outubro 13, 2021

PENSO, LOGO - Ir.’. Rui Bandeira




É do conhecimento comum a frase de Descartes: “Cogito ergo sum”. Também é comum que esta frase apareça traduzida para português como Penso, logo existo.

Porém, como diz um também muito citado provérbio italiano,"traduttore, traditore"... Traduzir sum por existo é gramaticalmente correto, mas não é a única opção. Talvez mesmo não seja a melhor. Com efeito, uma pedra não pensa, mas existe. Indubitavelmente que existe. Podemos vê-la, pegar-lhe, arremessá-la, trabalhá-la ou simplesmente ignorá-la. Mas existe - não pensando. Logo, existir não é consequência de pensar.

No meu entendimento, a melhor tradução para português da célebre frase é a mais simples e direta: Penso, logo sou.

Com esta tradução, o significado da frase enriquece-se em vários sentidos. Se, ao contrário de existir, ser é uma consequência de pensar, então ser é bem mais do que meramente existir. Logo, eu, que penso, não me limito a existir (como qualquer pedra...), mas realmente sou. Por outro lado, se sou na medida em que penso, quanto mais penso, mais sou. e quanto melhor penso, melhor sou.

A contrario sensu, aquelas cabecinhas loucas que não pensam, ou melhor, mal pensam e pensam mal e pouco, naturalmente só podem ser pouco, apesar de - como a pedra... - indubitavelmente existirem...

Ser é bem mais do que meramente existir. Uma pedra existe. Um animal existe. Mas só o ser dotado de pensamento racional realmente é. Logo, se sou porque penso, também sou o que penso. O que eu sou não é o que mostro, o que faço, o que digo. Tudo isso integra apenas a imagem que os demais têm de mim. Realmente, o que sou é o que penso, não o que mostro, ou digo, ou faço.

Sendo assim, se o que mostro, digo e faço é diferente do que penso, ou sou dissimulado, ou sou mentiroso, ou sou hipócrita, ou sou tudo isso junto. 

Hipócrita, se finjo ser diferente do que sou. Mentiroso se digo, faço ou mostro algo diverso ao que realmente sou (penso). Dissimulado se não mostro, faço e digo tudo o que penso. Enfim, ninguém é perfeito...

A hipocrisia é sempre um mal, algo de errado. O hipócrita tem o propósito de enganar os demais, de mostrar uma imagem propositadamente diferente do que realmente é (pensa).

A mentira é normalmente um mal, mas pode pontualmente ser bem-intencionada (a mentira piedosa...) e, afinal, um bem. Pode mentir-se de forma bem-intencionada e com isso atingir-se um bem, que não se atingiria com a verdade, ou mesmo a verdade causar um mal que é evitado com a bem-intencionada mentira.

Já a dissimulação tem uma medida que é inevitável - medida em que é socialmente aceite -, que se pode designar por reserva. A vida em sociedade implica uma certa reserva, um setor de nós que é só nosso, que não expomos aos demais. É até socialmente imprescindível que esse setor de reserva individual exista, porque condição de salvaguarda do relacionamento saudável entre indivíduos. 

Portanto, sou o que penso, e devo mostrar, fazer e dizer o que sou, exceto na restrita matéria da reserva da minha privacidade que é socialmente aceite (até mesmo imprescindível) que eu guarde.

A reserva de privacidade é uma defesa, mas também é um ónus, um fardo. Aquilo que guardo para mim pesa-me a mim e, não podendo partilhá-lo, também não posso partilhar o fardo. 

É por isso que, sendo socialmente aceite (e necessário) que eu mantenha um certo nível de reserva em relação ao que penso, ao que sou, também é natural e socialmente pacífico que o nível de reserva que eu mantenho seja diferenciado. Assim, é normal que eu mostre menos de mim aos estranhos do que aos meus conhecidos, menos aos meus conhecidos do que aos meus amigos, menos aos meus amigos do que aos meus familiares próximos e finalmente que mesmo estes não tenham acesso à totalidade de minha pessoa. 

A minha privacidade é por mim determinada, em função do nível de intimidade e, assim, de confiança do laço que me une a alguém. 

É por isso que a traição à confiança depositada por parte dos mais próximos é bem mais dolorosa - e quiçá acarreta mais graves consequências - do que idêntica ação levada a cabo por quem nos é mais distante.

Em resumo: sou o que penso, não o que mostro, faço ou digo. Mas devo mostrar, fazer e dizer em consonância com o que penso em tudo o que não contenda com a reserva sobre mim que é socialmente aceite (e útil) que guarde. E essa reserva é tanto menor quanto mais próximos de mim estiverem aqueles a quem mostro, digo ou faço.

outubro 12, 2021

CRIATIVIDADE - Newton Agrella




Newton Agrella é escritor, tradutor e palestrante, um dos mais renomados intelectuais da maçonaria.

Dentro de cada um de nós há uma espécie de estímulo que quando é despertado leva-nos a viajar pelo infinito de nossa imaginação.

Esse processo se torna cada vez mais acentuado e fluido, quando nos deixamos conduzir pela inspiração.

Não é demais afirmar que esta inspiração é fruto de experiências que se acumulam, a partir das mais diferentes formas de contatos e abordagens com tudo aquilo que lidamos ao longo da vida.

Trata-se de um gatilho que se instaura entre as emoções que deixamos transparecer e se manifesta nas diversas formas de arte.

É desse modo que nos tornamos arquitetos de nossas obras, criamos sons, formas e imagens, escrevemos textos e poesias e passamos a ser reconhecidos como pessoas criativas.

A criatividade também se configura quando nos entregamos às ciências, aos cálculos e às equações, posto que a Razão e a Emoção compõem o arcabouço da propria intelectualidade e versatilidade humana.

A criação não se compreende e tampouco se interpreta somente através na exuberância das cores e das formas.  

Muito pelo contrário, ela ainda se instaura com o exercício da simetria, do traçado de linhas retas, bem como da precisão tecnológica, virtual e científica.

No final das contas, somos sim, um amálgama da imaginação, em que os limites se superam como uma inesgotável fonte de energia, cuja origem se explica resultante de um Princípio Criador e Incriado.

A criatividade é a assinatura de nossos dias.


OS 13 PRINCÍPIOS BÁSICOS DA KABBALAH




Nos altos graus da maçonaria, esta sabedoria é estudada com diferentes pontos e abordagens...

De acordo com o livro "O Poder da Kabbalah", de Yehuda Berg, um dos melhores livros introdutórios a esses ensinamentos, os 13 princípios básicos da Kabbalah são:

1. Não acredite em nenhuma palavra que você ler. Teste os ensinamentos aprendidos.

2. Existem duas realidades básicas: Nosso Mundo de Escuridão no nível do 1 por cento e a Realidade da Luz, que representa 99 por cento!

3. Tudo o que um ser humano deseja verdadeiramente da vida é Luz espiritual!

4. O propósito da vida é a transformação espiritual, passando de um ser reativo para proativo.

5. No instante da nossa transformação, fazemos contato com a realidade dos 99 por cento.

6. Nunca – mas nunca mesmo – coloque a culpa em outras pessoas ou em eventos externos.

7. Resistir aos nossos impulsos reativos cria luz duradoura.

8. O comportamento reativo cria intensas faíscas de Luz, mas eventualmente deixa Escuridão em seu rastro.

9. Obstáculos são oportunidades de se conectar com a Luz.

10. Quanto maior o obstáculo, maior o potencial de Luz.

11. Quando os desafios parecerem esmagadores, injete certeza. A Luz está sempre presente!

12. Mudança interna verdadeira é criada através do poder de DNA das letras hebraicas.

13. Todas as características negativas que você identifica nos outros são apenas um reflexo de suas próprias características negativas. Só ao consertá-las em si mesmo, você poderá mudar os outros.

E finalmente, ACIMA DE TUDO: Ame o seu próximo como a si mesmo. Todo o resto é um mero comentário. Agora vá e aprenda.


outubro 11, 2021

NADA



Autor desconhecido. Tradução do Ir.’. Kurt Max Hauser, Or.’. de Porto Alegre - RS. Publicado no Livro “Coletânea de Trabalhos A Trolha”. Editora A Trolha, 1993

Conta-se que perguntaram a Pitágoras, após ter sido iniciado nos mistérios, o que tinha visto no Templo, tendo ele respondido simplesmente: NADA.

Porém, Pitágoras era Pitágoras, se ao sair do Templo egípcio não tinha visto “nada”, não se limitou a sair decepcionado, senão buscando a origem deste “nada”, descobriu que era em si mesmo que não tinha visto “nada mais” que desejos e ilusões. Foi então que começou seu caminho para a sabedoria.

Muitos Irmãos recém-iniciados se afastam da Ordem porque em nossas Lojas não encontram “nada”, porque o nosso simbolismo não lhes significa “nada”, porque na Maçonaria não se faz “nada”, outros se queixam que nas Lojas se fala muito de simbolismo e “nada”; que a Maçonaria é uma instituição para se fazer amigos e “nada mais”; que só comparecem aos trabalhos da Loja para perder tempo e “nada mais”. Propomos perguntar-nos: o que significa esse “nada” com respeito à Maçonaria?

