“Sem instrução, as melhores leis tornam-se inúteis” (Vincenzo Cuoco)
O termo “Instrução” tem vários significados, dentre os quais a ação de instruir, ensinar, e também de lição ou de preceito instrutivo. Destacam-se várias referências, como aquelas provenientes do poder público ou ao conjunto de regras, procedimentos e informações para cumprimento de formalidades administrativas e legais, bem assim aquelas ligadas a comandos ou esclarecimentos fornecidos para uso de instrumentos ou realização de tarefas e missões, dentre outras.
Em princípio, o termo é genericamente utilizado quando o assunto envolve educação e ensino, no sentido de ministrar conhecimentos e desenvolver habilidades ou na preparação do indivíduo para diversas esferas de atividades, inclusive profissionais.
Torna-se necessário que se faça algumas distinções para que não se confunda instrução com a educação, vez que esta se centra na formação do ser humano, em especial na construção da personalidade, envolvendo tanto o desenvolvimento intelectual ou moral como o físico. A palavra educar vem do latim “ducere” que significa “conduzir para fora de”. O Novo Dicionário Aurélio registra que educação é o “Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social”.
Refletindo sobre o tema, assim se manifestou Gandhi: “em minha opinião, a educação consiste em extrair globalmente da criança e do homem tudo o que têm de melhor, quer se trate do corpo, da inteligência ou do espírito. Saber ler e escrever não é o fim da educação (...). Este conhecimento é um dos meios que permitem educar a criança, mas não deve ser confundido com a própria educação”.
No mesmo diapasão, necessário se torna entender que a instrução também não pode ser vista como ensino em si, pois este reflete um processo de aprimoramento da aprendizagem, que contribui para a formação do ser humano, mas não o define, sendo “exercido numa instituição cujos fins são explícitos, os métodos codificados, e está assegurado por profissionais”.
Já a instrução propriamente dita “é uma forma de manifestar-se o ensino, onde se focaliza os aspectos de conhecimentos e saberes da realidade objetiva e subjetiva, que complementam o treinamento e a formação qualificada”, tendo como referência conteúdos a transmitir, fornecendo ao espírito instrumentos intelectuais e informação esclarecedora. O Novo Dicionário Aurélio destaca no verbo instruir o sentido de “transmitir conhecimento a, ensinar, adestrar, habilitar...”. A instrução quando ligada a um trabalho trata da maneira correta de executar uma operação ou tarefa, de modo simples e direto.
Conforme repisado em nossos Rituais, a Maçonaria é caracterizada como um sistema e uma escola não só de Moral, mas, sobretudo de filosofia social e espiritual, que visa ao progresso contínuo de seus adeptos por meio de ensinamentos em uma série de Graus. Nesse contexto, as Instruções Maçônicas ensejam passos que levam à lapidação do espírito, de forma a propiciar os instrumentos adequados e a desenvolver habilidades necessárias para o empreendimento da jornada rumo ao aperfeiçoamento dos mais elevados deveres de homem cidadão em prol da humanidade pela liberdade de consciência, igualdade de direitos e fraternidade universal.
Por isso, de uma forma objetiva a Instrução no meio maçônico visa a inteirar os obreiros sobre a Constituição, Regulamentos, Rituais, simbolismos, filosofia, liturgia, procedimentos, administração, estratégias de reconhecimento, de forma a propiciar a uniformização e nivelamento de conhecimentos e informações sobre os meandros da Arte Real. Portanto, o tempo utilizado para isso deve ser o ponto culminante de uma reunião em Loja, pois nesse momento o aprendizado, a interpretação e o espírito especulativo estimulam as mentes e valorizam as descobertas.
O interesse do obreiro pela Maçonaria cresce na medida em que ele compreende suas origens e funcionamento e vislumbra nas instruções maçônicas os objetivos práticos, com a consciência de que cada um deve aprender a progredir por meio de sua própria experiência e por seus próprios esforços, reconhecendo-se herdeiro do legado daqueles que o precederam nesse mesmo caminho, com a responsabilidade de encontrar a sua posição na comunidade e a servir como um construtor social dentro dela.
Do ponto de vista do iniciado na Maçonaria, é natural a expectativa traduzida em sonhos de ganhos em relação a um possível incremento de bagagem cultural a ser disponibilizada pelos Mestres. Porém, o tempo demonstra que as Instruções ministradas indicam apenas os caminhos a serem trilhados, cabendo ao iniciado fazer suas próprias descobertas, à sua maneira e por seus próprios meios, de uma forma autodidata, com base em reflexões e meditações, amparadas nos subsídios fornecidos pelas discussões em Loja e nos exemplos e incentivos recebidos dos irmãos.
