Todas as vezes em que tratamos do tema LIBERDADE, um dos componentes do tripé da Maçonaria, ressaltamos dever ser ela condicionada à RESPONSABILIDADE, que, por sua vez, não pode de existir sem a primeira, numa verdadeira dialética da autonomia.
De fato, convém que entendamos o que seja responsabilidade, não no sentido jurídico, mas no que diz respeito à responsabilidade existencial.
Vejamos, de início, a etimologia da palavra existência. O termo provém do latim existere, formado pela preposição ex (fora de) e pelo radical sistere (por, colocar). Correspondem estes aos vocábulos gregos ek e stasis, os quais, através do latim, ecstasis, deram origem à palavra "êxtase", que expressa o fato de sair-se de si mesmo.
Nossa existência, pois, desse ponto de vista, não pode considerar-se como algo estável ou imanente, mas um contínuo "sair-se de si mesma", um "vir-a-ser", um transcender, um salientar-se de algo, significando uma forma, um modo de relacionar-se com o mundo.
"O homem é aquilo que aspira mais além de si" (Jaspers), com o que se enfatiza o ser humano como emergente, em evolução.
A importância desse conceito reside no fato de devermos ver o existir humano como contínua criação. Não como um ser (palavra que sugere algo de estático), mas como um sendo, um pode ser, um vir-a-ser.
A vida nos é dada, mas não nos é dada feita. Recebemo-la vazia e temos que preenchê-la, com nosso próprio esforço, esforço esse que não podemos delegar a quem quer que seja.
Realmente, o homem é um contínuo criar-se, um contínuo fazer-se a si mesmo, como possibilidade aberta. "Não foi feito, mas é o que se faz". Daí a famosa frase de Sartre "O homem é o ser que não é o que é e que é o que não é", expressando o contínuo evoluir, o contínuo transcender, que faz com que ele, em qualquer momento, seja algo que está deixando de ser e que não terminou, portanto, de ser o que é. Somos nossa escolha.
Se o homem está, continuamente, em processo de fazer-se a si mesmo, elege, constantemente, seu caminho e se autodetermina, pelo menos em condições de normalidade psíquica.
"Somos nossa escolha", dentro dos limites de nosso mundo dado. E, se não podemos mudar esses limites, podemos escolher COMO dirigir nossa vida dentro deles. Tal é nossa liberdade.
É comum ouvirmos pessoas não plenamente cônscias de sua responsabilidade existencial "Eu não pedi para nascer. Vocês agora é que resolvam meus problemas, façam alguma coisa por mim ou me aguentem".
Sem embargo de certas doutrinas espiritualistas, cujo mérito, no momento, não nos cabe discutir, consideremos que, de fato, ninguém pediu para nascer. Consideremos, simplesmente, que o homem seja "lançado" no mundo, de maneira passiva, com sua carga genética, sua constituição, seu temperamento, num dado momento histórico, numa dada cultura. A partir daí, ele vai tomando conhecimento desse mundo, que ele mesmo não criou e ao qual acha-se submetido totalmente, pelo menos no início de sua vida no plano terrestre.
Cabe ao homem, porém, assumir sua condição de existente, tomando a iniciativa de descobrir o sentido de sua vida e orientar suas ações, dentro de ampla faixa de escolhas existenciais, nas direções mais diversas, sendo responsável por tudo aquilo que escolhe ou faz. Não importa o que as circunstâncias fazem do homem, mas o que ele FAZ do que fizeram dele.
Por isso, diz Sartre, "O homem é condenado a ser livre", ou seja, deve ele, a cada momento, usar de sua liberdade e escolher o que fará de si.
O homem e o mundo
Sustentamos que o homem, em condições normais, é plenamente responsável por aquilo que faz, numa relação única e intransferível com seu mundo. Por isso, é o homem, filosoficamente, chamado de ser-no mundo.
De que se trata esse mundo?
Não se trata apenas do ambiente em que o homem vive, nem de suas relações com as coisas ou com os demais.
Na verdade, o homem e o mundo são um só. À medida que, vivendo ao mesmo tempo e inseparavelmente em um ambiente, com os demais, o homem vai criando um mundo próprio, ao eleger, a cada momento, o que tem sentido para seu projeto de ser, desenvolvendo uma concepção de mundo e de si mesmo.
Em outras palavras, o homem tem que construir seu mundo a cada momento, dentro de suas circunstâncias, que são parte integrante de todos nós, na medida em que não somos uma peça isolada, suficiente e completa. "O homem é ele e suas circunstâncias" (Ortega y Gasset).
Se o homem concebe seu mundo, elege, com esse mundo a ele integrado, tudo o que tem significado para sua vida, de acordo com seu projeto de vida. Há em tudo uma intencionalidade, pois, como vimos, não concebemos o mundo como um dado bruto, desprovido de significados. "O mundo que concebo é o mundo para mim". Criamos, portanto, nossa realidade. Vemos as coisas de acordo com nosso "plano de mundo", com nossa "aspiração".
Em síntese, o homem, enquanto existente, não pode ser compreendido a não ser em relação com seu mundo, relação essa na qual ele cria seu mundo e, ao mesmo tempo, é criado por ele. Não existe uma dicotomia homem/mundo, sujeito/objeto.
A ideia de ser-no-mundo, portanto, deixa claro que o homem constrói sua vida, determinado o sentido histórico significativo de sua existência.
O sentido de vida e a Maçonaria
Viktor Frankl, famoso psicoterapeuta austríaco, criador da Logoterapia, sobrevivente dos campos de concentração nazistas, convivendo com seus companheiros de infortúnio, observou que apenas sobreviviam as pessoas que encontraram um sentido de vida, ingrediente indispensável não só para resistir e superar as grandes crises, mas também para incentivar a vontade de viver.
Quem elege como escolha existencial o aperfeiçoamento do caráter e a busca da elevação cultural, moral e espiritual do ser humano, muito se beneficiará com os ensinamentos hauridos na Ordem Maçônica. Para tanto, a Instituição exige de nós que sejamos homens retos na concepção de nossos valores, qual o fio de prumo, que se situa na perfeita perpendicular. Compara-nos a blocos de pedra, cujas arestas devem ser removidas, cujos lados devem ser polidos e cujos ângulos devem ser tornados perfeitamente retos, para que se assentem, com perfeição, na monumental construção do Templo Social.
A escolha desse sentido de vida depende de nossa inteira liberdade, dentro da concepção que tivermos de nossa existência e do que quisermos fazer dela, quer dizer, de nós e de nossas circunstâncias.
Tudo dependerá de nós! A Ordem não poderá nos dar mais daquilo que optarmos buscar. . .