“Fulano” não vai mais à sua Loja porque “não encontrou nada...”. E como é que não encontrou “nada”? Não encontrou o Templo com seu Altar, as Colunas, os móveis e a decoração? Não encontrou os Irmãos reunidos na Loja? E como é que diz que não encontrou “nada” e que o Simbolismo não lhe significa “nada”? Encontrou então pelo menos o Simbolismo... E como é que pode dizer na Maçonaria não se faz “nada” e que na Loja se fala muito e “nada” mais? Então, se faz algo, ainda que seja nada mais que falar...

Parece que o “nada” que se encontra na Maçonaria não deve ser tomado ao pé da letra. O Neófito que entra no Templo encontra algo, porém não encontra o que busca; isto dá margem a várias perguntas:

1º O “que busca” o profano que solicita ser Iniciado?

2º O que a Maçonaria “não pode oferecer”?

3º O que a Maçonaria “pode oferecer”?

4º “O que encontra” o Neófito ao dizer que “não tem nada”?

Procuramos responder estas perguntas de um ponto de vista estritamente pessoal.

1º O “que busca” o profano que solicita ser iniciado?

Pode solicitar seu ingresso por vários motivos, desde o mais grosseiro materialismo, o desejo de encontrar protetores para seus negócios de qualquer espécie, até o motivo de mais elevado sentimento de humanitarismo. Em regra geral, é mistura de tudo, acrescido de curiosidade; e frequentemente haverá um sentimento da própria imperfeição acrescido do desejo de melhorar-se e de aperfeiçoar-se. Não é raro também que se espere encontrar na Maçonaria um estímulo à ação para compensar a própria falta de atividade; ideias extraordinárias e originais que ponham em funcionamento o pensamento e a imaginação própria. É um dos problemas da Maçonaria que, pelo segredo e discrição que devem guardar seus integrantes, o profano chega geralmente a nossas portas, desconhecendo realmente o que o espera, vindo em contrapartida cheio de esperanças e ilusões que vão do inadequado até o absurdo.

2º O que a Maçonaria “não pode oferecer”?

A Maçonaria não é feita à medida das ilusões do neófito. Se este esperou uma renovação completa de sua personalidade por meio de um remédio amostra grátis e que se oferece a todo aquele que entra na Ordem, equivocou-se, damos-lhes a Luz, as ferramentas para trabalhar, mostrando-lhes a Pedra Bruta e o modo de trabalhar nela. O resto é assunto do Neófito. Tem que trabalhar para receber o “seu salário” e este lhe é dado segundo a quantidade e a qualidade do seu trabalho. Não poderá exigir que se lhe dê tudo de uma vez sem fazer o menor esforço. Então acontece que o Neófito não acha o que buscava. Ele buscava um meio cômodo para tornar sua vida mais fácil e agradável, para sentir-se importante sem esforço algum, para viver em paz consigo mesmo. E como não acha o que buscava, diz simplesmente: “Não encontrei nada”. Com isto, expressa que tudo o mais que encontra não tem importância para ele; e que, aquilo que “não” encontra é o que ele queria e nada mais. Dizer que a Maçonaria não faz nada é outra maneira de revelar que se quer conseguir satisfações de amor próprio a baixo custo. Se na Maçonaria estivesse se cristalizando uma obra de autentico humanismo, poderíamos participar da glória de sua realização sem que tivéssemos o trabalho de planejar e organizar sua execução. Se a Maçonaria fosse aquilo que querem aqueles que se queixam de não encontrar nada nela, ela seria idêntica às sociedades múltiplas de beneficência e clubes de serviço. cujos principais objetivos parecem ser que seus membros apareçam na imprensa escrita e falada a qualquer pretexto. Todas estas satisfações de amor próprio, todas estas ilusões e esperanças vazias, é que a Maçonaria não oferece. Pôr isto é que, aqueles que buscam isto, não encontram “nada”.

3º O que a Maçonaria “pode oferecer”?

Do ponto de vista das pessoas mencionadas anteriormente, “nada”, pois para elas o trabalho, o estudo, não são nada, e se não tiverem a paciência necessária, se afastarão. Quanto mais irreais, fantásticas forem suas esperanças, mais necessitarão para encontrar o que oferece a Maçonaria, e que é: trabalho, ferramentas para executá-lo, o “salário” que somente se obtém trabalhando. O Neófito tem que aprender que na Maçonaria não encontrará satisfação algum senão em razão do seu próprio trabalho. Através do seu aprendizado se dará conta de que se a maçonaria lhe der, sem sacrifício, as satisfações que estava procurando, então sim, poderá dizer “que não é nada”. O que acontece é que o homem moderno tem do trabalho um conceito muito diferente que tinha as corporações de construtores da antiguidade. Para a maioria, hoje, o trabalho é escravidão, atividade mecânica, impessoal, algo que se faz porque tem que se viver e comer, e sem trabalho, não há comida; algo que se faz sem grande satisfação, esperando que o relógio marque a hora da saída. Dali então partimos para o descanso, a diversão, as comodidades. São poucos aos quais a sorte reservou um trabalho construtivo e menos ainda existem pessoas capazes de buscar e achar o descanso em uma atividade de tipo superior, uma atividade criadora. O construtor medieval não se preocupava em apressar o tempo para terminar a catedral, mas sim se detinha nos detalhes da construção, acrescentando uma grande variedade de enfeites e esculturas tão belas como indispensáveis para a arquitetura, simplesmente porque sentia o gosto de criar algo belo e bonito. Nós já não compreendemos mais facilmente este prazer pelo trabalho, queremos que o trabalho termine o mais depressa possível, para que possamos nos dedicar a outras atividades nas quais encontramos mais prazer. Necessitamos voltar a descobrir a vocação artística do homem - a única que lhe dá plena satisfação - é de não servir unicamente de apêndice pensante da máquina, e sim de procurar realizar um trabalho criador.

4º “O que encontra” o Neófito ao dizer que “não tem nada”?

Bate à porta do Templo, se abre a mesma para ele e não encontra nada. O que é este “nada”? Já dissemos, tomar a palavra em sentido estrito é um absurdo. Algo ele encontra e se nós o pressionarmos um pouco, ele nos dirá “Não há nada, somente palavras, somente Ritualística, somente Símbolos, somente ideias antiquadas”. Algo, portanto, encontra, porém não “o que buscava”. E como o que ele encontra não é nada em comparação com o que buscava, diz simplesmente que não há nada. Porém, este “nada” não é somente um fenômeno negativo. Este “nada” e como um gérmen, algo novo e grande. O Irmão que se afasta da Loja queixando-se de “não haver encontrado nada”, não se limita somente a isto. Afasta-se desgostoso, decepcionado. O encontro com o “nada” o afetou no mais profundo do seu ser. Não achou o que buscava, porém achou precisamente seu próprio desgosto, sua própria decepção. Ainda que se vá de nosso convívio, sua decepção o segue. E ainda que não o confesse, não deixará de pensar, de vez em quando, que, para encontrar algo, se necessitam duas coisas: algo que existe e alguém que saiba procurar. Ao lado do seu orgulho, porque ele "não se deixou enganar”, estará a constante inquietude acerca do que terão encontrado os que ficaram e que ele não soube encontrar. Se vê, assim, posto frente a frente, com sua própria insuficiência. Com seu próprio NADA.

Se for sincero consigo mesmo, reconhecerá que onde não encontrou nada, foi em si mesmo.

Este é o ponto onde começa a germinar a ideia Maçônica. Se o Irmão chegar a este ponto, começará a ser MAÇOM.

A FIDELIDADE




Fonte: Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, de André Comte-Sponville

O passado não é mais, o futuro ainda não é; o esquecimento e a improvisação são fatos naturais. O que é mais improvisado, a cada vez, do que a primavera? E o que é esquecido mais depressa? A própria repetição, tão impressionante, não passa de um logro: é por se esquecerem que as estações se repetem, e justamente por causa do que torna a natureza sempre nova que ela só inova raramente. Toda invenção verdadeira, toda criação verdadeira supõe a memória. Foi o que viu Bergson, que por isso teve de inventar uma memória do mundo (a duração); mas essa memória seria Deus, e é por isso que ela não existe. A natureza se esquece de ser Deus, ou Deus se esquece na natureza. Se há uma história do universo – e é claro que há -, ela é uma sequência de improvisações caóticas ou incertas, sem projeto (nem mesmo o de improvisar) nem memória. O contrário de uma obra, ou que só obra por casualidade. Um prodígio improvável e sem amanhã. Porque o que dura ou se repete só ocorre mudando, e nada começa que não deva acabar. 

A inconstância é a regra. O esquecimento é a regra. O real, de instante em instante, é sempre novo, e essa novidade cabal, essa novidade perene é o mundo. A natureza é a grande esquecidiça, e é nisso também que ela é material. A matéria é o próprio esquecimento – só há memória do espírito. Portanto, o esquecimento é que terá a última palavra, como teve a primeira, como não para de ter. O real é essa primeira palavra do ser, essa perpétua primeira palavra. Como poderia querer dizer algo? A criança-rei (o tempo) não é gaga, no entanto; ela não fala nem se cala, não inventa nem repete. Inconstância, esquecimento, inocência: realeza de uma criança! O devir é infiel, e mesmo as estações são volúveis. 

