Contribuição do Ir. Redaelli de P. Alegre, RS.
Como sabemos, a Ordem Rosacruz é uma Ordem mística e iniciática. Não nos surpreende o fato de as raízes de sua rica herança remontarem a um acontecimento singular que se encontra entre as primeiras experiências místicas registradas na história.
Nos tempos do antigo Egito, os sistemas social, econômico e político estavam estreitamente ligados numa estrutura religiosa altamente desenvolvida. Entendia-se que o Faraó não era apenas o regente político do país, mas também um deus encarnado, a presença viva de Hórus na Terra.
Por isso, como se pode imaginar, o processo de seleção de cada Faraó era muito complicado, misturando um ritual religioso complexo com uma intensa intriga política. Tradições muito antigas entendiam que o Faraó era escolhido pelos deuses. Mas existem evidências sugerindo que, na verdade, o processo era muito mais mundano com facções políticas seculares influenciando a escolha final.
Foi neste rico clima político e religioso, quase 3.500 anos atrás, que os rituais fúnebres solenes para o Faraó Tutmés II foram realizados, e o procedimento extremamente formal para a seleção de seu sucessor foi iniciado.
Naquele momento, no dia do equinócio da primavera, uma festa especial aconteceu no Templo de Amon – templo este que faz parte do Grande Templo de Karnak em Tebas. Como era de costume, entre aqueles que assistiam à cerimônia estava um grande número de sacerdotes e membros da família real. Um desses membros, um humilde sacerdote, assistia ao desenrolar do ritual com grande interesse e fascinação.
A escolha do faraó
Sentado na ala norte do Grande Templo, seu olhar acompanhava o Sumo Sacerdote em seu deslocamento lento ao redor da sala hipóstila, levando uma imagem simbólica do deus Amon. À medida que se deslocava, o Hm-Ntr – ou Sumo Sacerdote fixava ritualisticamente o olhar no rosto de cada um dos presentes procurando por aquele a quem os deuses tinham conferido o cargo de Faraó. Repetidamente, após fitar atentamente os olhos de pessoa por pessoa, ele balançava a cabeça sinalizando que não tinha encontrado o escolhido.
Então, de repente, algo inesperado e chocante aconteceu. O Sumo Sacerdote preteriu o membro da família real que era o herdeiro legítimo ao trono! Enquanto os que assistiam cochichavam confusos, o Sumo Sacerdote continuou sua busca até chegar ao sacerdote humilde, o irmão que todos achavam que deveria ser o próximo Faraó.
Fitando-o profundamente nos olhos, o Sumo Sacerdote soube que ali estava finalmente o homem que procurava!
Tendo encontrado, o Sumo Sacerdote colocou a imagem de Amon aos pés do perplexo sacerdote que passou a se chamar Tutmés III dando a entender que ele tinha sido escolhido pelos deuses dentre todos os outros para ser o Faraó. E quando Tutmés III lentamente se colocou de pé, reconhecendo a indicação, todos os que estavam ali reunidos lhe fizeram uma grande aclamação.
Esse acontecimento arrebatador marcou-o de forma tão vívida que, anos depois, Tutmés III mandou esculpir nas paredes do templo o que havia experienciado durante aquela cerimônia.
Segundo o que está escrito, ele foi totalmente arrebatado pela ação inesperada do Sumo Sacerdote. Quando a imagem de Amon foi colocada a seus pés, Tutmés III relatou que se sentiu “elevado”, como se seus pés não mais tocassem o chão e como se ele tivesse ascendido aos céus. Relatou que foi durante esta harmonização que Deus de fato lhe conferiu o cargo de Faraó e solenemente o encarregou de servir a seu povo. Tão divina foi sua ordenação que Tutmés III quebrou mais uma vez a tradição e decidiu não fazer a viagem simbólica a Heliópolis para a coroação formal no Templo do Sol, como era de costume.
Essa notável experiência iniciática marcou o início do extraordinário reinado de 54 anos do Faraó Tutmés III – e também influenciou profundamente o estilo e a direção de seus anos de serviço.
A Escola de Mistério
No início de seu reinado, os pensadores mais avançados da época – os verdadeiros filósofos, sábios e estudiosos – tinham o hábito de se reunir informalmente na residência do Faraó para discutir as doutrinas místicas ensinadas pelos antecessores de Tutmés. Nessas discussões, ficou claro para Tutmés III que o desenvolvimento do pensamento místico seria conseguido mais facilmente e permanentemente se fosse criado algum tipo de escola de filosofia formal, no qual estudantes sinceros pudessem desenvolver a disciplina interior necessária para explorar princípios místicos e para aprender a colocá-los em prática.
Sabendo que as condições políticas e econômicas de seu país exigiam que as formas externas de religião fossem mantidas, Tutmés III foi levado a desenvolver secretamente tradições que constituíram uma base firme para o crescimento místico posterior desencadeado pelo Faraó Akhenaton, e cultivado pelas gerações subsequentes.
Então, Tutmés III colocou em prática a ideia que tinha tido por inspiração. Segundo alguns registros, na quinta-feira, 1º de abril de 1489 a.C., foi realizada uma reunião para se criar formalmente uma “escola de mistério” secreta dedicada ao estudo e à aplicação dos misteriosos e maravilhosos princípios e das leis da natureza. Tutmés III decretou regras e modos de procedimento bem definidos para esta escola, e tudo isso foi repassado até os tempos modernos na forma das tradições da atual Ordem Rosacruz, AMORC.
Chamado de várias formas – “ele”, “a fraternidade”, ou “o conselho” – este grupo não era rosacruz no sentido que esta palavra tem em nossa Ordem atualmente. Mas a Ordem Rosacruz, AMORC tem suas raízes tradicionais nessa antiga fraternidade. E deriva seus princípios e objetivos da organização que foi instituída inicialmente pelo Faraó Tutmés III.
De fato, uma das mais importantes tradições rosacruzes que foi transmitida dos tempos antigos até hoje é a dependência do verdadeiro estudante da experiência iniciática. Os ensinamentos rosacruzes enfatizam que a compreensão e a iluminação não provêm de outras fontes que não da experiência iniciática interior.
A Iniciação é aquele momento em que a consciência do estudante muda quando um fluxo inundante de inspiração e compreensão muda para sempre a forma como o estudante entende e experiencia a vida. A experiência da Iniciação é um dom maravilhoso que, como Tutmés III descobriu, pode chegar nos momentos mais inesperados e das formas mais inesperadas. Certamente, o ritual ajuda a criar uma atmosfera que conduz a essa manifestação. Mas não é apenas o ritual que a desencadeia. Na verdade, é o Mestre Interior que, percebendo a prontidão do aspirante, permite uma ressurgência de sabedoria e um profundo sentimento de conexão.
É através desse processo iniciático que experienciamos uma comunhão cada vez mais profunda com o Mestre Interior. Às vezes, os momentos de comunhão são profundamente comoventes, como o que aconteceu com Tutmés III e, às vezes, são mais sutis um murmúrio suave do Eu Interior.
No entanto, todos esses contatos místicos trazem consigo um despertar espiritual maior, mais tolerância, e uma criatividade que resolve problemas e encara desafios. Trazem consigo o amor incondicional que envolve o mundo todo. É nessas experiências que descobrimos, como aconteceu com Tutmés III, as sementes da nossa grandeza, o sentido do propósito divino que dá significado e direção às nossas vidas.
O mistério da Iniciação abre portas internas para a Luz, para a Vida e para o Amor, que são as grandes dádivas da Ordem Rosacruz para a humanidade.