Em relação à Maçonaria criou-se um mito, frequentemente repetido, em tom acusatório, pelos detratores da maçonaria: a Maçonaria seria uma “sociedade secreta” e, assim sendo, boa coisa não é (pois, se o fosse, não necessitaria de ser secreta).
Não é verdade. A Maçonaria não é uma sociedade secreta, antes é uma associação que existe e funciona ao abrigo das leis civis e no integral respeito do que estas postulam. Qualquer Obediência maçónica existe enquanto pessoa jurídica coletiva, normalmente organizada sob a forma de associação, devidamente registada no Registo Nacional de Pessoas Coletivas em Portugal e nos serviços equivalentes nos outros países, constituída por escritura notarial, arquivada onde a lei do país em que se insere determina, fiscalmente manifestada e, a exemplo das demais pessoas coletivas, cumprindo as obrigações fiscais que a Lei determina, com os seus órgãos sociais designados pela forma que a Lei e os seus Estatutos determinam e publicitados pela forma que a Lei determina. Enfim, a Maçonaria Regular, que tem por princípio fundamental o respeito da legalidade vigente, existe e funciona ao abrigo e cumprindo as leis em vigor nos Estados onde funciona, como qualquer outra associação nesse Estado existente.
No entanto, e como já o Ministro da Propaganda nazi, Joseph Goebbels, descaradamente referia, uma mentira mil vezes repetida passa a ser entendida por muitos como verdade.
E a mentira de que a Maçonaria é uma sociedade secreta tem vindo a ser muitos milhares de vezes repetida, ao longo de mais de três séculos. O poder e persistência desta mentira são proporcionais às forças de quem a lançou e repetidamente a sustentou ao longo do tempo: a alta hierarquia da Igreja Católica.
Que a alta hierarquia da Igreja Católica não tenha visto com bons olhos a Maçonaria, é compreensível: tratava-se de uma agremiação nascida num país que, em termos religiosos, se rebelara contra a Igreja de Roma – a Inglaterra; e a Maçonaria consumava um princípio que então (muito antes de o ecumenismo ser um conceito aceite pela Igreja Romana) lhe era insuportável: a junção, a colaboração fraterna, entre crentes de diferentes religiões. Com efeito, a Maçonaria postula um princípio fundamental, inerente à hoje aceite e comum, na sociedade ocidental, noção da liberdade religiosa, que é o de que a crença religiosa de cada um só a ele diz respeito e que homens livres e de bons costumes podem auxiliar-se mutuamente na sua respetiva evolução ética e espiritual, independentemente das respetivas crenças religiosas. Quaisquer diferenças nestas são de somenos em face da essencial semelhança do que é ser Homem, da Ética que a todos deve unir, do comum anseio de melhoria, de aperfeiçoamento pessoal, moral e espiritual. Compreende-se que esta noção não seja bem vista para uma conceção religiosa que entende que o caminho para a Salvação é o da sua religião e não o de qualquer outra (e essa era a postura da alta hierarquia da Igreja Católica, pelo menos até ao Concílio Vaticano II).
Bastaram 21 anos, a contar da fundação de Premier Grand Lodge, em Londres, em 1717, para a alta hierarquia da Igreja Católica efetuar o primeiro ataque violento à maçonaria, utilizando o falso argumento de ser a Maçonaria uma “sociedade secreta”. A primeira bula papal de condenação da Maçonaria foi subscrita por Clemente XII em 28 de abril de 1738, ficou conhecida pela designação de Bula In Eminenti e nela pode ler-se, designadamente (destaque meu):
Agora, chegou a Nossos ouvidos, e o tema geral deixou claro, que certas Sociedades, Companhias, Assembleias, Reuniões, Congregações ou Convenções chamadas popularmente de Liberi Muratori ou Franco-Maçons ou por outros nomes, de acordo com as várias línguas, estão se difundindo e crescendo diariamente em força; e que homens de quaisquer religiões ou seitas, satisfeitos com a aparência de probidade natural, estão reunidos, de acordo com seus estatutos e leis estabelecidas por eles, através de um rigoroso e inquebrantável vínculo que os obriga, tanto por um juramento sobre a Bíblia Sagrada quanto por uma variedade de severos castigos, a um inviolável silêncio sobre tudo o que eles fazem em segredo em conjunto.
A decisão anunciada na bula foi de proibição e condenação: decidimos fazer e decretar que estas mesmas Sociedades, Companhias, Assembleias, Reuniões, Congregações, ou Convenções de Liberi Muratori ou de Franco-Maçons, ou de qualquer outro nome que estas possam vir a possuir, estão condenadas e proibidas, e por Nossa presente Constituição, válida para todo o sempre, condenadas e proibidas.
Mas este foi apenas o primeiro ataque. Treze anos depois, Bento XIV emitiu, em 18 de maio de 1751, a Bula Provida Romanorum Pontificum, onde se pode ler:
Finalmente, entre as causas mais graves das supraditas proibições e condenações enunciadas na Constituição acima inserida,
— a primeira é: que nas tais sociedades e assembleias secretas, estão filiados indistintamente homens de todos os credos; daí ser evidente a resultante de um grande perigo para a pureza da religião católica;
— a segunda é: a obrigação estrita do segredo indevassável, pelo qual se oculta tudo que se passa nas assembleias secretas, às quais com razão se pode aplicar o provérbio (do qual se serviu Caecilius Natalis, em causa de caráter diverso, contra Minúcius Félix): “As coisas honestas gozam da publicidade; as criminosas, do segredo”;
— a terceira é: o juramento pelo qual se comprometem a guardar inviolável segredo, como se fosse permitido a qualquer um apoiar-se numa promessa ou juramento com o fito de furtar-se a prestar declarações ao legítimo poder, que investiga se em tais assembleias secretas não se maquina algo contra o Estado, contra a Religião e contra as Leis;
Neste documento, o pretexto da “sociedade secreta” continua a ser invocado, mas desvendam-se as verdadeiras razões da decisão: o facto de, na Maçonaria estarem filiados indistintamente homens de todos os credos e tal “constituir um grande perigo para a pureza da religião católica” e o receio de que, nas reuniões maçónicas se maquine “algo contra o Estado, contra a Religião e contra as Leis”.
O século XVIII não findou sem que, precisamente em 1800, mais um Papa, Pio VII, publicasse mais uma bula condenatória da maçonaria, a Bula Ecelesian a Jesus Christo, de que não consegui encontrar publicação do seu texto. O século XIX (em que, recorde-se, ocorreu a emergência da Maçonaria Irregular e da intervenção desta orientação na Coisa Pública, inclusivamente com ações revolucionárias) foi também fértil em documentos papais de condenação da Maçonaria, em que a classificação da mesma como sociedade secreta foi recorrente.