O desenvolvimento dessa peça de arquitetura está direcionado para sentido do esclarecimento de questões constantemente debatidas e interrogadas que envolve a prova denominada a “Taça Sagrada” dentro dos rituais maçônicos e, nesse particular, o que abrange o Rito Escocês Antigo e Aceito no contexto das Obediências Maçônicas brasileiras.
Embora o arrazoado esteja especificamente dirigido aos praticantes do escocesismo, urge, pelo caráter controverso do fato, ser citado o Rito Adonhiramita, principalmente pela prática litúrgica do ato em questão que, na forma praticada em nosso país pelos integrantes do escocesismo, está intimamente ligada ao Rito citado.
É bem verdade que há abrangência da prova da Taça Sagrada em outros Ritos, independente dos que até aqui foram citados, todavia, essa prova está também associada a outras particularidades que se distinguem na forma e conteúdo da prática, a exemplo do Rito Francês, ou Moderno, onde na França, a prova é determinada como a “Taça e a Bebida Amarga” – este Rito emprega apenas a bebida amarga.
QUESTÃO CONTROVERSA NO SENTIDO DE PUREZA E ORIGEM HISTÓRICA.
A TAÇA SAGRADA NO RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO.
Um exame mais acurado dos tradicionais rituais escoceses aponta para a inexistência da teatral prova da Taça Sagrada tal qual se conhece atualmente em certos rituais brasileiros. Todavia, quando se aborda o que é tradicional, fica o alerta de que é aconselhável a adoção de um método que dispense pesquisas em antigos rituais escoceses deturpados impressos no Brasil. Em tese, é saber separar o autêntico do duvidoso. Um fato que dever levado, sobretudo em consideração, é o de que, embora o nome sugestivo do Rito seja Escocês, ele é na verdade de origem francesa. Atinar para esse detalhe é por demais importante para que se evitem conclusões apressadas e desprovidas de um compromisso mais sério para com o que é autêntico e verdadeiro.
No tradicional escocesismo, as Taças da Boa e Má Sorte, ou das Vicissitudes – esse é o nome mais condizente ao se tratar do Rito Escocês Antigo e Aceito – estarão dispostas para observação do candidato na Câmara de Reflexão, tal qual um alerta de alto significado moral, sendo que, mais tarde, durante o cerimonial de Iniciação, quando o candidato for inquirido sobre as suas impressões de quando esteve encerrado “naquele lugar sombrio”, o Venerável dará as explicações necessárias sobre o significado simbólico do conteúdo das taças, sem que com isso, haja qualquer necessidade do candidato sorver desta ou daquela bebida - basta a explicação e, neste caso, o simbolismo está muito longe de ser confundido com um trote ou coisas do gênero.
Dito isso, pergunta-se: então qual a razão dessa prova teatral estar tão disseminada em certos rituais escoceses no Brasil?
É inexoravelmente claro que a origem desta anomalia, em termos de rituais escoceses, está ligada diretamente aos primórdios da Maçonaria regular no Brasil.
Sob a ótica de uma análise mais profunda, depara-se com a questão dos ritos praticados à época no Brasil, mais precisamente no início do século XIX.
Sem querer se desviar do objetivo desta lauda, se faz cogente a compreensão de que a primeira Loja regular no Brasil foi fundada em 1.801, no Rio de Janeiro, com o título distintivo de Loja “Reunião”, movida pela liturgia e com fins político-sociais, sob a égide - segundo o manifesto de 1.832, do Grão-Mestre José Bonifácio – do Grande Oriente da Ilha de França, representado pelo Cavaleiro Laurent, que presidira a sua instalação. (Ilha de França (Ille de France) é o antigo nome da ilha Maurício, uma pequena ilha situada no Oceano Índico, no Arquipélago das Mascarenhas, atualmente pertencente à Grã-Bretanha. Foi descoberta pelos portugueses, em 1.505, dominada pelos holandeses e pelos franceses, a partir de 1.710, tornando-se posteriormente colônia britânica.)
Essa Loja trabalhava no Rito Francês, ou Moderno.
Dois anos depois, de acordo com o mesmo manifesto, o Grande Oriente Lusitano, desejando propagar, no Brasil, a verdadeira doutrina Maçônica, nomeou para esse fim, três delegados, com plenos poderes para criar Lojas Regulares no Rio de Janeiro, filiadas àquele Grande Oriente. Foram então criadas as Lojas “Constância” e “Filantropia”, as quais, junto com a “Reunião” serviram de centro comum para todos os Maçons existentes no Rio de Janeiro – ainda de acordo com manifesto de 1832, do Grão-Mestre José Bonifácio.