Mas há o espírito, mas há a memória. De pouco peso, de pouca duração. Essa fragilidade é o próprio espírito. Mortal no coração dos mortais – mas vivo, como espírito, pela lembrança que guarda dele! O espírito é memória, e talvez seja apenas isso. Pensar é lembrar-se de seus pensamentos; querer é lembrar-se do que se quer. Não é, por certo, que só se possa pensar o mesmo ou querer o que já se quis. Mas o que seria uma invenção sem memória? E uma decisão sem memória? Como o corpo é o presente do presente, o espírito é o presente do passado, no duplo sentido da palavra presente: o que o passado nos lega e, em nós, o que permanece. É o que santo Agostinho chamava de “presente do passado”, e é isso a memória. O espírito começa aí. O espírito preocupado, o espírito fiel. A preocupação, que é a memória do futuro, faz-se lembrar suficientemente a nós. É sua natureza, ou melhor, é a nossa. Quem esqueceria – fora os sábios e os loucos – que tem futuro? E quem, fora os maus, só se preocuparia com o seu? 

Os homens são egoístas com certeza, mas menos absolutamente do que às vezes se imagina: ei-los, mesmo quando não têm filhos, a se preocupar com as gerações futuras, e é uma bela preocupação. O mesmo homem que não se angustia com seus cigarros inquieta-se com um buraco no ozônio. Despreocupado consigo, preocupado com os outros. Quem iria censurá-lo por isso? O fato é que não esquecemos o futuro (esqueceríamos antes o presente!), e tanto menos quanto mais o ignoramos. 

O passado é mais desprovido. O futuro nos inquieta, o futuro nos atormenta. Seu nada constitui sua força. No passado, ao contrário, parece que não temos mais nada a temer, mais nada a esperar, e isso sem dúvida não é totalmente errado. Epicuro fez disso uma sabedoria: na tempestade do tempo, o porto profundo da memória... Mas o esquecimento é um porto mais seguro. Se os neuróticos sofrem de reminiscência, como dizia Freud, a sanidade psíquica bem que deve, em alguma coisa, alimentar-se de esquecimento. “Deus preserve o homem de esquecer de esquecer!”, escreve o poeta, e Nietzsche também enxergou muito bem onde estavam a vida e a felicidade. “É possível viver quase sem lembrança, e viver feliz, como demonstra o animal, mas é impossível viver sem esquecer.” Portanto, anotemos. Mas a vida é o objetivo? A felicidade é o objetivo? Pelo menos essa vida e essa felicidade? Devemos invejar o animal, a planta, a pedra? E mesmo que os invejássemos, deveríamos nos submeter a essa inveja? Que restaria do espírito? Que restaria da humanidade? Devemos tender unicamente à sanidade ou à higiene? Pensamento sanitário, que aí encontra sua força e seus limites. Mesmo que o espírito fosse uma doença, mesmo que a humanidade fosse uma desgraça, essa doença, essa desgraça são nossas – pois são nós, pois só somos por elas. Do passado, não façamos tábua rasa. Toda a dignidade do homem está no pensamento; toda a dignidade do pensamento está na memória. Pensamento esquecidiço talvez seja pensamento, mas sem espírito. 

Desejo esquecidiço é desejo, sem dúvida, mas sem vontade, sem coração, sem alma. A ciência e o animal dão mais ou menos uma ideia disso – embora isso não seja verdade para todos os animais (alguns são fiéis, dizem) nem, talvez, para todas as ciências. Pouco importa. O homem só é espírito pela memória, só é humano pela fidelidade. Guarde-se, homem, de se esquecer de se lembrar! O espírito fiel é o próprio espírito. 

Pego o problema de longe, porque ele é imenso. A fidelidade não é um valor entre outros, uma virtude entre outras: ela é aquilo por que, para que há valores e virtudes. Que seria a justiça sem a fidelidade dos justos? A paz, sem a fidelidade dos pacíficos? A liberdade, sem a fidelidade dos espíritos livres? E que valeria a própria verdade sem a fidelidade dos verídicos? Ela não seria menos verdadeira, decerto, mas seria uma verdade sem valor, da qual nenhuma virtude poderia nascer. Não há sanidade sem esquecimento, talvez; mas não há virtude sem fidelidade. Higiene ou moral. Higiene e moral. Porque não se trata de esquecer nada, nem de ser fiel a qualquer coisa. Nem a sanidade basta, nem a santidade de impõe. “Não se trata de ser sublime, basta ser fiel e sério.” Aí está. A fidelidade é virtude de memória, e a própria memória como virtude. 

Mas que memória? Ou memória de quê? E em que condições? E dentro de que limites? Não se trata, repitamos, de ser fiel a qualquer coisa; já não seria fidelidade, e sim passadismo, obstinação bitolada, teima, rotina, fanatismo... Toda virtude se opõe a dois excessos, lembraria um aristotélico: a versatilidade é um, a obstinação é outro, e a fidelidade rejeita ambos igualmente. Meio-termo? Se quisermos, mas não como entendem os tíbios ou os frívolos (não se trata de ser um pouco versátil e um pouco obstinado!). O centro do alvo daria a ideia disso, melhor do que o atoleiro de nossas assembleias. Cumeada, dizia eu, entre dois abismos. A fidelidade não é nem versátil nem obstinada, e é nisso que é fiel. 

Quer dizer, então, que ela vale em si mesma? Para si mesma? Por si mesma? Não, ou não somente. É sobretudo seu objeto que constitui seu valor. Não se muda de amigo como de camisa, notava aproximadamente Aristóteles, e seria tão ridículo ser fiel a suas roupas quanto condenável não o ser a seus amigos – salvo, como diz alhures o filósofo, “excesso de perversidade da parte deles”. A fidelidade não desculpa tudo: ser fiel ao pior é pior do que renegá-lo. Os SS juravam fidelidade a Hitler; essa fidelidade no crime era criminosa. Fidelidade ao mal é má fidelidade. 

E “a fidelidade na tolice”, observa Jankélévitch, “é uma tolice mais”. Cabe aqui – fidelidade de escolar, ainda que rebelde – citar mais longamente o Mestre: A fidelidade é ou não louvável? “Conforme”, ou seja: depende dos valores a que se é fiel. Fiel a quê? (...) Ninguém dirá que o ressentimento é uma virtude, embora ele permaneça fiel a seu ódio ou a suas cóleras; a boa memória da afronta é uma má fidelidade. Tratando-se de fidelidade, o epíteto não é tudo? E há ainda uma fidelidade às pequenas coisas, que é mesquinharia e tenaz memória das bagatelas, repisamento e teima. (...) A virtude que queremos não é, pois, toda fidelidade, mas apenas boa fidelidade e grande fidelidade. (Jankélévitch) 

Muito bem: a fidelidade amante, fidelidade virtuosa, fidelidade voluntária. Não basta lembrar-se. Pode-se esquecer sem ser infiel, aliás, e ser infiel sem esquecer. Melhor, a infidelidade supõe a memória: uma pessoa só pode ser fiel ou infiel àquilo de que se lembra (um amnésico não poderia nem manter nem trair sua palavra), e é nisso que fidelidade e infidelidade são duas formas opostas da lembrança, uma virtuosa, a outra não. A fidelidade é “a virtude do Mesmo”, dizia ainda Jankélévitch; mas num mundo em que tudo muda, e é o mundo, só há mesmo por obra da memória e da vontade. Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, nem ama duas vezes a mesma mulher. Pascal: “Ele já não ama a pessoa que amava há dez anos. Acredito: ela não é mais a mesma, ele também não. Ele era jovem, ela também; ela está completamente diferente. Ele talvez ainda a amasse, tal como ela era então.” A fidelidade é a virtude do mesmo, pela qual o mesmo existe ou resiste.  

Por que eu manteria minha promessa da véspera, já que não sou mais o mesmo hoje? Por quê? Por fidelidade. É esse, de acordo com Montaigne, o verdadeiro fundamento da identidade pessoal: “O fundamento de meu ser e de minha identidade é puramente moral: ele está na fidelidade à fé que jurei a mim mesmo. 

Não sou realmente o mesmo de ontem; sou o mesmo unicamente porque eu me confesso o mesmo, porque assumo um certo passado como sendo meu, e porque pretendo, no futuro, reconhecer meu compromisso presente como sempre meu.” 

Não há sujeito moral sem fidelidade de si para consigo, e é nisso que a fidelidade é devida: pois de outro modo não haveria deveres! É nisso também que a infidelidade é possível: como a fidelidade é virtude da memória, assim a infidelidade é sua falta (muito mais que seu defeito ou sua ausência). A anamnésia não é tudo: a boa memória nem sempre é boa, a lembrança precisa nem sempre é amante ou respeitosa. Virtude de memória é mais que memória; fidelidade é mais que exatidão. A fidelidade é o contrário, não do esquecimento, mas da versatilidade frívola ou interessada, do renegamento, da perfídia, da inconstância. 

