dezembro 31, 2023

TÊNUE AFASTAMENTO - Newton Agrella


Nada como se entregar ao anonimato e a uma  certa reclusão a cada espaço de tempo.

É preciso revisitar a própria consciência e nos dar conta que nada gira em torno de nós, V.'.I.'.T.'.R.'.I.'.O.'.L.'.

Somos apenas uma ínfima engrenagem deste complexo Universo que nos abraça e que nos faculta a chance de nos tornarmos um elemento agregador da humanidade.

Sair de cena tem um valor significativo, que pode nos remeter à real dimensão de nosso valor.

O tempo, queira ou não, é o agente responsável pelo protagonismo de cada um de nós.  

Ele é o cenário, o texto, o script, o palco e o diretor da peça que vamos interpretar.

A intensidade de nossa atuação corresponde ao nosso papel na vida.

Saber falar, mas principalmente saber ouvir, é o que realmente nos propicia obter as respostas à tudo aquilo que buscamos.

Falar demais impede-nos de escutar, aprender, aceitar, aquiescer  e refletir sobre cada circunstância com que nos deparamos.

Talvez seja a hora de nos entregarmos a um exercício de introspecção e reaguçar nossas percepções.

O silêncio e a quietude seguramente, por vezes, assumem o protagonismo da própria história de cada um, seja como for.

Afinal, o que de fato conta, é viver com todo um significado e não apenas existir como um reles número de registro cadastral.

Sejamos mais !

Sejamos vida que pulsa intensamente e uma sigificativa memória do que um dia 

dezembro 30, 2023

RUMO À ESTRADA REAL - Roberto Ribeiro Reis


Caminhando sem rumo e direção, o homem encontra-se perdido, desorientado e com a mente sendo alvejada por pensamentos de baixo padrão vibratório. Ele não sabe se dá ouvidos à mídia (tendenciosa) ou aos falsos profetas que têm viralizado nas mídias sociais.

Sua cabeça parece ferver ante o turbilhão de pensamentos negativos que lhe furtam a paz. Falta um norte, um guia, a indicação do caminho, ainda que esse caminho não lhe aponte um mar de facilidades, como ele muito almeja.

Quando tudo parece estar perdido, ele recebe um inesperado convite. Algo que, num primeiro momento, parece ser um chamado para que o irmão desconsolado possa participar de uma confraria, ou um clube de frivolidades. Quando as visitas começaram a chegar ao seio de seu lar – após o envio de uma documentação seriamente criteriosa- a ovelha desgarrada percebe se tratar de algo mais nobre, dada a forma cortês e fraterna com a qual se desenvolveram as conversas, nas três reuniões domésticas.

O tempo passa, e é chegado o dia do renascimento. Após experenciar viagens sublimes, dotadas de um simbolismo sui generis, o (agora) Irmão recebe aquilo que vem constatar ser o maior de todos os presentes recebidos em sua vida: a iniciação em nossa Excelsa Ordem. Um dia do qual ele jamais irá se esquecer, e pelo qual ele há de agradecer pelo resto de sua existência.

Extasiado pelo recebimento da luz e com o coração cheio de júbilo, o neófito se permite um choro convulsivo, pois sente um fogo sagrado e aconchegante tocar as profundezas de sua alma. Doravante, o novo obreiro carrega consigo a certeza de não estar mais sozinho e desesperado, numa estrada de incertezas, mas que seu novo itinerário o conduzirá rumo à Estrada Real, uma estrada permeada de brilho e fulgor, cujo destino final é a chegada à dimensão superior da consciência, onde habitam os sentimentos inefáveis.

 O antigo ser errante, amargurado e aflito, agora dá lugar a um homem sereno, equilibrado, cuja postura será a de encarar a vida – com seus altos e baixos- nutrindo uma fé raciocinada e inamovível no Supremo Arquiteto Universal, cuja misericórdia e bondade nos possibilitam enveredarmos pela seara de nossa transformação íntima.

Um Pai Maior que nos indica o caminho a ser trilhado, que nos instrui com a simplicidade e com o amor, que nos soergue, a cada queda que temos, que nos conforta, nos dias em que tudo parece ser dor e sofrimento intermináveis. O Pai inexcedível em graça e resplendor, em sabedoria e entendimento, que deseja encontrar abrigo em nossos corações, a fim de abrandá-los.

Roguemos seja concedido ao homem vulgar o beneplácito de ser iniciado em nossos Augustos Mistérios. É possível retirar o véu da ignorância, que ainda insiste em cegar os profanos, aprisionando-os nos bolsões de pobreza espiritual. A Maçonaria é a Estrada Real, que não preza pela suntuosidade dos templos físicos, mas cujo escopo precípuo é o de ensinar ao homem a fortalecer as bases de seu edifício interior. Trilhemos por esse caminho de luz, e busquemos conduzir conosco quem aspire à verdade libertadora.





Roberto Ribeiro Reis

ARBLS Esperança e União 2358

Or.'. Rio Casca-MG

NULLIUS IN VERBA NA ERA DIGITAL -Jorge Gonçalves


No livro "Novum Organum," publicado por Francis Bacon em 1620, o filósofo inglês apresentou um conceito fundamental que inaugurou o método científico, descrevendo a importância de testar constantemente nossas ideias por meio de diversas investigações.

O rei Charles II (1660-1685) da Inglaterra concedeu uma carta régia para a inauguração da Royal Society of London. A sociedade foi fundada com o objetivo de se dedicar à investigação baconiana da natureza. Seus membros adotaram o lema "Nullius in Verba," que significa "nunca acreditar apenas na palavra de alguém."

Aproximadamente 400 anos depois, no final de dezembro de 2023, observamos uma explosão na aquisição de informações, impulsionada pelas inteligências artificiais e pela facilidade da tecnologia na palma da mão. Recursos como a internet, streaming, YouTube, WhatsApp e uma infinidade de blogs online possibilitam a exploração gratuita e ilimitada de uma vasta variedade de conteúdos. No entanto, lamentavelmente, o método investigativo proposto por Francis Bacon muitas vezes é esquecido.

