dezembro 29, 2023

DENTRO E FORA - Hermann Hesse



Era uma vez um homem chamado Friedrich, devotado às coisas do espírito e de
vastos conhecimentos. Gostava, porém, de concentrar todo o seu saber num
modo particular de pensar e menosprezava todos os demais. Tinha na mais alta
estima a Lógica, essa tão magnífica disciplina, e os conheci­mentos a que
dava o nome geral de Ciência.

"Duas vezes dois são quatro" - costumava ele dizer. -"nisso que eu acredito
e é partindo dessa verdade que um homem deve usar o raciocínio".

Não ignorava, é claro, que existiam muitas outras maneiras de pensar e
interpretar as coisas, mas não as considerava "ciên­cia" e, portanto, não
lhes dava importância. Conquanto fosse um livre-pensador, não era
intolerante no que dizia respeito á religião. Nisso comportava-se de acordo
com a atitude de tácita anuência dos cientistas. Há muitos séculos a Ciência
ocupava-se de tudo o que existia no mundo, e estimulava o desejo de
investigar e saber, com exceção de um único objeto: a alma humana. Deixava-a
a cargo da religião e não tomava a sério as especulações que ela fazia sobre
a alma mas, enfim, tolerava-as porque, com o decorrer dos séculos, tinham-se
con­vertido num hábito. Assim, no tocante à religião, Friedrich mantinha uma
atitude tolerante mas o que profundamente lhe repugnava e enfurecia era tudo
o que envolvesse e fosse reco­nhecido como superstição.  Somente admitia o
pensamento místico e as explicações mágicas entre povos ignorantes e
atra­sados quer de uma antigüidade remota; quer da atualidade pri­mitiva e
inculta de certas regiões exóticas. Desde que existia uma Lógica e uma
Ciência, deixara de fazer sentido recorrer a esses recursos obsoletos e
duvidosos.

Assim pensava e assim argumentava Friedrich. Quando ao seu redor se
manifestavam indícios de superstição, irritava-se e era como se tivesse sido
tocado por algo hostil e pernicioso.

O que mais o aborrecia era encontrar tais indícios entre seus iguais, homens
cultos que estavam tão familiarizados quanto ele com os princípios do
raciocínio científico. E nada lhe era mais doloroso e insuportável do que
ouvir certas idéias blasfemas como a que escutara, recentemente, de um homem
de elevada cultura, que afirmara esta coisa absurda: - o racio­cínio
científico não é, provavelmente, a mais elevada, rigorosa e intemporal forma
de pensamento mas, pelo contrário, a mais transitória, vulnerável e
perecível entre todas as formas de pensar! - Essa irreverente e perniciosa
opinião tinha seus adeptos, isso não podia Friedrich negar, mas era um
reflexo da miséria gerada pelas guerras, pela subversão e pela fome que
assolavam o mundo, e surgira como uma advertência, uma desculpa e um aviso
fantasmagórico escrito sobre a parede branca.

Quanto mais Friedrich sofria com a existência dessa nefasta idéia, mais
veementemente hostilizava os que a propagavam ou aqueles que supunha
esposarem-na secretamente. Na verdade, só alguns raros homens de erudição
tinham franca e abertamente confessado sua concordância com a nova corrente
de pensamento que, se lograsse expandir-se e triunfar, destruiria
provavelmente os alicerces da cultura e provocaria o caos no mundo.

Ora, até esse momento, ainda não se chegara a tal ponto e os cientistas que
tinham defendido abertamente a nova idéia eram tão poucos que podiam
perfeitamente passar por indi­víduos excêntricos ou fanáticos. Porém, uma
pequena gota do veneno, uma tênue irradiação desse pensamento, já era
per­ceptível aqui e ali. Nas camadas do povo e entre as pessoas semicultas
já se notava o florescimento de uma série de seitas, de escolas, de
correntes com seus mestres e discípulos, pre­gando ensinamentos em que a
Lógica e a Ciência não tinham vez. O mundo começava de novo se enchendo de
superstições, artes ocultas, magia negra, misticismo, necromância e outras
manifestações que o racionalismo quase extinguira e que era urgente combater
de novo. Mas a Ciência, talvez em virtude de um sentimento de íntima
fraqueza e de mal compreendida tolerância, silenciava.

Um dia, Friedrich foi visitar um de seus amigos, com quem já realizara
diversos estudos. Há muito tempo que não se viam e, enquanto subia as
escadas, procurou lembrar-se de quando estivera pela última vez na casa
desse amigo. Embora pudesse gabar-se, habitualmente, de uma excelente
memória, desta vez não conseguia recordar esse pormenor. Insensivelmente,
dei­xou-se possuir de uma certa irritação e desapontamento, ao bater à
porta.

Quando saudou o amigo Erwin, Friedrich notou logo na fisionomia jovial que
lhe retribuía o cumprimento um certo sorriso de afabilidade comedida que não
lhe parecia ter visto nunca nos tempos de quase diária convivência mútua.
Frie­drich pressentiu imediatamente que, por detrás desse sorriso, havia
algo de irônico ou hostil e, no mesmo instante, lembrou-se daquilo que ainda
há pouco estivera inutilmente vasculhando na memória: o seu último encontro
com Erwin. Sim, lembrava­-se muito bem que, embora não tivessem discutido,
separara-se dele com surda irritação, porquanto lhe parecia que Erwin não o
apoiava como devia, nessa época, nos ataques que vinha desencadeando contra
o pensamento místico e supersticioso. E também já se lembrava por que motivo
não voltara a pro­curar Erwin durante largo tempo. Era estranho como poderia
ter esquecido tudo isso! Na verdade, evitara o convívio do amigo unicamente
por causa dessa divergência, fato que ele sabia o tempo todo, muito embora
arranjasse sempre outros motivos para protelar uma nova visita a Erwin.

Eis que estavam agora frente a frente e parecia a Friedrich que a pequena
brecha de outrora se ampliara de um modo assustador. Em seu íntimo, sentia
que entre ele e Erwin faltava agora algo que sempre existira, aquela
atmosfera de sólida cooperação, de imediata compreensão e, até, de mútua
simpatia resultante de inclinações e propósitos comuns. Em vez disso,
Friedrich encontrou na sua frente uma expressão de estranheza, como se
através do próprio sorriso de Erwin pudesse espreitar para o vazio que havia
lá dentro. Cumpri­mentaram-se, falaram do tempo, que era feito de fulano e
cicrano, como iam de saúde... e Deus sabe como, a cada palavra proferida,
Friedrich via aumentar a sensação angus­tiante de incompreensão recíproca,
de estarem falando como dois desconhecidos perfeitamente alheados aos
problemas um do outro e não encontrarem um motivo que os conduzisse a uma
boa e agradável conversa. Erwin continuava com seu comedido sorriso afável,
que Friedrich já começava a odiar.

Numa pausa do penoso diálogo que se arrastava havia alguns minutos,
Friedrich viu na parede do tão conhecido gabinete de estudo de Erwin, uma
folhinha de papel presa por um alfinete. Essa imagem tocou-o fortemente,
despertando velhas lembranças: recordou que, durante os anos de estudante,
Erwin tinha o costume de conservar assim, diante dos olhos, uma sentença de
algum pensador ou os versos de algum poeta. Levantou-se e foi ler a folhinha
na parede.

Nela estava escrito, com a disciplinada caligrafia do co­lega, a seguinte
frase: "Nada está fora, nada está dentro. Pois o que está fora, está
dentro".

Friedrich empalideceu e manteve-se imóvel por instantes. Aí estava! Aí
estava o que ele tanto temia! Em outra época, talvez tolerasse aquilo,
talvez encarasse aquela frase com indul­gência, como uma inofensiva e, em
última análise, compreen­sível manifestação de sentimentalismo, digna de ser
estudada. Mas agora era diferente. Tinha a certeza de que aquelas pa­lavras
não tinham sido anotadas por causa de uma fugaz dis­posição poética nem por
um capricho que fizera Erwin retomar, após tantos anos, um hábito da
juventude. O que ali estava escrito, naquela parede, era uma confissão do
que ocupava atualmente o espírito do amigo: era uma prova de misticismo.
Erwin era mais um renegado.

A passos lentos, dirigiu-se ao amigo, cujo sorriso resplan­decia de novo.

- Explica-me aquilo - intimou Friedrich.

- Não conhecias essa sentença?   indagou Erwin, ama­velmente, erguendo a
cabeça.

