De modo diferente do que ocorreu na
Independência do Brasil e na Lei Áurea, que foram processos conduzidos com
importante participação da maçonaria, a Proclamação da República, embora tenha
tido a participação de maçons não foi um evento patrocinado pela Ordem, mas
por uma reunião de forças vivas, políticas, econômicas e religiosas.
Havia também irmãos
monarquistas, ricos e nobres, opondo-se as ideias republicanas, mas talvez a
principal razão para deflagrar o movimento tenha sido a bela senhora Maria
Adelaide de Andrade Neves Meireles, filha do Barão de Triunfo e por quem
Deodoro da Fonseca havia se apaixonado, quando comandava a tropa no RS, embora
fosse casado. A viúva Maria Adelaide preferiu ficar com o político gaúcho
Gaspar Silveira Martins, e isso criou uma inimizade feroz e permanente entre
ambos que seria cristalizada na Proclamação da República. Não foi a primeira,
nem será a última vez que o amor por uma mulher decide o destino de uma nação.
Os ideais republicanos vicejavam na Europa há pelo menos um século
e eram trazidos pelos brasileiros que estudavam em Portugal, na França e na
Inglaterra. Com a finalidade de lutar pela independência a Loja Comércio e
Artes se dividiu em três e em junho de 1822 criou Grande Oriente Brasílico, a
primeira obediência maçônica.
Com o retorno de D. Pedro I a Portugal, a luta da maçonaria passou
a ser a antecipação da maioridade de D. Pedro II, para evitar o caos político
da nação que poderia resultar na formação de muitos estados independentes, como
aconteceu em toda a América Latina, mas a partir da consolidação da monarquia
se estabeleceram duas correntes políticas, conservadores e liberais,
monarquistas e republicanos, e em ambas atuavam ilustres maçons.
Eclodiam movimentos separatistas por todo o país, fundamentados em
ideias republicanas. O governo imperial combatia esses movimentos, muitos deles
organizados por maçons e também combatidos por maçons. Assim foi com a Guerra
dos Mascates em 1710, com a Inconfidência Mineira em 1788, com a Revolução
Pernambucana de 1817, com a Confederação do Equador em 1824, com a Sabinada em
1837 e a Revolução Farroupilha de 1835 liderada pelos maçons Bento Gonçalves e
Davi Canabarro. Em 1842 o maçom Caxias combateria o também maçom Padre Diogo Antônio
Feijó, que liderava uma revolução em S. Paulo apesar de ter sido regente de D.
Pedro II.
Três eventos foram determinantes para a queda do Império: a Guerra
do Paraguai e a revolta dos militares, a Questão Religiosa e a Abolição da
escravatura.
A REVOLTA DOS MILITARES
Em 1870 a Tríplice Aliança vencia a Guerra do Paraguai que matou
cerca de 480.000 pessoas, sendo mais de 300.000 paraguaios. O exército vitorioso
retornou com grande força política, mas foi calado pela aristocracia imperial.
O imperador proibiu a manifestação pública das opiniões dos militares.
A punição do Ten. Cel. Sena
Madureira, que era amigo do Imperador, por ter discutido com o Ministro da
Guerra que era um civil, criou uma corrente de protestos nas Forças Armadas e
levantou a Questão Militar, que acabou incluindo a reivindicação por melhores
salários e equipamentos mais modernos e o ideário positivista que levava à
reivindicação de um Estado laico e republicano e da escolha de um governante
que conduzisse o país atendendo às reivindicações populares
Na Escola Militar o Professor Ten. Cel. Benjamin Constant, maçom e
positivista, que era adorado pelos oficiais mais jovens, incutia as ideias
republicanas na oficialidade.
A QUESTÃO RELIGIOSA
Também na década de 1870, finda a Guerra do Paraguai, com o exército
lutando por uma fatia de poder, outra grave crise afeta o Império. Foi o
enfrentamento entre a Igreja Católica e a Maçonaria que acabou-se tornando uma
questão política e uma queda de braços entre o Imperador e a Igreja.
Na época associações, civis ou religiosas, eram autorizadas e
regidas pelo governo. Dois bispos ultraconservadores, Dom Vital de Oliveira de
Olinda e Dom Macedo Costa do Pará, interditaram irmandades que funcionavam
legalmente porque tinham membros maçons. Os dois Grandes Orientes na época se
uniram contra a ação da Igreja e os seus Grão-Mestres, Visconde do Rio Branco e
Saldanha Marinho protestaram publicamente e também no Legislativo, onde maçons
tinham forte presença. O Imperador se sentiu afrontado com a atitude dos
religiosos, que desrespeitavam a Constituição e desafiavam a sua autoridade e
mandou que levantassem os interditos. Ao se negarem a fazê-lo os bispos foram
presos e condenados a trabalhos forçados.