É verdade, porém, que ela se opõe ao esquecimento – como toda virtude se opõe à ladeira que ela sobe -, que a infidelidade, ao contrário, acaba por acarretar: traímos primeiro aquilo de que nos lembramos, depois esquecemos o que traímos... A infidelidade se abole, assim, em seu triunfo, ao passo que a fidelidade só triunfa, sempre provisoriamente, recusando abolir-se (não conhece outro triunfo, quero dizer, além da perpetuação sem fim do combate contra o esquecimento ou o renegamento). Fidelidade desesperada, escreve Jankélévitch, e não serei eu a censurá-lo por isso. É que “não é igual a luta entre a maré irresistível do esquecimento, que, com o tempo, submerge todas as coisas, e os protestos desesperados, mas intermitentes, da memória; recomendando-nos o esquecimento, os professores de perdão aconselham-nos, pois, o que não precisa ser aconselhado: os próprios esquecidiços se encarregarão de fazê-lo, é tudo o que querem. É o passado que reclama nossa piedade e nossa gratidão, pois o passado não se defende sozinho, como se defendem o presente e o futuro...” É este o dever da memória: piedade e gratidão pelo passado. O duro dever, o exigente dever, o imprescritível dever de ser fiel! 

Evidentemente esse dever tem sua gradação. Jankélévitch, no texto que acabo de citar, pensa nos campos de concentração nazista e no martírio do povo judeu. Martírio absoluto: dever absoluto. Não temos de ser fiéis ao mesmo título, nem no mesmo grau, a nossos primeiros amores ou aos campeões de ciclismo que entusiasmaram nossa infância... A fidelidade só deve dirigir-se ao que vale, e proporcionalmente – se ouso dizer, já que se trata de grandezas por natureza não-quantificáveis – ao valor do que vale. Fidelidade primeiro ao sofrimento, à coragem desinteressada, ao amor... Assalta-me uma dúvida: o sofrimento é, então, um valor? Não, é claro, tomado em si mesmo, ou então apenas negativo: o sofrimento é um mal, e seria um engano ver nele uma redenção. Mas, embora o sofrimento não seja um valor, toda vida sofrida, sim, o é, pelo amor que exige ou merece: amar quem sofre (a caridade dos cristãos, a compaixão dos budistas, a commiseratio dos spinozistas...) é mais importante do que amar o que é belo ou grande, e o valor nada mais é do que o que merece ser amado. É nisso que toda fidelidade – seja ela fidelidade a um valor ou a alguém – é fidelidade ao amor e pelo amor. Fidelidade é amor fiel, o uso comum não se engana a esse respeito, ou só se engana enganando-se sobre o amor (se o limitar, erroneamente, apenas às relações do casal). Não que todo amor seja fiel (é por isso que a fidelidade não se reduz ao amor); mas toda fidelidade é amante, sempre (fidelidade no ódio não é fidelidade, mas rancor ou perseguição), e boa por isso, amável por isso. 

Fidelidade, pois, à fidelidade – e aos diferentes graus de fidelidade! Quanto aos domínios particulares, não terminaríamos de enumerá-los. Permitam-me evocar, e bem rapidamente, apenas três: o pensamento, a moral, o casal. 

Que existe uma fidelidade do pensamento, é mais do que claro. Não se pensa qualquer coisa, pois pensar qualquer coisa não seria mais pensar. A própria dialética, tão cômoda aos sofistas, só é um pensamento pela fidelidade às suas leis, às suas exigências, à própria contradição que ela assume e supera. “Não se deve confundir”, dizia Sartre, “dialética com o borboletear das idéias.” A fidelidade é mais ou menos o que as distingue, como podemos ver na grande Lógica de Hegel, toda ela fiel a seu começo e a seu improvável rigor. Mais geralmente, podemos dizer que um pensamento só escapa do nada ou do bate-papo pelo esforço, que o constitui, em resistir ao esquecimento, à inconstância das modas ou dos interesses, às seduções do momento ou do poder. Todo pensamento, observa Marcel Conche, “correrá continuamente o risco de perder-se, se não fizermos o esforço de guardá-lo. Não há pensamento sem memória, sem luta contra o esquecimento e o risco de esquecimento.” Isso significa que não há pensamento sem fidelidade: para pensar, é preciso não apenas lembrar (o que ainda não permitiria mais que a consciência, e nem toda consciência é pensamento), mas querer lembrar. A fidelidade é essa vontade, ou antes, é seu ato e sua virtude. 

Acaso ela não supõe também a vontade de sempre pensar o que lembramos ter pensado? Vontade, pois, não apenas de lembrar, mas de não mudar? Sim e não. 

Sim, pois querer lembrar-se de um pensamento seria inútil se este só devesse valer como lembrança, como um bibelô me ntal ou conceitual: ser fiel a suas ideias é não apenas lembrar-se de que as teve, mas querer conservá-las vivas (querer lembrar-se não apenas de que as teve, mas de que as tem). E não, porém, porque querer conservá-las à força seria recusar submetê-las, se necessário, à prova da discussão, da experiência ou da reflexão: ser fiel mais a seus pensamentos do que à verdade seria ser infiel ao pensamento como tal e condenar-se, ainda que por uma boa causa, à sofística. Fidelidade à verdade, antes de tudo! É nisso que a fidelidade se distingue da fé e, a fortiriori, do fanatismo. Ser fiel, para o pensamento, não é recusar-se a mudar de ideia (dogmatismo), nem submeter suas ideias a outra coisa que não a elas mesmas (fé), nem considerá-las como absolutos (fanatismo); é recusar-se a mudar de ideia sem boas e fortes razões e – já que não se pode examinar sempre – é dar por verdadeiro, até novo exame, o que uma vez foi clara e solidamente julgado. Nem dogmatismo, pois, nem inconstância. Tem-se o direito de mudar de ideia, mas apenas quando é um dever. Fidelidade à verdade, antes de tudo, depois à lembrança da verdade (à verdade conservada): este é o pensamento fiel, isto é, o pensamento. 

Quando digo que a ciência não se ocupa disso, compreendam-me corretamente: não se trata, é óbvio, dos cientistas nem, portanto, da ciência em via de se fazer. 

Mas, considerando-a em seus resultados, a ciência vive no presente e está sempre esquecendo seus primeiros passos. A filosofia, ao contrário, está sempre continuando os seus, desde o início. Que físico relê Newton? Que filósofo não relê Aristóteles? A ciência progride e esquece; a filosofia medita e se lembra. Aliás, o que é a filosofia, senão uma fidelidade extrema ao pensamento? 

Mas vamos à moral. Faz parte da sua essência que ela tem algo a ver com a fidelidade. Kant, porém, não estaria de acordo com isso: a fidelidade é um dever, ele teria dito (por exemplo, entre amigos ou esposos), mas o dever não poderia ser reduzido à fidelidade. A lei moral, por ser atemporal, está sempre diante de nós; trata-se não de ser fiel, mas de obedecer. Fidelidade a quê, de resto? Se é ao que o dever prescreve, ela é supérflua (pois o dever, fidelidade ou não, se impõe por si mesmo); se é a outra coisa, é acessória (pois só o dever importa absolutamente). Quanto à fidelidade que o dever impõe (fidelidade à palavra empenhada, fidelidade conjugal...), ela é, para Kant, apenas um caso particular do dever e a ele se reduz. A fidelidade está subordinada à lei moral; não a lei moral à fidelidade. 

Sim, se é que há uma lei moral, no sentido em que Kant a entende: universal, absoluta, atemporal, incondicional... Se é que há, pois, uma razão prática, que comanda absolutamente, sem nenhuma preocupação com o tempo ou o espaço. 

Mas que sabemos de uma razão assim? Que experiência temos dela? E quem pode acreditar nela, hoje em dia? Kant teria razão se houvesse uma lei moral universal e absoluta, logo um fundamento objetivo da moral. Mas não os conheço, e é esse o destino que nossa época nos impõe, parece-me: termos de ser morais sem já crermos na verdade (absoluta) da moral. Em nome de que, pois, sermos virtuosos? Em nome da fidelidade: por fidelidade à fidelidade! É o espírito judaico contra a razão alemã, se quisermos, e só ele é capaz de salvá-la da barbárie. Que ingenuidade, objetaria Bergson a Kant, pretender fundar a moral sobre o culto da razão, em outras palavras, na prática, sobre o respeito ao princípio de não-contradição! Cavaillès, como grande lógico que era, dirá a mesma coisa. Que uma moral deva ser razoável, é óbvio, pois deve ser universal (em todo caso, universalizável); mas nenhuma razão basta para tanto: “Diante de uma tendência um pouco forte, o princípio de não-contradição nada pode, e as mais fulgurantes evidências se atenuam. A geometria nunca salvou ninguém.” 


Não há virtude no geométrico. Em que a barbárie é menos coerente do que a civilização? A avareza menos lógica que a generosidade? E, ainda que fossem, em que isso é um argumento contra a barbárie ou a avareza? Evidentemente, não se trata de renunciar à razão, pois o espírito não sobreviveria a isso. Trata-se simplesmente de não confundir a razão, que é fidelidade ao verdadeiro, com a moral, que é fidelidade à lei e ao amor. Ambas podem ir de par, é claro, e é isso que chamo de espírito. Mas razão e moral nem por isso deixam de ser duas, e irredutíveis uma à outra. 