- Sim, claro que conheço! ~ uma sentença mística, puro gnosticismo! Talvez
tenha alguma poesia, não discuto. Mas o que eu desejo que me expliques é por
que a tens pendurada na parede.

- Com todo o prazer - replicou Erwin. - Essa sentença é uma espécie de
introdução à nova epistemologia, a cujo estudo me dedico atualmente e à qual
devo algumas felizes realizações.

Friedrich mal podia esconder seu desgosto.

- Dizes que é então uma nova ciência do conhecimento? E acaso isso existe?
Que nome tem?

- Oh, na verdade, só é nova para mim. De um ponto de vista histórico, é uma
ciência bem antiga e respeitável, em­bora a conhecessem sob outro nome:
Magia.

A negregada palavra! Eis que ela fora pronunciada! Friedrich, profundamente
surpreendido, quase assustado, diante de uma confissão tão clara, via-se
frente a frente com seu inimigo supremo, na pessoa do amigo. Sentiu arrepios
e permaneceu calado. Não sabia se estava mais próximo da cólera ou se da
compaixão e das lágrimas. De qualquer modo, foi assaltado por uma terrível
sensação de perda irremediável. A amargura não o deixava encontrar palavras.
Depois, com uma ironia for­çada na voz, indagou:

- Abandonaste, então, a carreira de cientista para te tor­nares um... um
feiticeiro, é isso?

- Exatamente - retorquiu Erwin sem hesitai..

- Aprendiz de feiticeiro, eh?

- Correto.

Friedrich calou-se de novo, literalmente perplexo. Ouvia-se o tique-taque de
um relógio no quarto vizinho, tal o silêncio que reinava no gabinete.

- Sabes que, com isso, deixaste de ter qualquer coisa em comum com a
Ciência, que essa tua epistemologia não tem nenhuma relação com a verdadeira
teoria do conhecimento, enfim, que nenhuma seriedade pode haver num estudo
que se baseia em falsas premissas? E também deves saber, sem dúvida, que não
pode haver qualquer relação entre nós dois?

- Eu esperava que sim - respondeu Erwin. - Mas se co­locas as coisas nesse
plano... que posso eu fazer?

- O que podes fazer? - interrompeu Friedrich, quase gri­tando. - Não sabes o
que podes fazer? Acabar com essa brincadeira de mau gosto, com essa triste
crença em artes sobrenaturais, indigna de um homem de saber! Romper
com­pletamente e para sempre com tudo isso! É tudo o que te resta a fazer,
se acaso queres conservar a minha amizade e o meu respeito.

Erwin sorria, embora já não parecesse tão jovial quanto antes.

- Falas assim - disse ele em tom baixo, de maneira que a voz irritada de
Friedrich ainda parecia ressoar no gabinete - falas assim como se tudo
dependesse da minha vontade, como se estivesse em meu arbítrio escolher um
ou outro rumo, Friedrich. Mas não e assim. Não me compete optar. Não fui eu
que escolhi a magia. Foi ela que me escolheu. Friedrich soltou um profundo
suspiro.

- Então passa bem. - E levantou-se, sem estender a mão ao amigo.

- Assim não! - exclamou Erwin, agora mais agitado. - Não, assim não quero
que me deixes. Imagina que um de nós estivesse moribundo. Seria assim...
seria desta maneira que nos despediríamos?

- Qual de nós, Erwin, é o moribundo?

- Creio ser eu, Friedrich. Quem quer renascer deve estar disposto a morrer
primeiro.

Friedrich acercou-se novamente da folhinha na parede e releu a sentença
sobre o que está dentro e fora.

- Bom - disse ele, por fim. - Tens razão, nada adianta separarmo-nos
zangados. Seja como tu dizes e vamos supor que um de nós está moribundo. Eu
também poderia ser o moribundo. Porém, antes de partir, quero fazer-te um
pedido.

- Isso me agrada ouvir - disse Erwin. - Que poderei fazer por ti, como
despedida?

- Vou repetir a minha pergunta inicial, que foi ao mesmo tempo uma
intimação: explica-me essa sentença e trata de fazê­-lo o melhor que
possas - disse Friedrich, apontando para a folhinha.

Erwin refletiu por momentos e disse:

- Nada está fora, nada está dentro. O significado teoló­gico tu o conheces
tão bem quanto eu. Deus está em toda a parte. Ele está nos espíritos e na
natureza. Tudo é divino porque Deus está em tudo e para Ele não existe fora
nem dentro. Está identificado com todas as coisas. A isso chama­vam outrora
Panteísmo. Vamos agora ao conceito filosófico: a separação de dentro e fora
é um hábito mental mas não é forçosamente necessária. Existe para o nosso
espírito a possi­bilidade de transcender as fronteiras que lhe foram
traçadas e atingir o Além. E é para além dos limites do nosso mundo e da sua
estrutura de pares opostos e antagônicos, como o Bem e o Mal, o Belo e o
Feio e tantos outros, que se abrem novos e diversos conhecimentos. Ah, meu
caro amigo, devo te confessar: desde que se operou essa mudança em meu
pen­samento, nunca mais houve para mim palavras e frases, enun­ciados e
sentenças de um só sentido, senão que cada palavra, cada frase, passou a
revestir-se de dezenas, centenas de signi­ficados. E é nesse ponto que
começa aquilo que tu mais temes e detestas: a Magia.

Friedrich franziu o cenho e quis interrompê-lo mas Erwin olhou-o,
tranquilizador, e prosseguiu:

- Permiti-me que te dê um exemplo. Leva daqui uma coisa que me pertence,
algum objeto e, de vez em quando, observa-o. Verificarás que, ao
contemplá-lo, o objeto em si, com suas características próprias e limitadas,
suscitará no teu Intimo muitos outros significados, por exemplo, a nossa
antiga amizade, este encontro e uma infinidade de outros pensamentos que
nada têm a ver com esse insignificante objeto.

Erwin olhou ao seu redor, levantou-se e retirou de uma prateleira uma
estatueta de porcelana vidrada, entregando-a a Friedrich. E então disse:

- Aceita isto como presente de despedida. Quando este objeto, que ora
entrego em tuas mãos, estiver dentro e fora de ti, volta a visitar-me.
Porém, se continuar sempre fora de ti, como está agora, isso significará que
a nossa despedida de hoje foi para sempre!

Friedrich ainda tentou dizer alguma coisa mas Erwin já lhe estendia a mão,
apertando-a e dizendo "adeus" com uma expressão que não dava lugar a mais
palavras.

Friedrich desceu a escada (há quanto tempo subira ele aquela escada?),
caminhou vagarosamente rumo a casa, a pe­quena estatueta apertada na mão,
perplexo e, muito no seu íntimo, desolado. Parou diante da porta, sacudiu
por instantes o punho onde se encontrava a estatueta e, irritado, sentiu
von­tade de espatifar no chão aquela coisa ridícula. Não o fez e, mordendo
os lábios, entrou em casa. Nunca se sentira tão con­turbado, tão atormentado
por sentimentos contraditórios.

Procurou um lugar onde pôr a estatueta do amigo e co­locou-a na última
prateleira de uma estante de livros. Ali ficaria por enquanto.

Durante o dia, Friedrich olhava uma vez ou outra para a estatueta, meditando
sobre sua procedência e sobre o signifi­cado que tão inofensivo objeto
poderia ter em sua vida. Era uma pequena imagem humana, de um deus ou ídolo
antigo, não muito humana, de fato, pois tinha dois rostos, como o deus
romano Janus, Era de porcelana grosseira e muito mal-acabada. O seu vidrado
tinha rachado, talvez por excesso de calor. Certamente não era um trabalho
saído das mãos dos artífices gregos ou romanos. Mais parecia ter sido
moldada por algum povo primitivo da África ou das ilhas do Pacífico. Sobre
as duas faces, que eram réplica uma da outra, esboçava-se um sorriso
apático, inerte e descorado: era até chocante como o pequeno duende podia
desperdiçar seu tempo com um sorriso tão tolo.

