A maçonaria é uma instituição que teve origem nas antigas corporações de mestres pedreiros, construtores de igrejas e catedrais, que sob a sombra dos religiosos, erigiam as diversas edificações para o mundo católico romano.
Inicialmente, o trabalho era executado apenas pelos religiosos, que, além de arquitetos levantavam os edifícios com as próprias mãos. Os leigos foram aceitos lentamente quando se reconheceu que o trabalho honrava e era realizado por amor a Deus e à Igreja, mas afastava os monges de seus deveres religiosos e intelectuais.
CONSTRUTORES DE CATEDRAIS
Tudo aconteceu quando a ciência da construção foi revivida pelos padres do mosteiro de Cluny da ordem de São Bento numa época em que a Europa encontrava-se devastada pelas invasões bárbaras. Esse mosteiro, construído no século X, em 911, tornou-se o mais importante centro de conhecimento e cultura para onde se dirigiam altos dignitários da Igreja em busca de aperfeiçoamento e entendimento.
As construções de Cluny serviram de modelo para toda Europa. Seus arquitetos e mestres de obras permitiram a evolução da arte romântica para a arte gótica, marcando definitivamente seu gênio na beleza das grandes catedrais construídas nos séculos seguintes. As primeiras igrejas eram sem decorações e os cristãos ali se reuniam para orações e pregações, mas era também um ponto de encontro dos cidadãos e centro de reuniões onde discutiam assuntos da comunidade.
Em 1205, um sínodo reunido em Arras, permitiu a gravação de momentos bíblicos nas paredes dos santuários. Por meio de pinturas, gravações na pedra e esculturas, o artesão ganhou a oportunidade de criar e exercer sua arte em uma linguagem direta dos olhos para o coração. Foi o escritor francês Victor Hugo que chamou essas catedrais de Maravilhosos Livros de Pedra, onde os "simples", como eram chamados os homens do povo, analfabetos e arraigados na sua fé, conseguiam "ler" a expressão maior de sua crença nas imagens, altares, altos e baixos relevos, vitrais e símbolos das fachadas. Fulcanelli escreveu que a catedral "é o asilo inviolável das pessoas perseguidas e o sepulcro dos mortos ilustres. É a cidade dentro da cidade, o núcleo intelectual e moral do aglomerado, o coração da atividade pública a apoteose do pensamento, do saber e da arte".
Foi o pedreiro, aquele artesão que dentro de sua confraria como aprendiz havia aprendido a trabalhar a pedra lavrada, que construiu as grandes obras, erigindo edifícios e torres de altura até então inimagináveis. Associados a marceneiros, vidraceiros, canteiros e religiosos, os pedreiros criaram as maravilhas das igrejas góticas espalhadas pela Europa.
O MAÇOM OPERATIVO
Esse pedreiro, talhador de pedra ou free-maçom - conhecido por maçom operativo porque exercia na pedra a sua arte de construtor - é o antecessor do maçom moderno, especulativo, que surgiu oficialmente em 1717 e cujos preceitos fundamentais persistem até os dias de hoje.
O maçom medieval era como o homem de sua época, extremamente religioso, ligado à Igreja, obediente a seus mandamentos e doutrina, mas distinguia-se pela liberdade de locomoção através do continente em busca de trabalho nas construções de igrejas, abadias, mosteiros, castelos pontes e fortificações, o que não era permitido ao homem do povo, o servo, proibido de circular fora das terras do senhor feudal.
A liberdade de ir e vir, além de sinal de prestigio na sociedade em que vivia, trazia um nível de satisfação pessoal intensa que possibilitava na criatividade de seu trabalho repercutir a alegria de ser um homem livre. Ele trabalhava com a comunidade conhecia seus problemas e necessidades, e expressava em suas paredes as imagens de seu tempo.
