Penso que é impossível pensar em tolerância, sem associa-la de situações em que haja uma pretensão superioridade, ou de autoridade, quiçá de hegemonia. Abstraídos os grandes Impérios que vicejaram da alta Idade Média até a formação dos modernos Estados Nacionais, não vejo campo mais apropriado para exemplificar a intolerância do que na postura dominante adotada pela Igreja Católica ao longo de sua história, desde o nascedouro até o período da Reforma e mais adiante, do Iluminismo.
Não há dúvidas de que os Católicos sofreram proibições e perseguições nos três séculos iniciais, no último dos quais, foram tolerados. Vindo a ser tornada religião oficial sob o Imperador Teodósio, pelo édito de Tessalônica, em 390 dC e, máxime com a queda do Império Romano no Ocidente, em 476, puderam os Papas reinar com exclusividade. Diz-se que o “poder detesta o vácuo” e os Papas souberam ocupar esse vácuo de poder político. E aí, por dez séculos reinaram absolutos, arrogando-se, inclusive o direito de coroar Imperadores com o que se colocavam acima deles.
A Igreja foi a maior proprietária de terras no continente Europeu, chegando a conservar os chamados Estados Pontifícios até 1870, quando a Itália foi unificada sob o Imperador Victor Emanuel II. Quase 60 anos depois (1929), pelo Tratado de Latrão o Papa reconhecia a Itália unificada e, de lambuja, ganhou o Estado do Vaticano.
Durante esses séculos de império Papal, foram inventados os mecanismos de controle conhecidos como heresia e excomunhão, pelos quais quem não “rezava pela cartilha” do Papa sofria “morte” simbólica, pela excomunhão, ou perseguição, tortura e morte, muitas das quais na fogueira, sob a acusação de heresia. Há exemplo mais contundente de intolerância do que esses? No que respeita à Maçonaria todos sabem das muitas Bulas baixadas por diversos Papas e seu significado, decididamente não era de tolerância.
Com o advento do Iluminismo e relevante contribuição do nascimento da Maçonaria, começaram a soprar os ventos da liberdade individual, social, de consciência, igualdade, tornando todos os seres merecedores de dignidade própria e não meros fantoches destinados a um reconhecimento na eternidade. Nessa senda, por certo é próprio mencionar que talvez o estudo mais antigo conhecido é o livro Tratado Sobre a Tolerância do filósofo Iluminista Voltaire, que o escreveu justamente no contexto das inúmeras guerras religiosas que assolaram a Europa a partir da Reforma e cujo um dos exemplos pode ser o célebre massacre de São Bartolomeu, em 1572, quanto teriam morrido cerca de 30 mil protestantes.
O QUE É TOLERAR?
Rui Bandeira (), escrevendo “A tolerância e seus limites”, nos diz:
“Em Maçonaria, o conceito de Tolerância não inclui qualquer noção de superioridade do tolerante perante o tolerado. Isto é, não se tolera a opinião ou a crença do outro porque somos boas pessoas e achamos que devemos fazê-lo, apesar de entendermos que nós é que estamos certos e o outro é que está errado fazendo-lhe o favor de aceitar que ele tenha opinião errada. O conceito maçônico de Tolerância existe como corolário do princípio da Igualdade, basilar entre os maçons. Deve-se tolerar e tolera-se a opinião diferente ou divergente do outro, porque, como iguais que somos, cada um tem o direito a ter a sua opinião, como muito bem entenda tê-la. E tolera-se e deve tolerar-se a opinião diferente e divergente do outro em relação à nossa, porque não devemos ter a sobranceria de achar que nós é que somos os iluminados, tocadas pela graça divina de estarmos sempre certos.”
No desenrolar de seu artigo, Rui faz uma distinção que é de extrema relevância para se conhecer o âmbito de abrangência da tolerância. Diz ele:
Antes do mais, é preciso entender que o conceito de Tolerância se aplica a crenças, a ideias, ao pensamento e respectiva liberdade, às pessoas e sua forma, estilo e condições de vida, mas nada tem a ver com o juízo sobre atos.