Friedrich não conseguia habituar-se àquela imagem. Era-lhe inteiramente
repugnante, desagradável, embaraçava-o, in­comodava-o. Tirou-a da estante e
colocou-a sobre a estufa. Dias depois, retirou-a da estufa e levou-a para o
armário. Mas a estatueta de duas caras constantemente lhe surgia diante dos
olhos, sorrindo-lhe fria e estupidamente, impunha-se-lhe à vista, exigia
atenção. Duas ou três semanas depois, Friedrich retirou-a de seu gabinete e
colocou-a na ante-sala, entre algumas fotos da Itália e diversas recordações
que de lá trouxera, mas tão insignificantes que ninguém olhava para elas.
Agora, pelo menos, Friedrich só veria o ídolo primitivo nos momentos em que
saía ou entrava em casa, passando rapidamente por ele e sem sequer o olhar
de perto. Mas a verdade é que, mesmo sem querer admiti-lo, a estatueta
também ali o incomodava.

Como esse mostrengo de duas caras, esse pedaço de barro mal-acabado, tinha
penetrado em sua vida e o atormentava!

Meses depois, Friedrich regressou de uma curta viagem - de vez em quando,
empreendia essas excursões como se algo o impelisse a fazê-lo, movido por
uma súbita intranqüilidade   entrou em casa, passou pela ante-sala, foi
saudado pela sua governanta e leu a correspondência que o aguardava. Estava,
porém, inquieto e distraído, como se tivesse esquecido algo importante;
nenhum livro lhe apetecia ler, em nenhuma cadeira se sentia confortável.
Decidiu examinar seus próprios sentimentos: o que lhe estava acontecendo, de
repente? Teria esquecido alguma coisa importante? Sofrera algum
contra­tempo? Comera algo prejudicial? Tentava lembrar-se. Refle­tia e
procurava concluir se essa incômoda sensação o acometera antes de entrar em
casa, ou depois, na ante-sala, ou... Teve um brusco sobressalto e correu
para a ante-sala, procurando instintivamente com o olhar a estatueta de
porcelana.

Uma estranha sensação lhe percorreu o corpo quando não viu em seu lugar o
ídolo de duas caras. Como poderia ter desaparecido? Teria fugido em suas
pequenas pernas de barro? Voado? Algum estranho feitiço o chamara para as
longínquas paragens donde viera?

Friedrich reagiu, sacudindo a cabeça e repreendendo-se, sorridente, pelo
despropósito de sua angústia. Deveria, em pri­meiro lugar, descobrir a
estatueta em algum outro ponto, pro­curando-a calmamente na casa. Talvez,
distraído, a tivesse mudado de lugar. Depois, não a encontrando, chamou a
gover­nanta. Embaraçada, confessou que aquela estatueta lhe escor­regara das
mãos, quando arrumava a ante-sala.

- E onde está?

- Não existe mais. Tive-a várias vezes na mão, parecia-me uma coisa tão
forte e resistente. Mas ao cair desfez-se em mil pedaços. Ficou
irrecuperável, doutor. Joguei-a no lixo.

Friedrich mandou a governanta retirar-se. Sorriu. Não ficara contrariado.
Por Deus, que não sentia pena alguma pela perda do feio manipanso. Estava
livre dele. Agora teria sos­sego. Era o que deveria ter feito logo no
primeiro dia: espa­tifado aquela coisa em mil pedaços! Agora se apercebia do
que sofrera todo esse tempo! Como o ídolo lhe sorria com sua dupla cara
indolente, maliciosa, velhaca, diabólica! Já que a estatueta não mais
existia, podia confessar: sim, ele temia, sinceramente temia aquele pedaço
de barro cozido. Não era, afinal, um símbolo de tudo o que para Friedrich
era hostil e insuportável, tudo o que ele tinha na conta de pernicioso,
degradante e a ser implacavelmente combatido superstição, obscurantismo,
forças inimigas da clareza de consciência e de espírito? Não representava
aquela brutal força telúrica, aquele distante terremoto que ameaçava, por
vezes, destruir a verda­deira cultura sob um caos de trevas? Aquela mísera
imagem não lhe roubara o seu melhor amigo - não só o roubara como o
convertera em adversário? Bom, a coisa tinha desaparecido. Quebrada. Morta.
Era bom assim, muito melhor do que se ele próprio a tivesse quebrado.

Friedrich continuou dedicado a seus estudos e tarefas.

Mas parecia uma maldição. Agora, quando já se habituara mais ou menos à
presença da ridícula estatueta e a vê-la no seu lugar da ante-sala; quando,
com o decorrer do tempo, já se lhe tornara familiar e indiferente...
começava a sentir sua falta! Sim, sentia falta dela. Toda a vez que passava
pela ante-sala e via o lugar vazio que a estatueta costumava ocupar, uma
estranha angústia se apossava de Friedrich. O vazio ampliava-se em toda a
ante-sala, penetrava no seu gabinete de estudo, nos quartos, um vazio
estranho e cruel por toda a casa, como a súbita ausência fria de um parente
muito querido.

Dias horríveis e piores noites vieram torturar Friedrich. A falta do ídolo
de duas caras obcecava-o e dominava seus pen­samentos. Já não era apenas
quando passava pela ante-sala e via o lugar vazio, oh não, Fiedrich
sentia-se impelido a pensar nele a qualquer momento, desalojando de seu
espírito tudo o mais. Era como se a própria estatueta tivesse fisicamente se
instalado em sua mente e, de modo implacável, fosse roendo, devorando. tudo
o mais que lá dentro encontrara, gerando em seu íntimo um vazio semelhante
ao que criara no resto da casa.

Como se quisesse convencer-se do absurdo que era lamen­tar a perda do
insignificante objeto, recordava-o mentalmente em todos os seus pormenores.
Revia-o em toda sua tosca feal­dade, com seu sorriso velhaco e... sim,
chegava mesmo a tentar, com a boca torcida, imitar aquele sorriso!
Assediava-o a pergunta: as duas caras seriam realmente iguais? Uma delas,
talvez  a causa de uma pequena rachadura no vidrado, não teria uma expressão
ligeiramente diferente da outra? Uma expressão algo interrogativa? Como o
sorriso da Esfinge? Ah, e como era pavorosa a cor da pintura! Era verde...
não, tam­bém tinha azul. Ou era cinza? Tinha a certeza de que tam­bém havia
um pouco de vermelho. Era um vidrado que Frie­drich encontrava agora em
muitos outros objetos: via-o no faiscar de um raio de sol, batendo na
vidraça de uma janela, nos reflexos da chuva que batia nas pedras da
calçada...

Sobre o vidrado da estatueta também pensara muito du­rante a noite. Dava-se
conta de que "vidrado" era uma palavra esquisita, desagradável, falsa,
petulante. Analisava-a, decom­punha-a com raiva, soletrava-a furioso. Só o
diabo saberia dizer a que soava, de fato, essa palavra ruim, cheia de duplos
sentidos. Finalmente, lembrou-se de ter lido há muitos anos, durante uma
viagem, um livro que simultaneamente o espan­tara, torturara e, de modo
secreto o fascinara. Chamava-se A Princesa Vidrada. Era uma verdadeira
maldição! Tudo o que se relacionava com a estatueta - a cor, o vidrado, o
sor­riso - significava hostilidade, veneno, feitiço. A Princesa tam­bém fora
transformada por um inimigo que escondera sua maldade sob o artifício de um
sorriso. E recordou então o estranho sorriso do seu ex-amigo Erwin, quando
lhe entregou a estatueta! Tão estranho, tão veladamente hostil.

Friedrich lutava corajosa e virilmente contra essa obsessão que lhe
torturava o espírito e não se pode dizer que era mal sucedido em sua
batalha. Pressentia nitidamente o perigo e não queria enlouquecer. Preferia
mil vezes morrer. A luci­dez mental era imprescindível, a vida não. E
admitiu que talvez isso fosse o resultado de uma obra de magia, que Erwin,
com a ajuda dessa estatueta, o tivesse enfeitiçado de algum modo - fazendo
com que ele, o defensor implacável da inte­ligência esclarecida e da
ciência, caísse em poder dessas forças ocultas. Mas... se isso fosse
verdade, se ele era capaz de admitir essa possibilidade... então existia,
sim, então a magia era uma realidade! Não, era preferível morrer a admitir
seme­lhante coisa!

Um médico receitou-lhe passeios e abluções. À noite, procurou algumas vezes
distrair-se nas tavernas movimentadas. Mas pouco adiantava. Amaldiçoou Erwin
e amaldiçoou-se a si próprio.

