegaram em 1654 na Nova Amsterdã.

Após o VALK aportar na Jamaica, levado por ventos adversos, seus passageiros foram aprisionados em novembro de 1654, conforme o conteúdo de uma carta do Governo Holandês ao Rei da Espanha, exigindo a libertação de todos os judeus passageiros do VALK, súditos holandeses, alguns deles até nascidos em Amsterdã. Naturalmente, a carta sendo datada de novembro de 1654, nenhum destes judeus poderia ter chegado em Nova Amsterdã em setembro do mesmo ano.

Até o Monumento erigido pela cidade de Nova Iorque em homenagem a eles, omite a origem dos judeus, já que Recife seria “hipótese”, nunca fato provado. O Memorial erigido em memória destes vinte e três judeus que, de fato, fundaram a primeira congregação judaica na América do Norte, não menciona portanto o lugar de onde eles vieram, falando somente da chegada dos mesmos.

A prova definitiva que estes vinte e três de fato não eram passageiros do navio VALK, foi dada pelo historiador Arnold Wiznitzer, descobridor da carta do Governo Holandês ao Rei da Espanha, carta esta datada de novembro de 1654, emitida pelos Staaten Generale da Holanda confirmando a chegada do VALK e da prisão dos passageiros na Jamaica. Esta carta, dirigida ao rei da Espanha, exigiu, em novembro de 1654, a libertação de todos os passageiros israelitas da Valk como nascidos na e súditos da Holanda

Porem, é fato comprovado que nos anos seguintes, judeus que tinham vivido no Recife aportaram e se instalaram em Nova Amsterdã, sendo um deles Joseph Bueno, quem comprou o terreno do primeiro cemitério judaico na América do Norte, onde seu pai foi enterrado.

Inscrição do monumento erigido na ponta de Manhattan, em frente ao ferry que vai para Staten Island, em memória da chegada dos primeiros 23 judeus em Nova Amsterdã, em setembro de 1654:

Erguido pelo Estado de Nova Iorque para honrar a memória dos vinte e três homens, mulheres e crianças que aportaram em setembro de 1654 e fundaram a primeira congregação israelita na América do Norte

Fontes: Frieda Wolf, in Comunicação na CEPHAS/IHGB em 14-04-1999 e livro “A Odisséia dos Judeus do Recife”, 1979, Centro de Estudos Judaicos da Universidade de São Paulo, 342 pags.