Realizar pesquisas criteriosas para assegurar a confiabilidade das fontes de informação é fundamental. Nesse contexto, uma boa revisão bibliográfica se torna imprescindível, permitindo a verificação e confirmação das informações obtidas.

Permita-me indicar alguns endereços eletrônicos que possuem uma biblioteca inestimável de conteúdo maçônico de qualidade para estudar e aplicar o método proposto por Bacon. 

Todo esse acervo digital não é apenas o apoio de uma loja física, mas o ideal maçônico em suas raízes, que é transformar a Maçonaria Universal de fato, ampliando os limites de uma loja para todo o globo terrestre.

Da minha parte, agradeço aos esforços desses extraordinários irmãos que continuam a difundir a cultura maçônica de qualidade e de forma gratuita, retribuo o elogio do irmão e talentoso jornalista Diego Franzen.

Muito obrigado.

Tenham todos um feliz ano novo.


https://www.youtube.com/@maconizando

https://www.noesquadro.com.br/

https://www.michaelwinetzki.com.br/

https://pedro-juk.blogspot.com/

https://www.glomaron.org.br/47luxintenebris

https://youtube.com/@arlsvirtualluzeconheciment7581

https://www.livesmaconicas.com.br/lives/principal

NÃO TENHO LÁGRIMAS - André Naves



Nat “King” Cole admirava demais a cultura brasileira. O sorriso o acompanhava sempre que ouvia a musicalidade de nossa poesia, a cordialidade de nossa gente, e a maneira gentil com que ele sempre fora tratado. 

Isso sim era uma democracia racial, um império do amor e da benquerença. O rei era um negro também, que com a bola, escrevia poesias populares de profunda beleza... Era impressionante! Toda criança, não importa a origem, vestia a camisa 10 canarinho como se fora um sagrado manto da majestade, o “Rei Pelé”!

E a palavra “saudades”, então? Ela é, por si só, uma flor rara e preciosa, uma beleza surpreendente e poética de poucas letras, um samba de uma nota só... Foi para tentar desbravar seus ocultos sentidos que o “rei” Cole escreveu um singelo samba...

E que samba!!!!

Puxa vida! Tantas vezes são os outros que nos apontam os nossos mais importantes valores! 

As saudades ganharam temperos novos aqui no Brasil. É uma palavra da língua portuguesa, mas seu significado é tão nosso que na nossa bandeira poderia estar escrito: “Terra do povo saudoso!”.

É que é isso, sabe? 

O banzo deu aquela ponta de angústia a ela. Essa é a cultura popular brasileira: juntamos o banzo e as saudades, e escrevemos, juntos, os mais bonitos significados... Da dor nasce a Flor!

Saudades... Memórias... Uma ponta de angústia, mas muita esperança e desejo de agir! Essa é a boniteza da saudade! 

Dia desses, 20 anos depois, eu e um grande amigo decidimos voltar a um restaurante que tinha dado um significado a mais a nossa vida estudantil...

Enquanto eu cruzava as redondezas uma ponta de angústia dominava meu coração... Quero chorar! Não tenho lágrimas! Saudades do caminho que nos trouxe até aqui e que nos levará ao desconhecido...

Saudades...

Memórias...

As pedras de ontem viraram o poema de hoje! 

Sabe o mais impressionante? O mesmo garçom nos serviu. Pedimos o mesmo prato, as mesmas sobremesas, licores exatamente iguais... 

As chamas torravam os grãos de café mergulhados naquela taça de sambuca romana e os aromas do passado nos visitavam... Ao mesmo tempo, ouvíamos a música do futuro, com toda a sua força, nos chamando...

Saudades... Futuro!

É isso que eu quero... Só isso e TUDO ISSO!

f


dezembro 29, 2023

DE DESGOSTO E SEM AR - Carlos Solera ASL





⛪ 28/12/1889

De desgosto e sem ar.

 A terrível morte de Tereza Cristina a última imperatriz do Brasil.

Depois da Proclamação da República, a Família Imperial voltou à Portugal para recomeçar, mas a decepção do golpe deixou a imperatriz de cama Pouco antes de marechal Deodoro da Fonseca declarar a Proclamação da República e colocar um fim no Brasil Imperial, a família de Dom Pedro II saiu do país. Chegaram à Portugal derrotados, depostos e com o sentimento de um golpe.


No dia 17 de novembro de 1889, logo que colocaram os pés em Lisboa, a Família Imperial recebeu um recado do governo português: não eram mais bem vindos na capital. Isso porque o rei D. Carlos I já estava assumindo o poder e um imperador deposto não era uma imagem desejada.

Ainda mais humilhados, D. Pedro II e Teresa Cristina, ex-Imperatriz Consorte do Brasil Império, foram para a cidade do Porto. Isabel e seus filhos tomaram rumo para a Espanha. 

D. Pedro II recebeu a notícia que ele e Teresa foram banidos do país sul-americano para sempre, no dia 24 de dezembro.

Segundo o próprio Dom Pedro II, a notícia sobre o banimento “aniquilou a vontade de viver de D. Teresa Cristina”. Em seu diário, ele escreveu que a esposa estava se queixando de frio e dor nas costas, mas não apresentava febre.

Ele saiu de casa em direção da biblioteca da cidade. Ao mesmo tempo, a saúde de Teresa Cristina piorou consideravelmente. Sua respiração ficou pesada e, de repente, seu sistema respiratório parou de funcionar.

Enquanto seu estado decaía, Teresa, em seu leito de morte, disse à Baronesa de Japurá que não morria de doença. “Morro de dor e de desgosto”, alegou. Suas últimas palavras demonstraram a saudade das filhas, dos netos e do Brasil.

A antiga Imperatriz Consorte do Brasil Império morreu naquela mesma tarde, no dia 28 de dezembro de 1889. Ela tinha 67 anos e foi vítima de uma parada cardiorrespiratória. O corpo da dama foi levado até a Igreja de São Vicente de Fora, perto de Lisboa.