As Lojas “Constância” e “Filantropia” trabalhavam no Rito Adonhiramita.
A se notar que quando se trata de Maçonaria Regular no Brasil naquela época, o Rito Escocês Antigo e Aceito era tido como um ilustre desconhecido, até por que, a despeito de suas origens francesas e com o nome de Rito de Heredom com seu sistema de vinte e cinco graus, somente tomaria o nome de Escocês, como rito, a partir de 31 de maio de 1.801, data de sua fundação na cidade de Charleston, na Carolina do Sul, nos Estados Unidos da América do Norte, inaugurando na oportunidade o sistema de trinta e três graus. Seria somente a partir do ano de 1.832, isto é, trinta e um anos após a fundação da Maçonaria regular brasileira, que o Rito Escocês entraria oficialmente no Brasil instalado pelas mãos de Francisco Gê Acayaba de Montezuma – o Visconde de Jequitinhonha. Até então, e isso é importante ressaltar, a Maçonaria regular brasileira praticava apenas dois ritos: o Francês, ou Moderno e o Adonhiramita.
Dadas essas breves e superficiais considerações, pode-se notar que a prática litúrgica inicial da Maçonaria em nosso país era feita através dos ritos denominados então como Ritos Azuis (Moderno e Adonhiramita), enquanto era desconhecido o Rito Vermelho (Escocês). Entretanto, com o advento da instalação do sistema escocês com seus trinta e três graus no Brasil, a partir de 1.832, o fato despertou substancial interesse dos maçons brasileiros que, atraídos talvez pelo novo sistema de trinta e três altos graus, consolidaram o escocesismo em um curto espaço de tempo, a tal ponto de que, em um futuro não muito distante, o Soberano Grande Comendador do Grau 33.º seria também o Grão-Mestre da Maçonaria simbólica brasileira.
Em face desses acontecimentos, era impresso, já em 1.834, no Rio de Janeiro, através da Tipografia Impressora de Seignot – Plancher & C. º, à rua do Ouvidor, n. º 95, para o Grande Oriente Brasileiro, o “Guia dos Maçons Escossezes ou Reguladores dos Três Gráos Symbolicos do Rito Antigo e Aceito” (a grafia é da época). Todavia, esse Regulador, ou Ritual (o primeiro dito escocês impresso no Brasil) absorveu, talvez ao gosto dos que já achavam na época esta ou aquela passagem mais bonita, dentre outras, a prova teatral da Taça Sagrada, bem conhecida através dos Rituais Adonhiramitas.
É bem provável que esteja aí o germe dessa controvérsia nos Rituais Escoceses de algumas Obediências brasileiras que perduram arraigados até os dias atuais assumindo uma espécie de norma consuetudinária que tem causado verdadeiros alaridos de protestos ao se mencionar qualquer probabilidade em se extirpar tal prática do Rito Escocês.
A questão, pela sua relevância, será abordada em momento oportuno no decorrer da explicação da exegese do símbolo.
A propósito de esclarecimento e sem querer entrar no campo da prolixidade, é assaz importante se compreender que o tema abordado se prende aos conceitos ritualísticos dos rituais escoceses, portanto, nenhuma crítica é feita a doutrina de qualquer outro Rito.
Da mesma forma, fica aqui robustecida a observância de que qualquer pesquisa séria deverá ser feita em rituais tradicionais de origem francesa ou alguns outros bons rituais, brasileiros ou não, desde que isentos de enxertos e deturpações. De nada vale para qualquer conclusão, se tomado por base, estejam certos rituais ditos antigos, porém repletos de invencionices e deturpações. Nem sempre a antiguidade dá um caráter de autenticidade. É preciso método para tal. A questão controversa aborda a pureza de um Rito e não a beleza deste ou daquele procedimento ritualístico.
A QUESTÃO CONTROVERSA QUANTO AO SENTIDO DA PROVA.
Foi durante o período de transição da Maçonaria Operativa para a Especulativa, ou dos Aceitos e a sua afirmação como Moderna Maçonaria, séculos XVII, XVIII e XIX que a Sublime Instituição se inspirou nas antigas civilizações, buscando símbolos, lendas e alegorias, inclusive da própria Bíblia, procurando adaptar-se a certos princípios, retirando o melhor da essência do misticismo, da doutrina moral e da filosofia, buscando com isso formar um arcabouço doutrinário especulativo, que fez, e ainda dela faz, uma Instituição eclética.