Certa noite, estava ele deitado em sua cama e, como ocorria com freqüência
nessa época, desperto antes do tempo, sem conseguir conciliar de novo o
sono. Sentia-se indisposto e assustado. Perdera a antiga confiança nos
poderes absolutos de sua inteligência. Queria raciocinar, procurar conforto
em algu­mas frases lúcidas, tranqüilizantes, algo como "dois e dois são
quatro". Mas nada lhe acudia à mente, ficava balbuciando frases indistintas
e confusas, articulando palavras sem sentido exato. Por vezes, seus lábios
moviam-se instintivamente para proferir aquela frase que vira escrita
algures, que já tivera diante dos olhos, não sabia bem onde. E balbuciava-a
entre dentes, como se quisesse narcotizar-se, como se tentasse voltar do
caminho estreito à beira de um abismo insondável para as delícias do sono
perdido.

De súbito, ao falar mais alto, as palavras apenas balbu­ciadas penetraram,
de chofre, em seu consciente. Friedrich as conhecia agora. Ouvira-as
nitidamente. Sua própria voz cla­mava: "Sim, agora estás dentro de mim!"
Compreendeu ime­diatamente o que isso significava. Sabia que essas palavras
se referiam à estatueta de porcelana e que, nessa hora da noite, com um
rigor implacável, a profecia de Erwin estava se cum­prindo: aquela figura
grotesca que ele tivera em suas mãos e olhara com desprezo, já não estava
mais fora dele, estava den­tro! "Pois o que está fora, está dentro."

Levantou-se de um salto, como se gelo e fogo percorressem seu corpo a um só
tempo. O mundo girava vertiginosamente à sua volta. Friedrich vestiu-se às
pressas, saiu de casa e correu, envolto pela noite da cidade adormecida, à
casa de Erwin. Viu luz acesa no conhecido gabinete de estudos do velho
amigo. O portão estava aberto. Tudo parecia indicar que era esperado.
Trêmulo, empurrou a porta do gabinete de Erwin e apoiou-se, quase
desfalecido, na escrivaninha. Com o rosto iluminado pela suave luz do
abajur, Erwin sorria. Le­vantou-se de sua poltrona e, afavelmente, disse:

- Então vieste. Sim, foi bom que viesses.

- Tu... estavas à minha espera? - murmurou Friedrich.

- Espero-te, como sabes, desde o instante em que saíste de minha casa,
levando o meu pequeno presente. Aconteceu, por acaso, aquilo que te disse
aquela vez?

- Aconteceu - sussurrou Friedrich. - O teu ídolo está agora dentro de mim.
Não o suporto mais.

- Posso ajudar-te? - indagou Erwin.

- Não sei, não sei. Faz o que quiseres. Fala-me de tua ma­gia. Explica-me
como o ídolo poderá sair novamente de mim.

Erwin colocou a mão no ombro do amigo. Levou-o até uma poltrona e convidou-o
a sentar-se. Depois, dirigiu-se cari­nhosamente a Friedrich, num tom quase
paternal.

- O ídolo sairá novamente de ti. Confia em mim. Confia sobretudo em ti
mesmo. Com ele aprendeste a crer. Agora terás de aprender a amá-lo. Sim, ele
está dentro de ti mas já sabes que não morreu. Por enquanto, tampouco é algo
com vida. Circula em ti como um espectro, um fantasma sem vida própria.
Acorda-o, fala com ele, indaga-o, insufla-lhe vida. Friedrich, ele é tu
mesmo! Não o odeies, não o temas, não o tortures... como tens torturado
aquele pobre ídolo que és tu! Meu pobre amigo, como te amarguraste a ti
próprio!

- É esse o caminho da magia? - perguntou Friedrich, afundado na poltrona, a
expressão envelhecida. Sua voz era suave.

- Esse é o caminho - respondeu Erwin. - E o passo mais difícil já deste.
Poderás negar a tua própria experiência? Que o fora pode tornar-se dentro?
Tens vivido além das fron­teiras dos pares opostos. Pareceu-te um inferno?
Pois acredita, amigo, que é o céu. ~ o céu que te espera. E que nome se
poderá dar, se não o de magia, a algo que troca o fora por dentro, não por
coação, não com sofrimento, como até agora aconteceu contigo, mas
livremente, por uma imposição da nossa própria vontade? Assim poderás
invocar o teu passado e o teu futuro, pois ambos se encontram dentro de ti.
Até hoje, Friedrich, tens sido escravo do teu íntimo. Aprende a ser o seu
senhor. Isso é magia!

 "O Livro das Fábulas"  Hermann Hesse, Civilização Brasileira,  1977.

DIES NATALIS SOLIS INVICTI



As escolas e as igrejas ensinam que o sentido do Natal é o nascimento de Cristo e o nascimento de Jesus passou a ser associado a data de 25 de dezembro por razões políticas.

O imperador romano Constantino procurou resgatar a unidade religiosa do povo que governava. Ele aproveitou a difusão do Cristianismo para controlar o império.

Foi Constantino quem estabeleceu os costumes e rituais da Igreja Católica Romana, criada no Concílio de Nicéia em 325 d.C., passando o dia de celebração do sábado (shabat) o sétimo dia, para o domingo (o primeiro dia) e “criando” o Natal cristão. Além disso, a Igreja Romana assimilou muitos costumes de outros povos que o império dominava e que associavam esta data com outros eventos populares, todos comemorados em 25 de dezembro:

Dies Natalis Solis Invicti (Aniversário do Sol Invencível) é um feriado do solstício de inverno celebrado em 25 de dezembro, em dedicação ao Rei Hélios . É um dia de festa observado como o momento em que o sol se renova, o inverno frio é derrotado e o sol renasce mais uma vez. O imperador Juliano vincula a celebração como algo baseado nas práticas do imperador Numa Pompilius. 

Uma celebração pagã do deus Mithra também ocorre no mesmo dia.

Também no mesmo dia o nascimento de Krishna, da Índia, do ventre de uma virgem de nome Devaki.

O Sol aparece na figura do deus Hórus, que nasceu da virgem Isis.

Em 440 d.C. o Natal foi “fixado, a fim de cristianizar grandes festas pagãs realizadas neste dia.”

Sugestão de leitura sobre o tema: Livro “Documentos da Igreja Cristã” de Henry Bettenson.

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O IRMÃO COPO D’ÁGUA OU IRMÃO ÁGAPE - Almir Sant’Anna Cruz



O IRMÃO COPO D’ÁGUA OU IRMÃO ÁGAPE (em alguns estados depois das sessões o encontro é chamado de Copo D’Água ou Ágape)

O Irmão Copo D’Água é aquele que comparece às sessões ou participa de Grupos de Maçons em plataformas de mídias sociais minimamente interessados em assuntos exclusivamente maçônicos. Seus interesses são outros.

São Irmãos muito sociáveis, bem humorados, com forte espírito fraternal, que a todos fazem questão de cumprimentar.

Durante as sessões entram mudos e saem calados, não participando das discussões dos assuntos apresentados, muitas vezes de olhos fechados como se estivessem meditando e a todo instante consultando o relógio, cronometrando as falas dos demais irmãos e torcendo para que a sessão termine logo. 

Sem contar que outros irmãos para ir a sessão não deu tempo para chegar no horário, mais para o Copo D’Água sim pois chega e toma conta do espaço e já toma todas até o irmão saírem do templo.

Ah, mas ao término da sessão, chega o que mais lhe interessa: o denominado “copo d’água, ágape ou segunda sessão”. 

Aí ele extravasa todo o seu bom humor, conta piadas, critica os irmãos ausentes do fraternal convívio durante a segunda sessão e eventualmente os temas tratados na “demorada” sessão ritualística. 

E não se importa do “copo d’água” varar a noite.

MAÇONARIA: RACIONAL OU ESPIRITUAL? - Paulo André


Um professor pediu a seus alunos que escrevessem um trabalho sobre o Cristianismo, o aluno 1, fez um histórico sobre o surgimento da igreja católica, sua história suas brigas políticas internas e externas, o surgimento do protestantismo, enfim, um relato até os dias de hoje

O aluno 2, fez uma descrição espiritual do Cristianismo, como uma doutrina que visa transformar o homem, para que este alcance uma vida melhor pela eternidade

Quem está certo?

O Cristianismo é algo inefável, uma crença baseada nos ensinamentos de Jesus, as igrejas são instituições terrenas, que trabalham (ou deveriam) para que a parte espiritual possa se manifestar, portanto os dois alunos estão certos.

Falar apenas da parte histórica, seria criar um Cristianismo sem o Cristo

O que é a Maçonaria?

