Depois de ouvirmos e de lermos muitas opiniões sobre a Maçonaria, grande parte das quais elaboradas sobre preconceitos, em especial num País como o nosso onde durante décadas não foram consentidas instituições onde pudessem germinar ideias avessas ao poder dominante, formamos também as nossas opiniões. Estas eram, naturalmente as resultantes das informações tendenciosas transmitidas pelos meios que nos estavam mais próximos e eram, novamente, de esperança ou de suspeição.
Se alguns imaginavam que a Maçonaria era uma escola de cidadãos perfeitos, outros garantiam que, quem nela entrasse tinha garantida a entrada no inferno com as mais vivas brasas. Se os segundos se mantiveram, para tranquilidade dos seus votos, afastados da Ordem, alguns dos outros ousaram franquear as portas do Templo.
Aqui chegados, mantiveram as posturas que na vida profana vinham já adaptando: os que procuravam o aperfeiçoamento, estudaram, valorizaram-se, tornaram-se mais exigentes consigo próprios e tolerantes com os outros; perceberam que os textos rituais são inesgotáveis fontes de ensinamentos ainda que não entendessem facilmente todas as lições neles contidas.
Os que, na vida profana se acomodavam e usavam a crítica como escudo, prosseguiram, apesar dos exemplos dos seus Irmãos, na mesma senda; e, porque lhes escasseia a capacidade para polirem a própria pedra olham com azedume a forma como os seus irmãos cuidam das suas. Nada dão de si próprios já que colocam à frente de quaisquer conceitos a defesa dos seus próprios interesses.
E, o que não pode deixar de ser motivo de reflexão, estes que entraram, sem respeito, no Templo, viram as portas franqueadas pelos que já se encontravam no seu interior; buscavam favores profanos e, o que nos entristecia, em muitos casos, o reconhecimento obtido com a mais rica decoração de um avental que compensava uma vida profana apagada e triste.
Uns e outros, como que esquecidos de que são todos filhos da mesma sociedade levados por um imaginário que a História ajudou a construir e que não podemos desprezar, vieram para o nosso convívio, na expectativa de, num mundo diferente, encontrarem modelos culturais e sociais diferentes.
E novamente aqui a dicotomia se manifestou: os que sabem, e sentem, o que é a Maçonaria, encontraram muitas das respostas que procuravam; para tal estudaram, para tal trabalharam, para tal confiaram nos seus Irmãos, a tal se deram na percepção plena de que, efetivamente a Maçonaria é muito mais do que parece e de que, tudo o que nos pode oferecer é o resultado do trabalho de muitos que já não estão conosco e do trabalho solidário, fraterno e consciente de cada um de nós.
Naturalmente, e poderei dizer felizmente, para os que entram com a intenção de muito receberem sem quase nada darem, a Maçonaria não é a instituição que gostariam de encontrar. Uma instituição que, pela sua forma discreta de viver pelas relações nacionais e internacionais que possui, poderia constituir um veículo útil. De entre estes muitos afastam-se, enquanto outros permanecem, apaticamente, lendo mecanicamente rituais sem os entenderem, participando de iniciativas sem entusiasmo, no desejo de que algum Irmão os possa apoiar na vida profana ou de que as aparências o satisfaçam com aventais, colares, medalhas, diplomas, etc. etc. Ficarão sempre na convicção de que a Maçonaria é pouco, sem perceberem que eles são muito pouco.
Porque, quando falamos em aperfeiçoamento espiritual, e fazemo-lo sem reticências, sabemos que a pedra não é polida por outros: é polida, laboriosamente por cada um de nós, com a fraterna ajuda dos outros.
Na certeza de que cada Maçom está a trabalhar num momento em que a humanidade, cercada por angústias e incertezas, espera que ele cumpra a sua missão. Porque hoje, e verificamo-lo todos os dias, o homem deixou de confiar em muitos dos apoios a que se agarrou durante séculos e, numa deriva de confusões, em que se vê obrigado a correr no meio de uma turba sem saber para onde nem porquê, tenta evitar situações de desregulação psicossocial onde a esperança nele e nos outros já não existirá.
As agências de controle social, a quem vinha entregando a responsabilidade de definir o que se deve fazer e o que não se deve fazer, no que devemos acreditar e no que não devemos acreditar, e às quais não eram feitas perguntas que não contivessem já as respostas acopladas, foram perdendo a função de bússola, impotentes que se foram mostrando face às novas avalanches de dúvidas e de contestações.
A Família já não representa o que representava, o Estado já não tem o poder que tinha, não se sabendo onde começa e onde acaba, desempenhando um papel crescentemente difuso, a Escola não logra emparelhar-se com a sociedade, a Religião, ainda que cada dia mais plurifacetada não é já respeitada nem temida como já foi, a Justiça perdeu credibilidade...
Mas o Homem, com as suas fragilidades carece, como sempre careceu, de se segurar em esperanças, pelo que é tentado a deitar a mão ao primeiro bote que passar desde que pareça sólido. Cedo se está a dar conta de que estes botes nenhuma confiança merece e de que, afinal, é bem mais seguro procurar a segurança dos princípios, com outros homens, em lugares onde seja ouvido e respeitado.
E a Maçonaria oferece, de forma que continua a ser ímpar, a possibilidade de progredirmos espiritualmente sem perdemos o direito de pensarmos livremente. É um caminho bem difícil, mas é, para nós, o que nos permite sermos melhores sem que seja menosprezada a nossa responsabilidade.
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Excerto do artigo "A atualidade da Maçonaria", da autoria do Mui Respeitável Grão Mestre da Grande Loja Legal de Portugal /GLRP, Alberto Trovão do Rosário, originalmente publicado em "O Aprendiz", Revista da Grande Loja Legal de Portugal / GLRP - Nova Série, Ano 6, n.º 25. (Publicado em novembro de 2006)