A Maçonaria como construtora social, observa e é depositária de uma grande parte da manifestação do pensamento humano, todavia, isso não dá o direito a certos Maçons pensarem que qualquer tema abordado pela Ordem é fato germinado no seio da Instituição. A Maçonaria observa, colhe e ensina, mas não se apropria do grande relicário cultural artístico e científico da humanidade.
Com relação ao simbolismo da “Taça Sagrada”, é inquestionável a sua antiguidade, entretanto, não é uma exclusividade da Ordem, muito menos da uma pretensa existência da Instituição nos tempos imemoriais. A Maçonaria tem uma história documental de aproximadamente setecentos anos, mas nunca uma existência de cunho milenar.
Em quase todas as manifestações do pensamento religioso e dos mitos antigos, existem alusões a respeito da “Taça”, ora aparecendo como um cálice, ora como um vaso, porém, apesar de algumas diferenças quanto a sua forma, conteúdo e lendas, há uma concordância que se converge sempre para certa semelhança.
O simbolismo da taça já era conhecido nos mistérios do Antigo Egito, onde nas iniciações era dado ao neófito conhecer três tipos de bebida em uma taça triangular. Nos mistérios de Eleusis eram apresentadas duas taças ao iniciando, ao mesmo tempo em que era informado de que em uma delas havia veneno. Não tivesse ele medo da morte, deveria apanhar uma delas e sorver o seu conteúdo. Na mística hebraica, a Taça do Amargor era o símbolo da cólera de “DEUS”. Na Antiga Grécia o neófito era conduzido à frente de um trono chamado de Trono da Impostura, no qual uma bela mulher tinha às mãos um cálice que continha uma bebida que nunca se esgotava.
O sentido era de que se quisesse ir além, seria necessário ingerir aquela bebida. No Cristianismo, por exemplo, se apresenta a lenda do Santo Graal, cujo receptáculo havia sido usado por “JESUS CRISTO” na celebração da última ceia e que, mais tarde, seria o mesmo vaso com o qual José de Arimatéa teria recolhido o sangue de uma das feridas do “CRISTO” crucificado.
Por aí se pode ter ciência desse antigo simbolismo ligado às tradições da antiga civilização, sem, contudo, se imaginar uma precoce existência da Maçonaria desde aqueles tempos. No intuito de concretizar o seu arcabouço doutrinário, foi a Maçonaria que adotou, dentre outros, esse antigo simbolismo.
A despeito dessas observações, o controverso disso tudo é a prática teatral usada atualmente em certos rituais escoceses no Brasil. O belo conteúdo moral aplicado pelas alegorias lendárias acabou sendo substituído mais por uma espécie de trote, do que pela lição expressa pelo seu verdadeiro significado. Na verdade, essa teatralização mais intimida do que esclarece o candidato.
Uma exposição racional dos fatos está acima de certos “juramentos” e atos truculentos de uma retirada intempestiva que muitas vezes está cercado de certos lances de sadismo por parte de alguns protagonistas, assistidos por uma assembléia risonha que se deleita com a cena bem ao gosto dos adeptos do trágico e do cômico de um caricato espetáculo dantesco.
Ainda dentro do contraditório, no que tange à Maçonaria, que não é uma religião, aparece o termo “sagrado” relacionado à prova da taça. Pergunta-se: o que há de santo, sacro, ou sagrado que se possa relacionar a duas taças contendo líquidos amargo e doce? Ainda mais: que espécie de juramento é esse sobre uma pretensa “Taça Sagrada” para se guardar silêncio, se o candidato antes de receber a Luz, prestará o verdadeiro juramento maçônico que engloba todo o compromisso dele para com a Sublime Instituição? É cristalino e verdadeiro que compromisso solene é apenas aquele feito diante das Três Grandes Luzes Emblemáticas da Maçonaria ( O Livro da Lei, o Esquadro e o Compasso) antes de se receber a Luz. Haveria, pois, outro juramento tão importante em uma cena teatral cercada por ameaças e goles de bebidas doces e amargas acompanhado de uma truculenta retirada, sem que o pobre candidato possa ao menos saber o que se passa à sua volta? Então, que juramento de honra é este feito sobre uma taça que ora contém uma bebida doce e ora uma bebida amarga? Onde está o ato santificado?