Algo inefável, espiritual situada num plano que a mente humana é incapaz de conceber

As diferentes potências, são instituições terrenas, que trabalham (ou deveriam) para que a verdadeira Maçonaria possa se manifestar

Sim, nossa base, é a crença, em Deus (como ele é você é livre para escolher), mas acreditamos em algo além da matéria, portanto algo espiritual, e nossa Ordem Terrena tem como missão preparar o seu membro para a Ordem Espiritual

Racional ou Espiritual?

Fazer essa pergunta, é o mesmo que afirmar que Deus é algo irracional

Para mim, ele é a coisa mais lógica que existe, portanto as duas afirmações estão corretas

A chave aqui é que buscamos a espiritualidade de uma forma racional!

Isso não invalida as religiões, pode invalidar uma minoria de religiosos, o que é outra coisa

Agora como buscar Deus de forma racional, como colocar inteligência na Fé, como conciliar duas coisas que parecem tão diferentes?

É a missão dos Graus Filosóficos, se você ainda não entrou..........

Nós estamos te esperando


dezembro 28, 2023

HISTÓRIA NATURAL DOS ARQUÉTIPOS - NoKhooja

 





O ser humano é um animal visual. Sua realidade é moldada em termos de cenários e imagens, formas e contrastes, que posteriormente são preenchidos de significados e interpretações. Assim adquirimos conhecimento. A sua capacidade de gerar imagens internas, seja na fantasia ou no sonho, seja na profissão ou lazer, na ciência ou arte, na religião ou no entretenimento, tudo ao seu redor é composto de imagens, formas, luzes e cores, constituindo um universo onde infinitas possibilidades apresentam-se à nossa frente em desdobramentos e sequências inimagináveis.

Mas o que são essas imagens, como nos afetam, como podemos compreendê-las melhor?

Para podermos entender um pouco sobre como nascem as imagens e como elas nos influenciam, temos de recordar que cerca de 75% da quantidade de informação que ingressa a cada instante dentro de nosso cérebro é de natureza puramente visual, ou seja, cerca de três quartas partes das informações que irão ser processadas, interpretadas, respondidas e armazenadas na forma de memória dentro de nós será de cunho eminentemente visual, exigindo respostas, reações e planejamentos que também terão de acontecer dentro de um cenário visual. O nosso cérebro produz uma representação visual da realidade que nos cerca, que depois é 'enriquecida' por elementos auditivos, táteis, olfativos, psicológicos, emocionais, etc., gerando aquilo que denominamos de realidade. Devemos levar em consideração, portanto, que essa realidade é uma construção individual, uma opinião que emitimos sobre um determinado momento em que experienciamos o universo de informações que nos rodeia e , apoiados em memórias de experiências anteriores e também sobre o nosso estado psicológico, criamos essa 'realidade' que é de cunho extremamente subjetivo. Uma vez que a quase totalidade de indivíduos normais apresentam treinamentos cerebrais semelhantes, essa 'realidade', embora tenha sempre o caráter subjetivo, irá coincidir em muitos pontos com a de outras pessoas, e assim se cria a ilusão de que o que 'vemos' é 'real'.

Nada mais longe da verdade! A ciência nos diz que a realidade objetiva que está 'lá fora' constitui-se de turbilhões de focos de energia interagindo entre si numa dança louca e mutável o tempo todo e emitindo ondas de energias em todas as direções, ondas essas que são captadas pelos nossos órgãos dos sentidos e interpretadas de forma ordeira e simplificada, para formar o cenário que chamamos de 'nossa realidade'.

Podemos assim considerar que poderão existir elementos presentes no cenário que sequer são captados ou representados dentro deste nosso modelo, da mesma maneira, poderemos impor formas e imagens nesse modelo, criados por uma decisão interna, poderemos compartilhar de imagens produzidas por pessoas mortas a séculos atrás, mas, ainda assim, farão parte de nossa realidade consensual. Podemos tomar como exemplo o modelo de 'Romeu e Julieta' criado por Shakespeare, que embora totalmente inventado, acabou sendo incorporado ao imaginário de pessoas e nações, influenciando costumes e comportamentos.

Uma outra maneira que as imagens nos afetam é através da propaganda, da ilusão de que podemos sempre participar de qualquer cenário que esteja se desenvolvendo à nossa frente. Essa capacidade de nos envolvermos visualmente com algo que está ocorrendo é chamada de identificação e serve de base tanto para as propagandas induzirem a compra de mais sapatos, até aumentar as chances de se obter uma experiência mística, passando pelas seduções quase hipnóticas do cinema e da televisão. Assim, as imagens nos afetam direta ou indiretamente, estejamos conscientes ou não de seu efeito.

Entretanto, sabemos também que as imagens não representam apenas cenários simples dentro dos quais nos movemos conscientes ou não, sem perceber como é que tais imagens e cenários nos afetam. Uma sabedoria antiga nos ensina que essas imagens, na realidade são uma representação simples e ordinária de forças ou energias da natureza, que estão em constante mutação e nos afetando a cada instante. Tais conglomerados de forças ou energias, de diferentes níveis de atuação ou intensidade recebem o nome de Arquétipos dentro de uma terminologia que necessita ser clarificada.

No conceito das filosofias antigas, o Arquétipo era visto como a expressão, a forma de comunicação de algo vivo e consciente, situado numa dimensão externa à humana, embora mantendo relações com ela, expressando-se através de sinais, sonhos, eventos estranhos, visões, milagres, etc., ou seja, em tudo aquilo que está localizado 'ligeiramente fora' daquilo que consideraríamos como normal. O Arquétipo era uma ideia, um deus lendário, uma força da natureza, um conceito, uma imagem, etc., capaz de estabelecer uma ponte entre o ser humano e aquela consciência extra-humana que sempre existiu à nossa volta e, desta maneira, era capaz de ampliar a capacidade humana de representar a realidade. Com os Arquétipos o ser humano possuía os instrumentos para explorar uma dimensão da realidade que não estava à disposição dos órgãos dos sentidos.

O conceito de Mundo das Ideias de Platão nos ensina que acima da realidade do ser humano usual, encontra-se uma outra realidade, povoada de ideias e imagens, que podia ser acessada através das habilidades mentais e visuais. Essa realidade representaria uma realidade mais rica e mais sublime que a nossa, que seria um mero reflexo e limitação daquela realidade maior, sendo que o ser humano capaz de pensar de maneira criativa seria o intermediário entre essas duas dimensões. Dentro dessa perspectiva os Deuses, as Forças da Natureza e Elementais, a própria Magia e os Anjos teriam uma existência real, arquetípica, que se expressaria na forma de imagens, intuições, atuações, sonhos e outros eventos 'estranhos' da nossa vida.

Nos dias atuais, este conceito foi limitado a uma visão psicológica a partir dos ensinamentos de C. G. Jung, que via nos Arquétipos elementos de energia psicológica profunda, de ordem pessoal ou coletiva, capazes de atuar sobre ou mesmo modificar certos comportamentos, induzir tendências ou expressar desejos de uma 'alma coletiva'. Não querendo deixar isto de lado, seria, entretanto, interessante tentar uma classificação destes elementos, de forma a podermos identificar a sua ação em cada uma das esferas de nossa atividade.

Dentro do campo de consciência do ser humano normal, podemos identificar três dimensões distintas dessa consciência: um estado de consciência onde estamos mais voltados aos fenômenos de nosso mundo interno, denominado de inconsciente, que normalmente acessamos através do sono ou de fantasias; um estado dito de consciência ordinária onde desenvolvemos nossas atividades rotineiras, quando estamos preocupados com a nossa relação com a realidade de consenso e finalmente, um estado de superconsciência, onde nos sentimos realmente vivos, entusiasmados, criativos, inspirados, quando sentimos que estamos agora alcançando os nossos limites e explorando as nossas reais potencialidades, quando sentimos que podemos ultrapassar os limites da realidade de consenso.

Cada um destes campos de consciência gera uma 'realidade' própria, povoada de imagens, memórias, experiências e obedecendo a um conjunto de leis e limites próprios. O inconsciente, por ser o mais interno de todos, fica limitado pelos medos e inseguranças pessoais; o consciente, limitado pelos limites e dificuldades das relações do dia a dia e o superconsciente, pelo temor e ignorância do desconhecido.

Da mesma maneira que cada nível de consciência apresenta seus conteúdos específicos, irá também apresentar imagens e símbolos que representam a maneira pela qual este campo de consciência está se comunicando com os Arquétipos. Podemos assim identificar três tipos de arquétipos.