Os ganhos variam de acordo com as competências individuais e em consequências das vivências e descobertas proporcionadas pela forma crítica induzida por uma postura maçônica de livre revisão frente a uma diversidade de ideias e de verdades apregoadas ao longo do tempo, que mudam ou evoluem de acordo com o dinamismo e o aprimoramento do alicerce cultural de cada indivíduo.
O diferencial na Instrução Maçônica é que o seu estudo contribui para a formação de um pensamento filosófico com apoio em fatos históricos e em instrumentos simbólicos e alegorias, que transmitem conceitos abstratos e de certa complexidade, que remetem à arte da construção do templo representado pelo próprio homem, da sua educação por inteiro.
As Instruções pressupõem o autodesenvolvimento e autoconhecimento como processos contínuos, envolvendo aspectos éticos, morais, espirituais, culturais e sociais, onde tudo é proporcionado pelo próprio esforço e pelos princípios desenvolvidos com essa técnica do aprendizado maçônico, de forma livre, que não dita regras nem o ritmo, tornando o maçom o mestre de si mesmo, onde o seu maior símbolo é o autoconhecimento.
A dedicação e o aprofundamento do estudo das Instruções Maçônicas impulsionam a capacidade de pensar e incentivam ações concretas, quando devidamente assimilados os ensinamentos e praticadas as virtudes no mundo profano, de forma transformadora, com muito trabalho e ação, forjando um cidadão consciente que procura fazer tudo sempre de forma justa para promoção do bem e para tornar feliz a coletividade, com o reconhecimento de todos os que o rodeiam.
É importante que fique claro que a Instrução Maçônica não tem por objetivo formar um técnico em Maçonaria, mas despertar no iniciado a capacidade de duvidar e de pensar de forma livre e crítica, pois a dúvida é o princípio da sabedoria na filosofia. As crenças a que nos apegamos nos controlam e turvam nossa visão, por isso a necessidade de questionar nossas certezas e iniciar um processo de mudanças e aperfeiçoamento, objetivando uma nova interpretação do mundo e da vida, com o uso livre da inteligência, demonstrando o verdadeiro sentido da “iniciação maçônica”.
O livre pensar proposto pela Maçonaria convida ao despojamento das crenças baseadas em superstições e magias, que geram acomodação, apatia e preguiça mental, para um desafiador projeto que demanda coragem, determinação, sede de saber e o uso da razão para o entendimento da realidade dos fatos, o sentido da vida e a busca da verdade.
As instruções e os Rituais não são um fim, mas uma orientação para a prática de ações que transformem o homem de forma consciente. Por meio do simbolismo orienta o Aprendiz a desbastar a Pedra Bruta, conhecendo-se a si mesmo, suas fraquezas e virtudes; no Grau de Companheiro que se fortaleça e dinamize os ensinamentos intelectuais e, como Mestre Maçom, se torne espiritualmente capaz e consciente de sua personalidade, orientado por um novo ideal.
No caso específico da GLMMG, o artigo 27 do Regulamento Geral estabelece: “Aos Aprendizes e Companheiros, deve a Loja ministrar, no mínimo, as instruções constantes dos rituais, de maneira a despertar-lhes o interesse para o estudo e a prática dos princípios e da filosofia maçônica e prepará-los para o aumento de salário” (Grifo nosso).
Para suporte aos trabalhos das Lojas funciona, nas dependências da GLMMG, a Escola Maçônica “Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida”, criada pelo Decreto nº 1.537, de 25.08.2003, que tem como objetivo “promover e instituir a revitalização de instruções e aprendizagem aos moldes da padronização ritualística”. Semestralmente é divulgado o calendário de apresentação das instruções dos Graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre do Rito Escocês Antigo e Aceito, onde são discutidos e analisados os rituais, a liturgia e o simbolismo maçônico.
Ocorre que, não obstante a obrigação regulamentar contida no artigo 27 acima cotado, muitas Lojas não dão a devida importância ao aperfeiçoamento dos obreiros, contribuindo para o desinteresse, o desencanto e a deserção de muitos irmãos, que se dá mais pelo desconhecimento dos propósitos da Ordem, do que pela falta de vontade para a ação e disponibilidade para o aprendizado. Mesmo entre aquelas que prezam o compromisso de ministrar as instruções, são detectados eventualmente conflitos entre a ritualística e a prática nas sessões de trabalho, o que leva a constrangimentos quando o irmão visita outras Lojas e se ressente de habilidades que não foram aprimoradas e, muitas das vezes, esquecidas pela falta de oportunidade de treinamento.