O trabalho e a arte de construir uma grande igreja ou catedral era lento, por vezes ultrapassando séculos, interrompido por guerras, invasões, incêndios, falta de recursos, mudança de governantes, epidemias ou outras agruras que faziam reais os ditos da oração "a vós bradamos os degradados filhos de Eva, a vós suplicamos gemendo e chorando neste vale de lágrimas". Passado o problema e mais motivado em sua fé o povo da cidade, seus bispos, senhores feudais, reis e principes, ajudavam, patrocinavam e empregavam recursos no intuito de melhorar a renda da cidade e o comércio local. Eram contratados mestres construtores, com os quais concluíam-se contratos minuciosos discriminando deveres e obrigações de cada parte. Tais documentos encontram-se hoje à disposição de estudiosos com dados e solicitações que expõem a vida daqueles homens.
O maçom operativo fazia parte de uma corporação, na qual exercia a função de aprendiz ou companheiro. O local das reuniões era chamado de Loja e funcionava tanto como ponto de encontro quanto de local de repouso. Nas Lojas eram guardados os instrumentos de trabalho, planos, desenhos e plantas. O acesso era vedado aos que não pertencessem à corporação. Em geral, as Lojas eram situadas junto ao canteiro de obras. Ali se discutiam e planejavam as tarefas do dia. Assim como em outras corporações, os maçons guardavam em segredo sua arte, pois trabalhar com pedras e erguer paredes firmes, abrir janelas e espaços exigia conhecimento e técnica, já que desmoronamentos e acidentes poderiam ser fatais em caso de erro.
Iniciavam o dia com atos de devoção. O mestre instruía sobre as tarefas; os companheiros cinzelavam as pedras, erguiam paredes, arcos e flechas das igrejas; os aprendizes lidavam com a argamassa e traziam as ferramentas. O pagamento era estabelecido a partir de contratos feitos com os habitantes da cidade, os quais previam também a construção da loja e o fornecimento de aventais e luvas para as necessidades do oficio. Raramente eram pagos em dinheiro mas em trigo, pão, cerveja e tecidos. Assim trabalharam durante séculos, conservando o monopólio das construções por meio de segredo e juramento.
A Maçonaria na sua forma atual, a forma Especulativa, teve início no séc. XVIII através da fundação em 24 de junho de 1717 da Grande Loja de Londres, resultado da reunião de quatro Lojas dos chamados Maçons Aceitos. Mas em realidade a Maçonaria Especulativa é sucessora de uma associação ainda mais antiga, a Maçonaria Operativa, que em suas origens retorna à Idade Média.
Em meio à estabilização política do século X, as pessoas que até então se preocupavam somente em se proteger das invasões de bárbaros, voltaram a se preocupar com os assuntos da fé e também a construir obras de melhor qualidade, utilizando a pedra em substituição à madeira.
Esse ressurgimento religioso resultou na construção em grande escala de Igrejas, catedrais e abadias. Somente na Inglaterra do séc. XI foram construídas 5.000 igrejas, havendo a imperiosa necessidade de recuperar as técnicas de construção em pedra, há muito não utilizadas. Nessa época ressurge o trabalhador especializado na arte de construção com pedra, chamado de "Talhador de Pedra", ou Freemason ou Maçom Operativo.
O trabalho dos talhadores de pedra era realizado em varandas cobertas de palha ou telhas, chamadas de "Lodge" ou abrigo em português, traduzidos na Maçonaria para "Lojas", onde trabalhava, comia, repousava e discutia os problemas da obra. Naturalmente se formava uma corporação profissional que, por conta do caráter religioso da época, também resultou em uma confraria religiosa.
Mais adiante em 1364, o governo da Inglaterra obrigou a todos os tipos de operários a se organizarem em companhias de ofício. Os Maçons Operativos se reuniram então em uma das 91 companhias formadas na cidade de Londres. Ao mesmo tempo, o estilo de construção de igrejas havia mudado, abandonando-se o complicado estilo gótico por um estilo mais simples da Renascença.