1) Os Arqueótipos seriam as imagens, experiências, intuições e todos os processos ligados às memórias pessoais e coletivas, ligados à história da humanidade e a forma pela qual fomos sensibilizados aos arqueótipos, pelos processos de educação e de manipulação emocional ao longo de nossa vida. Isto também inclui as imagens e representações de figuras históricas e/ou míticas que reconhecemos como fazendo parte de nossa cultura, assim como dos elementos mágico/religiosos que fazem parte de nossas fantasias e expectativas. Representam antigas forças que ainda vivem e atuam no nível inconsciente e que, na maioria das vezes, sequer são reconhecidas, embora tenham o costume de se expressar de forma simbólica ou mítica. As mitologias Greco-Romana, as figuras religiosas Judaico-Cristãs, os Heróis, assim como as figuras de Pai, Mãe, Sábio, etc. , são as imagens que definem os nossos contatos inconscientes com esses Arquétipos.

A figura da mãe, toda amorosa, do pai protetor, do sábio paciente, de Júpiter triunfante, de Cristo Misericordioso, etc., representam imagens ou contatos inconscientes que esses elementos vivos e conscientes fazem uso para se comunicarem conosco e, com isto, estabelecer uma relação que devidamente trabalhada, poderá resultar em benefício mútuo. Se nos deixamos envolver por uma imagem qualquer ou seduzir por algum conjunto de valores ou comportamentos sugeridos por essas imagens, estamos sendo 'possuídos' por esse Arquétipo e com isso permitimos que este se avolume em importância na realidade que compartilhamos, com uma consequente alienação da realidade de consenso, com fracassos, frustrações, falta de praticidade e competência, etc. Se pelo contrário, evitamos ou mesmo antagonizamos as suas intuições e solicitações, deixamos de lado a sabedoria acumulada que estes podem nos oferecer, então estamos abandonando uma fonte de experiências ricas e deixando de viver plenamente essa mesma realidade compartilhada. A chave do processo é o estabelecimento de uma relação respeitosa de ambas as partes: nem o Arquétipo deve ser considerado como algo 'divino' que deve ser obedecido às cegas, nem deve ser considerado como algo retrógrado ou mesmo insano, que deve ser extirpado a todo custo. Se a nossa mãe na vida real foi malvada, se o nosso pai foi violento, se o professor, incompetente, etc., ainda assim, esses arquétipos são capazes de, numa relação frutífera, despertar dentro de nós os valores de uma mãe amorosa, de um pai valente, de um professor cheio de paciência, etc., e com isso seremos capazes de incorporar tais elementos em nosso íntimo e expressá-los na vida diária e com os demais.

2) Os Estereótipos são as imagens e contatos que estabelecemos com os elementos que existem à nossa volta no decorrer da vida diária. São os modelos sociais que tentamos imitar por representarem aquilo a que a sociedade almeja como um todo. Podemos citar como exemplos: o homem de sucesso, rico, o atleta másculo e atraente, a mulher magra e bela, o cientista devotado, e muitas outras figuras. Essas figuras tendem a se relacionar através de nossas ambições e desejos profissionais e pessoais, impulsionando-nos em direção a novas áreas de estudo, trabalho e lazer. São os elementos que se situam na base da motivação de pessoas ou grupos e, quando se tornam o objetivo final em si, passam a 'possuir' as pessoas, sugando-lhes a vida, seu tempo e sua individualidade. São pessoas que ficam presas ao modelo, tentando nele se transformar e expressar as suas qualidades com o máximo de intensidade possível. Perdemos a nossa humanidade e espontaneidade. Quando acontece o contrário, e rejeitamos tais modelos, ficamos desmotivados, desanimados, temos 'azares incríveis', etc. Não conseguimos vencer, porque tudo dá errado e a sociedade está ficando 'maluca' atrás de um dinheiro que não nos interessa, ou não conseguimos obter suficientemente.

Os Estereótipos condicionam comportamentos, formas de falar, pensar e vestir, definem modas e tendências, criam e demolem projetos e negócios, definem relações e intimidades, pois são os mais evidentes e passíveis de comparações. Quando estamos 'possuídos' por um Estereótipo, ficamos presos aos seus valores e comandos, passamos apenas a pensar na forma mais eficiente e rápida de nos unirmos a ele e, finalmente, expressá-lo em sua totalidade. Com isso, estamos deixando de lado a nossa individualidade. Quando o negamos, estamos negando a sociedade e o outro, de certo modo nos tornando o juiz que irá condenar todos os demais, no caminho da solidão, fracasso e do desespero. O segredo aqui é descobrir que o Estereótipo nos mostra o caminho para obtermos aquilo que realmente desejamos como seres humanos de forma que este objetivo esteja em harmonia com os valores e modelos vigentes, de maneira que não tenhamos de entrar em conflito com os outros, nem que impor nossos Arqueótipos nem aceitar imposições com facilidade, ou seja, 'somos os donos de nossos narizes' e por isso somos respeitados.

3) Os Arquétipos são as imagens e impulsos que representam o nosso contato com as realidades transcendentes do nosso ser. Cada um de nós almeja ser um homem ou mulher melhor e mais perfeito, dotado de harmonia, paz e perfeição de pensamento, emoções e ações. É o nosso impulso em direção à divindade. Essa divindade por sua vez, é a experiência do Divino que acontece a cada momento dentro de nós e que, desafortunadamente, não deixamos transparecer e com frequência, reprimimos ou mesmo desconsideramos.

A nossa busca pela transcendência, por aquilo que é essencialmente o 'bem' não condicionado, a busca pela felicidade e contentamento, pela realização pessoal e social, tudo isso e muito mais representam os nossos contatos com os elementos característicos de níveis que somente contatamos através da supraconsciência. As imagens de santos, deuses, heróis, anjos, inteligências superiores agora reaparecem não mais na sua característica histórico mitológica, mas como elementos de experiências íntimas, carregados de significados, que nem sempre são de alegria ou de contentamento, mas frequentemente de questionamentos e insatisfação íntima, principalmente quando a 'nossa vida está indo muito bem'. Eles estão nos mostrando que alcançamos os limites de nosso crescimento e que agora devemos começar a investir numa outra forma de conhecimento e prática, o autoconhecimento que irá nos conduzir às dimensões da espiritualidade e transcendência. Rompemos a barreira das realidades consensuais e agora nos encaminhamos para uma outra dimensão, em busca de novos horizontes, realidades, experiências.

Quando nos deixamos possuir ou dominar por um modelo espiritual seja na forma de uma estória de Santo, Mártir ou figura religiosa ou mística, deixamos de lado a nossa individualidade e procuramos nos transformar numa caricatura deste ser e então teremos apenas uma caricatura das experiências que buscamos obter. O final é previsível, numa frustração e sofrimento sem fim, devido à excruciante certeza da nossa falência interna. Quando negamos essa tendência, impedindo com que os desejos de crescimento interno se exteriorizem, quando assumimos um número excessivo e frequentemente desnecessário de encargos profissionais/sociais, ou ficamos envolvidos nas solicitações dos Estereótipos em excesso, ou nos prendendo a elementos que negam o seu desenvolvimento, tal como estruturas religiosas, esotéricas, psicológicas que não são capazes de reconhecer e favorecer este tipo de transformação, temos o fanatismo e o embrutecimento da consciência, com a consequente parada de desenvolvimento dela. Então as imagens aparecem de forma ameaçadora e parecem indicar que estamos seguindo o caminho errado, poderão aparecer na forma de castigos, sofrimentos ou catástrofes iminentes, que nos ameaçam ou aos nossos entes queridos. Frequentemente essas experiências são interpretadas como de caráter demoníaco e raramente são explicadas pelo seu real caráter de aviso, de reorientação da trajetória do indivíduo.