Mais tarde, a pedido de Dom Pedro II, ela foi sepultada no Panteão dos Braganças. Quando o antigo Imperador morreu, ambos foram sepultados juntos na Catedral de S. Pedro de Alcântara, em Petrópolis, em 1939.



A terrível morte de Tereza Cristina a última imperatriz do Brasil.

Depois da Proclamação da República, a Família Imperial voltou à Portugal para recomeçar, mas a decepção do golpe deixou a imperatriz de cama Pouco antes de marechal Deodoro da Fonseca declarar a Proclamação da República e colocar um fim no Brasil Imperial, a família de Dom Pedro II saiu do país. Chegaram à Portugal derrotados, depostos e com o sentimento de um golpe.

No dia 17 de novembro de 1889, logo que colocaram os pés em Lisboa, a Família Imperial recebeu um recado do governo português: não eram mais bem vindos na capital. Isso porque o rei D. Carlos I já estava assumindo o poder e um imperador deposto não era uma imagem desejada.

Ainda mais humilhados, D. Pedro II e Teresa Cristina, ex-Imperatriz Consorte do Brasil Império, foram para a cidade do Porto. Isabel e seus filhos tomaram rumo para a Espanha. 

D. Pedro II recebeu a notícia que ele e Teresa foram banidos do país sul-americano para sempre, no dia 24 de dezembro.

Segundo o próprio Dom Pedro II, a notícia sobre o banimento “aniquilou a vontade de viver de D. Teresa Cristina”. Em seu diário, ele escreveu que a esposa estava se queixando de frio e dor nas costas, mas não apresentava febre.

Ele saiu de casa em direção da biblioteca da cidade. Ao mesmo tempo, a saúde de Teresa Cristina piorou consideravelmente. Sua respiração ficou pesada e, de repente, seu sistema respiratório parou de funcionar.

Enquanto seu estado decaía, Teresa, em seu leito de morte, disse à Baronesa de Japurá que não morria de doença. “Morro de dor e de desgosto”, alegou. Suas últimas palavras demonstraram a saudade das filhas, dos netos e do Brasil.

A antiga Imperatriz Consorte do Brasil Império morreu naquela mesma tarde, no dia 28 de dezembro de 1889. Ela tinha 67 anos e foi vítima de uma parada cardiorrespiratória. O corpo da dama foi levado até a Igreja de São Vicente de Fora, perto de Lisboa.


Mais tarde, a pedido de Dom Pedro II, ela foi sepultada no Panteão dos Braganças. Quando o antigo Imperador morreu, ambos foram sepultados juntos na Catedral de S. Pedro de Alcântara, em Petrópolis, em 1939.

DENTRO E FORA - Hermann Hesse



Era uma vez um homem chamado Friedrich, devotado às coisas do espírito e de
vastos conhecimentos. Gostava, porém, de concentrar todo o seu saber num
modo particular de pensar e menosprezava todos os demais. Tinha na mais alta
estima a Lógica, essa tão magnífica disciplina, e os conheci­mentos a que
dava o nome geral de Ciência.

"Duas vezes dois são quatro" - costumava ele dizer. -"nisso que eu acredito
e é partindo dessa verdade que um homem deve usar o raciocínio".

Não ignorava, é claro, que existiam muitas outras maneiras de pensar e
interpretar as coisas, mas não as considerava "ciên­cia" e, portanto, não
lhes dava importância. Conquanto fosse um livre-pensador, não era
intolerante no que dizia respeito á religião. Nisso comportava-se de acordo
com a atitude de tácita anuência dos cientistas. Há muitos séculos a Ciência
ocupava-se de tudo o que existia no mundo, e estimulava o desejo de
investigar e saber, com exceção de um único objeto: a alma humana. Deixava-a
a cargo da religião e não tomava a sério as especulações que ela fazia sobre
a alma mas, enfim, tolerava-as porque, com o decorrer dos séculos, tinham-se
con­vertido num hábito. Assim, no tocante à religião, Friedrich mantinha uma
atitude tolerante mas o que profundamente lhe repugnava e enfurecia era tudo
o que envolvesse e fosse reco­nhecido como superstição.  Somente admitia o
pensamento místico e as explicações mágicas entre povos ignorantes e
atra­sados quer de uma antigüidade remota; quer da atualidade pri­mitiva e
inculta de certas regiões exóticas. Desde que existia uma Lógica e uma
Ciência, deixara de fazer sentido recorrer a esses recursos obsoletos e
duvidosos.

Assim pensava e assim argumentava Friedrich. Quando ao seu redor se
manifestavam indícios de superstição, irritava-se e era como se tivesse sido
tocado por algo hostil e pernicioso.

O que mais o aborrecia era encontrar tais indícios entre seus iguais, homens
cultos que estavam tão familiarizados quanto ele com os princípios do
raciocínio científico. E nada lhe era mais doloroso e insuportável do que
ouvir certas idéias blasfemas como a que escutara, recentemente, de um homem
de elevada cultura, que afirmara esta coisa absurda: - o racio­cínio
científico não é, provavelmente, a mais elevada, rigorosa e intemporal forma
de pensamento mas, pelo contrário, a mais transitória, vulnerável e
perecível entre todas as formas de pensar! - Essa irreverente e perniciosa
opinião tinha seus adeptos, isso não podia Friedrich negar, mas era um
reflexo da miséria gerada pelas guerras, pela subversão e pela fome que
assolavam o mundo, e surgira como uma advertência, uma desculpa e um aviso
fantasmagórico escrito sobre a parede branca.

Quanto mais Friedrich sofria com a existência dessa nefasta idéia, mais
veementemente hostilizava os que a propagavam ou aqueles que supunha
esposarem-na secretamente. Na verdade, só alguns raros homens de erudição
tinham franca e abertamente confessado sua concordância com a nova corrente
de pensamento que, se lograsse expandir-se e triunfar, destruiria
provavelmente os alicerces da cultura e provocaria o caos no mundo.