Contar apenas com a apresentação dos documentos de regularidade maçônica que devem ser conferidos nas visitações, bem como do conhecimento da Palavra Semestral e/ou de Convivência não é o suficiente. Na eventualidade em que for necessário submeter-se ao telhamento e comprovar o domínio dos sinais, toques e palavras, o irmão deve mostrar toda segurança e conhecimento, pois acreditar que a proteção virá por acaso em momento de distração somente ocorre na canção “Epitáfio” de 2001, do grupo Titãs. Por isso, a necessidade de dominar o conteúdo das instruções é essencial.
São frequentes os comentários sobre diferenças entre instruções ritualísticas dadas em Loja e aquelas demonstradas nos encontros da Escola Maçônica. Em alguns casos, constata-se que falta uma leitura atenta e uma análise mais detalhas dos Rituais. Em outros, prevalece o entendimento de irmãos mais antigos na Ordem que aprenderam de uma forma e a repassam na certeza de que “sempre foi assim” e não aceitam a norma sancionada pela Grande Loja. Alguns, de forma arrogante e quando detentores de poderes para efetuar mudanças, simplesmente alteram as instruções ritualísticas. Outros, numa atitude rebelde, as desafiam. E o orgulho leva muitos as ignorarem. “Lamentavelmente temos assistido aos mesmos rituais com os mesmos erros”, conforme bem ressaltado pelo Presidente Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda, o Irmão José Maurício Guimarães.
Nesse particular, vale o lembrete amigo de que inúmeras batalhas foram perdidas ao longo da história por causa de confusões geradas por instruções contraditórias passadas pelos comandantes às tropas em campo, que é traduzido no jargão militar por: ordem, contraordem, desordem. Os generais derrotados exemplificam a situação produzida por um processo de comunicação que mais confundiu do que orientou os comandados. A tropa sempre aguarda sinalização assertiva. Portanto, no contexto da Maçonaria, mutatis mutandis, o modo de agir deve ser o mesmo e o exemplo deve vir dos dirigentes e ex-dirigentes das Lojas, que estão sob permanente vigilância dos obreiros.
Por outro lado, o tempo em Loja destinado à apresentação de trabalhos para fazer face ao aumento de salário não pode ser o único tema a preencher o “Quarto de Hora de Estudos”, passando-se ao cumprimento do giro do Tronco de Solidariedade, caso não haja assunto agendado na Pauta. O Ritual da GLMMG prevê que para esse momento “deverá ser preparada uma pauta onde, preferencialmente, serão dadas as Instruções do Grau”. Prossegue a orientação ritualística que “caso não haja Instrução a ser ministrada, serão apresentadas peças de arquitetura pelos obreiros...”. Assim, cada vez que este tempo não é utilizado, perde-se grande oportunidade de se aperfeiçoar os conhecimentos.
Portanto, não podemos deixar que a barreira da rotina, o adiantado da hora e o marasmo vençam.Mestre Maçom que entra mudo e sai calado, não reflete luz e não é reconhecido como um Mestre merecidamente exaltado. Precisamos tirar proveito deste precioso tempo e não desperdiçá-lo. Parodiando de forma reversa a filosofia política do renomado Deputado Tiririca, melhor não fica. Ademais, a estratégia de “deixa a vida me levar” não condiz com a postura que se espera de um bom maçom. Tornam-se imprescindíveis a dedicação, a ampliação dos conhecimentos e das habilidades. Nessa perspectiva, as instruções trazem informação e aprendizado, que leva ao crescimento e amplia o poder de visão, de análise e de discernimento, mas devem ser vistas como um complemento à formação do maçom.
As Lojas devem acompanhar com atenção o nível de crescimento dos irmãos, não somente para cumprir as formalidades nos processos de “aumentos de salários”, mas de forma a aquilatar o grau de efetividade do aprendizado contido nas Instruções. A título de exemplo, imaginem o seguinte diálogo entre dois irmãos ao final dos trabalhos:
- A Instrução de hoje foi boa?
- Penso que sim.
- O que você aprendeu?
Depois de uma breve pausa, o irmão responde:
- Não sei, esqueci!