Ora, não seria mais aproveitável e condizente com o ato uma explicação lógica e racional sobre os limites dos prazeres da vida evitando-se que essa doçura não viesse a se tornar em um paladar acre? Ou a ingestão de líquidos em prol de uma pretensa exposição de coragem e um compromisso de guardar sigilo das provas é tão mais aplicável? Afinal, durante o verdadeiro compromisso, aquele prestado no Alt:. dos JJur:., o maçom não jura tudo isso?
Há que se compreender que uma Iniciação Maçônica possui profundidade espiritual para a transformação vivida e verdadeira do homem, calando, sobretudo, no seu intelecto.
Aos adeptos de uma pretensa tradição, que mais é na verdade um enxerto no Rito fica mais uma vez o alerta de que a prova teatral da Taça Sagrada não faz parte do primitivo escocesismo. Havia sim, duas taças, mas que ficavam na Câmara de Reflexão e não saiam de lá. Uma continha um líquido amargo e a outra um doce. Quando era mencionado o conteúdo da Câmara ao candidato, o Venerável dava as devidas explicações sobre o simbolismo do líquido amargo e doce, ressaltando que este é um antigo símbolo, presente inclusive na Bíblia. No escocesismo original não existe a prática do candidato ingerir o conteúdo simbólico, muito menos ser o protagonista principal de uma prova truculenta e de um juramento qualificado como sagrado que de santo nada existe.
CONCLUSÃO.
Pelas origens da Maçonaria estarem interligadas em um passado remoto à proteção do clero e ao cunho religioso dado ao trabalho pelas corporações de ofício medievais, é bastante plausível que o contexto da alegoria que envolve as taças da boa e da má bebida em sua tradição tenha se originado – na Maçonaria – nas tradições dos Salmos, 74,9: “Há na mão do Senhor, uma taça, de vinho espumante e aromático. Dela dá a beber e até às vezes hão de esgotá-la. Hão de sorve-la os ímpios todos da terra”. Para os antigos povos, principalmente os hebreus, uma taça era o símbolo justiceiro de “DEUS” (a Taça do Amargor).
Na Maçonaria em geral e no escocesismo em particular, as Taças da Boa e da Má bebida, como os demais símbolos, representam os opostos, freqüentemente apresentados na vida humana e que acabam por determinar a própria evolução espiritual do homem: o vício e a virtude, o bem e o mal, o espírito e a matéria, etc. Simbolizam também a boa e a má sorte, mostrando que aqueles que se afastam do bem à procura de efêmera doçura dos prazeres dos vícios, terão, depois, de suportar os amargores dos revezes adquiridos como resultado das suas atitudes.
A despeito do escrito, reforça-se que não se está aqui fazendo crítica a quaisquer dos demais ritos maçônicos. Também não é um texto laudatório, mas sim objetiva apontar aspectos controversos da história e da filosofia relacionada a alguns rituais do Rito Escocês Antigo e Aceito em vigor no Brasil.
O que aqui se buscou, foi um ensaio interpretativo apontando para questões controversas, estando, portanto, longe de ser conceituado como a afirmativa de uma opinião final.
O tema é vasto e requer muita atenção e profundidade de estudo para que se possa obter um resultado conclusivo, sério e transparente, todavia, alguns aspectos aqui abordados subtraem uma melhor observação, cujo objetivo é mostrar o verdadeiro sentido da mensagem simbólica, e não um despojado entendimento de que o ato é uma simples prova de coragem aplicada durante o ato iniciático.
Dando por fim a esse arrazoado, segue a transcrição de um precioso texto decalcado do Ritual de Aprendiz Maçom, R:.E:.A:.A:., organizado pelo saudoso Ir:. Theobaldo Varoli Filho no ano de 1.973, onde o Venerável dá a devida explicação sobre o simbolismo das Taças da Boa e da Má Bebida (Taça das Vicissitudes) ao candidato durante a cerimônia de Iniciação. É interessante atentar para o texto de forma que se possa avaliar o que é mais importante: a mensagem moral, ou uma prova de truculência que mais assusta do que ensina.
“É certo que a vida pode trazer-nos amarguras inesperadas, menos por nossa culpa do que pelas circunstâncias que nos rodeiam. Nós, maçons, buscamos enfrentar com serenidade as boas e más vicissitudes. Sabemos que durante a nossa existência teremos de provar as taças de boa ou má bebida, como não desconhecemos que todo aquele que se afasta da virtude, buscando apenas prazeres, provará do amargor do fel, que resulta de uma doença precária e ilusória. Por isso, os maçons buscam moderação no usufruir dos prazeres da vida”.
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