Em outras palavras, a moral não é verdadeira, mas é válida: ela é objeto não de conhecimento (pelo menos o conhecimento que podemos ter dela é incapaz de exibir seu valor), mas de vontade. Não atemporal, mas histórica. Não à nossa frente, mas atrás de nós. Se não há fundamento para a moral, se não pode haver, a fidelidade é o que faz as vezes dele. Por ela, submetemo-nos não à atemporalidade de uma lei moral universal, mas à historicidade de um valor, à presença em nós, sempre particular, do passado, quer se trate do passado da humanidade em geral (a cultura, a civilização: o que nos separa da barbárie), quer se trate, em particular, de nosso passado pessoal ou daquele de nossos pais (o superego de Freud, a educação de cada um: o que separa nossa moral da moral dos outros). Fidelidade à lei, não como divina mas como humana, não como lei universal mas como particular (mesmo que essa lei seja universalizável, e deve sê-lo), não como lei atemporal mas como histórica: fidelidade à história, fidelidade à civilização e às Luzes, fidelidade à humanidade do homem! Não se trata de trair o que a humanidade fez de si, que nos fez. 

A moral começa pela polidez, dizia eu; ela continua – mudando de natureza – pela fidelidade. Fazemos primeiro o que se faz; depois, impomo-nos o que se deve fazer. Primeiro respeitamos as boas maneiras, depois as boas ações. Os bons costumes, depois a própria bondade. Fidelidade ao amor recebido, ao exemplo admirado, à confiança manifestada, à exigência, à paciência, à impaciência, à lei… 

O amor da mãe, a lei do pai. Não estou inventando nada, mas esquematizando muito. Cada um, porém, sabe o bastante a esse respeito. O dever, a proibição, o remorso, a satisfação de ter agido corretamente, a vontade de fazer direito, o respeito ao outro… Tudo isso “depende, no mais alto grau, da educação”, como dizia Spinoza, o que não é motivo para dispensá-lo! É apenas moral, sem dúvida, e a moral não é tudo, e a moral não é o essencial (o amor e a verdade importam mais). Contudo, quem, fora o sábio ou o santo, poderia prescindir dela? E como ela poderia prescindir da fidelidade? A fidelidade está no princípio de toda moral; ela é o contrário da “derrubada de todos os valores”, a qual deveria derrubar também a fidelidade, e não o pode, e se julga por isso. “Queremos ser herdeiros de toda a moralidade anterior”, dizia Nietzsche, “não pretendemos começar com novos gastos. Toda nossa ação nada mais é que uma moralidade em revolta contra sua forma anterior.” Essa revolta e essa herança são, mais uma vez, fidelidade. E temos mesmo de nos revoltar? Contra quem? Contra Sócrates? Contra Epicteto? 

Contra o Cristo dos Evangelhos? Contra Montaigne? Contra Spinoza? Quem poderia? Quem quereria? Como não ver que são, no essencial, fiéis, uns e outros, aos mesmos valores, aos quais só se poderia renunciar renunciando à humanidade? “Não vim abolir, mas realizar…” Palavra de fiel – e mais bela ainda sem a fé, e mais urgente ainda sem a fé. Fidelidade não a Deus, mas ao homem, e ao espírito do homem (à humanidade não como fato biológico, mas como valor cultural). Todas as barbáries deste século foram desencadeadas em nome do futuro (o Reich de mil anos, o “amanhã cantante”, ou que deveria cantar, do stalinismo…). Ninguém me tira a ideia de que se resistiu a elas, moralmente, apenas por fidelidade a um certo passado. O bárbaro é o infiel. Mesmo o amanhã cantante só é moralmente desejável em nome de valores muito antigos; foi o que Marx viu e que os marxistas começam a compreender. Não há moral do futuro. Toda moral, como toda cultura, vem do passado. Não há moral que não seja fiel. 

Para o casal é outra história. Que há casais fiéis e outros não, é uma verdade de fato, que não parece, ou já não parece, atingir o essencial. Pelo menos se entendemos por fidelidade, nesse sentido restrito, o uso exclusivo, e mutuamente exclusivo, do corpo do outro. Por que só amaríamos uma pessoa? Por que só desejaríamos uma pessoa? Ser fiel a suas ideias não é (felizmente!) ter uma só ideia; nem ser fiel em amizade supõe que tenhamos um só amigo. Fidelidade, nesses domínios, não é exclusividade. Por que deveria ser diferente no amor? Em nome do que poderíamos pretender o desfrute exclusivo do outro? É possível que isso seja mais cômodo ou mais seguro, mais fácil de viver, talvez, no fim das contas, mais feliz, e, enquanto houver amor, até acredito que seja. Mas nem a moral nem o amor parecem-me estar presos a isso por princípio. Cabe a cada um escolher, de acordo com sua força ou com suas fraquezas. A cada um, ou antes a cada casal: a verdade é valor mais elevado do que a exclusividade, e o amor me parece menos traído pelo amor (pelo outro amor) do que pela mentira. Outros pensarão o contrário, talvez eu também, em outro momento. Não é isso o essencial, parece-me. Há casais livres que são fiéis, à sua maneira (fiéis ao seu amor, fiéis à sua palavra, fiéis à sua liberdade comum…). E tantos outros, estritamente fiéis, tristemente fiéis, em que cada um dos dois preferiria não o ser… O problema, aqui, é menos a fidelidade do que o ciúme, menos o amor do que o sofrimento. Não é mais meu tema. Fidelidade não é compaixão. Serão duas virtudes? Sem dúvida, mas, justamente: são duas. Não fazer sofrer é uma coisa; não trair é outra, e é o que se chama fidelidade. 

O essencial é saber o que faz com que um casal seja um casal. O simples encontro sexual, por mais repetido que seja, não bastaria evidentemente para tanto. Mas também não a simples coabitação, por mais duradoura que seja. O casal, no sentido em que uso a palavra, supõe tanto o amor como a duração. 

Supõe, portanto, a fidelidade, pois o amor só dura sob a condição de prolongar a paixão (breve demais para fazer um casal, suficiente para desfazê-lo!) por memória e vontade. É o que significa o casamento, sem dúvida, e que o divórcio vem interromper. Se bem que… Uma amiga minha, divorciada, depois recasada, dizia-me que permanecia fiel, em alguma coisa, a seu primeiro marido. “Quero dizer”, explicou-me, “ao que vivemos juntos, a nossa história, a nosso amor… 

Não quero renegar tudo isso.” Nenhum casal, com maior razão, poderia durar sem essa fidelidade, em cada um, à sua história comum, sem esse misto de confiança e de gratidão pelo qual os casais felizes (há alguns) se tornam tão comoventes, ao envelhecer, mais até que os namorados que começam, que, na maioria dos casos, ainda não fazem mais que sonhar seu amor. Essa fidelidade me parece preciosa, mais que a outra, e mais essencial ao casal. Que o amor se aplaque ou decline, é sempre o mais provável, e é bobagem afligir-se com isso. 

Mas quer se separe, quer continue a viver junto, o casal só continuará sendo casal por essa fidelidade ao amor recebido e dado, ao amor partilhado e à lembrança voluntária e reconhecida desse amor. Fidelidade é amor fiel, dizia eu, e assim é também o casal, mesmo o casal “moderno”, mesmo o casal “livre”. A fidelidade é o amor conservado ao que aconteceu, o amor ao amor, no caso, amor presente (e voluntário, e voluntariamente conservado) ao amor passado. Fidelidade é amor fiel, e fiel antes de tudo ao amor. 

Como eu poderia jurar que sempre te amarei ou que não amarei outra pessoa? 

Quem pode jurar seus sentimentos? E para que, quando não há mais amor, manter a ficção, os encargos ou as exigências do amor? Mas isso não é motivo para renegar ou não reconhecer o que houve. Por que precisaríamos, para amar o presente, trair o passado? Eu juro não que sempre te amarei, mas que sempre permanecerei fiel a esse amor que vivemos. 

O amor infiel não é o amor livre: é o amor esquecidiço, o amor renegado, o amor que esquece ou detesta o que amou e que, portanto, se esquece ou se detesta. Mas será isso ainda amor? Ama-me enquanto desejares, meu amor; mas não nos esqueça.

outubro 10, 2021

NAMASTÊ




*O que significa, afinal, a palavra namastê?*

A palavra namastê (com acento em português) tem origem do sânscrito e é considerada uma saudação, um cumprimento. É uma forma respeitosa que os hindus utilizam para o início de uma comunicação verbal ou escrita, muito utilizada para expressar um agradecimento por uma assistência oferecida ou prestada e para agradecer uma gentileza.

Muitas vezes é falada como Namaskara, sendo considerado mais formal em algumas situações.

É utilizada principalmente na Índia e Nepal e em alguns lugares da Ásia onde se encontra um pouco da influência dos hindus.

A palavra namastê normalmente é acompanhada de um gesto realizado com as mãos, onde as duas mãos pressionam uma contra a outra com os dedos apontados para cima e logo a frente do peito (ou ainda em frente a testa e a cabeça levemente curvada), direcionando os cotovelos para os lados.

Esse gesto reflexológico simboliza um cumprimento mútuo entre todos os praticantes de yoga (como entre os hindus), podendo ser conhecido como Pronam Mudrá, Namaste Mudrá, Anjali Mudrá ou Yoga Mudrá.

Muito provavelmente você perceberá que é comum o cumprimento deste gesto para darmos o início e o final formal das práticas de Yoga.

Neste momento é como se estabelecêssemos o estado de Yoga.

O professor pode utilizar o símbolo como gratidão e respeito para com os seus alunos e seus próprios professores e em retorno é como se convidasse os alunos a se conectarem com a sua linhagem.

O cumprimento namastê, também pode ser utilizado sem o gesto das mãos, porém é considerado mais respeitoso especialmente quando direcionado para uma pessoa mais velha ou uma pessoa de importância.