Ora, até esse momento, ainda não se chegara a tal ponto e os cientistas que
tinham defendido abertamente a nova idéia eram tão poucos que podiam
perfeitamente passar por indi­víduos excêntricos ou fanáticos. Porém, uma
pequena gota do veneno, uma tênue irradiação desse pensamento, já era
per­ceptível aqui e ali. Nas camadas do povo e entre as pessoas semicultas
já se notava o florescimento de uma série de seitas, de escolas, de
correntes com seus mestres e discípulos, pre­gando ensinamentos em que a
Lógica e a Ciência não tinham vez. O mundo começava de novo se enchendo de
superstições, artes ocultas, magia negra, misticismo, necromância e outras
manifestações que o racionalismo quase extinguira e que era urgente combater
de novo. Mas a Ciência, talvez em virtude de um sentimento de íntima
fraqueza e de mal compreendida tolerância, silenciava.

Um dia, Friedrich foi visitar um de seus amigos, com quem já realizara
diversos estudos. Há muito tempo que não se viam e, enquanto subia as
escadas, procurou lembrar-se de quando estivera pela última vez na casa
desse amigo. Embora pudesse gabar-se, habitualmente, de uma excelente
memória, desta vez não conseguia recordar esse pormenor. Insensivelmente,
dei­xou-se possuir de uma certa irritação e desapontamento, ao bater à
porta.

Quando saudou o amigo Erwin, Friedrich notou logo na fisionomia jovial que
lhe retribuía o cumprimento um certo sorriso de afabilidade comedida que não
lhe parecia ter visto nunca nos tempos de quase diária convivência mútua.
Frie­drich pressentiu imediatamente que, por detrás desse sorriso, havia
algo de irônico ou hostil e, no mesmo instante, lembrou-se daquilo que ainda
há pouco estivera inutilmente vasculhando na memória: o seu último encontro
com Erwin. Sim, lembrava­-se muito bem que, embora não tivessem discutido,
separara-se dele com surda irritação, porquanto lhe parecia que Erwin não o
apoiava como devia, nessa época, nos ataques que vinha desencadeando contra
o pensamento místico e supersticioso. E também já se lembrava por que motivo
não voltara a pro­curar Erwin durante largo tempo. Era estranho como poderia
ter esquecido tudo isso! Na verdade, evitara o convívio do amigo unicamente
por causa dessa divergência, fato que ele sabia o tempo todo, muito embora
arranjasse sempre outros motivos para protelar uma nova visita a Erwin.

Eis que estavam agora frente a frente e parecia a Friedrich que a pequena
brecha de outrora se ampliara de um modo assustador. Em seu íntimo, sentia
que entre ele e Erwin faltava agora algo que sempre existira, aquela
atmosfera de sólida cooperação, de imediata compreensão e, até, de mútua
simpatia resultante de inclinações e propósitos comuns. Em vez disso,
Friedrich encontrou na sua frente uma expressão de estranheza, como se
através do próprio sorriso de Erwin pudesse espreitar para o vazio que havia
lá dentro. Cumpri­mentaram-se, falaram do tempo, que era feito de fulano e
cicrano, como iam de saúde... e Deus sabe como, a cada palavra proferida,
Friedrich via aumentar a sensação angus­tiante de incompreensão recíproca,
de estarem falando como dois desconhecidos perfeitamente alheados aos
problemas um do outro e não encontrarem um motivo que os conduzisse a uma
boa e agradável conversa. Erwin continuava com seu comedido sorriso afável,
que Friedrich já começava a odiar.

Numa pausa do penoso diálogo que se arrastava havia alguns minutos,
Friedrich viu na parede do tão conhecido gabinete de estudo de Erwin, uma
folhinha de papel presa por um alfinete. Essa imagem tocou-o fortemente,
despertando velhas lembranças: recordou que, durante os anos de estudante,
Erwin tinha o costume de conservar assim, diante dos olhos, uma sentença de
algum pensador ou os versos de algum poeta. Levantou-se e foi ler a folhinha
na parede.

Nela estava escrito, com a disciplinada caligrafia do co­lega, a seguinte
frase: "Nada está fora, nada está dentro. Pois o que está fora, está
dentro".

Friedrich empalideceu e manteve-se imóvel por instantes. Aí estava! Aí
estava o que ele tanto temia! Em outra época, talvez tolerasse aquilo,
talvez encarasse aquela frase com indul­gência, como uma inofensiva e, em
última análise, compreen­sível manifestação de sentimentalismo, digna de ser
estudada. Mas agora era diferente. Tinha a certeza de que aquelas pa­lavras
não tinham sido anotadas por causa de uma fugaz dis­posição poética nem por
um capricho que fizera Erwin retomar, após tantos anos, um hábito da
juventude. O que ali estava escrito, naquela parede, era uma confissão do
que ocupava atualmente o espírito do amigo: era uma prova de misticismo.
Erwin era mais um renegado.

A passos lentos, dirigiu-se ao amigo, cujo sorriso resplan­decia de novo.

- Explica-me aquilo - intimou Friedrich.

- Não conhecias essa sentença?   indagou Erwin, ama­velmente, erguendo a
cabeça.

- Sim, claro que conheço! ~ uma sentença mística, puro gnosticismo! Talvez
tenha alguma poesia, não discuto. Mas o que eu desejo que me expliques é por
que a tens pendurada na parede.

- Com todo o prazer - replicou Erwin. - Essa sentença é uma espécie de
introdução à nova epistemologia, a cujo estudo me dedico atualmente e à qual
devo algumas felizes realizações.

Friedrich mal podia esconder seu desgosto.

- Dizes que é então uma nova ciência do conhecimento? E acaso isso existe?
Que nome tem?

- Oh, na verdade, só é nova para mim. De um ponto de vista histórico, é uma
ciência bem antiga e respeitável, em­bora a conhecessem sob outro nome:
Magia.