Ou seja, tolerar é admitir, acolher o diferente, seja esse diferente na forma de ideias ou modo de ser, estilos de vida.
Tentando exemplificar: se sou torcedor de um time, tenho que admitir que o outro tem igual direito de torcer por outro. Isso vale para convicções religiosas, filiação partidária, adoção de linha ideológica. Se defendo com veemência meus pontos de vista, isso não significa que o outro não possa fazê-lo e nem que minhas convicções se sobreponham às dele.
No modo de ser e de agir, posso ser convencional – no modo de se comportar, de vestir, quanto aos lugares que frequento – e nem por isso significa que os que adotam a conduta hippie, usam piercings, gostam de tatuagens, devam ser tratados como se fossem inferiores. São diferentes, mas não são inferiores. Posso e tenho o direito de não gostar desses estilos e modos, mas é minha obrigação partir do princípio de que, em termos de humanidade eles são rigorosamente iguais a mim.
Este raciocínio pode se aplicar a situações mais radicais. Se vejo um “negro”, um “gordo”, um “aleijado” ou, no extremo oposto uma mulher de formas deslumbrantes e atraentes, posso me afetar por projeções psíquicas, conscientes ou não, e me posicionar ou agir com sentimento de rejeição (preconceito) ou de concupiscência numa e noutra hipótese. Temos que lembrar que em nenhuma dessas hipóteses essas pessoas têm culpa por terem vindo ao mundo dessa forma e como tal, merecem nosso respeito como pessoas a quem se deve tratamento digno. Talvez com relação a mulher atraente seja inevitável que nosso lado instintual seja despertado, mas na realidade ela é apenas um ser, com seus problemas e sonhos, talvez até os de arranjar bom marido e vir a ser boa mãe, mas de forma alguma é objeto de consumo que possa ser cobiçada de modo grosseiro e vil.
Quanto ao preconceito, a palavra por si só se explica, desdobrando-se em “pré“ e “conceito”. Ou seja, se vejo um gordo já concluo que é glutão ou preguiçoso para exercitar-se; se vejo um muçulmano já concluo que é radical e fundamentalista. Em situações tais, devo posicionar-me com espírito desarmado. Ouvir o que o outro tem a dizer, desde que o faça com fundamentos e serenidade. Posso discordar de suas razões, mas nada me autoriza a pré-julga-lo e condená-lo desde logo.
Rui Bandeira, prossegue em seu artigo:
“... tenho o dever de aceitar alguém que pense de forma diferente da minha, que tenha uma crença religiosa diferente da minha, uma orientação sexual diferente da minha, um estilo de vida diferente do meu. Mas já não tenho idêntico dever em relação a atos concretos desse outro que se revelem violadores da lei, da moral ou da própria noção de Tolerância. Designadamente, não tenho que tolerar manifestações de intolerância em relação a mim, às minhas crenças e convicções, tal como não só não tenho que tolerar, como não devo fazê-lo, atos criminosos, cruéis, degradantes ou simplesmente violadores das consensuais regras de comportamento social.”
A distinção a que se pode chegar é simples: (a) Quando se trata do modo como a pessoa pensa, suas crenças, suas preferências de estilo e como é, raça, cor, composição corporal, tenho que ser tolerante, porque essas características não interferem no meu mundo; (b) Quando se trata de juízos da pessoa ou condutas que ferem a moral social convencional ou aspectos legais e que interferem no meu sentimento ou na minha vida como um todo, já não se trata mais de tolerância, e tenho a faculdade de reagir pelos meios socialmente aceitos e legais.
Vejamos conceitos legais da forma mais sucinta possível:
Caluniar - atribuir falsamente crime. Difamar - atribuir fato negativo que não seja crime. Injuriar - atribuir palavras ou qualidades negativas, xingar. Injuria racial - a injúria que consista na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
Nessas situações, se as pratico, corro o risco de ser responsabilizado. Se sou vítima dessas ações, tenho o direito de reagir, pelos meios legais, buscando a responsabilização do ofensor. O que não pode ocorrer é querer “responder na mesma moeda”, porque um erro nunca justifica outro, salvo exceções como a legítima defesa, mas essa é outra história.