Namah significa curvar-se, fazer uma reverência e te significa à você.

Podendo ser traduzido como “Eu me curvo a você” ou “Eu saúdo a você”.

No hinduísmo leva também um significado espiritual como: "O Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em você" ou ainda “O Divino que habita em mim, é o mesmo que habita em você”.

Em ambas as formas o sentimento é de que a verdade de que somos todos um quando vivemos do coração.

NAMASTÊ

A IMPORTÂNCIA DOS GRAUS SIMBÓLICOS - José Castellani

Excertos do livro Liturgia e Ritualística do Grau de Mestre Maçom do Irm.’. José Castellani, 

Os três graus simbólicos, Aprendiz, Companheiro e Mestre, comuns a todos os ritos maçônicos, representam a essência total de toda a doutrina moral da maçonaria. (...)

Os três graus simbólicos, síntese do universo maçônico, mostram a evolução racional da espécie humana, ou seja, intuição (Aprendiz), análise (Companheiro) e síntese (Mestre). 

O Aprendiz, ainda inexperiente, embora guiado pelos Mestres, realiza o seu trabalho quase empiricamente, através da intuição, apenas, representando o alvorecer das civilizações, dominadas pelo empirismo; o Companheiro, já tendo um método de trabalho analítico e ordenado, simboliza uma mais avançada fase da evolução da mente humana, enquanto que o Mestre, juntando, através da síntese, tudo o que está disperso, para a conclusão final da obra, representa o caminho derradeiro da mente, na busca da perfeição. (...)

Nas Lojas Simbólicas, verdadeira e única essência da maçonaria universal, o iniciado percorre um longo caminho desde as trevas do ocidente até à luz do oriente, tendo o seu lugar de acordo com suas aptidões e a sua ascensão de acordo com os seu méritos, concretizando as sábias lições da lenda do Mestre Hiram (...)

Acham muitos maçons desavisados, que os graus simbólicos são secundários e representam um mero apêndice da maçonaria, uma etapa primária e elementar, um trampolim para grandes escaladas, quando, na realidade, é basilar e relevante a sua importância, pois, como alicerces de toda a estrutura maçônica universal, nada mais existiria de maçônico sem eles, restando, apenas, as honorificências, de que o mundo profano é tão prenhe.

Interessados no livro contatar o Irm.’. Almir no WhatsApp (21) 99568-1350 - 
Exclusivo para Mestres Maçons

outubro 09, 2021

O MANUSCRITO YORK

 

Trecho do manuscrito York, da maçonaria operativa, de 1370.

É ordenado pelo Capítulo da Igreja de São Pedro de York que todos os maçons que trabalharão nas obras da mesma Igreja de São Pedro, desde o dia de Micael até o primeiro domingo da Quaresma, estejam todos os dias pela manhã em seus trabalhos na Loja, que é fornecido para os maçons em trabalho dentro da área ao lado da referida igreja, tão cedo quanto eles podem ver claramente pela luz do dia para trabalhar. E eles devem permanecer ali fielmente trabalhando todo o dia depois disso, desde que possam ver claramente para trabalhar, se for um dia inteiro de trabalho; caso contrário, até o meio-dia alto, quando um feriado cai ao meio-dia, exceto dentro do tempo acima mencionado entre a Quaresma e o Natal; e em todas as outras épocas do ano poderão jantar antes do meio-dia, se assim o desejarem, e também comer ao meio-dia onde quiserem, desde que não permaneçam afastados de seu trabalho no referido alojamento, em qualquer época do ano, na hora do jantar, mais do que um tempo tão curto que nenhum homem razoável encontrará culpa por permanecerem afastados. E na hora de comer ao meio-dia, em nenhuma época do ano estarão ausentes dos alojamentos, nem de seu trabalho acima mencionado, no espaço de uma hora; e depois do meio-dia poderão beber no alojamento, e para seu tempo de bebida, entre o Natal e a Quaresma, não cessarão nem deixarão seu trabalho além do espaço de tempo que se pode andar meia milha. E desde o primeiro domingo da Quaresma até a Quaresma, eles estarão na referida pousada ao nascer do sol e permanecerão lá trabalhando verdadeira e cuidadosamente no referido trabalho da igreja, o dia todo, até que não haja mais do que o tempo em que se possa caminhar uma milha antes do pôr-do-sol, se for um dia de trabalho, senão até o meio-dia, como foi dito anteriormente; exceto que, entre o primeiro domingo da Quaresma e a Quaresma, jantarão e comerão como antes, depois do meio-dia na referida pousada. E não cessarão nem deixarão seu trabalho em horas de sono que excedam o tempo em que se pode caminhar uma milha, nem em horas de beber depois do meio-dia, além do mesmo tempo. E não dormirão depois do meio-dia em nenhum momento, exceto entre São Elemnes e Lammas*; e se qualquer homem permanecer afastado do alojamento e do trabalho acima mencionado, ou cometer ofensa em qualquer época do ano contra este decreto acima mencionado, ele será punido com uma redução de seu salário, após a inspeção e julgamento do Mestre Maçon. E todos os seus horários e horas serão regidos por um decreto assim estabelecido. Também é ordenado que nenhum maçom seja recebido no trabalho da referida igreja, a menos que ele seja primeiramente testado por uma semana ou mais quanto ao seu bom trabalho; e se depois disso ele for considerado competente para o trabalho, ele poderá ser recebido pelo consentimento comum do Mestre e dos guardiões do trabalho e do Mestre Maçom, e ele deve jurar sobre o livro que ele irá verdadeiramente e cuidadosamente, de acordo com seu poder, sem qualquer tipo de engano, traição ou engano; manter e santificar todos os pontos deste decreto em todas as coisas que afetem ou possam afetá-lo, desde o momento em que ele for recebido na obra acima mencionada, desde que ele permaneça como maçom contratado na obra acima mencionada da igreja de São Pedro e que ele não se afastará da obra acima mencionada a menos que os Mestres lhe deem permissão para se afastar da obra acima mencionada. E que quem quer que vá contra este decreto e o quebre contra a vontade do capítulo supracitado tenha a maldição de Deus e de São Pedro. -----------

 *Lammas: O dia também conhecido como Dia da Missa do Pão, é um feriado cristão celebrado em alguns países de língua inglesa no Hemisfério Norte em 1º de agosto.

GESTÃO CAÓRDICA - Sérgio Quirino




Sérgio Quirino - é um eminente intelectual maçônico e atual Grão-Mestre - GLMMG 2021/2024

Pode parecer estranho para nós o adjetivo caórdico. Mas, não é nada mais do que a aplicação, a prática do princípio “Ordo ab Chao”.

Há muito o que se especular sobre a ordem oriunda do caos ou sobre a ordem vinda após o caos. Mas, como o mundo e a vida são movimentos cíclicos, devemos também especular sobre o caos oriundo da ordem e mesmo do caos após a ordem.

Vamos retomar um artigo anterior, onde alertamos que as peças que formam o Pavimento em Mosaico são diferentes, mas não estão em conflito (caos). Elas se interagem e nos dão sustentação (ordem).

O primeiro ponto a compreender é que o Caos é um processo ativo e não um resultado inerte e acabado. O segundo ponto é lembrar, portanto, que a Ordem possui duração determinada.

Não há nada de catastrófico nisto! Trata-se apenas da rotina da própria vida, tanto da vida profana quanto da vida maçônica.

Diante desta realidade, cumpre-nos o dever de alertar aos Irmãos sobre a necessidade de imprimir uma nova forma de gestão das Lojas. A começar pela relevante afirmação de que todos nós, independente de graus ou cargos somos responsáveis pela qualidade das sessões maçônicas.

As Lojas estão retornando às atividades presenciais. Para que este retorno valha, realmente a pena, precisamos “atualizar” ou seja, dar um “upgrade” nos nossos trabalhos.

As reuniões virtuais demonstraram o quanto foi positivo o aprendizado e como os trabalhos se transcorreram de forma dinâmica. Este aprendizado é exatamente a Ordem advinda do Caos. Porém, poderá ocorrer o processo inverso, caso a direção da Loja não saiba diferenciar o que é chefiar do que seja liderar.

A começar pelo Venerável Mestre, que deve ter consciência de que ele não tem autoridade de mando junto aos Obreiros. O VM comanda a Obra. O grande número de Irmãos, que por mais de um ano se eletrizou com "lives", reuniões virtuais, palestras e núcleos de estudos on-line, procurará, de toda forma, manter este ritmo dentro dos Templos.

Nesta linha, é necessário compreender que há dois momentos cruciais nas Sessões: ORDEM DO DIA (O QUE TROUXE PARA A LOJA?); e QUARTO-DE-HORA-DE-ESTUDO (O QUE LEVO DA LOJA?)

O Ritual deve ser cumprido integralmente, mas, com mais agilidade. A realidade nos trouxe a necessidade de agregarmos outros conhecimentos aos trabalhos apresentados, de darmos espaços aos Aprendizes e Companheiros abrindo possibilidades para ativar a inteligência coletiva, o que é muito diferente da simples leitura das instruções e do bater o malhete.

OS NOVOS LABORES MAÇÔNICOS DEVEM ESTAR IMBUÍDOS DE FAZER O NOVO E NÃO DE REPETIR DE NOVO.