Aos poucos os Maçons Operativos foram perdendo seus clientes e sua força, entrando a seguir em franca decadência. A partir de século XVI as Confrarias, sob o risco de desaparecimento, abriram suas portas para os Maçons Aceitos, pessoas que podiam ajudar na manutenção da Fraternidade, mas que não tinham nenhuma relação com ofício de construtor.
Aos poucos as Lojas Operativas desapareciam e as Fraternidades que aceitavam os Maçons Aceitos floresciam, até que em determinada época as últimas se separam das Lojas Operativas, contudo mantendo a tradição de mútuo socorro e proteção.
Finalmente em 1717, quatro Lojas Especulativas dos Maçons Aceitos se reuniram para formar a Grande Loja de Londres, que passou a se denominar Grande Loja da Inglaterra, quando se expandiu além dos território da cidade de Londres. Ao admitir pessoas de todas as religiões, nacionalidade, raças e partidos, a Maçonaria cresceu rapidamente, sendo que em 1723 já eram 30, 64 lojas em 1725 e 102 em 1732.
MAÇONARIA ESPECULATIVA
A ascensão da burguesia trouxe mudanças. As construções de menor porte, a descoberta de novas técnicas, o emprego de materiais mais simples e o abandono das construções de pedra possibilitaram que pessoas de fora da corporação pudessem exercer o oficio. Simultaneamente, após a Renascença, no século XVII, as universidades da Inglaterra começaram a formar arquitetos especializados em projetar e construir. Esses profissionais, porém, encontraram intensa dificuldade em trabalhar, uma vez que, por tradição, as edificações ainda eram confiadas aos membros das corporações, os free-maçons. Os universitários procuravam entrar nas confrarias. O maçom operativo, sentindo diminuir progressivamente as possibilidades de trabalho, começou a trazer para o interior das lojas indivíduos que, embora nunca houvessem exercido o ofício de pedreiro, traziam um conhecimento novo. Preocupados em não desaparecer como corporação e manter suas aspirações liberais, os maçons livres resolveram trazer para as lojas pessoas de destaque, que não exerciam o oficio, mas comungavam com suas idéias e eram capazes de reforçar as Lojas.
Inicialmente, deram a esses homens a denominação de patronos, logo substituída por maçons aceitos. Dessa forma, a fraternidade de maçons livres e aceitos ganhou força e poder. Esse novo maçom é chamado de Especulativo (de especular: examinar com atenção, averiguar, observar, indagar, pesquisar). Ele traz para a corporação o ideário do iluminismo e a influência Rosacruz. Surgia o que os historiadores passaram a chamar de maçonaria especulativa (filosófica). Rapidamente os mais letrados passaram a predominar na corporação, mudando a orientação cultural, embora conservando os aspectos fundamentais da fraternidade, tais como: o sentimento de união, igualdade entre todos, liberdade e fraternidade, atributos que constituíam sua espinha dorsal. Além da organização ritualística, foi mantido todo o simbolismo básico, incluindo os aventais de pedreiro e os instrumentos de trabalho do maçom operativo (esquadro, compasso, fio de prumo, nível), bem como a parte secreta da corporação, constituída por sinais, toques e palavras de reconhecimento mútuos.
EXPANSÃO NA EUROPA
Fiéis a uma tradição de tolerância religiosa e liberdade, as lojas atuavam silenciosamente num continente em conflito. Recebiam e protegiam os perseguidos por sua crença ou aqueles envolvidos na luta contra o arbítrio dos poderosos. Em 1717, evoluindo e aumentando seus interesses sociais, quatro lojas – constituídas basicamente por maçons aceitos - reuniram-se em uma taberna de Londres. Ali foi criada a Grande Loja da Inglaterra, considerada a Loja mãe da maçonaria universal.
A expansão foi rápida, passando de quatro Lojas, em 1717, para 16 Lojas em 1721; 30 Lojas em 1723, até alcançar 102 Lojas em 1732. A maçonaria alcançou a França em 1730, espalhando-se rapidamente sob a égide da Grande Loja da Inglaterra.