A negregada palavra! Eis que ela fora pronunciada! Friedrich, profundamente
surpreendido, quase assustado, diante de uma confissão tão clara, via-se
frente a frente com seu inimigo supremo, na pessoa do amigo. Sentiu arrepios
e permaneceu calado. Não sabia se estava mais próximo da cólera ou se da
compaixão e das lágrimas. De qualquer modo, foi assaltado por uma terrível
sensação de perda irremediável. A amargura não o deixava encontrar palavras.
Depois, com uma ironia for­çada na voz, indagou:

- Abandonaste, então, a carreira de cientista para te tor­nares um... um
feiticeiro, é isso?

- Exatamente - retorquiu Erwin sem hesitai..

- Aprendiz de feiticeiro, eh?

- Correto.

Friedrich calou-se de novo, literalmente perplexo. Ouvia-se o tique-taque de
um relógio no quarto vizinho, tal o silêncio que reinava no gabinete.

- Sabes que, com isso, deixaste de ter qualquer coisa em comum com a
Ciência, que essa tua epistemologia não tem nenhuma relação com a verdadeira
teoria do conhecimento, enfim, que nenhuma seriedade pode haver num estudo
que se baseia em falsas premissas? E também deves saber, sem dúvida, que não
pode haver qualquer relação entre nós dois?

- Eu esperava que sim - respondeu Erwin. - Mas se co­locas as coisas nesse
plano... que posso eu fazer?

- O que podes fazer? - interrompeu Friedrich, quase gri­tando. - Não sabes o
que podes fazer? Acabar com essa brincadeira de mau gosto, com essa triste
crença em artes sobrenaturais, indigna de um homem de saber! Romper
com­pletamente e para sempre com tudo isso! É tudo o que te resta a fazer,
se acaso queres conservar a minha amizade e o meu respeito.

Erwin sorria, embora já não parecesse tão jovial quanto antes.

- Falas assim - disse ele em tom baixo, de maneira que a voz irritada de
Friedrich ainda parecia ressoar no gabinete - falas assim como se tudo
dependesse da minha vontade, como se estivesse em meu arbítrio escolher um
ou outro rumo, Friedrich. Mas não e assim. Não me compete optar. Não fui eu
que escolhi a magia. Foi ela que me escolheu. Friedrich soltou um profundo
suspiro.

- Então passa bem. - E levantou-se, sem estender a mão ao amigo.

- Assim não! - exclamou Erwin, agora mais agitado. - Não, assim não quero
que me deixes. Imagina que um de nós estivesse moribundo. Seria assim...
seria desta maneira que nos despediríamos?

- Qual de nós, Erwin, é o moribundo?

- Creio ser eu, Friedrich. Quem quer renascer deve estar disposto a morrer
primeiro.

Friedrich acercou-se novamente da folhinha na parede e releu a sentença
sobre o que está dentro e fora.

- Bom - disse ele, por fim. - Tens razão, nada adianta separarmo-nos
zangados. Seja como tu dizes e vamos supor que um de nós está moribundo. Eu
também poderia ser o moribundo. Porém, antes de partir, quero fazer-te um
pedido.

- Isso me agrada ouvir - disse Erwin. - Que poderei fazer por ti, como
despedida?

- Vou repetir a minha pergunta inicial, que foi ao mesmo tempo uma
intimação: explica-me essa sentença e trata de fazê­-lo o melhor que
possas - disse Friedrich, apontando para a folhinha.

Erwin refletiu por momentos e disse:

- Nada está fora, nada está dentro. O significado teoló­gico tu o conheces
tão bem quanto eu. Deus está em toda a parte. Ele está nos espíritos e na
natureza. Tudo é divino porque Deus está em tudo e para Ele não existe fora
nem dentro. Está identificado com todas as coisas. A isso chama­vam outrora
Panteísmo. Vamos agora ao conceito filosófico: a separação de dentro e fora
é um hábito mental mas não é forçosamente necessária. Existe para o nosso
espírito a possi­bilidade de transcender as fronteiras que lhe foram
traçadas e atingir o Além. E é para além dos limites do nosso mundo e da sua
estrutura de pares opostos e antagônicos, como o Bem e o Mal, o Belo e o
Feio e tantos outros, que se abrem novos e diversos conhecimentos. Ah, meu
caro amigo, devo te confessar: desde que se operou essa mudança em meu
pen­samento, nunca mais houve para mim palavras e frases, enun­ciados e
sentenças de um só sentido, senão que cada palavra, cada frase, passou a
revestir-se de dezenas, centenas de signi­ficados. E é nesse ponto que
começa aquilo que tu mais temes e detestas: a Magia.

Friedrich franziu o cenho e quis interrompê-lo mas Erwin olhou-o,
tranquilizador, e prosseguiu:

- Permiti-me que te dê um exemplo. Leva daqui uma coisa que me pertence,
algum objeto e, de vez em quando, observa-o. Verificarás que, ao
contemplá-lo, o objeto em si, com suas características próprias e limitadas,
suscitará no teu Intimo muitos outros significados, por exemplo, a nossa
antiga amizade, este encontro e uma infinidade de outros pensamentos que
nada têm a ver com esse insignificante objeto.

Erwin olhou ao seu redor, levantou-se e retirou de uma prateleira uma
estatueta de porcelana vidrada, entregando-a a Friedrich. E então disse:

- Aceita isto como presente de despedida. Quando este objeto, que ora
entrego em tuas mãos, estiver dentro e fora de ti, volta a visitar-me.
Porém, se continuar sempre fora de ti, como está agora, isso significará que
a nossa despedida de hoje foi para sempre!

Friedrich ainda tentou dizer alguma coisa mas Erwin já lhe estendia a mão,
apertando-a e dizendo "adeus" com uma expressão que não dava lugar a mais
palavras.