Ecoem em nossas mentes que estamos vencendo as dificuldades interpostas em nosso caminho, para nos reunirmos em nome de um Princípio Criador. Portanto, compreender que Caos e Ordem são “matérias primas” nos fará, integralmente, artesãos da Arte Real.

Atingimos quinze anos de compartilhamento de instruções maçônicas. Nosso propósito fundamental é incentivar os Irmãos ao estudo, à reflexão e tornar-se um elemento de atuação, um legítimo Construtor Social.

Sinto muito, me perdoe, sou grato, te amo. Vamos em Frente!


outubro 08, 2021

O NOVO DESAFIO DA MAÇONARIA: SUA PRÓPRIA EXISTÊNCIA - Ir.’. Fábio Cyrino




Ao longo de sua história, a Maçonaria, não aquela das lendas e tradições românticas, de tempos imemoriais, das guildas de ofício que pretendiam manter uma reserva intelectual de mercado, mas sim a Maçonaria como Instituição, fruto de um momento social iluminista originada ao longo do final do século 17 e início do 18, sempre enfrentou oposição do chamado "mundo profano", principalmente por seu caráter sigiloso, reservado, secreto até. 

Nestes quase 300 anos de existência oficial a ser completada em 2017, a Maçonaria se deparou com fortes movimentos que pretenderam controlá-la e até mesmo suprimi-la, com a eliminação de suas estruturas, a prisão e mesmo a condenação à morte de seus integrantes. Desde a emissão da Bula In Eminenti Apostolatus Specula, por parte do papa Clemente XII, em 28 de abril de 1738, uma das primeiras tentativas de sua supressão, até os fortes ataques sofridos ao longo do século 20 por nações totalitárias, de caráter fascista, mesmo assim a Maçonaria sempre representou ao mesmo tempo um farol de conquistas sociais de Liberdade e Igualdade entre os Homens e uma ameaça aqueles que pretendiam a perpetuação de um status quo baseado no controle do Estado e da Sociedade por poucos, uma elite perversa que visava ao controle do conhecimento, aos meios de produção, às liberdades individuais.

Nestes últimos 300 anos, em suas fileiras, a Maçonaria abrigou líderes políticos, libertadores, intelectuais, filósofos, cientistas e artistas: de Saint-Martin e Washington; de Voltaire a Franklin; de Mozart e Puccini a Montaigne e Fleming. A Maçonaria sofreu e sobreviveu, sempre permanecendo imune aos ataques externos e internos à sua estrutura globalizada, em uma época em que o termo ainda nem sequer havia sido cunhado. 

Nestes 300 anos, lutou-se pela Liberdade social, pelo acesso universal à instrução, pelo direito de acesso aos meios de produção, pela liberdade política, pela defesa dos Estados laicos e pela comunhão entre os povos. Lutou-se pelo fim do Absolutismo; pelo fim da Escravidão; pela eliminação das oligarquias na sociedade; pela eliminação do totalitarismo de Hitler, de Mussolini e de Franco, exemplos de Estados onde a Maçonaria foi perseguida e praticamente eliminada, com a morte de aproximadamente 400.000 maçons em campos de extermínio, conforme os registros oficiais apontam; lutou-se pelo fim da Ditadura do Proletariado nas quatro décadas após o término da Segunda Guerra Mundial e tem se lutado ainda pela supressão das injustiças sociais e econômicas.

Agora nestas primeiras décadas do século 21, a Maçonaria, de uma maneira geral, enfrenta um inimigo maior que todos aqueles que já a confrontaram: a indiferença. A indiferença por parte de seus integrantes de que não há mais batalhas a serem vencidas; a indiferença e a acomodação por parte de seus integrantes de que as grandes causas se resumem a encontros sociais e a discursos vazios desassociados da realidade prática de um mundo em transformação, um mundo que exige respostas rápidas para questões cada vez mais complexas; a indiferença por parte de seus integrantes com relação aos equívocos internos e à luta insana por um poder sem poder algum; a indiferença diante de grupos que simplesmente se esquecem dos compromissos assumidos no instante de suas iniciações.

Portanto, o maior inimigo da Maçonaria não está somente no crescimento de movimentos antimaçônicos, no crescimento de teorias de conspirações, nos ataques de grupos extremistas que tem se infiltrado dentro da Ordem, com o intuito de se valer da “proteção” de seus templos para fins menores e escusos. O maior inimigo da Maçonaria está na constituição, internamente, em nossas fileiras, de grupos de interesses particulares, na construção de uma oligarquia, de um governo de poucos, por si só perverso, com pretensões de se perpetuar no poder da Instituição, transformando-se numa autocracia ou mesmo numa plutocracia. O que se tem visto de uma forma generalizada é que os interesses maiores, os interesses sociais e culturais de grande parte da sociedade profana e maçônica, foram deixados de lado, em troca de uma política feita para se garantir regalias efêmeras e reuniões festivas sem significados maiores.

Mas quais desafios a Maçonaria deve vencer? 

Antes de qualquer ação concreta, antes de se voltar à sociedade profana, a Maçonaria deve se reinventar, não no sentido de se criar um novo padrão de atuação, mas sim de se retornar aos princípios defendidos e elaborados por aqueles que “inventaram” a Instituição; uma reformulação da “ética maçônica” com vias ao reexame dos hábitos dos maçons e do seu caráter em geral, de modo a se evitar o desmoronamento dos pilares de sustentação da Instituição; um reexame das reais necessidades da Maçonaria, principalmente com relação àqueles que pretendem ocupar a liderança e a representação de nossa Ordem, guindando-se aos seus maiores postos, não só o mais carismático, mas também aquele que seja mais preparado do ponto de vista ético, intelectual e moral.

Necessitamos de um novo padrão de comportamento, não o comportamento vigente, voltado para a autopromoção e a perpetuação de privilégios, mas sim um novo padrão para se vencer os desafios referentes à construção de uma sociedade profana baseada nos princípios fundamentais defendidos pela Ordem, ou seja a formação de Homens preparados para a diminuição das diferenças existentes entre as classes, não somente sob a ótica econômica, mas também do ponto de vista cultural e educacional. 

O que devemos ter em mente e plenamente consciente que a Maçonaria é a Instituição onde o mundo deve se espelhar e não o contrário. Que os exemplos de valorização do Homem, da História e da Cultura que sempre foram os grandes pilares da Maçonaria iluminem o mundo de trevas profano a partir de nossas fileiras e não o oposto, pois não podemos permitir que as trevas desse mesmo mundo obscureçam as Colunas de nossa Instituição.

Devemos ser vaidosos não por aquilo que pretendemos ser, mas sim, orgulhosos por toda ação e comportamento que nos identifiquem e reconheçam como Homens preparados para transformar o Mundo.

ÁUDiOS MAÇÔNICOS - Zildo Ávila



O irmão Zildo Ávila, da ARLS Abolição de Pelotas, RS, vem realizando um belo trabalho de divulgação de ensinamentos maçônicos através de áudios postados em diversos grupos. Neste link abaixo podem ser acessados  *Todos os Áudios*. Copie o link e cole em seu navegador e terá acesso a todos os áudios.

https://drive.google.com/drive/folders/1eEizYG0jdpMj2CxTdJWIDd9H9ad1JxDL?usp=sharing

outubro 07, 2021

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ORIGEM DA MAÇONARIA - Getúlio Medeiros



Ir.’. Getúlio Medeiros, M.'.M.'. -(Publicado no ano 2000)

Com a preocupação de preservar o tesouro do conhecimento humano, o ser primitivo institui Colégio, Academias e Ordens Secretas, onde o ensino era ministrado tão-somente a seus membros ritualisticamente iniciados. Essas cerimônias secretas não se restringiam apenas às grandes civilizações, mas disseminavam-se por entre tribos autóctones da Austrália, África e Américas, tendo os antropologistas encontrado gestos e sinais ainda em uso entre os Maçons.

O mais famoso Colégio foi fundado por Numa Pompílio, com o propósito de dotar o recém-instituído Império Romano dos meios mais apropriados ao desenvolvimento intelectual de seu povo. Sábio monarca, pois ênfase particular deve dar-se ao fato de que ele foi o segundo rei de Roma, e que tal gesto haveria de contribuir para que esse povo tornasse um dos mais poderosos da história conhecida. Como se pode ver, o futuro será sempre a repercussão do passado.

Alguns séculos mais tarde, Pitágoras de Samos (?580-?500 a.C.) fundava a sua célebre escola, em Crotona, destinada a ambos os sexos. Mais célebre do que o Mestre é o seu famoso Teorema. Teoriza-se hoje (desculpem-me pelo trocadilho) que o enunciado, i.e. “o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”, já era do conhecimento dos babilônios 1.500 anos antes do grande filósofo. Pitágoras teria sido levado cativo pelos soldados do príncipe persa Cambises para a Caldéia, onde adquiriu muitos conhecimentos. Por sua vez, os caldeus herdaram muitos de seus conhecimentos dos egípcios, que também haviam herdado de outros povos mais primitivos. Dentre ele os atlantes? Calma pessoal, é tudo mera suposição, exercício mental.