Embora até aquele momento a Igreja conservadora fosse um dos
esteios do Império, responsável por grande parte das instituições de educação e
saúde, a crise tomou grandes proporções e a D. Pedro II teve comprometido o apoio
que as autoridades religiosas lhe proporcionavam.
D. Pedro II não era maçom e não tinha simpatia especial pela
Ordem, mas no Governo havia maçons em altos cargos que devem tê-lo aconselhado
nesta atitude. Ao confrontar a Igreja e perder o seu apoio o Império
enfraqueceu ainda mais.
A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA
Na mesma época uma outra questão estava sendo discutida nas Lojas
Maçônicas e nas reuniões políticas, a fim da escravidão. Na maçonaria o ideal
da Abolição caminhava ao lado da campanha republicana, conduzida por uma
geração de jovens e brilhantes maçons e intelectuais como José do Patrocínio,
Saldanha Marinho, Quintino Bocaiuva, Luiz Gama, Castro Alves e outros, sem
títulos de nobreza, mas com grande prestígio popular.
A maçonaria defendia nas Lojas as leis antiescravistas como a lei do
Ventre Livre de 1871, a dos Sexagenários de 1885 e finalmente a Lei Áurea de 1888,
cujo texto foi redigido por José do Patrocínio e assinado pela Princesa Isabel.
Diversas Lojas como a Vigilância e Fé, de São Borja – RS, Loja Independência e Regeneração III,
ambas de Campinas – SP, aprovaram e difundiram um manifesto contrário ao
Terceiro Reinado e a favor da abolição.
Outras Lojas como a Perseverança III de Sorocaba
realizavam coletas para adquirir cartas de alforria para escravos.
Em 1870
Joaquim Saldanha Marinho e Quintino Bocaiúva fundaram o Partido Republicano e
publicaram o Manifesto Republicano que criticava a
centralização do poder na monarquia e exigia um modelo federalista no Brasil
com autonomia às províncias; responsabilizava a monarquia pelos problemas do
país e indicava a república como a solução. Bocaiuva era
editor do jornal A República e realizava reuniões cuja tema era a derrubada do
Império. Três anos depois, na cidade paulista de Itu, a maçonaria iria
organizar a Convenção Republicana.
A rica
elite econômica, os abastados fazendeiros de São Paulo e Minas Gerais, se
opunham a libertação dos escravos, cuja mão de obra era a razão de sua fortuna e
tinham interesse na manutenção do estado de coisas como era com a monarquia.
Entre eles também havia maçons, mas os interesses econômicos
se sobrepunham ao ideário maçônico. Esses membros da elite e da nobreza
participavam do partido conservador, monarquista, e combatiam com ferocidade as
ideias liberais.
Em 1882 a maçonaria estava
novamente agrupada em uma única obediência, o Grande Oriente, e embora seu Grão
Mestre, Vieira da Silva, fosse monarquista e leal ao imperador, o assunto da
Proclamação da República fervilhava nas Lojas.
No dia 10 de novembro de 1889 Benjamim Constant, que já havia convertido
a maior parte da oficialidade jovem do exército para a causa republicana e
positivista, convoca para uma reunião na sua casa os irmãos Campos Sales,
Prudente de Moraes, Silva Jardim, Rangel Pestana, Francisco Glicério, Ubaldino
do Amaral, Aristides Lobo e Bernardino de Campos. Nessa reunião decidem a queda do Império. Deodoro
foi informado de que a intenção da reunião era apenas a derrubada do gabinete
chefiado pelo Primeiro Ministro Visconde Ouro Preto.
Sem a ação da tropa isso não seria possível e Benjamin Constant é
designado para convencer Deodoro da Fonseca, a mais alta patente militar do
Império a liderar o movimento. Missão difícil porque Deodoro era amigo leal e
afeiçoado ao Imperador. No dia 14 de novembro o Major Solon Ribeiro espalha a
mentira de que as tropas do governo haviam prendido Deodoro e Benjamin Constant.
Criou imensa revolta entre os militares.