Aparentemente simples, não? Ledo engano. O mal dos tempos atuais em que tanto se clama pela tolerância, há que se atentar para o manejo malicioso daqueles que sendo minoria tem a pretensão de impor seus pontos de vista, seus modos de ser, à maioria e o fazem com grande estardalhaço, acusando esta de ser intolerante quando não aceitam aqueles valores.
O VERSO E O REVERSO.
Há um princípio universal de governo que, dando voz a todos, não pode deixar de ter um critério para que as decisões sejam tomadas. Esse critério é o da maioria. Em toda questão de interesses coletivos, havendo divergências, dúplices ou múltiplas, é a vontade da maioria a que deve prevalecer.
Se esse critério fosse respeitado, cada bloco – maioria e minoria – poderiam conviver bem, com a primeira reconhecendo e tolerando o pensamento e o modo de ser desta, com a contrapartida desta respeitando as decisões daquela, justamente por serem maioria. Ocorre que nas últimas décadas a moral geral entrou em franca deterioração. Glorifica-se o bandido e execra-se o policial; aprova-se a rebeldia e até a violência do aluno contra o professor e degrada-se a autoridade deste; as famosas Comissões de Defesa dos Direitos Humanos, sejam dos Parlamentos, sejam de entidades como a OAB, só se lembram de proteger os que violam a lei e direitos, mas nunca se preocupam com os direitos violados das vítimas; os que sofrem de distorções em sua estruturação psicogenética, fugindo do padrão secular dos dois sexos – macho e fêmea – e se apresentam como homossexuais, já não se conformam em exercer essa sexualidade exclusivamente íntima e privada dentro de quatro paredes, mas querem exercê-las às escâncaras impondo condutas aberrantes à maioria que segue o padrão.
Com todo respeito, para meu gosto, a maior aberração nesse campo é a propagação dessas preferências aberrantes e minoritárias, seja pela manutenção da famosa bandeira com as cores do arco íris hasteadas às janelas, mas indo mais longe promovendo paradas do “orgulho gay”. E o mais paradoxal é que Parlamentares, dentre as quais, infelizmente, há uma gaúcha, supostamente representantes do povo, elegem como suas bandeiras favoritas a defesa da bandidagem. Ou a Filósofa Marcia Tiburi que sem corar de vergonha defende na televisão a liberdade de assaltar (), ou faz defesa entusiasmada da importância do ânus (“c”).()
Ou seja, as minorias não toleram o pensamento e os valores da maioria e querem empurrar-lhe goela abaixo suas excentricidades. E quando encontram resistência dizem-se vítimas da intolerância, em clara situação de pirâmide valorativa invertida.
Nesse passo há que se atentar também para a indevida apropriação do discurso mediante o uso da tática de desqualificar o argumento do outro. Nos últimos anos, o verbo “lacrar” ganhou um novo sentido graças à militância de esquerda; agora ele significa “mandar bem”, “arrasar” ou algo do gênero.
Não vou prosseguir para não me enveredar para debate unicamente ideológico. O que pretendo destacar é o exato alcance do termo tão caro à Maçonaria, a tolerância, mas com a cautela de saber onde ela tem cabimento e onde não tem.
O DILEMA LGBT-XYZWETC...
Creio ser verdadeiro afirmar que homossexualismo sempre existiu. A Natureza não é perfeita. Comporta desvios, é assimétrica, contempla acidentes. O renomado cientista brasileiro Marcelo Gleiser escreveu um livro sobre isso: A Criação Imperfeita (Ed. Record, 2010).
Admitindo, para efeitos argumentativos, que a homossexualidade é efeito de uma mutação temos que conviver com ela como uma das assimetrias da natureza. Sim, porque para quem acredita no criacionismo é incontroverso que o protótipo, o plano original só previa dois sexos: homem e mulher (https://www.bibliaonline.com.br/acf/gn/1/27). Uma imagem verdadeira e irônica que circula na internet mostra uma tomada e uma flecha elétricas e a legenda diz: “só existem macho e fêmea, o resto é gambiarra”.