Friedrich desceu a escada (há quanto tempo subira ele aquela escada?),
caminhou vagarosamente rumo a casa, a pe­quena estatueta apertada na mão,
perplexo e, muito no seu íntimo, desolado. Parou diante da porta, sacudiu
por instantes o punho onde se encontrava a estatueta e, irritado, sentiu
von­tade de espatifar no chão aquela coisa ridícula. Não o fez e, mordendo
os lábios, entrou em casa. Nunca se sentira tão con­turbado, tão atormentado
por sentimentos contraditórios.

Procurou um lugar onde pôr a estatueta do amigo e co­locou-a na última
prateleira de uma estante de livros. Ali ficaria por enquanto.

Durante o dia, Friedrich olhava uma vez ou outra para a estatueta, meditando
sobre sua procedência e sobre o signifi­cado que tão inofensivo objeto
poderia ter em sua vida. Era uma pequena imagem humana, de um deus ou ídolo
antigo, não muito humana, de fato, pois tinha dois rostos, como o deus
romano Janus, Era de porcelana grosseira e muito mal-acabada. O seu vidrado
tinha rachado, talvez por excesso de calor. Certamente não era um trabalho
saído das mãos dos artífices gregos ou romanos. Mais parecia ter sido
moldada por algum povo primitivo da África ou das ilhas do Pacífico. Sobre
as duas faces, que eram réplica uma da outra, esboçava-se um sorriso
apático, inerte e descorado: era até chocante como o pequeno duende podia
desperdiçar seu tempo com um sorriso tão tolo.

Friedrich não conseguia habituar-se àquela imagem. Era-lhe inteiramente
repugnante, desagradável, embaraçava-o, in­comodava-o. Tirou-a da estante e
colocou-a sobre a estufa. Dias depois, retirou-a da estufa e levou-a para o
armário. Mas a estatueta de duas caras constantemente lhe surgia diante dos
olhos, sorrindo-lhe fria e estupidamente, impunha-se-lhe à vista, exigia
atenção. Duas ou três semanas depois, Friedrich retirou-a de seu gabinete e
colocou-a na ante-sala, entre algumas fotos da Itália e diversas recordações
que de lá trouxera, mas tão insignificantes que ninguém olhava para elas.
Agora, pelo menos, Friedrich só veria o ídolo primitivo nos momentos em que
saía ou entrava em casa, passando rapidamente por ele e sem sequer o olhar
de perto. Mas a verdade é que, mesmo sem querer admiti-lo, a estatueta
também ali o incomodava.

Como esse mostrengo de duas caras, esse pedaço de barro mal-acabado, tinha
penetrado em sua vida e o atormentava!

Meses depois, Friedrich regressou de uma curta viagem - de vez em quando,
empreendia essas excursões como se algo o impelisse a fazê-lo, movido por
uma súbita intranqüilidade   entrou em casa, passou pela ante-sala, foi
saudado pela sua governanta e leu a correspondência que o aguardava. Estava,
porém, inquieto e distraído, como se tivesse esquecido algo importante;
nenhum livro lhe apetecia ler, em nenhuma cadeira se sentia confortável.
Decidiu examinar seus próprios sentimentos: o que lhe estava acontecendo, de
repente? Teria esquecido alguma coisa importante? Sofrera algum
contra­tempo? Comera algo prejudicial? Tentava lembrar-se. Refle­tia e
procurava concluir se essa incômoda sensação o acometera antes de entrar em
casa, ou depois, na ante-sala, ou... Teve um brusco sobressalto e correu
para a ante-sala, procurando instintivamente com o olhar a estatueta de
porcelana.

Uma estranha sensação lhe percorreu o corpo quando não viu em seu lugar o
ídolo de duas caras. Como poderia ter desaparecido? Teria fugido em suas
pequenas pernas de barro? Voado? Algum estranho feitiço o chamara para as
longínquas paragens donde viera?

Friedrich reagiu, sacudindo a cabeça e repreendendo-se, sorridente, pelo
despropósito de sua angústia. Deveria, em pri­meiro lugar, descobrir a
estatueta em algum outro ponto, pro­curando-a calmamente na casa. Talvez,
distraído, a tivesse mudado de lugar. Depois, não a encontrando, chamou a
gover­nanta. Embaraçada, confessou que aquela estatueta lhe escor­regara das
mãos, quando arrumava a ante-sala.

- E onde está?

- Não existe mais. Tive-a várias vezes na mão, parecia-me uma coisa tão
forte e resistente. Mas ao cair desfez-se em mil pedaços. Ficou
irrecuperável, doutor. Joguei-a no lixo.

Friedrich mandou a governanta retirar-se. Sorriu. Não ficara contrariado.
Por Deus, que não sentia pena alguma pela perda do feio manipanso. Estava
livre dele. Agora teria sos­sego. Era o que deveria ter feito logo no
primeiro dia: espa­tifado aquela coisa em mil pedaços! Agora se apercebia do
que sofrera todo esse tempo! Como o ídolo lhe sorria com sua dupla cara
indolente, maliciosa, velhaca, diabólica! Já que a estatueta não mais
existia, podia confessar: sim, ele temia, sinceramente temia aquele pedaço
de barro cozido. Não era, afinal, um símbolo de tudo o que para Friedrich
era hostil e insuportável, tudo o que ele tinha na conta de pernicioso,
degradante e a ser implacavelmente combatido superstição, obscurantismo,
forças inimigas da clareza de consciência e de espírito? Não representava
aquela brutal força telúrica, aquele distante terremoto que ameaçava, por
vezes, destruir a verda­deira cultura sob um caos de trevas? Aquela mísera
imagem não lhe roubara o seu melhor amigo - não só o roubara como o
convertera em adversário? Bom, a coisa tinha desaparecido. Quebrada. Morta.
Era bom assim, muito melhor do que se ele próprio a tivesse quebrado.

Friedrich continuou dedicado a seus estudos e tarefas.