Em 1733, foi criado o Grande Oriente da França tornando independentes e autônomas as Lojas daquele país. Sua influência estendeu-se rapidamente, fazendo com que os princípios maçônicos de liberdade, igualdade e fraternidade varressem a Europa. As Lojas se disseminaram com uma rapidez espantosa. A maçonaria atraiu a sociedade mais intelectualizada, a aristocracia, militares, escritores, músicos, poetas e filósofos. Isso fez crescer o debate e a livre discussão das idéias, contestando o Estado e a Igreja, ampliando a pregação de uma nova convivência entre os homens, sem preconceitos religiosos, sociais ou de raça.
Naquele momento da história ainda estava muito viva na memória de todos as guerras religiosas do passado que haviam devastado a Europa. O desejo de paz e tolerância concretizava-se no interior das Lojas, onde se rendia homenagem e glorificava-se o "Grande Arquiteto do Universo" em um ambiente de absoluta liberdade. Foi a época de ouro da maçonaria, em que ela adotou as idéias dos filósofos do Iluminismo, muitos deles maçons, quando se pregava a revolução universal pelo direito do homem a liberdade, a igualdade de deveres e obrigações de todos os cidadãos e a fraternidade entre todos os indivíduos.
Pregava-se discreta e subliminarmente nas Lojas a substituição dos regimes absolutistas por um regime constitucional, com um parlamento eleito pelo povo. A maçonaria nunca foi um partido político, mas após 1717 sempre teve em suas fileiras homens que atuaram fortemente na construção de uma sociedade livre e de bons costumes. Procurava-se evitar o debate político e religioso, mas as Lojas eram um espelho da sociedade em que viviam. Se a religião era praticamente comum a todos, os interesses políticos eram diversos, por isso em uma mesma cidade Lojas tinham direções diferentes.
Enquanto na França algumas Lojas defendiam a monarquia constitucional, outras lutavam pela república. No Brasil, anos mais tarde, nas lutas pela abolição da escravatura, aconteceu a mesma coisa. Havia na mesma Loja maçons a favor e contra a abolição. Outros constituíram Lojas diferentes, o que nunca enfraqueceu a instituição uma vez que a liberdade de pensamento sempre foi o mais preservado de todos os direitos.
Para a maçonaria, não é somente o aspecto político que é primordial. Além do ideário de liberdade, igualdade e fraternidade, as manifestações de cultura, a busca incessante da verdade, o respeito a natureza e ao homem sempre exerceram uma imensa atração para os mais diferenciados indivíduos, impressionados com o pensamento humanístico e filantrópico da instituição. Como era de se esperar, os governos absolutistas combatiam e proibiam com energia as reuniões maçônicas, não admitindo qualquer tipo de literatura ou manifestação.
A MAÇONARIA E A IGREJA
Desde a introdução da maçonaria na França, ela sempre foi vista com suspeição pela Igreja Romana, em virtude da sua pregação de máxima tolerância religiosa. Sucessivos Papas emitiram bulas, encíclicas e outras ordens proibindo os católicos de pertencerem à maçonaria sob pena de excomunhão. Houve intensas lutas políticas entre a instituição maçônica, o Estado e a Igreja.
Nesses momentos, os maçons que, por formação, eram ligados à Igreja em fé e devoção fizeram do segredo maçônico um elemento fundamental para a sobrevivência em uma vida dupla e por vezes perigosa, uma vez que são obrigados por seus regulamentos e rituais a seguir a lei de suas nações. A história da maçonaria em cada país é um relato de diferentes trajetórias e cada povo tem uma narração diferente sobre sua influência nos fatos ocorridos nos últimos séculos. Livre e tradicionalista na Inglaterra, revolucionária e republicana na França, emancipadora e republicana nas Américas, unificadora e guerreira na Itália, a sublime Instituição escreveu com letras indeléveis e gravou no coração de todos seus ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.