Assim, para resumir, podemos dizer que a consciência humana pode ser vista como sendo um elemento vivo e atuante num contexto de realidade onde existem outras formas de consciência, onde as relações podem ser estabelecidas em diferentes níveis. No nível mais inferior e interiorizado, temos os Arqueótipos, que refletem o contato de nossa consciência com os elementos mais antigos e históricos da experiência pessoal e coletiva; a um nível mais rotineiro, temos os Estereótipos, que representam os elementos de uma 'interação' entre a consciência humana e formas de consciência que estão muito próximas do nosso dia a dia e que compartilham objetivos comuns de poder, influência, emocionalidade. Com os reais Arquétipos, temos acesso a conhecimentos e experiências de nível transcendente, que nos situam numa escala de evolução e destino de responsabilidade crescente e maiores graus de interações e experiências

REFLEXÕES SOBRE FRANCO-MAÇONARIA E RAZÃO - André Otávio Assis Muniz

 

QVAE VOLVMVS ET CREDIMVS LIBENTER”

(Acreditamos de bom grado em tudo o que queremos)

Muitos textos e muitas ideias sobre Maçonaria são produzidas neste início do século XXI. No Brasil temos abundância de literatura que versa sobre o tema. No entanto, sempre me questionei sobre a ausência de textos que confrontem a racionalidade e a lógica implacável da ciência com a temática maçônica.

São facilmente encontrados textos que relacionam Maçonaria a misticismo, astrologia, ocultismo e temas afins, mas, surpreendentemente, textos com tendência cética ou racionalista são praticamente inexistentes.

Não faço aqui a defesa dos céticos, da razão científica ou de coisa parecida. Simplesmente constato um fato: a maioria do que se produz sobre Maçonaria é reflexo de uma única tendência dentro da Ordem.

As ideias Iluministas, das quais a Maçonaria tanto se ufana, parecem ficar escondidas dentro de um armário invisível, do qual só se tiram pequenas citações ou vagas lembranças (quase sempre descontextualizadas), mas que, na prática, se tornam extremamente incômodas por questionarem algumas das mais queridas crenças de tantos maçons.

É curioso notar como pessoas que se dizem “livres-pensadores” podem agir na contramão absoluta de tudo aquilo que tal título invoca. Pode haver livre pensamento quando se teme a controvérsia?

Assim, ignorando tacitamente todas as luzes científicas, todo o método racional de trabalho, toda a lógica rigorosa do pensamento filosófico, vai se entrando em um tipo de sonolência perniciosa, uma indolência cheia de resquícios obscurantistas, superstições, crenças estúpidas e mentiras deslavadas cujo objetivo é agradar ao ego fascinado por lendas e por um mundo irreal, povoado de príncipes imortais, fadas, bruxos, magos, sábios da montanha e poderes inimagináveis que nos possibilitem fugir para bem longe de nossa realidade tão pouco confortável e interessante.

Desta forma, movidos pelo desejo de fabricar uma “realidade alternativa”, os livros maçônicos vão se povoando de “irmandades secretas”, cruzados dotados de poderes fabulosos, segredos terríveis, explicações mirabolantes (quando não absolutamente ridículas) sobre os símbolos operativos, iniciações nas pirâmides, conceitos astrológicos esdrúxulos, magia medieval e outras “pérolas” que não conseguem se sustentar perante a mais superficial análise lógica ou científica.

A Ciência Histórica é constantemente ignorada, adulterada ou inventada de forma discricionária e aleatória pelos profícuos escritores maçônicos. E quando alguém ousa lançar, em face de tais “sábios”, fatos e documentos que contestam e desmentem cabalmente o que sustentam, é como se lhes dessem uma bofetada, como se fosse uma gravíssima injúria a constatação de seu erro. Dá a impressão de que a verdade é a grande inimiga a quem devemos temer e de quem devemos correr céleres, antes que ela nos arranque do doce sono em que estamos mergulhados.

É curioso notar a fisionomia crispada de muitos quando questionamos algum de seus postulados. Em geral, quanto menos argumentos, mais fanática é a defesa dos dogmas em que se acredita (ou se finge acredita, por conveniência).
Por que é tão doloroso encarar a verdade? Por que nós fugimos tanto das evidências mais gritantes?

Reflitamos: a Maçonaria é uma instituição nascida, como hoje a conhecemos, no século XVIII (1717, para sermos exatos). Seus grandes objetivos são induzir o ser humano ao conhecimento, elevar a estatura moral e a dignidade da Humanidade como um todo, estimular o livre pensamento longe de coações, proclamar a fraternidade universal, favorecer o livre exame de todas as questões e finalmente, proporcionar de forma anônima o bem estar dos desvalidos e o auxílio aos necessitados, fazendo com que a Humanidade se aproxime cada vez mais dos ideais de Amor Universal.

Para atingir tais objetivos, a Maçonaria impõe um método que lhe é próprio, a saber, sua ritualística e sua simbologia.

Qualquer pessoa com o mínimo de noção em Psicologia e Antropologia sabe que o Símbolo é um fator poderosíssimo de influência moral, social e comportamental para todos nós. Ora, a vivência dos Símbolos se dá através dos ritos, da dramatização do mito que originou um ou outro símbolo e que, consequentemente, desperta em nós uma série de sentimentos, reflexões, desejos e condutas que seriam inatingíveis sem esta “linguagem muda” que provoca o que Claude Levy Strauss chama de “eficácia simbólica”. Tudo muito simples, muito claro.

Se quisermos estudar estas questões em profundidade, basta recorrer a bons livros de Antropologia (M. Eliade, C. L. Strauss, R. Girard, etc.), Psicologia (Jung, C. A. Méier, etc.) e outras ciências correlatas.

Se quisermos entender as origens históricas da instituição, devemos recorrer a bons livros de História, estudar as antigas corporações de Ofício, a simbologia Operativa, a História da Arquitetura. Devemos nos reportar ao estudo da filosofia medieval e ao pensamento Iluminista, contextualizando cada uma destas ciências em seu tempo, evitando cair na armadilha de “transplantar” estes conceitos para os dias de hoje sem antes purgá-los de todos os vícios e erros inerentes às limitações da época em que foram criados.

Tudo isso lhe parece óbvio? Pois a muitos isto beira à atrocidade, é uma heresia digna de expulsão de qualquer loja do globo terrestre.

Estes “muitos” querem que a Maçonaria seja uma religião, querem Bíblias, invocações a Deus (leia-se o Deus da Bíblia), querem faraós maçons, Pitágoras maçom, Jesus maçom. Querem explicações fabulosas, visões místicas, ocultismo, títulos gloriosos, templários realizando operações alquímicas sob a égide de Baphomet, paganismo, conceitos supersticiosos misturados com pseudofilosofia e religião mal digerida, tudo isso cozido num caldeirão alquímico chinês, temperado com muitas medalhas de latão, paramentos e pedaços de pizza com cerveja...
Assim, aquilo que se prestaria a elevar o Homem ruma à Ciência, ao Conhecimento e ao Progresso, acaba por se tornar uma desculpa esfarrapada para laurear a crendice, as tolices e a pseudociência com o “respaldo” de uma das mais belas instituições humanas, sujando-lhe o nome e ofuscando-lhe o brilho.

A busca sincera pelo conhecimento do que é real, daquilo que realmente pode ajudar à Humanidade, deveria ser o farol a guiar todos os maçons. Agradando-nos ou não, a Verdade será sempre a Verdade e é a ela que devemos buscar, mesmo com todas as nossas limitações e mesmo que a mentira pareça bem mais convidativa e lustrosa.

Uma das condições para que alguém seja feito maçom é ser livre. Será que diante de tudo isso podemos realmente nos dizer LIVRES?
Será que somos suficientemente livres para recebermos as instruções da Maçonaria?

“Não devemos acreditar nos muitos que dizem que só as pessoas livres devem ser educadas, deveríamos, antes, acreditar nos filósofos que dizem que apenas as pessoas educadas são livres”. (Epicteto, filósofo romano e ex-escravo).

A Franco-Maçonaria tem como um de seus mais elevados ideais o combate sem trégua à superstição e ao obscurantismo escravizante. Nosso país, o Brasil, é infelizmente considerado um dos mais supersticiosos do mundo. Grande parcela da população vive carregada de crendices, amuletos, ritos mágicos e idéias estranhas, herdadas da época colonial. As superstições tornam as pessoas escravas de ideias sem nenhum fundamento na realidade, ideias que, se submetidas ao crivo da razão, não passam de nuvens de fumaça.

A História da Humanidade tem demonstrado que em todos os tempos a superstição e o fanatismo são elementos extremamente deletérios para os povos que foram vitimados por eles. Muitas crenças religiosas, quando levadas de forma descontrolada, apresentam efeitos até piores do que os da simples superstição, pois conseguem escravizar muito mais vigorosamente com suas ideias de castigos terríveis e recompensas colossais.