A situação hipotética nos leva a concluir que apesar de estar presente e despender seu tempo, o irmão não tem uma percepção clara ao dizer “Penso que sim”. Ao dizer “esqueci” no que se refere ao aprendizado, demonstra que não vislumbrou nada que possa ter caráter prático ou algum tipo de benefício. Daí a importância de não somente ler os Rituais, mas de estudá-los, de refletir sobre os ensinamentos e de participar de forma consciente dos ciclos de estudos patrocinados pelas Lojas e oferecidos pela GLMMG, por intermédio da Escola Maçônica.
Não basta a pressa em oferecer as instruções de forma apenas a cumprir os regulamentos, pois o que interessa não é a quantidade de informações, mas o debate de ideias, a troca de experiências entre os Mestres e os Companheiros e Aprendizes, para a construção do verdadeiro conhecimento. Essa participação de forma mais produtiva, enriquece as discussões e demanda mais em termos de qualidade e atualização dos Mestres.
Nesse contexto, outro detalhe sutil que não pode ser negligenciado se refere ao perfil dos candidatos que atualmente se apresentam para ser iniciados. Sobre esse assunto, o nosso Irmão José Maurício Guimarães faz uma reflexão no capítulo “Considerações Sobre Um Novo Tempo” de seu livro “Grande Loja Maçônica de Minas Gerais – História, Fundamentos e Formação”. Segundo ele, “Se em épocas anteriores o candidato ingressava na Maçonaria subjugado por ‘prestidigitações’ e ludibriosos artifícios aprontados pelos ‘veteranos’, hoje ele toma conhecimento antecipado da gama ou do limite de operações da Ordem, mediante literatura pública, estudos acadêmicos e através das portas abertas que a Grande Loja oferece para visitações e sessões públicas”. Acrescenta que os “nossos candidatos chegam ao portal do Templo com mais instrução para a compreensão e prática dos ensinamentos maçônicos”, o que aumenta sobremaneira a nossa responsabilidade.
Aconselha-nos o Irmão José Maurício em outra Prancha: “temas ligados às Instruções são excelentes para serem apresentados nas sessões seguintes às das Instruções. Para que isto funcione como um relógio, cinco engrenagens devem estar em sincronismo: o Venerável para coordenar, o Secretário para agendar, o Orador para fiscalizar o tempo e o tema, e os dois Vigilantes motivando de norte a sul os irmãos”. Na sua reflexão, prossegue com o alerta: “No tempo de estudos devem ser feitas as instruções e a apresentação dos trabalhos. Não basta que seja feita a leitura de textos padronizados, é necessário dinamizar os estudos e pesquisa e as formas de expressão dos irmãos”. Novamente ouçamos Gandhi: “Seja você a mudança que deseja ver”.
Enfim, a Maçonaria precisa trabalhar com cenários, a exemplo do mundo empresarial. Imaginar que um obreiro permanecerá em uma Loja até a sua passagem para o “Oriente Eterno” é uma incógnita. Nas empresas, atualmente, os ciclos de trabalho ficam cada vez mais curtos e o tempo médio de permanência no emprego é cada vez menor. Por isso, a Maçonaria não pode ficar em descompasso com os fatos e, para isso, deve lançar mão das instruções, do companheirismo sadio e de projetos sociais que integrem a família maçônica, envolvendo cunhadas e sobrinhos, como meio de criar vínculos mais duradouros entre a Loja e os obreiros, para que a tão decantada Arte Real, que é no seu âmago o trabalho contínuo do homem sobre si mesmo, possa atingir o seu escopo que é o de torná-lo melhor para a sociedade, com o despertar de uma nova consciência e de um ideal superior de vida.
Concluo com um conhecido pensamento de Martin Luther King, que certamente aplicado ao nosso meio convoca os Mestres a tomarem uma atitude e assumirem a função para a qual se comprometeram sob juramento:
“O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem ética, mas sim o silêncio dos
Fontes de Pesquisas:
Blog do Irmão José Maurício Guimarães :http://zmauricio.blogspot.com/
GUIMARÃES, José Maurício. Grande Loja Maçônica de Minas Gerais – História, Fundamentos e Formação. Belo Horizonte: GLMMG, 2014;
MELLANDER, Klas. O Poder da Aprendizagem. São Paulo: Cultrix/Amana, 1999;
Novo Dicionário Aurélio,4ª Edição, Curitiba: Positivo, 2009;
Rituais dos Graus Simbólicos e Filosóficos;
Regulamento Geral da GLMMG;
Sites e outros blogs Maçônicos na Internet.