Mas parecia uma maldição. Agora, quando já se habituara mais ou menos à
presença da ridícula estatueta e a vê-la no seu lugar da ante-sala; quando,
com o decorrer do tempo, já se lhe tornara familiar e indiferente...
começava a sentir sua falta! Sim, sentia falta dela. Toda a vez que passava
pela ante-sala e via o lugar vazio que a estatueta costumava ocupar, uma
estranha angústia se apossava de Friedrich. O vazio ampliava-se em toda a
ante-sala, penetrava no seu gabinete de estudo, nos quartos, um vazio
estranho e cruel por toda a casa, como a súbita ausência fria de um parente
muito querido.

Dias horríveis e piores noites vieram torturar Friedrich. A falta do ídolo
de duas caras obcecava-o e dominava seus pen­samentos. Já não era apenas
quando passava pela ante-sala e via o lugar vazio, oh não, Fiedrich
sentia-se impelido a pensar nele a qualquer momento, desalojando de seu
espírito tudo o mais. Era como se a própria estatueta tivesse fisicamente se
instalado em sua mente e, de modo implacável, fosse roendo, devorando. tudo
o mais que lá dentro encontrara, gerando em seu íntimo um vazio semelhante
ao que criara no resto da casa.

Como se quisesse convencer-se do absurdo que era lamen­tar a perda do
insignificante objeto, recordava-o mentalmente em todos os seus pormenores.
Revia-o em toda sua tosca feal­dade, com seu sorriso velhaco e... sim,
chegava mesmo a tentar, com a boca torcida, imitar aquele sorriso!
Assediava-o a pergunta: as duas caras seriam realmente iguais? Uma delas,
talvez  a causa de uma pequena rachadura no vidrado, não teria uma expressão
ligeiramente diferente da outra? Uma expressão algo interrogativa? Como o
sorriso da Esfinge? Ah, e como era pavorosa a cor da pintura! Era verde...
não, tam­bém tinha azul. Ou era cinza? Tinha a certeza de que tam­bém havia
um pouco de vermelho. Era um vidrado que Frie­drich encontrava agora em
muitos outros objetos: via-o no faiscar de um raio de sol, batendo na
vidraça de uma janela, nos reflexos da chuva que batia nas pedras da
calçada...

Sobre o vidrado da estatueta também pensara muito du­rante a noite. Dava-se
conta de que "vidrado" era uma palavra esquisita, desagradável, falsa,
petulante. Analisava-a, decom­punha-a com raiva, soletrava-a furioso. Só o
diabo saberia dizer a que soava, de fato, essa palavra ruim, cheia de duplos
sentidos. Finalmente, lembrou-se de ter lido há muitos anos, durante uma
viagem, um livro que simultaneamente o espan­tara, torturara e, de modo
secreto o fascinara. Chamava-se A Princesa Vidrada. Era uma verdadeira
maldição! Tudo o que se relacionava com a estatueta - a cor, o vidrado, o
sor­riso - significava hostilidade, veneno, feitiço. A Princesa tam­bém fora
transformada por um inimigo que escondera sua maldade sob o artifício de um
sorriso. E recordou então o estranho sorriso do seu ex-amigo Erwin, quando
lhe entregou a estatueta! Tão estranho, tão veladamente hostil.

Friedrich lutava corajosa e virilmente contra essa obsessão que lhe
torturava o espírito e não se pode dizer que era mal sucedido em sua
batalha. Pressentia nitidamente o perigo e não queria enlouquecer. Preferia
mil vezes morrer. A luci­dez mental era imprescindível, a vida não. E
admitiu que talvez isso fosse o resultado de uma obra de magia, que Erwin,
com a ajuda dessa estatueta, o tivesse enfeitiçado de algum modo - fazendo
com que ele, o defensor implacável da inte­ligência esclarecida e da
ciência, caísse em poder dessas forças ocultas. Mas... se isso fosse
verdade, se ele era capaz de admitir essa possibilidade... então existia,
sim, então a magia era uma realidade! Não, era preferível morrer a admitir
seme­lhante coisa!

Um médico receitou-lhe passeios e abluções. À noite, procurou algumas vezes
distrair-se nas tavernas movimentadas. Mas pouco adiantava. Amaldiçoou Erwin
e amaldiçoou-se a si próprio.

Certa noite, estava ele deitado em sua cama e, como ocorria com freqüência
nessa época, desperto antes do tempo, sem conseguir conciliar de novo o
sono. Sentia-se indisposto e assustado. Perdera a antiga confiança nos
poderes absolutos de sua inteligência. Queria raciocinar, procurar conforto
em algu­mas frases lúcidas, tranqüilizantes, algo como "dois e dois são
quatro". Mas nada lhe acudia à mente, ficava balbuciando frases indistintas
e confusas, articulando palavras sem sentido exato. Por vezes, seus lábios
moviam-se instintivamente para proferir aquela frase que vira escrita
algures, que já tivera diante dos olhos, não sabia bem onde. E balbuciava-a
entre dentes, como se quisesse narcotizar-se, como se tentasse voltar do
caminho estreito à beira de um abismo insondável para as delícias do sono
perdido.

De súbito, ao falar mais alto, as palavras apenas balbu­ciadas penetraram,
de chofre, em seu consciente. Friedrich as conhecia agora. Ouvira-as
nitidamente. Sua própria voz cla­mava: "Sim, agora estás dentro de mim!"
Compreendeu ime­diatamente o que isso significava. Sabia que essas palavras
se referiam à estatueta de porcelana e que, nessa hora da noite, com um
rigor implacável, a profecia de Erwin estava se cum­prindo: aquela figura
grotesca que ele tivera em suas mãos e olhara com desprezo, já não estava
mais fora dele, estava den­tro! "Pois o que está fora, está dentro."