Sob o argumento levado pelo Major Sólon (era mentira mais uma vez, mas
não foi a primeira e nem será a última vez que a mentira muda o rumo da
política) de que o Imperador iria nomear para o cargo de primeiro-ministro a
Silveira Martins, o seu inimigo pessoal e político, antigo rival no amor da
gentil senhora Maria Adelaide, Deodoro revoltado assume a liderança do
movimento e em 15 de novembro se põe a frente da tropa prende o Visconde de
Ouro Preto e dissolve o Ministério. Dá vivas a D. Pedro II e volta para casa,
de onde havia saído adoentado para o Campo de Santana.
Floriano Peixoto recebe ordem para enfrentar a rebelião, mas dotado de
gênio fortíssimo e embora desafeto de Deodoro, entende a gravidade do momento,
recusa-se a cumprir a ordem, abre os portões para que as suas tropas
confraternizem com as que estão em frente e assina um documento extinguindo a
monarquia e proclamando a República.
Mas a reunião das tropas no quartel-general de Campo de Santana
não formalizou a República. Isto veio a acontecer numa reunião extraordinária convocada
às pressas na Câmara Municipal, quando o vereador José do Patrocínio leu o
documento da Proclamação da República, e o povo nas imediações passava a
comemorar cantando nas ruas o hino francês “A Marselhesa”.
No mesmo dia 15/11 o editorial da Gazeta da Tarde publicava:
A partir de hoje, 15 de novembro de 1889, o Brasil entra em nova
fase, pois pode-se considerar finda a Monarquia, passando a regime francamente
democrático com todas as consequências da Liberdade.
No Palácio o Conde D’Eu, genro do Imperador e militar de carreira,
e o Engenheiro André Rebouças tentaram convencer D. Pedro II a autorizar um
movimento de resistência, que possivelmente teria êxito, uma vez que o
mandatário era idolatrado pelo povo, mas custaria muito sangue derramado.
Seu sentimento era de que não valia a pena o sacrifício de
tantas pessoas. Idoso, doente e alquebrado, assim como sua esposa que veio a
falecer decorrido um mês e recebendo a notícia em casa redige uma resposta:
“À vista
da representação escrita que me foi entregue hoje, às 3 horas da tarde,
resolvo, cedendo ao império das circunstâncias, partir, com toda a minha
família, para a Europa, deixando esta Pátria, de nós tão estremecida, à qual me
esforcei por dar constantes testemunhos de entranho amor e dedicação, durante
mais de meio século em que desempenhei o cargo de chefe de Estado.
Ausentando-me, pois, com todas as pessoas da minha família, conservarei do
Brasil a mais saudosa lembrança, fazendo os mais ardentes votos por sua
grandeza e prosperidade.”
Rio de Janeiro, 16
de novembro de 1889
D. Pedro de Alcântara.
Estava proclamada a República e o maior, mais admirado e mais culto
estadista que o Brasil já conheceu foi exilado para morrer de pneumonia num
modesto quarto de hotel de 3 estralas em Paris, na madrugada de 05 de dezembro
de 1891. As contas do hotel eram pagas pelo amigo Barão de Loreto, porque após meio
século de reinado, D. Pedro jamais aceitou qualquer aumento de dotação e não
acumulou nenhum patrimônio. Ao se preparar o corpo foi encontrado um saquinho
de terra, com um recado de próprio punho do imperador:
“É terra do meu país; desejo
que seja posta no meu caixão, se eu morrer fora de minha terra.”.
Embora a família desejasse um funeral simples, o governo francês
ofereceu um funeral de Estado. Foi uma das maiores cerimonias da história
francesa. Estima-se que meio milhão de pessoas tenha assistido o féretro,
enfrentando chuva e um frio glacial. Milhares de personalidades da realeza, da
política, representantes de governos, intelectuais e artistas, luminares da
ciência e da cultura como Freud, Edison, Graham Bell, Pasteur e Nietzsche
prestaram as últimas homenagens a um dos mais notáveis homens públicos do mundo
deixando aos brasileiros a memória de mais de meio século de governo quando o
Brasil foi um dos países mais respeitados e admirados do planeta.
No dia seguinte o povo acordava atordoado, sem entender o que acontecia,
ao som de desfiles militares e início de uma feroz ditadura, com muitos
intelectuais e políticos exilados para a África ou Amazonia, e feroz censura e
fechamento dos principais jornais, além da suspensão dos apoios sociais aos
negros recém libertos da escravidão.
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