Abrão de Ur, na Caldéia (lembram-se?), patriarca hebreu, venerado por Judeus (Avraham), Muçulmanos (Ibrahim) e Cristãos (Abraão), ouviu de Deus: “saiba com certeza que seus descendentes viverão como estrangeiros numa terra que não será a deles. Aí nessa terra eles ficarão como escravos e serão oprimidos durante 400 anos. Mas eu vou julgar a nação à qual eles vão servir e depois eles sairão com muitos bens.” (Gênesis 15:13-14). Note-se a analogia bíblica entre bens e conhecimentos, pois em Atos 7:22 está escrito: “assim Moisés foi iniciado em toda a sabedoria dos egípcios e era poderoso no falar e no agir.”

Mas quais seriam afinal os “bens” a que se refere o versículo 14, acima citado. Seria a luz do conhecimento maçônico, - desculpem-me mais uma vez, - do conhecimento especulativo de uma outra ordem secreta? Em Mateus 7:6, Jesus admoesta: “não dêem aos cães o que é santo, nem atirem pérolas aos porcos; eles poderiam pisá-las com os pés e, virando-se, despedaçar vocês.” Muito sugestiva essa alusão, não acham? Não somente refere-se ao conhecimento como algo precioso, como também alerta para a forma de disseminá-lo.

Como vimos até aqui, a sapiência, como algo valioso, foi sendo passado de mãos em mãos. Isto quer dizer que nada foi criado, mas instituído com a ajuda de competentes hierofantes. Se realmente acontece assim, então tudo nos faz supor que a Maçonaria Especulativa tem sua origem em tempos remotíssimos. Quando falamos de especulativa, queremos fazê-lo em oposição à Maçonaria Operativa, já que não somos pedreiros (maçons) por profissão.

A História é o relato sistemático de acontecimentos que afetaram a vida e o desenvolvimento de povos, países e instituições, dentre outros. Falamos então de fatos passados, alguns sem quaisquer registros ou evidências, e outros com evidências deturpadas dos fatos com o único objetivo de satisfazer a vontade do poder oficial reinante. Mas o princípio histórico baseia-se tão-somente na verbalização (palavras faladas ou escritas) do pensamento puro, ou seja, a inteligência superior.

Por convicção, comungo com o mesmo pensamento daqueles que seguem os cânones da Escola Mística no tocante às origens da Maçonaria. Digo origens, no plural, pois para mim ela é ponto convergente de diversos movimentos, “é a continuação ou renovação dos Antigos Mistérios” (Ragon). Encaramos os mistérios da Ordem de um ponto de vista do despertar espiritual do Homem e de seu desenvolvimento interno (I..N.R.I.). Para nós o que realmente importa é a interação de certos estados da consciência que devem ser despertados no iniciado, dando-lhe o testemunho de uma natureza muito superior de nossos ritos maçônicos, pois nosso objetivo precípuo é a união consciente com o Grande Geômetra. Para isto basta que a Maçonaria entre no iniciado, não valendo apenas o contrário.

Essa transmutação de conhecimentos aludidos nos parágrafos iniciais confere à Maçonaria origens legendárias e bíblicas, misturando-se aí os mistérios antigos, as tradições egípcias e gregas, os Cruzados ou os Templários.

Resumindo a História do período mais recente da Maçonaria, temos:

a) Período Operativo (época das construções das catedrais medievais);

b) Período de Transição; e

c) Período Especulativo (inicia-se com a fundação da Grande Loja de Londres, em 1717).

Quanto ao período mais antigo, esta é outra história e aí transcrevo o estudo de C. W. Leadbeater, em seu livro “Pequena História da Maçonaria”: “as origens da Maçonaria se perdem nas brumas da antigüidade.”

CONHECENDO O RITO ADONHIRAMITA - José Gonçalves da Silva





 Ir. José Gonçalves da Silva, Grande Patriarca Regente da Maçonaria Adonhiramita. (Publicado no ano 2000)

Embora todos os ritos devessem ter princípios e características próprias, nem todos o têm. A Maçonaria Adonhiramita possui princípios exclusivamente dela. A começar que não se chama de rito, mas de Maçonaria. Porque? É o que objetivamos explicar nesta coluna jornalística. Vejamos, pois... 

Originalmente, quando da Maçonaria Operativa, havia apenas dois graus. Ao se introduzir o terceiro grau, passou-se a aplicar a Lenda de Osíris. Posteriormente mudou-se para a construção do Templo de Salomão, sendo o seu arquiteto o Mestre Adonhiram.

André-Michel de Ramsay, que se iniciou na Hornan Lodge provavelmente em 17 de março de 1730, com sua ideologia do princípio do século XVIII, deu origem ao "Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente", em Paris, o qual praticava apenas os graus simbólicos, sendo o Mestre do Terceiro Grau, Adonhiram. Mesmo após o Rito de Kilwinning dar origem ao Rito Escocês, Adonhiram permaneceu ainda por muito tempo como seu Mestre, como se vê no ritual do Oriente de Marselha, de 1812, que ainda se mantinha em sete graus, republicado em "fac-símile", por Les Rouyat Editeur: "Ce tombeau représente celui de notre Maitre Adonhiram... ".

Na época de Ramsay, o Barão Louis Theodore Tschoudy que estava ligado à "L'Ordre de L'Étoile Flamboyante", uma das Ordens sucessoras do Templarismo - razão de ter escrito o livro "L'Étoile Flamboyante", símbolo prevalecente na Maçonaria Adonhiramita - passa a se vincular ao "Conselho dos Imperadores Oriente e do Ocidente". A ele filia-se também Louis Guillemain de Saint Victor.

Em 1738 André-Michel de Ramsay pronuncia na Grande Loja Provincial da Inglaterra, em Paris, o discurso que o tornou famoso, por apresentar uma visão universalista que pregava uma instituição ultranacional. Partindo de objetivos teocráticos questionou os valores vigentes no obscurantismo medieval, buscando um salto qualitativo de vida e de consciência para a humanidade. Após o seu discurso tem início o surgimento dos altos graus, o que provocou toda sorte de críticas e inimizades.

Em 1740 Louis Travenol já publicava, sob o pseudônimo de Léonard Gabanon o seu "Catéchisme des Franc-Maçons, dédié au beau sexe, précédé d'une Histoire d'Adoran", onde já se trocava o nome do Mestre Adonhiram, sobre o qual o grau de mestre já trabalhava, para Hiram. "Le Secret des Franc Maçons" escrito em 1742, pelo abade Gabriel-Louis Calabre Perau, prior da Universidade de Sorbonne, não faz qualquer referência à existência dos altos graus. Há quem afirme que o abade Perau era Larudan. Outros dizem que Larudan era M. Jacques Brengues, um pseudônimo do abade Charles-Henri Arnault de Pomponne. O "Catéchisme des Francs Maçons" de Louis Travenol, também se cata a respeito dos altos graus. Mas, em 1744, um livro denominado "O Perfeito Maçom" criticava os altos graus: "Estes que se fazem chamar por Mestres Escoceses, pretendem constituir um quarto grau. Trata-se de uma maçonaria diferente da outra em muitos pontos, buscando implantar-se na França... ". Em 1745, o livro editado em Amsterdam sob o título "L'ordre des Franc-Maçons trahi et les Secret des Mopses Revélé", apresenta a Lenda de Hiram como é hoje conhecida, e deu origem ao Rito de Heredom ou de Perfeição, que ficou conhecido como Rito Escocês Primitivo, com vinte é cinco graus. 

Em 1758, como decorrência direta da reforma do Rito de Heredom e a adoção de Hiram como arquiteto, contrariamente à tradição Francomaçônica e à história bíblica, nasceu a Maçonaria Adonhiramita. O Barão de Tschoudy, com a experiência adquirida no "Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente", cujos membros intitulavam-se Soberanos Príncipes Maçons, e que cuidava dos Altos Graus Escocistas, e para o qual escrevera Rituais de Iniciação e Catecismos de Instruções diversos, acompanhando um grupo de irmãos liderados por Pirlet, discordou da reforma e da mudança de arquiteto e nesse mesmo ano dele se desvincula. Em 1762 funda o "Conselho dos Cavaleiros do Oriente", e se prepara para empreender a sua maior obra, a criação da "Maçonaria Adonhiramita", de forma a eliminar toda e qualquer inserção que fugisse à tradição histórica e doutrinária da maçonaria Escocesa, e fornece a Louis Guillemain de Saint Victor, material para a preparação do "Recueil Précieux de La Maçonnerie Adonhiremite", em doze graus. O décimo terceiro, dito originar-se de uma homenagem de Frederico II aos Maçons Adonhiramitas que trabalharam no Templo de Salomão, só surgiu na edição de 1787. 

Vemos que a Maçonaria dividiu-se em dois grandes grupos. Os mantenedores de Adonhiram como Arquiteto do Templo e, por conseguinte, seguidores da Tradição Maçônica e Bíblica, e os seguidores de uma Lenda criada por um autor desconhecido que se apresenta com diversos nomes, sendo mais repetidamente informado ser um abade, não um Maçom. A Maçonaria Adonhiramita tem uma única liturgia e ritualística até aos dias de hoje. Enquanto que a Maçonaria Hiramita, apresenta-se com vários Ritos e Liturgias.

Contudo a Maçonaria Adonhiramita respeita e aplaude todos os Ritos, reconhecendo cada um como seguidor de uma corrente da Tradição Maçônica, no fluxo e refluxo dos pensamentos e da consciência da humanidade, na busca dos seus ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.