Desgraçadamente, milhões de vidas já foram ceifadas graças a essas “nuvens de fumaça”, essas ilusões espirituais que, sem apresentar quaisquer provas, obrigam os homens a viverem reduzidos a meros autômatos, sem poder de raciocinar por si próprios, sem ação, congelados pelo medo do inferno e anestesiados pela esperança do céu.

Dentro da Franco Maçonaria o Rito Moderno, por ser um rito RACIONAL, ocupa a vanguarda do combate contra as crendices, superstições e fanatismo.
Seria absurdo que um Franco Maçom fosse supersticioso, ainda mais se tratando de um modernista.

O perfil do modernista é o de um Livre-Pensador, que examinando todas as coisas de forma cética, buscando a verdade acima de tudo, não se pronuncia sem ter todos os elementos necessários para formar um juízo que seja, ao menos, provável ou verossímil. Assim, o modernista não é uma “presa fácil” dos charlatões, médiuns, quiromantes, curandeiros, astrólogos, etc. Aliás, o verdadeiro modernista bota a correr toda essa gente, pois faz brilhar a Luz da Verdade, a Razão Pura que afugenta todos os oportunistas de plantão.

A palavra “cético” é muitas vezes vista com preconceito, como se fosse um adjetivo indesejável, quase um desacato. Muitos crédulos a usam nesse sentido. Nada mais distante da realidade! A Franco Maçonaria com seus símbolos e ritos, nos remete a um paradigma moral e nos obriga a refletir sobre a missão do Homem, enquanto membro de uma coletividade chamada Humanidade.

Uma vez interiorizados os símbolos maçônicos, teremos homens melhores, homens de bem, homens que conseguem enxergar muito mais além do que o vulgo profano, porém, não teremos místicos, mágicos, magos ou seres sobrenaturais...

No Rito Moderno isso é claríssimo, uma vez que não utilizamos nem sequer referências a ideias metafísicas ou religiosas, tão caras a outros ritos.
As lojas do Rito Moderno devem ser TRIBUNAS LIVRES DA RAZÃO, e não centros de exibicionismo vaidoso e de doutrinação pseudomística.

QUAL É O SEU NOME?




Quando Deus apareceu a Moisés na sarça ardente e encarregou-o com a missão de levar o Povo de Israel para fora do Egito, 
Moisés disse ao Todo-Poderoso:

“Veja, eu irei aos filhos de Israel e direi a eles: ‘O D'us de vossos pais enviou-me a vocês’, e eles dirão: ‘Qual é Seu nome?’. O quê direi a eles?”
D'us respondeu a 
Moisés: “Eu serei quem serei... diga aos filhos de Israel: ‘Eu Serei’ (Eh-he-yeh) enviou-me a vocês”.

Um Deus Anônimo?

Nomear algo é descrevê-lo e defini-lo. 

Portanto, Deus, que é infinito e indefinível, não pode ser nomeado. 
Assim, Deus não tem nome, somente nomes – descrições dos vários padrões de comportamento que podem ser relacionados à Sua influência em nossas vidas.

Nas palavras do Midrash:

“D'us disse a Moisés: Você quer saber meu nome? Eu sou chamado por Minhas ações. Eu posso ser chamado E-l Sha-daí ou Tzevakot ou Elohim ou Ha-Va-Ya-H. quando Eu julgo Minhas criaturas, Eu sou chamado Elohim. Quando travo guerra com os perversos, Eu sou chamado Tzevakot. Quando Eu tolero os pecados do homem, Eu sou chamado E-l Sha-daí. Quando Eu tenho compaixão por Meu mundo, Eu sou chamado Ha-Va-Ya-H..."

Nisto reside o profundo significado da pergunta que Moisés antecipou dos filhos de Israel. “Qual é Seu nome?”, que eles certamente perguntariam.

Que tipo de comportamento estamos vendo por parte de D'us nestes momentos?

 “Você diz que D'us já viu o sofrimento de Seu povo no Egito, já ouviu seus lamentos e conhece sua dor e, portanto, enviou-te para nos redimir. Onde estava Ele até agora? Onde estava Ele durante os oitenta e seis anos em que temos padecido sob o chicote dos capatazes, em que bebês têm sido arrancados dos braços de suas mães e jogados no Nilo, em que o Faraó tem se banhado no sangue das crianças hebraicas?” 
Que nome estará Ele agora assumindo, depois de oitenta e seis anos durante os quais Ele aparentemente estava sem nome e afastado de nossas vidas?

Divino, Mas Não Sagrado

Como dissemos, cada um dos nomes divinos descreve um dos atributos pelos quais D'us escolheu para se relacionar com Sua criação: Elohim descreve a concepção de D'us do atributo de Justiça: Ha-Va-Ya-H, Sua concepção de Compaixão; e assim por diante. 
Eh-he-yeh ("Eu Serei"), o nome pelo qual D'us identifica a Si próprio a 
Moisés, conota a concepção de D'us sobre Ser e Existir.

É por isto que existe alguma questão entre as autoridades haláchicas sobre se o nome Eh-he-yeh deve ser contado entre os sete nomes sagrados de D'us. 
A lei da Tora proíbe apagar ou desfigurar o nome de D'us, pois até mesmo a tinta e o papel (ou outro meio) assumem santidade em virtude de sua representação de algo relacionado ao Divino. 
Apesar de existirem vários nomes e adjetivos que descrevem o envolvimento multifacetado de D'us com Sua criação, há sete nomes divinos primários aos quais se aplicam os aspectos mais estritos desta lei. 
Apesar do fato de que muitos cabalistas consideram Ehheyeh como sendo o mais elevado dos nomes divinos, ele não está incluído em certas versões da lista dos sete nomes que aparecem no Talmud e nos trabalhos haláchicos; de fato, a conclusão haláchica é a de que ele não é um dos sete nomes sagrados.
O motivo para este paradoxo é mais bem entendido pela compreensão do significado do termo “santidade”. 

O quê torna algo “sagrado”?

Sagrado (kadosh em Hebraico) significa transcendental e separado. 
D'us é sagrado, pois Ele transcende nossa realidade terrena; Shabat é um dia sagrado, pois é um dia de separação da materialidade de nosso dia-a-dia; o Rolo da Torá ou um par de tefilin são sagrados pois são objetos que visivelmente transcendem seus estados materiais para servirem a um objetivo Divino.
O mesmo se aplica aos sete nomes divinos sagrados: cada um descreve uma atividade divina que vai além da norma mundana, uma intervenção divina na realidade – D'us como governante, D'us como juiz, D'us como provedor, D'us como salvador, etc. 
Por outro lado, Eh-he-yeh (“Eu sou”) é D'us existindo – D'us como essência da realidade. 
Assim, Eh-he-yeh está além da santidade. 
Se santidade é uma característica da transcendência de D'us, o início de D'us transcende à própria santidade, descrevendo uma dimensão de realidade divina que preenche toda existência mesmo ao transcendê-la, e, assim, se relaciona igualmente a todos eles, sagrados ou mundanos.
Todavia, Eh-he-yeh é um nome – isto é, um padrão de comportamento assumido – de D'us. 
O próprio fenômeno da “existência” é parte e parcela da criação de Deus, e Deus certamente não pode ser definido por algo que Ele criou. 
Finalmente, Deus pode ser descrito como um “ser” ou “existência” somente no sentido com que falamos d’Ele como um provedor ou governante: estes são mero nomes que descrevem não Sua essência, mas uma certa percepção que Ele nos permite ter d’Ele afetando nossa realidade de uma certa forma.

A Resposta

Esta foi a resposta de D'us ao clamor do povo ao perguntar “Qual é Seu nome?

“Diga aos filhos de Israel”, disse D'us a Moshé, “que Meu nome é Eh-he-yeh. Onde Eu estava todos estes anos? Com vocês. Eu sou o ’ser‘, Eu sou o ’existir‘, Eu sou a realidade. Eu estou no gemido do escravo espancado, no pranto da mãe enlutada, no sangue derramado de uma criança assassinada. Algumas coisas devem ser, não importa quão dolorosas e incompreensíveis aos seus ‘eus’ humanos, para que coisas maiores, coisas infinitamente grandes e felizes, possam ser. Mas, Eu não orquestro estas coisas de um longínquo céu, sagrado e removido de sua dor existencial. Eu estou aqui com vocês, sofrendo com vocês, pedindo pela redenção junto com vocês.”

Fonte: Baseado nos ensinamentos do Lubavitcher Rebbe