Levantou-se de um salto, como se gelo e fogo percorressem seu corpo a um só
tempo. O mundo girava vertiginosamente à sua volta. Friedrich vestiu-se às
pressas, saiu de casa e correu, envolto pela noite da cidade adormecida, à
casa de Erwin. Viu luz acesa no conhecido gabinete de estudos do velho
amigo. O portão estava aberto. Tudo parecia indicar que era esperado.
Trêmulo, empurrou a porta do gabinete de Erwin e apoiou-se, quase
desfalecido, na escrivaninha. Com o rosto iluminado pela suave luz do
abajur, Erwin sorria. Le­vantou-se de sua poltrona e, afavelmente, disse:

- Então vieste. Sim, foi bom que viesses.

- Tu... estavas à minha espera? - murmurou Friedrich.

- Espero-te, como sabes, desde o instante em que saíste de minha casa,
levando o meu pequeno presente. Aconteceu, por acaso, aquilo que te disse
aquela vez?

- Aconteceu - sussurrou Friedrich. - O teu ídolo está agora dentro de mim.
Não o suporto mais.

- Posso ajudar-te? - indagou Erwin.

- Não sei, não sei. Faz o que quiseres. Fala-me de tua ma­gia. Explica-me
como o ídolo poderá sair novamente de mim.

Erwin colocou a mão no ombro do amigo. Levou-o até uma poltrona e convidou-o
a sentar-se. Depois, dirigiu-se cari­nhosamente a Friedrich, num tom quase
paternal.

- O ídolo sairá novamente de ti. Confia em mim. Confia sobretudo em ti
mesmo. Com ele aprendeste a crer. Agora terás de aprender a amá-lo. Sim, ele
está dentro de ti mas já sabes que não morreu. Por enquanto, tampouco é algo
com vida. Circula em ti como um espectro, um fantasma sem vida própria.
Acorda-o, fala com ele, indaga-o, insufla-lhe vida. Friedrich, ele é tu
mesmo! Não o odeies, não o temas, não o tortures... como tens torturado
aquele pobre ídolo que és tu! Meu pobre amigo, como te amarguraste a ti
próprio!

- É esse o caminho da magia? - perguntou Friedrich, afundado na poltrona, a
expressão envelhecida. Sua voz era suave.

- Esse é o caminho - respondeu Erwin. - E o passo mais difícil já deste.
Poderás negar a tua própria experiência? Que o fora pode tornar-se dentro?
Tens vivido além das fron­teiras dos pares opostos. Pareceu-te um inferno?
Pois acredita, amigo, que é o céu. ~ o céu que te espera. E que nome se
poderá dar, se não o de magia, a algo que troca o fora por dentro, não por
coação, não com sofrimento, como até agora aconteceu contigo, mas
livremente, por uma imposição da nossa própria vontade? Assim poderás
invocar o teu passado e o teu futuro, pois ambos se encontram dentro de ti.
Até hoje, Friedrich, tens sido escravo do teu íntimo. Aprende a ser o seu
senhor. Isso é magia!

 "O Livro das Fábulas"  Hermann Hesse, Civilização Brasileira,  1977.

DIES NATALIS SOLIS INVICTI



As escolas e as igrejas ensinam que o sentido do Natal é o nascimento de Cristo e o nascimento de Jesus passou a ser associado a data de 25 de dezembro por razões políticas.

O imperador romano Constantino procurou resgatar a unidade religiosa do povo que governava. Ele aproveitou a difusão do Cristianismo para controlar o império.

Foi Constantino quem estabeleceu os costumes e rituais da Igreja Católica Romana, criada no Concílio de Nicéia em 325 d.C., passando o dia de celebração do sábado (shabat) o sétimo dia, para o domingo (o primeiro dia) e “criando” o Natal cristão. Além disso, a Igreja Romana assimilou muitos costumes de outros povos que o império dominava e que associavam esta data com outros eventos populares, todos comemorados em 25 de dezembro:

Dies Natalis Solis Invicti (Aniversário do Sol Invencível) é um feriado do solstício de inverno celebrado em 25 de dezembro, em dedicação ao Rei Hélios . É um dia de festa observado como o momento em que o sol se renova, o inverno frio é derrotado e o sol renasce mais uma vez. O imperador Juliano vincula a celebração como algo baseado nas práticas do imperador Numa Pompilius. 

Uma celebração pagã do deus Mithra também ocorre no mesmo dia.

Também no mesmo dia o nascimento de Krishna, da Índia, do ventre de uma virgem de nome Devaki.

O Sol aparece na figura do deus Hórus, que nasceu da virgem Isis.

Em 440 d.C. o Natal foi “fixado, a fim de cristianizar grandes festas pagãs realizadas neste dia.”

Sugestão de leitura sobre o tema: Livro “Documentos da Igreja Cristã” de Henry Bettenson.

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O IRMÃO COPO D’ÁGUA OU IRMÃO ÁGAPE - Almir Sant’Anna Cruz



O IRMÃO COPO D’ÁGUA OU IRMÃO ÁGAPE (em alguns estados depois das sessões o encontro é chamado de Copo D’Água ou Ágape)

O Irmão Copo D’Água é aquele que comparece às sessões ou participa de Grupos de Maçons em plataformas de mídias sociais minimamente interessados em assuntos exclusivamente maçônicos. Seus interesses são outros.

São Irmãos muito sociáveis, bem humorados, com forte espírito fraternal, que a todos fazem questão de cumprimentar.

Durante as sessões entram mudos e saem calados, não participando das discussões dos assuntos apresentados, muitas vezes de olhos fechados como se estivessem meditando e a todo instante consultando o relógio, cronometrando as falas dos demais irmãos e torcendo para que a sessão termine logo. 

Sem contar que outros irmãos para ir a sessão não deu tempo para chegar no horário, mais para o Copo D’Água sim pois chega e toma conta do espaço e já toma todas até o irmão saírem do templo.

Ah, mas ao término da sessão, chega o que mais lhe interessa: o denominado “copo d’água, ágape ou segunda sessão”. 

Aí ele extravasa todo o seu bom humor, conta piadas, critica os irmãos ausentes do fraternal convívio durante a segunda sessão e eventualmente os temas tratados na “demorada” sessão ritualística. 

E não se importa do “copo d’água” varar a noite.