Creio ser verdadeiro dizer que o Brasil é, predominantemente conservador, forjado na cultura cristã-católica. Nem o fato de oitenta e cinco por cento da população ser urbana, altera essa matriz. Nas últimas décadas, porém, fruto da militância esquerdista, os homossexuais e seus derivativos, não só reivindicam reconhecimento (tolerância), mas vão além querendo impor seus excêntricos modos de ser à maioria heterossexual. E a questão se agrava quando essa pretensão de hegemonia vem embrulhada em vieses comunicacionais conhecidos como lacração ou vitimismo, como a seguir explicitado:
“Considerando as possibilidades de estabelecer diálogos entre pessoas diferentes, principalmente com grupos que defendem pautas ligadas às mulheres, negros e LGBTs, existem dois modos de comunicação que dificultam a criação de pontes e empatia: a “lacração” e o “vitimismo”. A lacração aparece como uma forma arrogante e autoritária de comunicação que impossibilitaria o diálogo, pois uma pessoa se coloca acima da outra de antemão e encerra o diálogo bruscamente com uma fala de efeito. Já o vitimismo também impossibilitaria o diálogo, na medida em que uma pessoa se coloca de antemão como vítima por ser mulher, negra ou LGBT, ou seja, abaixo da outra. Para existir diálogo, é preciso buscar uma posição de “igualdade comunicativa”: nem lacração nem vitimismo.”
E este tema da orientação sexual não deixa de ser questionado no seio da Maçonaria cujos postulados vindos principalmente das Constituições de Anderson e dos “Landmarks”, proclamam que a Instituição é privativa de homens de bons costumes. No livro “Debatendo os Tabus Maçônicos (A Trolha, 2018), o Ir. Kennyo Ismail noticia que nos EUA após uma Loja posicionar-se contra a admissão de gays, outras se manifestaram contra essa posição por considera-la preconceituosa ou discriminatória. A GLUI também usando de palavras diplomáticas parece admitir que a “orientação sexual” não impede a admissão. Kennyo diz que o que ocorre entre “quatro paredes” é assunto privado.
A indagação que suscito é: a Maçonaria ao vedar a admissão de mulheres, aceitaria a de pessoa biologicamente do sexo masculino, mas que no casal homossexual declara-se o lado feminino do par? Registro que recentemente recebi novos vizinhos. Eles são muito parecidos fisicamente. Quando perguntei ao “X” se o “Y” era seu irmão ele respondeu: não, ele é meu marido.
Quando se discorre sobre as razões para a não admissão de mulheres, se diz que uma hipótese é evitar o envolvimento afetivo-sexual entre irmãos. Mas nesse caso, o gay não correria o risco de também se envolver ou até assediar? Mais: na linha do argumento das “quatro paredes” de Ismail, se em Loja o gay passar a ter comportamento militante e com trejeitos escandalizantes, isso é causa de se concluir por malferimento dos princípios éticos da Instituição e causa para exclusão?
Enfim, são questões que precisam ser enfrentadas. Não basta proclamar que a “orientação sexual” não seria impeditivo à admissão de gays na Irmandade. Há que se ter uma ideia clara de como lidar com situações concretas que já não digam respeito à consciência ou ao modo de ser do candidato, mas digam com sua conduta ostensiva e concreta dissonante do padrão socialmente dominante.
A questão é polêmica, delicada e digna de reflexão séria. E para além da necessária distinção entre tolerar pensamentos e modos de ser em contraposição a atos reais ofensivos à moralidade social, ainda há que saber discernir as hipóteses de desqualificação de nossos argumentos, porque aí poderá estar um militante de esquerda simplesmente querendo “lacrar” o nosso discurso; querendo que seu discurso minoritário se sobreponha ao da maioria. E “lacradores” não merecem tolerância; merecem ser, respeitosamente, desmascarados. (J. Darci P. Soares, junho de 2022).